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Ensaios-->Os governos militares no Brasil pós-golpe de 1964: -- 21/06/2002 - 17:20 (Jeyson Reis Barbosa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Os governos militares no Brasil pós-golpe de 1964:
Ingerência política e econômica em repressão às reivindicações populares.

Por:
Jeyson Reis Barbosa

1 – Introdução
Um dos discursos mais apregoados dentro e fora do território nacional, é de que o povo brasileiro, além de preguiçoso, malandro, pusilânime e outros adjetivos do gênero, é extremamente cordial, de forma que diante das injustiças sociais, não é capaz de levantar a voz e os punhos em resistência ou protesto. Felizmente, nossa maculada história marcada por lutas, sangue e suor, nega esta afirmativa perversa e depreciativa.
A origem e ascensão da instituição militar no Brasil é marcada por sua atuação em repressão ao povo, que tenta insurgir contra a injusta ordem estabelecida, ordem tal que condena a massa a continuar miserável e subserviente aos interesses de uma restrita elite nacional mancomunada com interesses próprios e estrangeiros. Darcy Ribeiro ilustra magistralmente este raciocínio em relação aos conflitos de classe:

O que têm de comum e mais relevante (em relação aos conflitos) é a insistência dos oprimidos em abrir e reabrir as lutas para fugir do destino que lhes é prescrito; e, de outro lado, a unanimidade da classe dominante que compõe e controla um parlamento servil, cuja função é manter a institucionalidade em que se baseia o latifúndio. Tudo isso garantido pela pronta ação repressora de um corpo nacional das forças armadas que se prestava, ontem, ao papel de perseguidor de escravos, como capitães do mato, e se presta hoje, à função de pau-mandado de uma minoria infecunda contra todos os brasileiros. (Ribeiro, 1995: 175)

1.1 – As origens do Exército e suas influências do Império à metade do século XX
Em abril de 1964, quando os militares (num ato inconstitucional) derrubaram o então presidente da República, João Goulart, deram seqüência a um processo intervencionista que já havia se iniciado séculos antes da Proclamação da República, ainda no período escravista colonial.
Sob os olhos do Império, diversas revoltas populares contra a opressão política e em defesa da soberania nacional ocorreram no Brasil. Revoltas que consumiram inúmeras vidas das massas revoltosas em detrimento da manutenção do status quo.
Para combater tais levantes populares, o Império criou, em 1831 a Guarda Nacional, que tinha por função a repressão aos opositores internos, ficando assim muito ligada aos latifundiários; enquanto que ao Exército cabia a tarefa de resolver incidentes externos. Já na segunda metade do século XIX a Guarda Nacional começa a declinar, observando que a posição de destaque do Exército no cenário nacional é alcançada ao término da Guerra do Paraguai (1864 – 1870).
A partir daí, além de competir com a Guarda Nacional como força organizada, o Exército começou a intervir abertamente em questões políticas. O fato de rivalizar com a Guarda Nacional, que defendia os interesses mais retrógrados da sociedade, deu ao Exército uma imagem de identificação, durante certo período, com algumas lutas de caráter progressista. (Arns, 1986: 54)
A culminância de identificação entre o Exército e o espírito progressista, durante o Império, ocorre na deposição de Dom Pedro II e a Proclamação da República pelos militares, presidida inicialmente pelo Marechal Deodoro da Fonseca e posteriormente por Floriano Peixoto. “O Exército passou então a conservar duas atitudes antagônicas: o de rebelde e progressista frente às oligarquias monarquistas e, ao mesmo tempo, repressivo e impiedoso frente às camadas mais pobres (...)” (Arns, 1986: 54).
Por várias vezes, os militares interferiram direta e indiretamente no cenário político nacional, mas para não delongar esta introdução vamos direto ao episódio que marcou uma tenaz tentativa do Exército de assumir o controle da nação, na metade do século XX, durante o segundo governo de Vargas, que volta à presidência, agora através do voto, empunhando a bandeira nacionalista, em 1950. E novamente Vargas encontra-se entre a cruz e a espada. Não era mais possível manter o “Estado de equilíbrio” típico do populismo, onde pudesse agradar paralelamente aos interesses norte-americanos e estimular explicitamente a participação da massa popular a fim de que esta auxiliasse a instalação de medidas nacionalistas.
E mais uma vez os militares preparavam-se para intervir de forma direta e antidemocrática no cenário político do país. As providências para depor Vargas já estavam em andamento. A deposição não ocorreu. Em 24 de agosto de 1954 Vargas comete suicídio. A tragédia chocou a opinião pública que passou a protestar calorosamente contra a “ditadura” do capital norte-americano no Brasil. Tendo observado tamanha animosidade da indignação popular, os militares consentiram que não era o melhor momento para o tão planejado golpe. Cessaram a conspiração à espera de melhor ensejo.

1.2 – Presidente João Goulart e o golpe que o depôs
Para melhor compreender a propaganda contra Jango, a repulsa das direitas e dos imperialistas, das Forças Armadas e a culminância desta repulsa que estampa-se no Golpe de 64, é preciso entender as propostas de Goulart. Ao contrário do que propagou a classe dominante, Goulart não era comunista, nem revolucionário. Sua política de “Reformas de Base” visava justamente fortalecer o capitalismo nacional, melhorar as condições materiais de vida das massas e consequentemente, enriquecer ainda mais a burguesia. Júlio José Chiavenato observa isto muito bem:
As Reformas de Base abarcavam quase toda a sociedade. Existiam planos para as áreas eleitoral, administrativa, tributária, urbana, bancária, cambial, universitária e, certamente a mais polêmica, a agrária. (...) As Reformas de Base estavam longe de “socializar” o ou “comunizar” o país. Na verdade pretendiam agilizar o capitalismo brasileiro, proporcionando-lhe condições de desenvolvimento com maior participação do povo no produto final. A Reforma Agrária, por exemplo, tinha um caráter nitidamente burguês, pois o próprio sistema lucraria com ela, graças à ampliação do mercado interno. Em última análise, privilegiava a propriedade privada: apenas 2% da população possuía terras e, desses 2%, quase 60% eram latifundiários. No parecer do governo Goulart, essa má distribuição da propriedade da terra acarretava uma baixíssima produtividade.
Em resumo: a Reforma Agrária de Goulart não era anticapitalista e nem agredia o direito à propriedade. As fazendas produtivas, por exemplo, não seriam tocadas. A forma de pagamento das terras expropriadas não previa qualquer “confisco” (...) o número de proprietários de terras subiria de 3,35 milhões para cerca de 10 milhões, se a Reforma Agrária fosse realizada. (Chiavenato, 1994: 14, 17)
Se os militares esperavam por uma real oportunidade de roubar o poder novamente, ela estava bem próxima. Cinco dias após a renúncia de Jânio Quadros, os três ministros militares (da Guerra, da Marinha e da Aeronáutica) manifestaram-se contra a posse de Jango, o sucessor legal, de acordo com a constituição. Os argumentos utilizados pelos militares em seu manifesto demonstram, com clareza, seu alinhamento ideológico pró Estados Unidos (contra o comunismo), pró “burguesia nacional”, tendências antidemocráticas e subversivas, além de reforçar a teoria de que os militares acreditam estar acima de tudo (inclusive da Constituição) e de todos, na função arrogante de garantir a manutenção da “ordem”, ou seja, garantir que o Estado continue trabalhando a favor da classe dominante e do capital estrangeiro.
Goulart viria a incomodar muita gente. “(...) além de afastar do poder grupos de aproveitadores, significava uma condenação à exploração do povo. E essa condenação explicitava-se, principalmente, nas alianças políticas estabelecidas para viabilizar o governo.” (Chiavenato, 1994: 28) Mas ao mesmo tempo que perdia o apoio das elites, ganhava o das massas. As denúncias de que uma minoria, em parceria com o capital estrangeiro (sobretudo norte-americano), condenavam o povo a uma super exploração e a grandes injustiças sociais – o que viabilizava a cumulação de muitas riquezas e a construção de grandes impérios por parte da alta burguesia – dividia opiniões e tornava forte o apelo popular de Jango. E “(...) a ameaça de impedir a usurpação da riqueza nacional por uma classe dominante era potencialmente explosiva. Para a ‘burguesia nacional’ tratava-se de um governo perigoso, que precisava ser destruído.” (Chiavenato, 1994: 29)
Não dispondo de fatos concretos que pudessem comprometer a posse de Goulart, os militares criaram um clima ideológico fazendo com que Jango fosse visto como comunista, subversivo e não patriota, uma falsa imagem. Fragmentos do manifesto auxiliam a compreender a tendência retrógrada das Forças armadas.
“No cumprimento de seu dever constitucional de responsáveis pela manutenção da ordem, da lei e das próprias instituições democráticas, as Forças Armadas (...), através da palavra autorizada de seus ministros, manifestam (...) a absoluta inconveniência, na atual situação, do regresso ao País do vice-presidente, Sr. João Goulart. (...) Já ao tempo em que exercera o cargo de ministro do Trabalho, o Sr. João Goulart demonstrara, bem às claras, suas tendências ideológicas, incentivando (...) agitações sucessivas e freqüentes nos meios sindicais, com objetivos evidentemente políticos e em prejuízo mesmo dos reais interesses de nossas classes trabalhadoras. E não menos verdadeira foi a ampla infiltração que, por essa época, se processou no organismo daquele Ministério, até em postos-chaves da sua administração, bem como nas organizações sindicais, de ativos e conhecidos agentes do comunismo internacional, além de incontáveis elementos esquerdistas. No cargo de vice-presidente, sabido é que usou sempre de sua influência em animar e apoiar (...) manifestações grevistas promovidas por conhecidos agitadores. E, ainda há pouco, como representante oficial em viagem à URSS e à China Comunista, tornou clara e patente sua incontida admiração ao regime desses países, exaltando o êxito das comunas populares. Ora, no quadro de grave tensão internacional em que vive dramaticamente o mundo de nossos dias, com a comprovada intervenção do comunismo internacional na vida das nações democráticas e, sobretudo, nas mais fracas – avultam, à luz meridiana, os tremendos perigos a que se acha exposto o Brasil. (...) As próprias Forças Armadas, infiltradas e domesticadas, transformar-se-iam, como tem acontecido noutros países, em simples milícias comunistas. (...) As Forças Armadas estão certas da compreensão do povo cristão, ordeiro e patriota do Brasil. E permanecem serenas e decididas da manutenção da ordem pública. (30/08/1961)” (Nosso Século, 1980: 19)
Quando Jânio renunciou, Goulart estava em visita à China Popular, e antes mesmo que este voltasse para tomar posse, o país já dividia-se. De um lado estavam os favoráveis à legalidade constitucional, ou seja, os que apoiavam a posse de Jango. Dentre eles os governadores do Rio Grande do Sul (Leonel Brizola), Bahia, São Paulo, Paraná e Goiás. Além de movimentos estudantis, sindicais, e autoridades eclesiásticas, sobretudo do Rio Grande do Sul. Jango contava até com adversários políticos, a exemplo do governador do Estado da Bahia, o udenista Juraci Magalhães, dentre outros.
De outro lado estavam os subversivos que queriam a qualquer custo impedir a posse de João Goulart, inclusive que este retornasse ao Brasil. Posicionaram a favor do impeachment e de novas eleições presidenciais. Dentre eles estavam os ministros militares, como pudemos observar no manifesto acima.
O impeachment e as novas eleições seriam facilmente viabilizadas se não tivesse acontecido um racha dentro das Forças Armadas e a oposição do Congresso. Como exemplo de luta contra a intervenção militar, dentro do próprio Exército, é conhecida a história do mal. Henrique Teixeira Lott, que após renunciar seu cargo iniciou uma campanha a favor da posse de Jango e imediatamente foi preso por ordens do Ministro da Guerra, demonstração clara da intolerância aos opositores, uma prévia da ditadura que estava por vir.
Neste período, ocorreram grandes demonstrações de mobilização popular, talvez as mais expressivas da história da República. Em 28 de Agosto, o gen. Augusto Machado Lopes, comandante do III Exército, sediado em Porto Alegre, demonstrou disposição, se necessário, para articular uma ação armada para garantir a posse do vice-presidente. Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul, também ameaçava entrar no possível conflito e distribuir armas para a população, que apoiaria a ação do III Exército.
Então, para evitar a guerra civil e o derramamento de sangue, tomaram-se algumas providências. O Congresso criou uma comissão para estudar uma solução política, que resultou numa emenda constitucional, criando o parlamentarismo, harmonizando a animosidade entre os blocos opositores. Esta medida visava restringir os poderes do Executivo e dificultar a aprovação das propostas reformistas. Jango retorna da China em 5 de setembro de 1961, e no dia 7, dia da independência, toma a posse.
Jango teve muitas dificuldades em governar. Para garantir a presidência, ele teve de manter uma política de equilíbrio, bem ao estilo populista, procurando agradar e conquistar a confiança da alta burguesia e ao mesmo tempo mostrar-se comprometido aos anseios populares que aclamavam as reformas de base.
Para João Goular, governar significou um complicado malabarismo político. Sua posse fora garantida pelas forças moderadas, que, através do regime parlamentarista, lhe abriam um crédito de confiança limitado, a ser renegociado diante de cada iniciativa do Governo. O apoio decisivo lhe vinha dos sindicatos, das organizações de esquerda e de políticos nacionalistas, todos desejando comprometê-lo com uma política de reformas sociais. Recuperar os poderes presidenciais e conquistar a confiança dos moderados, sem perder o apoio das bases de esquerda, foram as metas a que se propôs. Ao assumir a presidência, lançou-se à organização de um Ministério moderado, representativo das diversas forças partidárias e, ao mesmo tempo, solidário com ele na campanha contra o regime parlamentarista. (Nosso Século, 1980: 20)
Mesmo tendo os militares e a burguesia concordado com a emenda constitucional que permitiu o parlamentarismo, deu-se início a uma grandiosa campanha, de cunho ideológico, contra Goulart. Esta campanha, financiada sobretudo pelas classes dominantes e pelo governo norte-americano, visavam conturbar a opinião da grande massa popular, fazendo-a acreditar nas inexistentes tendências comunistas de Jango, a fim de que este perdesse sua maior base de sustentação política. “A grande ofensiva do poder econômico contra o Governo Goulart começou com o uso da imprensa, em uma campanha publicitária de dimensões jamais vistas no Brasil.” (Chiavenato, 1994: 29).
Neste período, além da imprensa escrita, a televisão ocupou lugar de destaque no âmbito da comunicação de massas. Foi e continua sendo, um instrumento muito útil, com a função de formar sem ética e sem escrúpulos, opiniões ao gosto da classe dominante. Muitas vezes omitindo verdades desfavoráveis a seus interesses e divulgando, geralmente, informações falsas ou manipuladas, a fim de colocar as massas contra o inimigo da própria burguesia. Jango foi vítima desta tática desleal. A imagem de seu governo foi fabricada como sendo a de uma administração subversiva, antipatriótica e ofensivas às crenças “ocidentais cristãs”. Houve também um processo de demonização, acusando o Governo de ofender até mesmo a Virgem Maria.
Somada a toda esta propaganda que fabricava uma falsa imagem de comunista, ocorre a primeira crise do Governo Goulart, em junho de 1962, quando Tancredo Neves (PSD), renuncia o cargo de primeiro-ministro para candidatar-se à governador. O sucessor indicado por Goulart foi San Tiago Dantas, que defendia uma política externa não alinhada aos EUA e de aproximação aos países socialistas. Por este motivo o Congresso vetou sua posse e o país passou por tensos momentos de embate entre as organizações de esquerda e as Forças Armadas que, mobilizaram-se a fim de conter os manifestos populares contra o veto. Um outro nome foi indicado por Jango e aceito pelo Congresso: Brochado da Rocha, do PSD gaúcho.
A partir de então as lutas pela antecipação do plebiscito que decidiria pela volta ou não do presidencialismo se intensificaram. Este plebiscito estava estrategicamente marcado para 1965, final do Governo Goulart. Mas no entanto, os setores de esquerda, sobretudo os sindicais e nacionalistas, faziam grande pressão para a antecipação deste plebiscito, quer visivelmente elegeria a volta do presidencialismo que finalmente daria plenos poderes a Goulart, para que este pudesse conduzir mais facilmente as reformas de base tão necessárias ao povo.
Mas, para conseguir a desejada antecipação, Goulart precisava do apoio dos militares, da “carta branca” da caserna. E conseguiu tal apoio através de uma política corrupta, mas hábil e eficaz se aplicada aos militares: iniciou uma série de promoções, concessões de privilégios, transferências e coisas do tipo, beneficiando generais “nacionalistas”. E finalmente, depois de greves, manifestações e pressão popular, o plebiscito foi aprovado pelo Congresso, que marcou a votação para o dia 6 de janeiro de 1963.
O resultado favorável ao retorno do presidencialismo era tido como certo e foi confirmado pela maioria esmagadora de votos. “Assim, na data marcada, de um total de 12 773 260 votos, 9 457 448 foram pelo retorno do presidencialismo; 2 073 582, pela manutenção do parlamentarismo; 935 072, nulos, e 307 158, em branco.” (Nosso Século, 1980: 24)
Jango assumiu um país abalado por sucessivas crises e a partir de então, dirigiu todos os seus esforços para cumprir sua meta de governo: as reformas de base, conhecidas também por Plano Trienal, fomentado pelo economista Celso Furtado. Tais reformas, como já citado, desagradavam profundamente a alta burguesia, que sentiam ameaçadas suas propriedade e temiam o “perigo vermelho”, em voga na América Latina graças ao exemplo de Cuba e, aparentemente muito próximo do Brasil, uma vez que as classes trabalhadoras estavam muito bem organizadas e atuantes. E para colocar o Plano Trienal em prática, seria necessário recorrer a cofres externos, o que desagradou profundamente as esquerdas que, radicais, propunham a moratória da divida externa, expropriação sem indenização de multinacionais, rompimento com o FMI e etc. É o auge da crise do populismo, o Governo não consegue agradar nenhuma das classes e encontra-se sem apoio expressivo no cenário político. E mais uma vez os militares prepararam-se para tomar as rédeas da desordem. O momento era oportuno e alguns fatos contribuíram para o desfecho do golpe.
Os índices econômicos apresentados pela estatística brasileira, que sofria um boicote do exterior, ajudaram a encerrar com a popularidade de Jango, que vinha mostrando-se um grande inábil em questões políticas. Chiavenato observa isso em números:
Em 1963, ano-chave da economia brasileira para a queda de João Goulart, o aumento da produção de matérias-primas para a indústria reduziu-se a 4%, contra os 11% registrados em 1962. A agroindústria caiu de 6% para 0,1%; a energia elétrica ficou em 5,2%, contra os 11,2% do ano anterior; o setor farmacêutico apresentou taxa de 3,2% (16,5% em 1962). A indústria como um todo, que havia crescido 11% em 1962, só atingiu 2,8% em 1963. Esses indicadores demonstram claramente como a vida do povo piorou. Eles resultaram no cerco internacional do governo Goulart e também da própria incapacidade governamental de romper esse cerco, aplicando uma política econômica adequada.
Em conseqüência, a inflação chegou aos 50%. A renda média anual no Nordeste despencou para 100 dólares, ou seja, 8,3 dólares mensais. (...) 50% de inflação não revela que os preços, no período, subiram mais de 100% (são mágicas das estatísticas brasileiras). Se computarmos o salário real dos últimos vinte anos (até 1964), constataremos que o salário mínimo real baixou 75%.
Para avaliar as dimensões da crise, basta lembrar que, em 1945, o custo de vida subiu 6%; em 1950m chegou a 11%, quase dobrando escandalosamente para 21% em 1952. Só nos primeiros 6 meses de 1963, o custo de vida subiu 31% e, no segundo semestre, 75%. A soma desses aumentos potencializou-se com a paralisia econômica de 1964, atingindo níveis insuportáveis para qualquer análise que considere a dignidade do homem. (Chiavenato, 1994 : 58)
A situação de Goulart e seu governo começou a agravar-se após o “Comício do dia 13 de março”, que tinha como finalidade prévia, fazer com que as massas populares pressionassem o Congresso a fim de que este votasse a favor das propostas reformistas do Governo. Mas após uma série de desentendimentos entre os organizadores do evento (que reuniu mais de 250 mil pessoas), o comício tomou outro rumo após a participação inflamada de Leonel Brizola. Jango, que pretendia um discurso moderado, teve de manter o nível de Brizola e ser enérgico, o que desencadeou uma série de manifestações ainda mais aguçadas contra um possível levante popular, revolucionário e comunista liderado por Jango e seus aliados. Foi a desculpa para o golpe de estado que viria a acontecer nos primeiros dias de abril, liderado pelos militares.
Entre o comício do dia 13 e o dia do golpe, ocorreram outros fatos que golpearam Jango até que este caísse por lona. Talvez o ocorrido mais definitivo, que tenha encorajado o Exército a dar o golpe, foi a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, em São Paulo. Calcula-se que mais de quinhentas mil pessoas, entre burgueses e populares, reuniram-se para pedir o fim do governo de Jango.
Mais tarde, o deputado Antônio Sílvio da Cunha Bueno, um dos principais organizadores da Marcha, declararia: “Sabíamos que os militares só definiriam sua posição depois que houvesse uma manifestação pública inequívoca de que ninguém mais suportava aquela situação de greves, inflação etc.” (Nosso Século, 1980: 69)
E para rechaçar de vez com a paciência da caserna, ocorreu uma nobre revolta dos marinheiros no Rio de Janeiro, que armaram uma grande confusão e desobedeceram ordens superiores. A hierarquia militar havia sido abalada e ao contrário do que se esperava, Jango colocou panos quentes, aceitando as reivindicações dos revoltosos. Foi a gota d’água para os oficiais do Exército que a partir de então viam o golpe como única alternativa e passaram a apregoar esta idéia, assim como já fazia a imprensa controlada pela direita.
No dia trinta de Março Jango faria seu último discurso, onde reforçaria suas intenções reformistas e reclamaria dos rumores de levantes militares e do tenso clima criado por grupos poderosos que pretendiam tirá-lo do poder. Dentro de dois dias, sem considerável resistência legalista, o país já estava nas mãos dos militares. Goulart exilou-se no Uruguai. É o começo da ditadura mais cruel da história da República.

2 – Os governos militares
2.1 – As tendências da caserna (castelistas x duros)
Antes de iniciar o estudo sobre os governos militares que iriam mandar e desmandar no Brasil durante vinte e um anos, é importante que fique claro as tendências políticas que dividiram o Exército em basicamente dois grupos: o castelista e o linha-dura.
O castelismo tinha como objetivo livrar o país dos comunistas, dos corruptos, dos subversivos, torná-lo confiável ao investimento estrangeiro e, feito isso, devolver o poder aos civis. A linha-dura, também se propunha a limpar o país da subversão, mas ao contrário dos castelistas, não pretendiam devolver o poder aos civis, queriam perpetuar-se no poder, alegando estarem acima de qualquer interesse de classe, tendo como única meta o desenvolvimento e o bem estar do país, sendo que, na visão da linha-dura, o desenvolvimento era uma questão técnica, e não política.

2.2 – O Governo de Castelo Branco (1964 – 1968)
Deposto João Goulart, o Congresso nomeou Rainieri Mazzilli como Presidente, mas na verdade o poder passou para as mãos dos oficiais que assumiram o poder intitulando-se o “Comando Supremo da Revolução”, que imediatamente baixaram o Ato Institucional nº1, em 9 de abril de 1964, que foi o responsável por uma grande “limpeza”, anunciando uma série de demissões e expurgos nos setores progressistas e impondo, via Congresso, o novo chefe do executivo: General Castelo Branco.
Castelo Branco tomou uma série de medidas de forma “arrumar a casa” para que os governos militares pudessem desenvolver seu trabalho, seu sujo trabalho, que duraria vinte e um anos. A primeira coisa a fazer foi arquivar as propostas nacionalistas de desenvolvimento (as Reformas de Base de Jango) e queimar tal arquivo a fim de tornar o Brasil novamente confiável e atraente para o capital estrangeiro. Conseguiu isso reprimindo violentamente setores progressistas que criticavam seu governo, colocando na ilegalidade a CGT e a UNE por exemplo, intervindo severamente nos sindicatos. No plano econômico organizou o desenvolvimentismo, orientando a acumulação de capital, e o favorecimento do capital estrangeiro sendo necessário, para isso, o achatamento de salário e o combate à inflação; mais uma vez o povo saiu perdendo, para a alta burguesia e os EUA saírem ganhando. Tudo isso utilizando a máscara do combate à corrupção e à subversão.
A equipe econômica de Castelo Branco era de inteira confiança do capital americano (...). Com sinal de que essa não era uma aliança sem bases, basta citar dois fatos: em abril de 1965, um acordo de investimentos com os EUA determinou que o governo brasileiro indenizaria qualquer firma americana que, em nosso país, sofresse danos causados por greves e agitações trabalhistas; ao mesmo tempo, o governo substituiu a lei janguista sobre remessa de lucros por outra mais favorável às empresas estrangeiras, elevando o percentual autorizado para remessa (de 10 para 12% do capital investido) e incluindo, como capital estrangeiro, o lucro auferido por tais empresas no Brasil, embora com trabalho de brasileiros. Isso elevava o montante de dinheiro com permissão de ser remetido às matrizes. (Lopez, 1997: 102)
E sendo pressionado em virtude de sua branda política, Castelo editou o Ato Institucional nº2, em 27 de outubro de 1965, que encerrou com a atividade dos partidos políticos existentes, impondo o bipartidarismo, com a ARENA (Aliança Renovadora Nacional) e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Este Ato Institucional foi uma reação às desagradáveis surpresas ocorridas nas eleições para governador, que elegeram candidatos suspeitos aos militares, candidatos remanescentes das estruturas políticas expurgadas pela caserna, além de decretar que a próxima eleição presidencial seria indireta.
Para remendar o AI-2, em 7 de fevereiro de 1966, Castelo Branco editou o Ato Institucional nº3, que “estabeleceu a eleição indireta também para governadores estaduais e o nº4, de 7 de dezembro de 1966, deu ao Congresso (cassado, castrado, encurralado, amedrontado) poderes constituintes para aprovar um novo projeto de Constituição, elaborado pelos juristas da ditadura”. (Lopes, 1997: 102)
É no mínimo curioso constatar que em plena ditadura existia um partido de oposição a ARENA, partido do governo. O MDB foi, sem dúvidas, o refúgio secreto dos partidários da legalidade, mas para a ditadura que o criou, sua função era mostrar ao mundo que o Brasil era um país democrático e constitucional. “A oposição devia mostrar ao mundo lá fora que aqui ainda havia democracia (até porque houve rodízio militar no poder) ... Esta comédia fez parte das contradições e escrúpulos da caserna.” (Lopez, 1997: 102-103)
Ainda no Governo Castelo Branco, em 1967, entrou em vigência a nova Constituição que, logicamente, munia o Executivo de totais poderes; mantinha o Legislativo apenas para “inglês ver”, para preservar uma boa imagem no exterior e garantia grande importância à segurança nacional, diminuindo o campo de ação do Poder Judiciário. Neste mesmo ano, a elite civil que havia apoiado o golpe com intuito de chegar ao poder, e foi de certa forma ignorada pelos militares, tramava contra o regime, criando a Frente Ampla (que reunia antigos rivais, como por exemplo Jango e Lacerda), no Uruguai, proibida pelo Governo de atuar no Brasil. Foi um gesto em vão da acuada e “bem traída” elite civil. A posse de outro militar, General Costa e Silva, não foi impedida.

2.3 – O Governo de Costa e Silva (1968 – 1969)
“Se Costa e Silva, egresso da linha-dura, tinha realmente intenção de abrir o regime ou se era aquilo apenas retórica de começo de governo, jamais saberemos. Porque, de permeio, entrou em cena fatores que podem ser resumidos nesses algarismos – 1968.” (Lopez, 1997: 103)
1968, conhecido também como “ano que não terminou”, foi marcado por uma onda de protestos em todo o mundo, sob liderança estudantil, que contestavam ordens e regras estabelecidas pelas sociedades em que viviam. Detentoras de ideais comunistas, anarquistas e libertários, dentre outros (às vezes até controversos), as manifestações tiveram início em Paris e Califórnia, mas rapidamente ganharam todo o globo e, em cada país, os jovens aclamavam por mudanças urgidas pela sua realidade social. Nos EUA, por exemplo, protestavam contra a Guerra do Vietnã. No Brasil, o alvo dos protestos eram a ditadura militar e a abertura (entrega) do país ao capital estrangeiro, sobretudo, norte-americano, que feria ainda mais nossa soberania. Uma das características destes enfrentamentos, é que os ídolos revolucionários não são figuras como Lenin, mas figuras essencialmente de terceiro mundo, como o latino Che Guevara e os chineses Mao Tsé-Tung e Ho Chi Minh.
No Brasil de 1968, contudo, os “cabeludos” eram muito malvistos, sofrendo até agressões físicas. Os líderes estudantis brasileiros ainda usavam roupas tímidas, seu padrão de arte era Geraldo Vandré e não Caetano Veloso e Gilberto Gil, que revolucionavam a música popular. Os mais radicais encaminhavam-se progressivamente para a guerrilha de moldes cubanos. (Nosso Século, 1980: 141)
Neste cenário de enfrentamento que demonstrava a insatisfação com o sistema, os militares sentiram que os comunistas, anarquistas ou qualquer outro “ista”, ainda continuavam a subverter a ordem e que era preciso aumentar a repressão e a violência contra eles. A repressão era diretamente proporcional ao nível de protestos, como podemos observar abaixo, um dos episódios que mais marcou o Governo Costa e Silva.
O Restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro, parcialmente financiado pelo Governo, destinava-se a fornecer alimentação barata aos estudantes e já era visto pelas autoridades como um “foco de agitação”. Lá, freqüentemente se realizavam manifestações de protesto, até mesmo por melhores refeições. Na noite de 28 de março de 1968, uma quinta-feira, os estudantes haviam programado mais uma passeata, que sairia do Calabouço. Mas um pelotão de choque da Polícia Militar não os deixou sair. Houve vaias, pedradas, tiros. Um estudante tombou morto: o paraense Edson Luís foi levado por seus colegas para a Assembléia Legislativa, apesar da tentativa das autoridades e da polícia de retirarem o cadáver para impedir o velório público. Do lado de fora, a violência continuou, com estudantes fazendo inflamados discursos, atirando pedras, e policiais respondendo com bombas de gás lacrimogêneo. Os teatros fecharam as portas, cancelando espetáculos. No dia seguinte, mais de 50 mil pessoas se aglomeraram na frente da Assembléia, para acompanhar o enterro, custeado pelo governador Negrão Lima, eleito pela oposição. (...) O cortejo saiu pela Cinelândia, levando o caixão coberto com a bandeira brasileira. O clima emocional contagiou o país inteiro. Nos dias seguintes, manifestações se sucediam no centro da cidade com a repressão crescente até culminar na missa da Candelária (dia 2 de abril), em que soldados a cavalo investiram contra estudantes, padres, repórteres e populares. Nos outros estados, o movimento estudantil fervia. Em Goiás, a polícia abriu fogo contra os estudantes que se protegiam na catedral de Goiânia, matando um (Ivo Vieira) e ferindo três.” (Nosso Século, 1980: 143)
Houve ainda a “Passeata dos 100 000”, em junho de 1968, reunindo estudantes, intelectuais, religiosos e mães na Cinelândia. Frente a tantos protestos e à comoção popular, Costa e Silva quase declarou estado de sítio nos estados em que a agitação era maior. Aos poucos o país ia caminhando para o fechamento total, os militares só precisavam do momento oportuno para editar o Ato Institucional nº5.
O pretexto foi o discurso do deputado Márcio Moreira Alves na Câmara, criticando os militares e propondo o boicote dos civis às comemorações do Dia da Independência. O governo pressionou o Congresso para punir o deputado. As guarnições sentiram-se “insultadas”. Algumas unidades ameaçaram “sair às ruas”. Mas o Congresso recusou-se a punir o deputado, que na verdade fizera um pronunciamento normal. O presidente Costa e Silva, assumindo a “indignação” da “tropa ofendida”, assinou o AI-5, em 13 de dezembro de 1968. (Chiavenato, 1994: 77)
O AI-5 fechou o Congresso por tempo indeterminado. Dava aval ao presidente para caçar mandatos, intervir nas unidades federativas e fechar o Congresso quando bem entendesse; tudo em nome da segurança nacional. “Foi um golpe dentro do golpe: marcou a hegemonia da linha-dura sobre os moderados”. (Lopez, 1997: 105) Foram caçados mais de 69 deputados, dentre eles, o antigo aliado, ex-governador da Guanabara, Carlos Lacerda, que já vinha conspirando contra o regime, apoiando, a Frente Ampla (como já citado) e movimentos estudantis. A censura passou a ser total, impedindo qualquer tipo de contestação. E em nome da doutrina de segurança nacional (DSN) o governo ampliou sua atuação nas práticas de tortura, espionagem e assassinatos, a violência havia se institucionalizado de vez. Tudo isso para arcar com o compromisso de extinguir o comunismo dentro do território nacional, enquanto que os EUA tinham o papel de enfrentar o adversário externo, a URSS. Então, toda oposição foi enquadrada na luta contra o comunismo, o que justificava a grande repressão e a censura; todas as armas eram válidas.
“Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos. Máx.: 38º em Brasília. Mín.: 3º nas Laranjeiras” A primeira página da edição do JB de 14 de dezembro de 1968 fazia várias referências ao “clima” criado no país após a promulgação do AI-5. (Nosso Século, 1980: 160)
No início de 1969, o decreto lei nº477 encerrou com os espaços de contestação que restavam, ao dar “carta branca” aos reitores das universidades para expulsarem os alunos que não se enquadrassem nos moldes do governo, os alunos politicamente indesejáveis. Então, como último recurso, inicia-se a guerrilha urbana e rural, além de formações de grupos clandestinos, muitas vezes terroristas, ou transformados em terroristas pelo governo que, utilizava dos feitos reacionários desses grupos de contestação para controlar a opinião pública através da mídia, totalmente controlada pelo governo. “Não foi difícil ao regime, naqueles anos de chumbo, assimilar qualquer manifestação oposicionista, no âmbito cultural ou político, ao terrorismo da guerrilha”. (Lopez, 1997: 106)

2.4 – A Junta Militar
Impossibilitado de exercer as atividades presidenciais em função de uma trombose (segundo a versão oficial), o presidente Costa e Silva foi afastado. Seu vice, Pedro Aleixo, foi impedido pelo Exército de assumir o cargo que lhe era de direito. Além de ser civil (e este não foi o maior empecilho), era considerado “liberal” e havia se oposto ao AI-5. Não era confiável e, portanto, foi simplesmente descartado; outro golpe dentro do golpe.
Assumiu a Junta, composta pelos ministros da Guerra, Marinha e Aeronáutica, que aumentaram ainda mais a repressão e o medo, criando a pena de morte e o banimento, em resposta à guerrilha urbana e seus constantes seqüestros políticos.
Uma das “realizações” da Junta foi um “remendo” na constituição (Emenda nº1) que “legalizou” a aplicação da Lei de Segurança Nacional, como se fosse preciso justificar alguma coisa no meio de tanto autoritarismo e repressão.
E numa piada sem graça, o desrespeitado povo brasileiro viu mais algumas cenas de uma tragicomédia. A Junta reabriu o Congresso a fim de que este “aprovasse” o novo ditador: Emílio Garrastazzu Médici, que iria inaugurar o auge da ditadura, e um ridículo “milagre econômico” que beneficiou, a via de regra, apenas a burguesia e o capital estrangeiro.

2.5 – O Governo Emílio Médici (1969 – 1974)
Sob o domínio de Médici, o Brasil entra numa nova fase da ditadura, que destacou-se pela acirrada repressão no setor político, e pelas medidas econômicas milagrosas, que ao contrário do que propunham, viriam a afundar o país num poço de lama, no qual se encontra atolado até os dias de hoje. São os “anos de chumbo” do “milagre econômico”.
Vários autores iniciam suas dissertações sobre este Governo da seguinte forma: “Foi o Auge do regime militar. A censura e a repressão não deram tréguas.” (Lopez, 1997: 107).

Sob o lema “Segurança e Desenvolvimento”, Médici dá início, em 30 de outubro de 1969, ao governo que representará o período mais absoluto de repressão, violência e supressão das liberdades civis de nossa história republicana. Desenvolve-se um aparato de “órgãos de segurança”, com características de poder autônomo, que levará aos cárceres políticos milhares de cidadãos, transformando a tortura e o assassinato numa rotina. (Arns, 1986: 63)

Quando a década de 70 começou, vivia-se no Brasil o período mais duro da ditadura militar implantada em 1964.
Eram os anos do governo do general Garrastazu Médici (1969-74). A censura estava institucionalizada, a tortura aos presos políticos corria solta. A repressão e o clima de terror que o Estado ditatorial impôs em nome da “Segurança Nacional” e do “combate à subversão comunista” haviam desagregado e reduzido ao silêncio os movimentos sociais.” (Habert, 1996: 07)

Ao mesmo tempo em que o Estado esmagava – sem o mínimo de escrúpulos – com toda a resistência a seu governo, através de assassinatos (a ditadura tratou até mesmo de “suicidar” pessoas), torturas e extradições, ele apregoava através da imprensa controlada por ele (e também importava), um sentimento triunfalista, a imagem de um Brasil grande, próspero e vitorioso. Verde-ararelismo ridículo e falso, nacionalismo exacerbado... tudo isso para escamotear a falta de soberania e a entrega do país, de pés e mãos beijadas, ao capital internacional. Os yankees sorrindo, agradeciam a fácil oportunidade que o Brasil os dava de enriquecer às custas do trabalho de seu infeliz e alienado povo, que em sua maioria, envoltos no oferecido “pão e circo” do futebol tricampeão mundial (para o povão) e no consumismo desenfreado garantido pelo milagre (para a classe média), não se dava conta do que acontecia, como observa Albuquerque:

Acontecimentos como o Tricampeonato Mundial de Futebol, a inauguração da Ponte Presidente Costa e Silva, que liga o Rio de Janeiro a Niterói e as festividades do Sesquicentenário da Independência, configuraram uma ideologia neo-ufanista difundida por meios de comunicação cada vez mais aperfeiçoados. (Albuquerque, 1986: 681)

Ainda assim, frente a toda esta tentativa de alienação e a toda violência da repressão, destacaram-se dissidências armadas, comprometidas com a guerrilha, acreditando ser esta o único meio de se conseguir novamente espaço político para a oposição.

“(...) a Presidência Médici teve que enfrentar uma resistência política que se fortalecera na medida em que o sistema ditatorial cerceara as manifestações oposicionistas legais. A repressão generalizada fortaleceu a noção, entre os setores revolucionários, de que a luta armada seria a única maneira de abrir espaços políticos capazes de derrubar o esquema de poder dominante.” (Albuquerque, 1986: 681)

Na guerrilha destacaram-se a ALN (Aliança Libertadora Nacional), que atuou no contexto urbano, sob o comando de Carlos Marighela e Joaquim Câmara Ferreira, mortos em São Paulo, em 1969 e 1970, respectivamente, desmantelando a dissidência. No campo atuava a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), sob o comando do ex-capitão Carlos Lamarca (que afiliou-se também ao Movimento Revolucionário 8 de outubro), morto em 1971 no interior da Bahia, morrendo também a Vanguarda.
Um outro destaque na resistência ao cruel regime foi a atuação do PC do B no Araguaia, sul do Pará. Começaram a deslocar-se para esta região e se organizarem desde o final de 1966, contando, sobretudo, com lideranças estudantis, fadadas a viver na clandestinidade para escapar das garras torturadoras e assassinas do Estado. Em abril de 1972 foram detectados pelos órgãos de segurança e imediatamente começaram a sofrer o cerco do Exército, que prosseguiu até 1974. Houve combate na região, o partido criou as “Forças Guerrilheiras do Araguaia”. Mesmo conquistando algumas vitórias, não havia como competir com a organização do Exército, que obteve ajuda norte-americana. O resultado: mais de 50 mortos, incluindo alguns líderes (como Maurício Gabrois) e o enfraquecimento da dissidência, que dividiu-se em algumas alas.
Em meio a tantas lutas e derramamento de sangue, Médici ainda teve a “cada de pau” de fazer a seguinte afirmação:

“Sinto-me feliz, todas as noites, quando ligo a televisão para assistir o jornal. Enquanto as notícias dão conta de greves, agitações, atentados e conflitos em várias partes do mundo, o Brasil marcha em paz , rumo ao desenvolvimento. É como se eu tomasse um tranqüilizante, após um dia de trabalho.” (Presidente Emílio Garrastazu Médici, 22/3/1973.) (Nosso Século, 1980: 180)

2.5.1 – O “Milagre Econômico” ou “Milagre Brasileiro”
“O general Médici tomava posse herdando as condições econômicas e políticas que permitiram o período do chamado ‘milagre econômico’.” (Habert, 1996: 10)
No início dos anos 70, o termo “milagre econômico” era largamente usado pela imprensa nacional e internacional para referir-se ao rápido crescimento da economia brasileira; milagre, assim era chamado o modelo desenvolvimentista aplicado pela corja de militares. O Brasil, “gigante da América Latina”, atravessava uma fase de boom industrial, e era considerado um excelente alvo para os investimentos e a exploração das multinacionais, graças à paz social garantida pela repressão violenta que o governo fazia a qualquer manifestação subversiva, e à política trabalhista adotada, que garantia mão-de-obra barata e uma série de investimentos e incentivos fiscais, como observa Chiavenato:
Os militares e seus sócios não se limitaram a subverter o processo político: também intervieram vigorosamente na economia brasileira, trocando o modelo capitalista dependente pela pura e simples subserviência. Favoreceu-se uma progressiva concentração de renda e achatamento salarial, que serviu de base para a desnacionalização da economia.
Os baixos salários, as isenções e incentivos fiscais, a legislação benevolente e os financiamentos privilegiados atraíram as multinacionais. As modificações jurídicas, permitindo às empresas estrangeiras comprarem enormes áreas de terra, especialmente na Amazônia, atraíram capitais que se reproduziam rapidamente e tinham felicidades na “remessa de lucros”.
(...) Este modelo exigiu um controle maior da população pobre e o aumento da repressão aos grupos politizados. O Judiciário e o Legislativo submeteram-se ao Executivo. Cristalizou-se a ditadura, o Estado tornou-se cada vez mais forte, militarizado e acima da Nação. (Chiavenato, 1994: 85)

O desenvolvimento industrial espelhou-se no modelo de JK, e empenhou-se na produção de bens duráveis, mais sofisticados, como automóveis e eletrodomésticos. Talvez a TV a cores tenha sido a vedete desta etapa... de brinde, o consumidor levava os sonhos e a alienação da “novela das oito”. Como o salário do proletariado estava achatado e seu poder de compra reduzido ou inexistente, para compensar, “o Milagre estimulou ao máximo o consumismo das elites e classes médias” (Lopez, 1997: 108).

Na esteira deste processo, expandiam-se as cidades, o mercado interno, a construção civil, a construção de estradas e hidrelétricas, as operações nas Bolsas de Valores. Uma febre consumista parecia ter tomado conta das classes médias: compravam o “carro do ano” financiado em 36 meses; apartamentos “estilo mediterrâneo ou barroco” financiados pelo BNH (Banco Nacional de Habitação) (...). (Habert, 1996: 12)

As altas taxas de lucro e o consumismo desenfreado, aliaram-se aos recordes estatísticos animadores (manipulados e divulgados pelo governo) e realçaram as ufanistas frases de efeito de Médici: “Brasil: ame-o ou deixe-o”, “Ninguém mais segura este país”, “Pra frente Brasil!”. Para se ter uma idéia, entre 1971 e 1973, o PIB não fechou com taxa de crescimento menor que 10%. Em 1971, taxa de crescimento de 11,3%; em 1972, 10,4% e o recorde de 11,4%. Mas por trás de tanta euforia, modernização e desenvolvimento, o milagre mostrava sua face mais cruel, que se abatia sobre o povo. Se por um lado, as elites “morriam de rir”, por outro, o povo morria de fome.
Para melhor entender a desigualdade que se abateu sobre o mal aventurado povo brasileiro, é preciso entender melhor as medidas que patrocinaram este milagre. O crescimento assustador do capitalismo que se consolidou entre 1969 e 1973, foi a herança deixada por uma base política e econômica de governos anteriores, e a recuperação da economia internacional, a partir de 1967-68.
O que se convencionou chamar de “milagre” tinha a sustentá-lo três pilares básicos: o aprofundamento da exploração da classe trabalhadora submetida ao arrocho salarial, às mais duras condições de trabalho e à repressão política; a ação do Estado garantindo a expansão capitalista e a consolidação do grande capital nacional e internacional; e a entrada maciça de capitais estrangeiros na forma de investimentos e de empréstimos.
O arrocho salarial e a intensificação da exploração do trabalho foram os elementos básicos para a grande acumulação de capitais. Desde 1964, era o governo que fixava os índices anuais de reajustes salariais com base em cálculos da inflação passada, ficando os salários cada vez mais abaixo da inflação e da produtividade reais. O controle total sobre a política econômica e a circulação de informações permitia ao governo anunciar índices de inflação irreais, rebaixando ainda mais os reajustes salariais, como o caso flagrante ocorrido em 1973 com Delfim Neto como ministro da Fazenda. (Habert, 1996: 13-14)
No campo, o capitalismo também se consolidou. Predomínio do trabalho assalariado, mecanização da produção, amplos investimentos, incentivos e financiamentos foram destinados à economia de exportação. Mas para não ir de encontro às grandes potências industriais, o submisso governo exportava apenas produtos agrícolas, deixando que as multinacionais fizessem a festa, nos vendendo sua tecnologia e os bens duráveis (aos poucos que tinham condições de comprar).
Mas nos moldes de dependência em que a economia brasileira vinha se desenvolvendo, para financiar as obras faraônicas como a Transamazônica e a Ponte Rio-Niterói, e promover tamanha modernização no campo e na cidade, foi imprescindível que o governo recorresse aos cofres externos; e havia muita facilidade, uma vez que o regime ditatorial garantia segurança aos investimentos no país do milagre. O capital estrangeiro entrou de forma expressiva através de investimentos e empréstimos. Este último, aumentou a níveis assustadores a dívida externa, tornando o Brasil, em 1972, a nação que mais devia ao Banco Mundial.
Entre 1969 e 1973, a dívida externa pulou de 4 a 12 bilhões de dólares e continuou crescendo cada vez mais nos anos seguintes. No final da década estava em torno de 60 bilhões de dólares, saltando para 100 bilhões em 1984, uma das maiores dívidas externas do mundo. (Habert, 1996: 17)
“Milagre foi sobreviver”, colocou Nadine Habert como título de um sub-capítulo. Enquanto o milagre contemplava a alta burguesia, cerca de 52,5% dos trabalhadores recebiam menos de um salário mínimo, situação que veio a piorar nos anos seguintes. Mulheres e menores ingressaram no trabalho, a fim de ajudar a família a garantir o básico para sua sobrevivência; muitos menores abandonaram os estudos para trabalhar; as leis trabalhistas apenas existiam, mas nunca eram aplicadas. Tudo parecia piorar. Os números mostram a trágica situação, o desenvolvimento econômico era diretamente proporcional ao aumento da miséria. Estes fragmentos, retirados do livro de Chiavenato, demonstra com clareza o nível desumano que atingiu a população do “país que vai pra frente”:
Mas a ditadura, quando não mentia sobre a realidade brasileira, proibia o seu conhecimento. Por exemplo o pediatra Yvon Rodrigues, da Academia Nacional de Medicina, fez a seguinte denúncia em reportagem de O Globo, em 28 de junho de 1987:
“Em 1974 um órgão do governo gastou 20 milhões de dólares para investigar o que comiam os brasileiros. Foram entrevistadas 55 mil famílias, e o resultado foi tão aterrador que se proibiu a divulgação dos resultados. Havia famílias que comiam ratos, crianças que disputavam fezes (...)”
(...) Mais: 40% das residências não tinham sequer vaso sanitário; 38,5% das famílias consumiam menos calorias que o mínimo necessário, apresentando desnutrição crônica que afetava o desenvolvimento mental; quase 50% das famílias não ganhavam o suficiente para se alimentar; 69% dos óbitos infantis decorriam da desnutrição.
O Ministério da Saúde informava que pelo menos 10 milhões de brasileiros eram deficientes mentais. Entre as principais causas de morte estava a tuberculose, provocada especialmente pela desnutrição e falta de higiene”. (Chiavenato, 1994: 92,93)
E para encerrar com esta macabra série de informações, segue abaixo mais alguns números, que demonstram o descaso com a alimentação e saúde (com o social em geral) que foi característica marcante do regime militar. Os números chocam pelo fato de os burocratas/tecnocratas da ditadura, terem se preocupado em fazer um país desenvolvido preocupando-se apenas com o econômico, deixando de lado a “dívida social”, parecendo ignorar que o desenvolvimento de um país só é possível com a elevação do nível de vida de seu povo. Vamos aos dados:
“Uma entidade internacional, a World Population, apurou que, em 1979, morriam 52 crianças por hora (1.248 por dia) no Brasil. Entre crianças de até cinco anos, 52,4% dos óbitos foram provocados pela desnutrição”. (Chiavenato: 1994, 96)
Considerando um índice de 100 para o custo da cesta básica em 1951, chegaremos a 1962 com o índice 200; portanto, um aumento de 100% em onze anos. No período ditatorial de 1970 a 1978, o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos) registrou uma evolução no preço da cesta básica que variou do índice 100 ao 1.189. Em 1978 precisava-se trabalhar 43% de horas mais do que em 1970 para comprar a mesma quantidade de mantimentos. Esses dados referem-se aos trabalhadores industriais da grande São Paulo, a nossa “elite” operária.
(...) A conseqüência mais dramática dessa situação apareceu no começo da década de 90, com a revelação para o mundo do novo biotipo nordestino: um homenzinho com altura entre 1,37 e 1,45 metro, o chamado “homem gabiru”.
Em 1983 o general Danilo Venturini, do Conselho de Segurança Nacional, revelou que o Exército brasileiro dispensava anualmente 45% dos convocados, por causa da aguda desnutrição que os incapacitava para qualquer esforço físico. (Chiavenato, 1994: 98)

2.6 – O Governo Ernesto Geisel (1974 – 1979), do fim do milagre à abertura “lenta, gradual e segura”
“Quando o nome do general Ernesto Geisel foi anunciado para a sucessão de Médici, em meados de 1973, a euforia do ‘milagre’ estava acabando no bojo da crise mundial do capitalismo, que começou a se manifestar naquele ano e que se aprofundou no decorrer da década.” (Habert, 1996: 40)
A crise do milagre e o processo de distensão ou abertura política, marcaram o governo de Geisel, general da linha castelista. Mas antes de abordar o início do processo de reabertura é necessário compreender a crise econômica mundial.
Como a economia capitalista desenvolvida no Brasil era totalmente dependente do mercado externo, qualquer contratempo no cenário econômico mundial, afetava o país diretamente. E foi o que aconteceu quando, por problemas externos, os países do oriente diminuíram a oferta de petróleo, fazendo seu preço subir absurdamente. Sendo a indústria automobilística a principal responsável pelo falso milagre, e a produção interna de petróleo era insuficiente, o governo, “(...) em 1974, gastou sete vezes mais para trazer a mesma quantidade de petróleo que trouxera em 1972”. (Lopez, 1997: 112)
E, para quitar as contas que só aumentava, o governo recorria mais e mais aos cofres externos, aumentando ainda mais a dívida externa, acreditando poder pagar facilmente. Investiu-se então ainda mais na produção e fomentaram-se mais obras faraônicas, como a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu e a atômica Angra dos Reis. Foi neste momento que o regime ditatorial pagou por todos estes anos de negligencia ao povo. O mercado interno estava estagnado, não cresceu, não acompanhou o ritmo da produção. Poucos podiam adquirir os caros bens duráveis, uma vez que o povão não tinha nem para o básico; e com a crise econômica internacional a receita de exportações também baixou. A crise se atacou com violência o “Brasil Grande”, que era frágil e dono de um desenvolvimento de fachada, uma vez que era totalmente dependente do mercado externo.
O círculo vicioso continuava: pedir mais dinheiro emprestado para sair da crise, recorrendo ao FMI. E como sempre na história de nosso país, o povo pagou a conta, e continua pagando bem caro. “O FMI exigiu que o país contivesse gastos públicos, ou seja, reduzisse ainda mais os já minguados investimentos sociais, impondo o que rotulavam de austeridade, bem como criasse ainda maiores facilidades às remessas de lucros para fora.” (Lopez, 1997: 113)
Não foi difícil para os militares seguirem as determinações que seriam extremamente espoliativas para a população, uma vez que não tinham o mínimo de comprometimento com a nação. E uma sangria de capitais, ao invés de entrar (como exigia a atual conjuntura), era enviado legal e clandestinamente para o exterior. Nem a classe média, que antes havia apoiado o ridículo golpe de 64, suportava mais a situação.
E para reafirmar seu caráter covarde, medíocre e inconseqüente; quando o caldo quente começou a entornar e queimar nas mãos dos militares, estes, sentiram que era hora de devolver o poder aos civis, como observa Luiz Roberto Lopez:

Com o começo e aumento da crise, os militares e seus aliados tecnocratas se deram conta de que não tinham mais um progresso de vitrine que justificasse sua eternização no poder. Para os militares, chegou a hora de uma retirada estratégica, conciliatória e silenciosa para os bastidores. Para a sociedade civil, começou a se formar um consenso de que a solução dos problemas nacionais passava pela ação política, ou seja, a participação coletiva, a redemocratização. (Lopez, 1997: 115)

Neste momento começa o processo de reabertura. “O fim do ‘milagre’ e a crise econômica aprofundaram as contradições sociais e políticas geradas pelo sistema capitalista e pela ditadura” (Habert, 1996: 43). Para não perder o controle do país diante da grande convulsão social e econômica, a dupla Geisel/Golbery (grande mentor do projeto) começou a mediar e usar do jogo de cintura para, aos poucos, devolver o poder aos civis, sem abrir espaço para o reaparecimento dos subversivos e manter a ordem da classe dominante. Foi a abertura “lenta, gradual e segura”.
Mas entre os militares (nos bastidores), este projeto gerou divergências entre castelistas e os “duros”. Geisel e Golbery entenderam então que era necessário diminuir o poder de influência da “linha-dura”, afastando-a aos poucos do poder. O embate entre as duas facções tornou-se evidente ao público com o assassinato do preso político Vladimir Herzog, jornalista conhecido internacionalmente. Os militares tentaram simular um suicídio, mas não convenceram. Os protestos vieram em massa. Geisel não desperdiçou a chance e advertiu o comandante o II Exército de São Paulo, de que não admitiria mais tortura. Todos sabem que a tortura era bastante comum, mas era aplicada essencialmente nas classes sociais mais baixas, foi preciso que também a elite começasse a sofrer para que esta prática começasse a ser coibida.
Três meses após o episódio trágico de Herzog, o operário Manoel Fiel Filho também foi assassinado sob tortura. “Para Geisel, foi uma bofetada. Daí não hesitou: demitiu o general Ednardo. Estava dado o recado, ou seja, o governo não toleraria mais as arbitrariedades do aparelho de segurança e nem se deixaria manejar pela linha-dura” (Lopez, 1997: 118)
E Geisel passou a usar do seu poder totalitário contra os próprios oficiais que se opunham a seu projeto de distensão. Dois anos após demitir o general Ednardo, detectou articulações o Ministro do Exército contra seu governo. Geisel não hesitou em demiti-lo.
Cassando militares e políticos oposicionistas tidos como mais indesejáveis, Geisel aplainou o caminho para o último ato: a Emenda Constitucional nº11, de 1978. A emenda terminou com o AI-5, substituindo-o por medidas de salvaguarda, um sucedâneo bastante atenuado, destinado a acalmar a direita mais suspeitosa e temerosa da anarquia. Essa mesma emenda restabeleceu o pluripartidarismo. Foi a esperteza de Golbery: ele sabia que a força do MDB vinha do fato de aglutinar oposições heterogêneas, que só se mantinham ao redor do MDB, porque a lei eleitoral vigente dificultava a formação de outros partidos. (Lopez, 1997: 118, 119)

Esta última medida em relação ao pluripartidarismo foi para tentar retrair a oposição e os possíveis exageros esquerdistas que havia se mostrado forte nas eleições de 1974, onde o partido do governo, a ARENA, foi massacrada. Para se ter uma idéia, o MDB elegeu dezesseis senadores; o senado possuía vinte e duas cadeiras.
Dando continuidade ao seu processo de abertura “lenta, gradual e segura”, Geisel promoveu a anistia ampla, geral e irrestrita, em 1979, fracionando ainda mais a oposição, que ganharia a participação dos exilados de diversas tendências, que voltariam ao Brasil. Duas figuras se destacaram-se no proscênio da abertura: Ulysses Guimarães, liderança do PMDB (derivação do MDB), que, segundo Lopez foi “homem-símbolo da luta pelas liberdades civis e democráticas nos tempos piores da ditadura” (Lopez, 1997: 119); e Luís Inácio Lula da Silva (ativo participante das lutas sindicais, greves e protestos no ABC paulista), líder do PT (Partido dos Trabalhadores), primeiro partido na História do Brasil surgido e consolidado através das lutas operárias, organizado de baixo para cima, tendo como perspectiva a construção do socialismo pelos trabalhadores.

2.7 – O Governo João Batista Figueiredo (1979 – 1985)
Figueiredo assumiu a presidência sob indicação de Geisel, e tinha como objetivo terminar o trabalho deste, que pautou-se na abertura gradual, na redemocratização. Não foi fácil para Figueiredo. Além de enfrentar a greve dos metalúrgicos no ABC logo que assumiu e as mais de cem que a sucederia, o presidente deveria lutar contra os insistentes “duros”, que opunham-se ao processo de reabertura.
Felizmente, as lutas sindicais sob a liderança de Lula, no ABC, continuaram, mas a extrema direita que se opunha a Figueiredo recuou, após o episódio do Riocentro, em 1981. Ocorreu que esta oposição, planejou um atentado terrorista, que faria explodir uma bomba no Riocentro, durante um show de cunho democrático. Mas o “tiro saiu pela culatra” e a bomba explodiu enquanto estava sendo aramada, dentro de um carro modelo puma. As investigações, a via de regra, não revelaram a verdade. A imagem de Figueiredo, desencorajado de adentrar nas investigações, ficou abalada, mas não menos que a dos “duros”.
“Desde então, aprofundaram-se a crise do Milagre e o avanço democrático. Nos anos 80 (...), já não tinha mais sentido falar em Milagre brasileiro (...)” (Lopez, 1997: 120). Uma outra “realização” marcante durante este governo foi a Emenda Constitucional nº15, de 1980, garantindo a eleição direta para governadores e senadores. “(...) o pleno retorno à normalidade democrático-liberal era o denominador comum de todos os setores que se uniriam nessa macrocampanha.” (Lopez, 1997: 120). E esta Emenda encorajou a Campanha Diretas Já, levada e barrada pelo Congresso sob o nome de Emenda Dante de Olveira, em 1984.
É importante tocar na conjuntura internacional destes anos 80. Os EUA, que haviam sido o grande patrocinador do Golpe de 64 e dos regimes ditatoriais em toda a América Latina, passaram a apoiar a redemocratização e a democracia formal e institucionalizada. Não havia porque temer um possível levante esquerdista revolucionário, uma vez que a guerrilha já havia sido exterminada, e o capital estrangeiro já conquistara de forma até então irreversível a dependência dos países latino americanos. “(...) a aparência simpática da democracia formal era importante como contrapeso à crueldade do novo modelo capitalista em ascensão, o chamado modelo neoliberal.” (Lopez, 1997: 121)
A sociedade encontrava-se então dividida em causas menores, sob a influência da ideologia consumista. As classes trabalhadoras estavam desarticuladas politicamente, em função da cruenta repressão empreendida durante os longos vinte e um anos de regime militar. Sob estas condições, o retorno da democracia não representaria perigo algum aos interesses da alta burguesia e nem do capital internacional que, consolidava com veemência a propriedade privada como nunca antes constatado no Brasil.
Tendo fracassado a tentativa dos civis de instituir as Diretas Já, o novo presidente, Tancredo Neves, foi eleito pelo ridículo Colégio Eleitoral, e tinha como meta de “campanha” dissolver esta instituição, restaurando enfim, as tão aclamadas eleições diretas. Contudo, vítima de mais um episódio estranho e misterioso, Tancredo falece e o inexpressivo e medíocre José Sarney, derivado de um partido igualmente medíocre, a UDN, assume. Sua posse marcou o fim da ingerência militar, e Luiz Roberto Lopez narra, em perfeita combinação de palavras, o decorrer deste episódio:

(...) Quanto a João Figueiredo, estava tão irritadiço no final do mandato que, em entrevista a um jornalista, limitou-se a pedir que o esquecessem – com efeito, não há por que lembrá-lo enquanto personagem histórico, mas também não há por que esquecer o regime do qual ele foi uma de suas lideranças e seu derradeiro representante no Palácio do Planalto.
O general Figueiredo nem ficou para receber aquele poeta e político de canto de fotografia que veio para ser empossado. Figueiredo saiu literalmente pela porta dos fundos do Palácio do Planalto. Foi um arremate simbólico do governo militar que tomara o poder, em 1964, pela porta dos fundos da Constituição, através de um golpe, e saía da mesma forma sorrateira. E sem nenhum brilho. (Lopez, 1997: 123)

3 – Conclusão
Talvez a melhor forma de concluir este trabalho, seja fazer um breve paralelo entre as transformações gerenciadas pelos governos militares e a atual conjuntura do Brasil neste início de século, quinze anos após o término da ditadura.
Como observamos no fim do capítulo anterior, os dois últimos presidentes fardados, cuidaram de devolver o poder (ou bomba) às mãos dos civis, tomando bastante cuidado para que este processo fosse além de lento, gradual e bastante seguro; a fim de garantir o que os militares se propuseram com o desfecho do golpe em 1964: garantir o status quo, a ordem de classe, de forma que as elites pudessem continuar a empreender sobre o Brasil sua prejudicial exploração.
As “Reformas de Base”, desde então, foram banidas do círculo de discussão da cúpula, mas continuam a ser objeto de reivindicação das organizações de esquerda, sendo o exemplo mais expressivo o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra). A história continua a se repetir, agora sem o terror de torturas, perseguições e assassinatos, houve de fato uma “redemocratização” política. O Congresso foi reaberto e as eleições seguem à risca a Constituição, salvo quando esta é novamente atacada por medidas provisórias que permitem a reeleição não prevista, caso de Fernando Henrique Cardoso e seu último mandato. Teoricamente, o povo possui representatividade política e o bipartidarismo ridículo, foi substituído por um pluripartidarismo até amplo demais.
Porém, excetuando a “redemocratização” e a reabertura política, é fácil perceber que as coisas não mudaram muito. O Governo, continua cedendo à ingerência da burguesia “nacional” e às determinações de países estrangeiros (sobretudo dos EUA) e de órgãos internacionais, a exemplo do FMI (Fundo Monetário Internacional). Cede descaradamente, ferindo a todo instante nossa maculada soberania, pelo fato de os governos militares anteriores, terem “viciado” nossa economia a um crescimento falso, totalmente dependente do capital estrangeiro; e não numa economia sustentável e independente.
Esta pressão, expressa pelos blocos hegemônicos de poder, exigem o mínimo de investimento no setor social, a fim de garantir prioridade para seu projeto de lucros excessivos, garantidos pelo novo mecanismo capitalista, que se desnuda sob a face do neoliberalismo. Isso torna impagável a larga “dívida social” e rebaixa ainda mais os níveis de desenvolvimento humano de nosso país.
E mesmo tendo ficado claro que o real desenvolvimento de uma nação é medido pelos índices de desenvolvimento humano (social), que lidera todo o resto; os governos, de Sarney a FHC, continuam a seguir a herança militar (extremamente classista) e a canalizar seus esforços para desenvolver o país através da sua frágil economia. Para isso, continua a tomar as mesmas medidas econômicas tomadas pelos subversivos oficiais: aumento da dívida externa, arrocho salarial, privatização de setores lucrativos, largos incentivos às multinacionais, supressão de investimento em setores sociais e em setores de lucro não imediato (o caso das hidrelétricas) e etc., fazendo com que o país, a cada ano, se perca num ciclo sem fim.
Todo este esforço, é em função da exploração empreendida por uma corja de vampiros, a classe dominante, que em cinco séculos de história, vem sugando nossas energias, a fim de atender a seus ambiciosos caprichos, não se importando com a vida alheia, só olhando para baixo quando sente uma “pedra no sapato”, quando sente um incomodo e percebe que é hora de livrar-se dele, não calculando para isso os meios, que serão justificados pelos fins e que se corroerão por si sós, como já “profetizava” o velho e bom Marx. Por hora eles estão vencendo, a “ditadura do capital” imposta por eles está aí, garantindo seus privilégios e bem-estar... mas até quando?

Bibliografia:

ALBUQUERQUE, Manuel Maurício de. Pequena História da Formação Social Brasileira. Rio de
Janeiro: Edições Graal, 4ª edição, 1986.

ARNS, D. Paulo Evaristo Cardeal. Brasil: Nunca Mais. Petrópolis: Vozes, 18ª edição, 1986.

CHIAVENATO, Júlio José. O Golpe de 64 e a Ditadura Militar. São Paulo: Moderna, 1994.

DARCY, Ribeiro. O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995.

HABERT, Nadine. A década de 70: Apogeu e crise da ditadura militar brasileira. São Paulo: Ática,
1996.

LOPEZ, Luiz Roberto. Uma História do Brasil: República. São Paulo: Contexto, 1997.

Nosso Século. São Paulo: Abril Cultural, 1980. 5 v.
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