Usina de Letras
Usina de Letras
50 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62282 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10451)

Cronicas (22540)

Discursos (3239)

Ensaios - (10386)

Erótico (13574)

Frases (50669)

Humor (20040)

Infantil (5457)

Infanto Juvenil (4780)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140818)

Redação (3309)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6208)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->"Cidade de Deus": samba, drogas, violência -- 05/07/2003 - 00:57 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
"Os Bons Companheiros" nos guetos do Rio: Com "Cidade de Deus", o cineasta brasileiro Fernando Meirelles realiza de saída uma obra-prima.

________________________________________________

Por Hauke Goos [KulturSPIEGEL 5/2003 - 28. April 2003]
Trad.: Zé Pedro Antunes (com os alunos do terceiro noturno de língua e literatura alemã, Unesp/Araraquara, 2003)
________________________________________________


Fernando Meirelles fica empolgado com a pergunta sobre seus ascendentes cinematográficos.

Sergio Leone, sabe-se, tê-lo-ia influenciado com a violência do seu filme sobre Nova Iorque "Era uma vez na América". Sam Peckinpah, com o balé da morte filmado em câmera lenta em "Meu ódio será tua herança". E, é claro, Martin Scorsese, com "Os Bons Companheiros", um clássico dos filmes sobre máfia, que em diversos aspectos lhe terá servido de inspiração. Desde que "Cidade de Deus" foi ovacionado no início deste ano de 2003, no Festival de Cannes, nenhuma comparação soa exagerada.

O mais espantoso é que, com "Cidade de Deus", esse drama avassalador, brutal e bem-humorado sobre o tráfico de drogas nas favelas do Rio, Meirelles, 47, logrou de saída um filme que explora e leva adiante os clássicos do cinema épico – sem deixar de ser, sob todos os pontos de vista, obra autônoma e original.

O filme fez de Meirelles um astro da direção. É seu terceiro filme de ficção, seu primeiro longa-metragem; no Brasil, "Cidade de Deus" ficou sendo um dos filmes de maior sucesso nos últimos dez anos.

"Um filme brilhante!", teria exclamado Steven Spielberg. "Uma obra-prima", senteciou o "L. A. Times". E Bernd Eichinger, que entende alguma coisa de cinema e mais ainda de relações públicas, deixou-se levar pelo entusiasmo: "talvez o melhor filme dos últimos dez anos". Conseqüentemente, tratou de adquirir para a sua firma distribuidora, a Constantin, os direitos de exibição na Alemanha.

E, como o filme agora finalmente chega aos cinemas da Alemanha, Fernando Meirelles está sentado no Hotel Adlon, numa fria manhã de fevereiro, durante o Festival de Cinema de Berlim, e tenta explicar o milagre. Óculos de aros estreitos, de chifre, jeans pretos, e um riso aberto e despreocupado. Quanto mais dura o bate-papo, mais ele se deixa contaminar pelo entusiasmo geral em torno do seu feito.

É claro que "Os Bons Companheiros" o influenciou, diz Meirelles, sobretudo no que diz respeito à estrutura do roteiro: quem quer filmar um romance de 600 páginas (o autor, Paulo Lins, cresceu na Cidade de Deus) com centenas de personagens, teria de se preocupar em saber a tempo como ordenar o seu material.

Scorsese demonstrou como isso funciona, narrando "Os Bons Companheiros" do ponto de vista de Henry Hill, que por um lado pertence à Máfia e por outro, em razão de sua descendência irlandesa, continua sendo um marginal.

Meirelles faz com "Cidade de Deus" seja narrado em off por Buscapé. Como os outros personagens do filme, esse jovem cresce na favela Cidade de Deus (que em alemão significa "Stadt Gottes", mas em português soa substancialmente mais bonito, razão pela qual o filme deveria ser obrigatoriamente visto pelos alemães na versão original legendada).

Buscapé é demasiado fraco e sensível para desperdiçar a vida com o tráfico de drogas. Seu sonho é ser fotógrafo. Como Henry Hill, faz e não faz inteiramente parte da coisa. Que ao final ele realize o seu sonho, eis a guinada mais improvável do filme de Meirelles e, ao mesmo tempo, seu mais surpreendente triunfo: a história de um milagre.

O enredo abrange três décadas do tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Os anos 60, nos quais, ao som da batucada, Meirelles faz passar a inocência da juventude. Os anos 70, quando os pequenos criminosos embarcam no tráfico de maconha, com o samba superado pelo pop e pelo funk. E os anos 80, com a cocaína desbancando a maconha e as guerras entre gangues começando a pipocar.

Para cada década, Meirelles encontrou um ritmo, um andamento próprio: uma linguagem específica. Os anos 60, ele os filma com tripé, com travellings, com tomadas tradicionais. Os anos 70 são mais coloridos, os cortes mais duros, a câmera mais dinâmica. Os anos 80, por fim, são regados a hard rock e heavy metal, transtornados por jump cuts, pistas falsas, imagens inquietas e de pouca definição.

________________________________________________

"Em Cidade de Deus , o negócio é mesmo perder o controle."
________________________________________________


No início, ainda há perspectivas, diz Meirelles. "O horizonte é visível, porque, no filme, os personagens têm uma perspectiva." Meirelles e seu câmera César Charlone fazem uso quase exclusivo de lentes de grande angular de 32 e de 65 milímetros.

Quanto mais o filme avança, mais longas se tornam as distâncias focais: é como se as casas fossem arrebatar às pessoas o seu espaço vital. "O espectador tem quase a impressão de que a equipe de filmagem pudesse perder o controle sobre o desenrolar da história. Mas é esse justamente o ponto: O negócio é mesmo perder o controle."

Meirelles aprendeu a carpintaria do seu ofício como realizador de vinhetas comerciais. "Fazer filmes de propaganda é algo extraordinário, porque as pessoas te pagam para experimentar coisas", ele diz. "É um pouco como nas escolas superiores de cinema: alguém chega e diz: ‘Nós queremos um enredo emocional, capaz de falar às mulheres de 40 anos de idade. Então a gente tenta."

Meirelles teve tanto sucesso que logo se tornou proprietário de uma das maiores firmas de filmes publicitários no Brasil; ganhou prêmios internacionais, produziu séries para a televisão, documentários e centenas de vinhetas comerciais.

Com isso, aprendeu tudo sobre técnica, lentes, distância focal, pós-produção. Ali ele descobriu também sua preferência por deslocamentos bruscos de câmera e tomadas em zoom, por vinhetas comerciais que não parecem vinhetas comerciais.

Além disso, aprendeu que não existe problema que não possa ser solucionado ao longo das filmagens ou na mesa de montagem.

Com a experiência, veio a autoconsciência, que lhe dava poderes soberanos para fazer com que sua própria voz ecoasse em seus filmes. Para dar a "Cidade de Deus" um máximo possível de autenticidade, contratou leigos em vez de atores – e os incentivava para que lhe transmitissem suas experiências de favelados.

Um dos mais belos exemplos desta colaboração pode ser visto no final do filme. Antes de ter início a batalha entre as gangues rivais, os rapazes deveriam simplesmente surgir de uma porta. Câmera a postos, Meirelles gritou "Atenção, rodando!", quando de repente um deles gritou alguma coisa do outro lado da rua. Antes das filmagens, esse que gritara estivera envolvido no tráfico. "Antes de partir para o ataque", ele gritou, "a gente tem de rezar! É só deixar a câmera funcionando, a gente mostra pra você". De repente, os rapazes se deram as mãos e começaram a rezar.

O começo desta seqüência não surge muito nítido na tela, porque o câmera estava muito longe da cena, e o som também é quase inaudível, porque o técnico de som tinha de se esforçar para acompanhar o câmera. Mesmo assim, Meirelles decidiu não rodar uma segunda vez, e o filme ganhou em autenticidade, adquiriu características quase de documentário.

"Nós rodamos o filme afinal de maneira bastante naturalista, sem luz adicional, com a câmera manual”, diz Meirelles. O que tornou mais importante ainda a elaboração posterior do material. O montador de Meirelles tinha 22 anos de idade ao ser contratado para realizar o trabalho – antes disso, tinha trabalhado como DJ. "Foi algo assim como mandar rodar o material para um documentário e engajar o montador de Oliver Stone", diz Meirelles. Contente com a tirada, ele quase salta da poltrona.

Com "Cidade de Deus", Meirelles encabeça uma lista de esperançosos cineastas latino-americanos, que se propõem renovar o cinema mundial. Seu compatriota Walter Salles ("Central do Brasil") é um deles, juntamente com o argentino Carlos Sorin e, é claro, o mexicano Alejandro González Iñárritu, que há dois anos provocou entusiasmo com "Amores Brutos".

Originalmente, Meirelles planejava fazer com que um dos personagens fosse acompanhado por um bando de cães: sempre que ele surgisse, o bando estaria latindo. A idéia havia sido projetada não importa quando. Num dia livre, Meirelles viu "Amores Brutos", que trata do amor pelos cães. "Eu pensei: Deus, eu te agradeço. Que acaso feliz!"

No cinema, é bastante raro coincidirem tantas coisas: um diretor que tem o acaso a seu lado, que domina a linguagem cinematográfica como praticamente nenhum outro – e que, afora isso, ainda tem algo para contar.

"Às vezes, surge um filme que simplesmente nos arrebata, cujas imagens marcam profundamente", escreve o "Rolling Stone".

Meirelles está radiante. Seu rosto inteiro é expressão desse sentimento.

_________________________________________________
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui