Pouca gente sabe (na verdade só eu), mas esteve em nossa cidade no último fim de semana o grande gourmet siciliano Marco Porpetone, um dos maiores conhecedores da cozinha mundial. Marco faz parte da nova safra de gourmets, que não se limitam à s tradicionais escolas culinárias européias. Podemos dizer que ele é um experimentalista, e não só pela invenção de novas misturas, mas também pela sua capacidade incomparável de experimentar seguidamente amostras nos supermercados (certa vez, em Paris, viveu 7 dias seguidos de amostras, percorrendo os maiores supermercados da mágica cidade das luzes). Por isso, Marco não sente peso nenhum na consciência ao misturar arroz com macarrão para apreciá-lo com um sangrento bife à cavalo. "Tutti cosa bono, Dio mio!", diria, rindo e chacoalhando sua imensa barriga. Ele veio até aqui para sua visita anual ao "melhor restaurante do mundo", a Cantina Tatu, em Assis. Como Marco não gosta muito daquela cidade, hospedou-se por aqui mesmo. Tive a honra de acompanhá-lo num roteiro gastronómico pela nossa cidade, onde degustamos o que produzimos em maior quantidade: cachorro quente.
Começamos pelo carrinho do Diomar, que era o que estava mais próximo. Pedimos 2 hot-dogs, mas quando pedi para o Diomar não colocar maionese no meu pão, Marco me repreendeu duramente, dizendo que "o gourmet deve questionar tudo, mesmo que isso acarrete a sua morte lenta". "Ok! Então manda brasa, Diomar!", disse eu. Para acompanhar, uma perfeita Coca-cola 290ml, bem gelada e de acidez satisfatoriamente agressiva. As observações de Marco, colhidas por um mini-gravador (e traduzidas por mim, que falo um italiano simplesmente espetacular) foram: "pão macio, tostado na medida certa, porém não assado de forma harmoniosa, apresentando diferentes cores da casca. A maionese, convencional, foi espalhada à francesa, ou seja, em camadas de 1,5mm, em média. A salsicha me lembra as noites do verão de Kiev, quando a cidade se enche de aldeões atrás das sementes frescas de cevada." Infelizmente, Diomar não estava nos seus dias mais inspirados, e o arranjo final mereceu apenas nota 5.4, pois a salsicha teimava em escapar do meio do pão.
O segundo estabelecimento visitado foi o da D. Jurema, um dos mais tradicionais da cidade. "Excelente pão, muito bem tostado sem gosto de queimado. Observei que a casca também foi levemente tostada, dando uma crocància que me lembrou minha infància, quando íamos passar as férias no litoral sul da França e comíamos feito loucos o bijoux vendido na praia. O trio santo, maionese, catchup e mostarda, foi espalhado com habilidade e maestria, formando um conjunto sólido e surpreendente. A salsicha, infelizemente, foi cozida alguns segundos a mais, e por isso a nota final é 7.0".
Antes de chegarmos ao terceiro carrinho da noite, Marco parou num bar, dizendo-me que precisava de uma sobremesa intermediária, e brindou-nos com esse comentário sobre o suspiro cor-de-rosa que engoliu rapidamente: "o suspiro, ah, o suspiro, um circo de açúcar e alegria. Um dos mais efêmeros doces, só perdendo para o algodão-doce, porém o mais feliz deles".
Tonhão, o proprietário do terceiro carrinho visitado por nós aquela noite, recebeu-nos com alegria, oferecendo-nos o melhor lugar da casa (as cadeiras de pvc com braço). Disse ainda que esta noite contava com o cardápio especial, que possuía batata palha e catupiry. Olhei para Marco, que balançou afirmativamente a cabeça, e pedimos dois completos. E duas Cocas. Comentários: "desde criança sonhava com o dia em que as batatas cortadas bem fininho sairiam do Strogonoff e cairiam no mundo, recheando sanduíches pelo planeta todo. Lembro-me de minha mãezinha, mandando seus empregados cortarem quilos e mais quilos de batatas em tirinhas, fritando em panelões imensos, somente para saciar a minha fome adolescente e caprichosa." Uma lágrima pingou dos olhos do Tonhão. Marco continuou: "belíssimo, belíssimo! Pão macio e leve, como as camas dos prostíbulos caros de Barcelona, salsichas cortadas simetricamente com precisão cirúrgica, doando-se a cada mordida. Tomates firmes, temperados com limão galego, cebola e cheiro-verde. O alface, não muito lavado, conserva seu gosto de horta, tão difícil nas verduras de hoje em dia. Belíssimo! Nota 9.0, somente não superando o hot dog que comi certa vez em New York, em 1973, durante a faculdade". Marco devorou sem piedade o sanduíche, e virou a coca-cola de uma só vez.
Perguntei então se ele estava pronto para o próximo carrinho, mas Marco me disse: "meu caro amigo, gostaria de não estragar esta valiosa lembrança com outro cachorro-quente que não conseguisse despertar as emoções que obtive agora há pouco". Compreendi seus sentimentos, então sugeri que fóssemos comer uma pizza na Dardanella.
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