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Ensaios-->QUANDO O CINEMA INVADIU A ATENAS -- 28/09/2002 - 20:06 (marcos fábio belo matos) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Marcos Fábio Belo Matos*

Em tempos de Guarnicê de cine-vídeo, em que a cidade parece respirar os ares da sétima arte e muitas pessoas “descobrem” que existem produções cinematográficas além das que costumam ver nas locadoras ou nos chamados cinemas comerciais, talvez seja oportuno dizer que a história do cinema em São Luís já tem mais de uma centena de anos, e iniciou numa época em que ela já não ostentava o seu poderio econômico-cultural e, arrastando uma crise fin-de-siècle, vivia sob as lembranças da velha Atenas.
O cinema chegou a São Luís em abril de 1898. Na época, nem propriamente se chamava cinema, termo que só vai surgir numa segunda fase da arte cinematográfica.
Os primeiros dez anos da atividade cinematográfica no mundo foram essencialmente ambulantes. Depois que os Lumière tornaram pública a sua invenção, fazendo exibições pagas no Bulevard des Capucines, em Paris, o cinema espalhou-se vertiginosamente por todos os cantos civilizados do planeta. Os projetores passaram a ser fabricados por diversas firmas e a tomar nomes os mais diversos, ficando porém mais conhecidos como cinematógrafos, nome dado pelos irmãos franceses ao seu invento. Nesse período, muitos foram os aventureiros que, ante o sucesso retumbante das primeiras exibições, apostaram na universalização daquele entretenimento nascente e, alugando ou comprando um cinematógrafo, ganhavam o mundo a rodar alguns metros de fita em feiras, circos, praças, galpões, vaudevilles, teatros e onde mais que pudessem pagar para ver trens chegando à estação, lutas de boxe, pessoas andando na rua e acenando para a câmera, praças e monumentos das cidades desenvolvidas, paradas militares, números de mágica, encenações diversas.
Foi um desses aventureiros (conhecidos na época como “empresários de companhia de cinematógrafos” mas que, na verdade, não passavam de simples projecionistas) que aportou no Cais da Sagração. Chamava-se Moura Quineau e o seu aparelho tinha o nome de Cronophotographo de Demeny. Este aparelho, curiosamente, não foi encontrado nos livros que consultamos quando da feitura da nossa pesquisa para a dissertação “E o cinema invadiu a Athenas: o percurso do cinema ambulante em São Luis – 1898 a 1909”. Achamos que deveria se tratar de um projetor simples e de baixo custo, já de segunda ou terceira mão, de pouco renome entre os aparelhos do ramo, o que justifica o seu obscurantismo. Renomado ou não, o certo é que o senhor Quineau ornou o seu projetor dos melhores louros, propagandeando-o nos jornais como
Maravilhoso invento de Demeny
Photographias Animadas
Estréa Domingo, 10
Tres secções todas as noites ás 7, 8 e 9 horas, no predio n. 17 a rua do Sol, em frente ao theatro S. Luiz. Funcções surprehendentes.
Ver para crêr!
Entrada 1$000 por pessoa com direito a cadeira (...)

O cronofotógrafo foi saudado pela imprensa com críticas elogiosas. Depois de assistir a uma das sessões, um redator da Pacotilha afirma:
O Cronophotographo
É realmente interessante o cronophotographo que o sr. Moura Quineau tem exhibido n’um compartimento, em frente ao Theatro.
Por bem feita disposição de photographias, vê-se, como no cinematographo as figuras tomarem movimento, andarem, dansarem, jogarem esgrima, conduzirem carga, passearem a cavalo, tendo todos os movimentos e poses differentes.
Vale a pena ver-se o cronophotographo, que aliás não gasta muito tempo, não excedendo todos os seus actos de 15 a 20 minutos, no maximo.
Outro redator, desta vez do Federalista, comentando uma sessão fechada à imprensa a que assitira, escreve:
CRONOPHOTOGRAPHO -
Assistimos ante-hontem a exposição deste moderno apparelho, em frente ao theatro, que muito nos agradou.
As vistas, que nos dão homens ou outros animaes em movimento e em sua forma natural, são das melhores; podemos destacar dentre outras a cavallaria hespanhola fazendo manobras, as mulheres em duello etc.
Merece atenção do publico pois é um trabalho bonito e moralisado.
É preferivel ás Laranjas da Sabina.
O Cronofotógrafo foi “um sucesso de crítica e de público”, para usarmos a terminologia do setor. Nem tanto pelos filmes que apresentava, mas pelo efeito encantador de mostrar, em tamanho quase natural, a vida representada como se fosse real. Afinal de contas, o que sustentou o cinema nos seus primórdios foi essa capacidade de encantar as pessoas pelo fato de capturar a vida e aprisioná-la numa película e, ao girar de uma manivela, soltá-la numa sala escura. Nos primeiros anos do cinema, o que realmente era atração eram os aparelhos, não os filmes. E com o cronofotógrafo não foi diferente. Com uma estréia saudada pelos jornais, o aparelho permaneceu, dando três sessões todas as noites, de 10 de abril a 15 de maio de 1898. Funcionava bem em frente do Teatro São Luís (hoje Arthur Azevedo).
O sucesso deste primeiro aparelho cinematográfico pode ser medido pelo fato de ele estrear bem no meio da temporada de uma das mais tradicionais companhias de teatro da época no Brasil: a Companhia Dias Braga, do Rio de Janeiro. A concorrência com as peças da Dias Braga não abalou o senhor Moura Quineau. Pelo contrário, achamos mesmo que até o beneficiou porque, sendo o espetáculo cinematográfico curto e relativamente barato e funcionando a menos de vinte metros do São Luís, o público não resistia a dar uma olhada no aparelho antes de a peça começar e acabava por ver os dois na mesma noite...
A chegada da diversão cinematográfica em São Luís se deu quase que ao mesmo tempo do que em outras capitais e cidades importantes do país. Só para lembrar, o cinematógrafo chegou ao Rio de Janeiro, então Capital Federal da incipiente república, dezoito meses depois de ter seu nascimento oficializado em Paris: a primeira sessão foi às 2 horas da tarde do dia 08 de julho de 1896, numa sala da Rua do Ouvidor, com um aparelho chamado Omniographo; ainda em 1896 chegaria em São Paulo e Porto Alegre, com sessões, respectivamente, em 08 de agosto e 04 de novembro; no ano seguinte, a diversão alcançaria Manaus (em 11 de abril), Curitiba (25 de agosto), e Salvador (04 de dezembro); em 1898 seria a vez de Natal (19 de fevereiro), São Luís (10 de abril) e Belo Horizonte (julho); e em 1899, a 16 de janeiro, um projecionista de filmes chegaria a Aracaju. Assim, o novo século já veria o país tomado por uma verdadeira febre, a “febre dos cinematógrafos”, tornada epidemia que acometia a todos, desde as capitais até os mais longínquos recantos.
Quatro anos se passaram desde a despedida do Cronofotógrafo de Demeny. Nesse ínterim, os ludovicenses, para quebrar a rotina e a monotonia de uma cidade pequena, freqüentavam o velódromo - espaço para corridas de bicicleta, que se disseminou pelo país nessa época, verdadeiros espetáculos de velocidade, a um mil réis a entrada, que ocorriam nos domingos à tarde, promovidos pela União Velocipédica Maranhense; apreciavam uma ou outra companhia teatral - nessa época, passaram pela cidade basicamente companhias de teatro; participavam das festas religiosas de largo e esperavam com ansiedade as festas do calendário laico, como o carnaval, que trazia bailes de máscara e batalhas de confete no melhor estilo parisiense. Entretanto, depois de abril até dezembro de 1901, nenhuma companhia artística de fora freqüentou o São Luís. Motivo: a cidade, assim como várias outras capitais, estava infestada pela peste bubônica. Somente em junho de 1902 a cidade pôde ver uma outra companhia cinematográfica. Vinda de uma temporada no Teatro Politeama, de Belém do Pará, anunciava-se a chegada da Companhia de Arte e Bioscope Inglez, recebendo as melhores acolhidas da imprensa.
O Bioscópio Inglês foi o primeiro aparelho cinematográfico a ocupar o Teatro São Luís. Permaneceu de 13 de julho a 09 de agosto de 1902. E, pela avaliação geral dos registros que das suas apresentações fizeram a Pacotilha, o Diário do Maranhão e O Federalista, os três jornais diários da época, foi também o primeiro a realmente mobilizar as atenções da cidade, alcançando uma repercussão e uma assistência que nenhuma outra companhia do mesmo gênero lograria durante todo o ciclo do cinema ambulante no Maranhão. Também pudera, pois o sr. José Felipe, um italiano descrito como amável, cortês e filantropo, trouxera um moderno aparelho, funcionando a luz elétrica através de gerador (o que, para a cidade, era uma verdadeira novidade) e com uma “nitidez absoluta”. O Bioscópio Inglês ainda tinha como atrativo a variedade de filmes, o que diminuía as repetições e algumas fitas em cores. Aos atrativos naturais da diversão ainda se somava a letargia em que a população se encontrava, pelo verdadeiro isolamento provocado pela barreira sanitária forçada pela peste bubônica.
O seguinte registro, apanhado n’O Federalista de 21 de julho de 1902, dá-nos a dimensão do quanto o Bioscópio Inglês mobilizou as atenções da sociedade:
(...) Tão extraordinaria, foi a procura de ingresso que hontem, ás 7 da noite, já não existia a venda um só que fosse e as cadeiras começaram a dar agio, offerecendo se por uma o duplo do seu preço.
O empenho de comprar-se um ingresso, a gritaria que se faziam para possuil-o, era maior do que quando tem de subir á scena um drama, uma revista, que ainda não é conhecida de nossa platéa.

Depois da passagem do Bioscópio, mais doze aparelhos cinematográficos visitaram a cidade, constituindo um verdadeiro ciclo de cinema ambulante. Ainda em 1902, o público pôde assistir às sessões do Cinematógrafo Alemão, este de propriedade do Alemão Bernard Bluhm, residente na cidade e dono da Chapelaria Alemã, que rivalizou e criou intrigas com o Bioscópio Inglês, foi ignorado pela população, apresentou problemas técnicos e, para não amargar prejuízo total do investimento, obrigou-se a incursionar pelo interior do Maranhão e Piauí, num pioneirismo ainda não tentado pelos demais projecionistas . Em 1903, apresentou-se no palco do São Luís o Bioscópio Ítalo-Brasileiro. Em 1904, foi a vez do Cinematógrafo Falante, em abril. Em 1906, passaram o Cinematófrafo Kaurt (janeiro), o Alethorama (junho) e O Cinematógrafo Parisiense (agosto). Em 1907 estiveram no teatro novamente o Parisiense (abril), que voltava do Norte, provavelmente de Belém e Manaus, o Cinematógrafo Gaumont (agosto) e o Teatro Campestre (outubro). Em 1908, apresentaram-se novamente o Cinematógrafo Falante (janeiro), o Cinematógrafo Fontenele (março) e o Cinematógrafo Norte-Americano (setembro). Por fim, entre abril e junho de 1909 anunciou-se pelos jornais o Cinematógrafo Pathé, que iniciou sua temporada no F.A. Clube, apresentou problemas mecânicos, recomeçou os espetáculos no Teatro São Luís, com uma assistência mínima e desanimada e parou de funcionar, com o seu proprietário anunciando instalar-se definitivamente como cinema, dando espetáculos diários. De fato, em 31.12.09 o Cinema Pathé abriria suas portas, funcionando no prédio do Café Chic, na Rua Grande, esquina com a Praça João Lisboa. Mas já não era o único. Exatamente um mês antes, em 31.11.09, domingo, inaugurara, no Café da Paz, o “Cinema São Luiz”, na Praça João Lisboa, com uma “numerosa concorrencia”. Como se vê, o Pathé encerrou o ciclo do cinema ambulante em São Luís, mas perdeu a oportunidade de inaugurar um outro.
Os cinemas tomaram conta da cidade. Já em 1909, funcionavam na capital três cinemas, dando sessões a partir das 7 da noite. Eram casas luxuosas, vastíssimas e bastante concorridas. Os preços, considerados altos no ciclo ambulante, equiparados aos das companhias de Teatro e de Variedades que ocupavam o São Luís de quando em vez, popularizaram-se bastante. Os proprietários urdiam as mais inteligentes estratégias para capturar e fidelizar o púbico: faziam apresentações em eventos cívicos; realizavam matinês aos domingos para as famílias; estavam sempre a anunciar filmes novos com os astros do momento (“filmes que só passam neste cinema”); chegaram até a realizar alguns filmes locais, do que trataremos num outro artigo.
O “clima” da cinematofilia em São Luís pode ser comprovado por esta deliciosa crônica publicada na Pacotilha, em 13 de agosto de 1912 e assinada por um certo Aurino, provavelmente um pseudônimo, costume muito usado na imprensa da época:
Os cinemas na nossa cidade já constituem hoje, um ponto permanente de reunião de nossas famílias, tão enraizados se acham entre nós.
Já entrou no nosso hábito a despesa quase que diária de mil réis, para uma sessão de cinema, neste ou naquele, não importa, conquanto que se gaste a verba para isso destinada e se cumpra o hábito, aliás agradável, de que já nos apossamos.
Até aí, nada de mais. É natural, naturalíssimo mesmo que a gente se habitue a passar alguns momentos agradáveis, principalmente quando eles custam tão barato.
O que, porém, é interessante por demais são os partidos que já se formaram entre nós: fulano é adepto de tal cinema; como tal, não admite que ninguém lhe diga que tal fita exibida por aquele cinema não seja boa.
Não, fulano não admite tal coisa; os outros cinemas não prestam: são quentes, embora tenham mil ventiladores, são sujos, a projeção é péssima e fitas... Oh! – as fitas não prestam, são imorais, indecentes, etc.
Temos agora sicrano: para este não há como o cinema tal, que exibe ótimas fitas de sucesso, e por aí adiante.
Se no cinema de que sicrano é adepto se exibe filmes dalgumas fábricas que não de fulano, se não projeta, este diz logo que, aqueles filmes são imorais, indecentes, indignos de serem vistos por uma família e tuti quantun necessário para desmoralizá-los, não se lembrando no entanto que os mesmos já foram vistos por inúmeras famílias de Paris, Rio, Pernambuco, Bahia, etc e que não foram julgados imorais.
É uma luta. Ocorrem as intrigas, chovem as cartas anônimas, é um horror!
Já a gente não pode se manifestar, com medo de receber uns punhados de insultos, pessoalmente, e algumas vezes, até pelos jornais.
E assim, em vez de serem os cinemas uma pura diversão, já estão passando a ser um ponto de combate, um ponto de luta, um ponto de perseguição, àqueles que não são adeptos de tal ou qual cinema.
A mim, me parece somente aqui que se dá semelhante luta. Admite-se a guerra, porém a guerra puramente comercial, a luta pela conquista dos melhores produtos e não essa guerra de intrigas, de aldeia que aí rola quase sempre.
Nenhum proveito trazem elas, pois não tem o valor de levantar ou abaixar o crédito desta ou daquela casa, pelo contrário. Trazem o descrédito para aqueles que movem tais intrigas.
Façamos, porém, ponto nesta croniqueta, que já não é sem tempo.
De tudo isto, só eu tenho a lamentar uma coisa: é de não poder por em prática cá uma idéia que anda a virar e a revirar a cachola de certo tempo para cá.
Sim, porque eu também tinha a idéia de ser dono, assim, de um cinema, nem tão bom nem tão ruim, instalado lá para as bandas de São Pantaleão, cinema para o pessoal pobre, com entrada a 500 réis e fitas de 100 réis o metro de aluguel.
É tal, porém, a confusão havida por causa dos tais cinemas, que eu acho que era uma vez minha idéia.
E por cá fico. Aurino.

Como se vê, o cinema já foi mais amado na nossa Atenas. Só podemos desejar que ele volte a ser.

*Marcos Fábio Belo Matos é jornalista mestre em Comunicação e Culturae autor de ...E o cinema invadiu a Athenas: a história do cinema ambulante em São Luís
marcosfmatos@yahoo.com.br
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