Taíse Regina Leal dos Santos
Comunicação e Expressão - 2º Sem. Letras
'COMO UM ROMANCE'
Daniel Pennac
'A leitura é o flagelo da infância e quase a única ocupação que se sabe lhe dar. (...)'
Rousseau
O que faz uma criança se afastar da leitura, tornando-se um adolescente sem ter despertado em si o prazer de 'saborear um livro', entrando e viajando pelas linhas e páginas de um belo romance ?
Daniel Pennac, um pedagogo francês, tenta em seu livro 'Como um Romance' ( 167 páginas, R$ 18,00, Editora Rocco, Tradução de Leny Werneck) estabelecer relações entre a perda do prazer de ler, e as experiências ocorridas ao longo da infância, na escola e nas próprias famílias que de alguma forma acabam por acentuar o desprazer de se ter um livro em mãos.
O enredo narra fatos de como uma criança que perde o prazer da leitura, se torna um adolescente que não consegue se identificar com um livro de quase 500 páginas, com descrições minuciosas, tendo assim deixado para traz o valor do livro enquanto objeto de conhecimento, quebrando a relação leitor/livro.
Um dos fatores que Pennac aponta como 'assassina da leitura' é a obrigatoriedade, sendo explícito ao começar seu livro dizendo que 'O verbo ler não suporta o imperativo', ou seja, não deve ser dito em um tom de ordem, 'LEIA'. Essa obrigatoriedade desperta uma reação contrária do que a que realmente deveria ser despertada: a do prazer de ler. Quando a criança entra em fase escolar, acaba tendo que por normas educativas, seguir um certo padrão de leitura. Isso acontece porque a escola acredita que deve se 'formar' bons leitores com um bom desenvolvimento crítico em relação ao que se lê. A escola é um dos fatores que Pennac aponta como causador da perda do prazer da leitura, pois o leitor acaba sendo sufocado por normas, regras, fichas de leitura e resumos dos livros.
Mas Pennac não nos mostra apenas um fator causador do afastamento de um livro.
A família, os pais, segundo Pennac, também possuem sua parcela de culpa, pois se distanciam da leitura, deixando de ler uma simples história para que seus filhos durmam. Na maioria das vezes, isso acontece quando a criança entra em fase escolar e os pais transferem este compromisso com a leitura, para a escola como se estivessem passando uma 'obrigação' para as mãos dos professores. Perceba que a leitura passa a ser tratada como obrigatória, até pelos próprios pais. Com toda essa 'responsabilidade' transferida, um livro acaba se tornando o maior dos inimigos de um adolescente, que não consegue ler além de 40 páginas de descrições minuciosas.
Além dessa relação, entre as experiências na infância e a perda do prazer de ler, Pennac vai além no desenvolvimento do enredo, nos mostrando um professor que ao invés de 'mandar' que seus alunos lessem um livro, tem a iniciativa de levar para a sala de aula um livro 'gigantesco' aos olhos dos adolescentes, e começar a ler o conteúdo em voz alta para seus alunos, que até então eram intitulados de 'encalhados' alí , como carcaças na praia esperando serem levados pelas ondas. Com esse ato, Pennac mostra, talvez, uma maneira de se 'quebrar' esse dogma, resgatando de alguma forma o prazer de ler. Ler qualquer coisa, a qualquer hora, em qualquer lugar e em voz alta. Estes são alguns, dos 10 direitos que Pennac intitula de 'Os direitos Imprescritíveis do leitor'.
O enredo de 'Como um Romance' nos é mostrado em capítulos curtos, parecendo que foi minuciosamente planejado dessa maneira, para de certa forma, 'prender' o leitor, não se tornando um livro cansativo ao longo da leitura. Além disso, o livro contém uma grande carga de citações incríveis de grandes nomes como Rousseau, Valéry, Kafka e outros. Com citações desses grandes escritores, literatos e pensadores, Pennac parece exigir de seu leitor certos conhecimentos de leitura já adquiridos, mas a verdade é que Pennac se revela um grande pesquisador, que ao longo do tempo, colhe informações e citações de grandes nomes fazendo uma relação entre o que foi dito pelos escritores e o tema em questão.
Apesar de parecer um livro didático, escrito por um pedagogo, 'Como um Romance', não tem nada que o faça exibir 'receitas' de como resgatar o prazer da leitura explicitando ao leitor uma maneira de se formar bons leitores.
Pennac parece ir contra a didática pedagógica e deixa bem claro que a prioridade é o leitor. Talvez Pennac pretenda (apontando alguns fatos que possam causar o distanciamento da leitura) fazer com que acabe-se evitando que uma criança se torne um adolescente ou até um adulto, que evita e sempre encontra algo mais interessante para fazer do que ler um livro.
Logo nas primeiras páginas, encontra-se uma nota da tradutora, que acaba nos tornando mais abertos às idéias de Pennac e nos aproxima de seu modo de escrever.
Segundo Leny Werneck, a tradutora, ' Pennac é um mestre em engatilhar citações literárias, referências populares, gíria escolar e outras armadilhas' que fizeram com que percebesse que não foi nada fácil traduzir ' Como um Romance'.
Se você é um leitor assíduo e possui o ' prazer da leitura', vale a pena ler 'Como um Romance' não deixando que a relação leitor/livro se perca em alguma prateleira empoeirada. Ou senão, você pode ler 'Como um Romance', apenas para exercer seu Direito de Ler qualquer coisa, como foi descrito por Pennac entre 'Os Direitos do leitor'.
'Não se fará nunca um menino entender que a noite fica bem no meio de uma história cativante, não se fará jamais que ele entenda por uma demonstração só para ele mesmo, que é preciso interromper sua leitura e ir se deitar.'
Kafka
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