Aqui vim fustigar aquele fogo
do olhar que vislumbro lá no fundo
antes que cinzas de esquecimento
camadas de frio, musgo bolorento
venham cobrir de manto opaco
a luzinha que ilumina o nosso tempo.
Tempo de mudo entendimento,
a coberto de faróis extintos,
entre mares revoltuosos
em dias de âncoras soltas,
desbragadas velas loucas...
Não, o tempo não tem senso
e inocente leva e traz o amor,
em indeléveis palavras de marfim...
E sejam embora os seus voos
incipientes bátegas de vento,
pálida e serena, a gaivota volta sempre
a esse beiral
onde a espera o doce descanso
e abrigo do forte temporal .
Mas...
Por que não chove hoje sem perdão,
e não se faz a noite diluviana,
com esse mancial da emoção,
imanente e tão pungente,
na urgência imperiosa de te entrever?
Divisar-te entre a chuva, um perfil que vai
passando, mão que se mexe num aceno
de graciosidade e impavidez,
como quem atravessa o mundo
e volta sempre alguma vez, por um segundo
que seja, para saudar assim em gesto grácil
e desaparecer depois na bruma...
Não, não sou estrela, nem farol, nem tenho
o brilho da Lua ou calor do Sol de Agosto.
Mas espero, sentada na encosta,
e sei que hás-de vir por um instante,
cometa errante, sorriso indefinível,
o gesto obscuro do olhar de barro
onde fervilha, puro, o amor que não me tens.
Virás, mas não verei mais do que esse gesto
esse aceno de modéstia, esparsas palavras sopradas
semeadas com alento ... e então depois silêncio.
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