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Ensaios-->O Conquistador: uma paródia do Mito Sebastianista -- 05/06/2002 - 12:33 (Taíse Regina Leal dos Santos) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

'O Conquistador: uma paródia do Mito Sebastianista'
Por: Taíse Regina Leal dos Santos

Que se pode esperar de uma nação em que a metade anda à procura do Messias e a outra metade à espera de D. Sebastião, morto há quase dois séculos?
Esta observação sarcástica, atribuída algumas vezes, a piada evidentemente vulgar entre os estrangeiros que viviam em Lisboa e que refletia a crença de que a maioria do portugueses era ou cristãos-novos ou Sebastianistas.
( C.R. Boxer -O império Marítimo
Português - 1415 -1825)

A citação acima mostra bem, como a História de Portugal é vista por alguns estrangeiros que não acreditam no Sebastianismo tão aclamado pelos portugueses.
Este ensaio é sobre a relação entre o livro contemporâneo, 'O Conquistador' de Almeida Faria e o Mito de D. Sebastião. Mas antes de começar a análise sobre a obra em questão, é preciso que se entenda como se deu a construção desse mito que rege a crença portuguesa, envolvendo-os numa mistura de mito e misticismo.


A Construção do Mito Sebástico

Ao longo do tempo, a História Portuguesa foi sendo formada, tendo como base alguns mitos de origem judaico-cristã, como o Messianismo e o Mito Arturiano.
O Messianismo, trata-se da crença no Cristo Salvador. O Homem cujo amor maior pela humanidade, deu sua vida pela salvação e redenção do povo.
O mito Arturiano, que também tem como base o Messianismo, acredita na chegada de um Rei nobre e puro de coração capaz de salvar o povo da situação precária em que se encontrava. O mito Arturiano conta a História do Rei Arthur, na Medieval Camellot, situada na Ilha de Avalon, na qual, a Excalibur ( espada mágica) foi cravada na pedra e lá permaneceria até que um homem puro de coração a retirasse. Então esse homem seria o novo Rei, que governaria com sabedoria e traria a salvação ao povo.
Ambos os Mitos contam a História de um povo que está sofrendo e clamando por um 'ser' maior, capaz de trazer a redenção.
Esta característica do povo sofredor, é uma característica básica para a construção de um Mito. É necessário que haja o conflito e o sentimento de estar sozinho diante de uma situação para o surgimento do MITO. Quando há um conflito (situação), o povo clama por algo que seja mais forte que os homens, uma força superior que possa resolver a situação. Então através da fé, acreditam cegamente em profecias rogadas.
Esses mitos foram sendo espalhados e sustentados durante séculos. O maior propagador e um grande contribuinte para a construção e desenvolvimento do mito Sebástico em Portugal, foi o Infante D. Henriques, que certa vez, na batalha contra os Mouros, acreditou ter visto Cristo que lhe disse para propagar a fé Cristã, e Ele o ajudaria na batalha contra os Mouros. Isso ocorreu porque havia quase o dobro de Mouros contra a tropa de D. Henriques. No desespero, ele começou a rezar, e Cristo apareceu em sua frente (Conflito e sentimento de estar sozinho diante da situação).
D . Henriques, então, acreditou que seu povo foi escolhido por Cristo para a propagação do Cristianismo. E assim foi!. D. Henriques acreditava também que se encontrasse o Santo Graal ( Cálice usado por Cristo na última Ceia), ele seria o homem salvador, ou seja, acreditava que quem encontrasse o objeto Sagrado, seria o grande redentor.
Assim como a Excalibur, o Santo Graal se transformou num objeto santificado no qual teria o poder de purificar o homem, e só poderia ser tocado (possuído) por um homem puro de coração. Mas Cristo e o Rei Arthur morreram e seus objetos desapareceram, ficando assim o mistério ao redor desses objetos e da morte desses homens.
Onde estarão o Santo Graal e a Excalibur?
E assim como em torno dos objetos 'mágicos' foram sendo criados uma série de hipóteses místicas, também foram criadas hipóteses com relação a morte do Messias e do Rei Arthur. Primeiro Cristo morre crucificado aos olhos de todos. Depois seu corpo desaparece e Maria Madalena afirma ter visto Cristo novamente vivo, lhe dizendo que subiria aos céus.
Ao Rei Arthur, atribuem uma morte misteriosa na qual ninguém teria visto seu corpo. Acreditam que Rei Arthur está encoberto pela névoa da Ilha de Avalon.
Assim como os povos judaico - cristãos passavam por momentos difíceis e clamavam por uma salvação, Portugal também clamou por um Rei salvador, quando se viu prestes a perder o Reinado, pelo fato do Rei D. João e sua esposa Dona Joana, não terem nenhum herdeiro. Seria o fim de uma linhagem de Reis conquistadores e fundadores de Impérios.
O povo português, então clamava pelo filho do Rei. Um Rei que viria para restabelecer o Império e dar continuidade à Monarquia.
D. Sebastião foi concebido em meio a promessas e orações e por isso, foi chamado 'O desejado'. D. Sebastião foi aclamado Rei de Portugal aos três anos de idade e começou a governar aos catorze anos. Era um Rei de personalidade forte e não queria escutar a ninguém. Desde cedo queria ser Cavaleiro de Cristo e conquistar terras e mais terras. Para a infelicidade do povo português, D. Sebastião não queria saber de casamento e por conta disso, negou várias pretendentes. Aos vinte e quatro anos D. Sebastião foi para Marrocos, na batalha de Alcácer Quibir, onde foi morto, sem deixar herdeiros. Perdeu-se o Reino que foi concedido ao Rei da Espanha e um Rei que foi desejado por toda a nação, tendo aqui, o início da mitificação do Rei herói, que morreu por seu povo. Os homens que estavam na batalha afirmam nunca terem visto o corpo de D. Sebastião ( assim como o de Rei Arthur). Assim teve início ao mito do 'Encoberto'.
Grandes escritores Portugueses pensaram sobre o mito Sebástico e escreveram sobre o Rei Desejado e aclamado por todos.
Nestes dois poemas de Fernando Pessoa, extraídos da obra Mensagem, fica clara a relação entre os Mitos Messiânico, Arturiano e Sebástico e também a crença que um dia o Rei retornará a Portugal.

'Onde Quer que, entre sombras e dizeres,
Jazas, remoto, sente-se sonhado ,
E ergue-te do fundo de não seres
Para teu novo fado!

Vem Galaaz com pátria, erguer de novo,
Mas já no auge da suprema prova,
A alma penitente do teu povo
À Eucharistia Nova


Mestre da Paz, ergue teu gladio ungido,
Excalibur do Fim, em geito tal
Que sua Luz ao mundo dividido
Revele o Santo Graal!'


( Terceiro/ O Desejado)





'(...) Só te sentir e te pensar
Meus dias vacuos enche e doura.
Mas quando quererás voltar?
Quando é o Rei? Quando é a hora?

Quando virás a ser o Christo
De a quem morreu o falso Deus,
E a dispertar do mal que existo
A Nova Terra e os Novos Céus?

Quando virás, ó Encoberto,
Sonho das eras portuguez,
Tornar-me mais que um sopro incerto
De um grande anceio que Deus fez?(...)'

( Fragmento: 'Terceiro')



Assim, a crença que gira em torno de D. Sebastião, é que ele ainda perambula pela Terra, esperando seu momento de voltar e restabelecer a Monarquia, dando início ao V Império. De Rei 'Desejado', D. Sebastião, passou a Rei 'Encoberto', pois assim como no mito Arturiano, o povo acredita que D. Sebastião está encoberto pela névoa do mar português e que em breve retornará para dar início ao V Império.

O Conquistador:
Relações com o mito Sebástico

As relações entre o mito e a obra são muitas.
O livro narra a história de Sebastião de Castro que tem grande semelhança física e psicológica com o Rei, não deixando de enfatizar que nasceu exatamente no dia 20 de janeiro, em 1954 ( data de nascimento do Rei Desejado), exatamente quatrocentos anos após o nascimento de D. Sebastião, tendo ainda semelhanças com os nomes das pessoas que o rodeiam. João de Castro e Joana, são os nomes dos pais de Sebastião (protagonista da obra), exatamente os nomes dos pais de D. Sebastião. E seus avós também teriam os mesmos nomes, assim como a avó Catarina, que conta como Sebastião nasceu.
Diz Catarina, que em meio a névoa da madrugada fria e chuvosa, surgiu na praia , vindo dos mares, um ovo, e dentro desse ovo, estava uma criança que era protegida por uma serpente. João de Castro, cavaleiro muito corajoso, enfrentou a serpente, ganhando assim a posse do menino, que aqui, é Sebastião de Castro.
Note que aqui tem toda uma relação com o mito sebastianista, já que esta criança veio da beira do mar, encoberta pela névoa marítima. Seria como se D. Sebastião estivesse regressando neste menino. Foi enviado pelo mar, onde esperava até então o momento de voltar e se tornar o Grande Conquistador.
Aqui se dá a reconstrução do mito sebástico, a partir da lenda do nascimento de Sebastião. (...) 'a avó dava-lhe alento dizendo que um dia o Rei voltaria, numa certa madrugada, no meio da neblina' (Almeida Faria, O Conquistador, 1993, p.22)
Mas conquistar o quê?
O título do livro é extremamente ambíguo, podendo significar várias coisas. Uma hipótese, seria que o autor fez uma paródia do mito de D. Sebastião. Um queria ser o conquistador de terras, queria ser o Cavaleiro de Cristo. O outro, queria apenas conquistar mulheres e ser o Cavaleiro do amor.
Se a pouco houve uma construção mítica ao redor do nascimento de Sebastião, aqui houve uma desconstrução do mito, na qual o autor nos mostra através de uma oposição entre D. Sebastião e seu homônimo Sebastião de Castro. Mas ambos foram grandes Conquistadores. Um de terras, outro de mulheres. É como se fosse para compensar. O que um não fez, o outro faria agora. '(...) corri atrás de mundos e mulheres. Fiz o que o Outro não fez.' ( Faria, 1993, p.133).
Por muito tempo Sebastião acredita nessas semelhanças atribuídas em relação a ele e ao Rei Desejado. Começa a questionar se também tem que carregar em si, o peso de ser o homem que se sacrificará por algo maior que a si mesmo, pondo em questão sua identidade. Tanto que manifesta o súbito interesse de estudar História, para tentar descobrir o que nisso tudo é verdade ou mentira. Quem realmente é, e acima de tudo, tentar provar se é ou não a reencarnação do Rei, agora, Encoberto. '(...) No primeiro verão parisiense desforrei-me em todos os tipos de conquistas. Mas no outono matriculei-me em História da Sorbonne, cada vez mais interessado num passado de desejava desvendar.'(Faria, 1993, p. 115) '(...) por muito que me agrade a travessia dos anos passados, sou obrigado a reconhecer que não me trouxeram senão ao ponto de onde parti. (...) Continuo ignorando quem sou'. (Faria, 1993, p. 130)
Após a crise de identidade, Sebastião, cansado sobretudo de andar pelo mundo, começa a pensar em sua relação com o mito sebástico, e pensa se viverá mais que a idade de vinte e quatro anos ( idade que D. Sebastião morre na batalha de Alcácer Quibir) e começa a entrar num estado melancólico, se refugiando na ermida para escrever assim, suas memórias. Quando está na ermida, começa a ter visões constantes de D. Sebastião, principalmente quando se aproxima a data em que completará seus vinte e quatro anos. '(...) ultimamente aparece-me de noite uma figura nua que podia ser meu duplo e que vem em silêncio, calçando luvas compridas, usando na cabeça a mitra dos dignatários e príncipes.(...)' ( Faria, 1993, p.130)
Aqui se dá uma morte simbólica , quando D. Sebastião morreu na batalha, e Sebastião se enclausura na ermida, para não mais conquistar mulheres.
O Conquistador, promove grandes articulações entre Mito e Realidade. Ao mesmo tempo que constrõe o Mito Sebástico, o desconstrõe mostrando diferenças entre os dois.
Mas não esquece de deixar claro que o mito é fortemente sustentado pelo povo português e que até mesmo após quatrocentos anos desde a morte de D. Sebastião, os portugueses ainda acreditam que o Rei retornará e estabelecerá o V Império.


Taíse Regina Leal dos Santos
4º Semestre de Letras - UNIMEP
Literatura Portuguesa - Profª Joseane de Souza
Novembro / 2001














Referências Bibliográficas




AMEAL, J. História de Portugal. 5ª ed. Porto: Tavares Martins,
1962.

BOXER, C.R. O Império Marítimo Português -1415 - 1825.

CAMOCARDI, Elêusis M. Fernando Pessoa, Mensagem:
história, mito, metáfora. São Paulo: Arte & Ciência, 1996.

FARIA, Almeida. O Conquistador. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.

SILVA, Rodrigo. As raízes do Sebastianismo. Site:
www.literaturaportuguesa.com.br

SIMÕES, Maria de Lourdes N. Transgressão e conquista: O
Conquistador. Site: http://www.ipn.pt/literatura/letras/
ensaio13.htm

VIANA, Liene Cunha. Literatura e História: Portugal em foco.
Cap. O Conquistador de Almeida Faria: Inter-Relações
Historiográficas e Literárias. S/ data.

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