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Ensaios-->LIVRO-ENSAIO -- 25/10/2002 - 19:51 (Moura Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
MOEMA DE CASTRO E SILVA OLIVAL
Doutora em Letras Clássicas e Vernáculas pela Universidade de São Paulo.Crítica Literária, Titular da Academia Goiana de Letras, professora emérita da UFG.




MOURA LIMA

A VOZ PONTUAL DA ALMA TOCANTINENSE




Estudo crítico-histórico-biográfico

Seleção de textos do Autor
Fortuna crítica: Assis Brasil e
Clóvis Moura




ENSAIO 2003


MOEMA DE CASTRO E SILVA OLIVAL







MOURA LIMA
A VOZ PONTUAL DA ALMA TOCANTINENSE




Ensaio crítico-historiográfico



ENSAIO 2003




CO-EDIÇÃO UNIRG/FAFICH





















Copyright by Moema de Castro e Silva Olival

Reservados os direitos de reprodução
para todos os países.

Capa:
Desenho Djow

Diagramação:
José Wilson da Silva Ribeiro

Editoração Eletrônica:
José Wilson da Silva Ribeiro


FICHA CATALOGRÁFICA

Olival, Moema de Castro e Silva.
MOURA LIMA: A Voz Pontual da Alma Tocantinense, por Moema de Castro e Silva Olival – Gurupi: Gráfica e Editora Cometa, P. 118 - 1ª Edição – 2003.

1. Literatura Brasileira ENSAIO.
2. Século 21: ENSAIO: Crítica Literária.
Organização da coletânea : Gráfica e Editora Cometa

I. Título
CDU: 869.0(817.32)-34




SUMÁRIO


Prefácio - Mario Martins.................................................................06
Apresentação da obra do escritor Moura Lima
— traços biográfico.......................................................................08
Introdução....................................................................................17
A Obra Mouriana ...........................................................................18
O mundo contístico. Estilização e Oralidade......................................21
Ficção e História em Moura Lima....................................................25
Estrutura Narrativa de Serra dos Pilões............................................27
Personagem e Ação... .....................................................................29
Espaço e Tempo..............................................................................33 estilísticos.............................................................34
Leitura Crítica de Chão das Carabinas..............................................36
Temática..........................................................................................37
Manejo da Linguagem......................................................................41
Espaço e Tempo..............................................................................42
Conclusão.......................................................................................44
Seleção de Texto da obra de Moura Lima.........................................45
Fortuna Crítica: Assis Brasil, Clóvis Moura, Stella Leonardos. Aluysio Sampaio ,
William Palha Dias. José Mendonça Teles, Mário Martins, Adrião Neto...................................................................................95
Referências Bibliográficas................................................................103
Curriculum Sucinto da Autora...........................................................116











A CONSTRUÇÃO DO ROMANCE EM MOURA LIMA
MÁRIO MARTINS








“MOURA LIMA-A VOZ PONTUAL DA ALMA TOCANTINENSE”, este é o título do novíssimo livro de MOEMA DE CASTRO E SILVA OLIVAL (Goiana, de Goiás Velho, 1932). Figura das mais ilustres da literatura goiana. Filha de Colemar Natal e Silva. Neta de Eurídice Natal e Silva. Bisneta de Joaquim Xavier GUIMARÃES NATAL. Este, aliás, único goiano até hoje(2003), Ministro do Supremo Tribunal Federal e nome de Rua em Copacabana, no Rio de Janeiro. Seu bisavô recebeu o sobrenome NATAL, em virtude de ter nascido no dia 25 de dezembro de 1860, na antiga Vila Boa, hoje Cidade de Goiás.
Moema de Castro e Silva Olival, já foi estudada na ENCICLOPÉDIA DE LITERATURA BRASILEIRA, de Afrânio Coutinho e J. Galante, com edição revista e atualizada por Graça Coutinho e Rita Moutinho, em 2001. É também verbete do livro ENSAÍSTAS BRASILEIRAS, de Heloísa Buarque de Hollanda e Lúcia Nascimento e também do DICIONÁRIO DE MULHERES, de Hilda Agnes Hubner Flores, bem como ainda do DICIONÁRIO DO ESCRITOR GOIANO, de José Mendonça Teles e mais ainda do DICIONÁRIO BIOBIBLIOGRÁFICO DE GOIÁS, de Mário Ribeiro Martins, bem como do DICIONÁRIO BIOBIBLIOGRÁFICO REGIONAL DO BRASIL, via INTERNET, dentro de ENSAIO, no site www.usinadeletras.com.br.
Pois bem, é exatamente esta figura ilustre, Professora aposentada da Universidade Federal de Goiás, membro da Academia Goiana de Letras e Doutora em Letras Clássicas e Vernáculas, pela Universidade de São Paulo, que acaba de produzir tão significativa obra. Moura Lima é hoje um dos maiores nomes da literatura nacional. Morasse ele no eixo RIO/SÃO PAULO já teria sido, certamente, um dos nomes recomendados pela revista VEJA, em sua coluna especializada.
Moura Lima é o escritor referência do Tocantins, pois, com o seu romance Serra dos Pilões –Jagunços e Tropeiros, depois de ser ungido pela crítica autorizado do país, teve o mérito de colocar o Estado do Tocantins no mapa da literatura Brasileira.
Com o ensaio, “MOURA LIMA- A VOZ PONTUAL DA ALMA TOCANTINENSE”, a ilustre titular da Academia Brasileira de Filologia e festejada crítica brasileira Moema de Castro e Silva Olival, apresenta um dos mais bem elaborados estudos da obra romanesca e contística do escritor tocantinense Moura Lima, a partir dos romances SERRA DOS PILÕES, CHÃO DAS CARABINAS e dos livros de contos VEREDÃO, MUCUNÃ e NEGRO D`ÁGUA.
Embora seja este o segundo estudo acadêmico em que o autor tocantinense é contemplado, sendo o primeiro do crítico brasileiro Francisco Miguel, com o título “MOURA LIMA-DO ROMANCE AO CONTO- TRAVESSIA FECUNDA PELOS SERTÕES DE GOIÁS E TOCANTINS”, a brilhante crítica goiana, apoiada em profícua experiência literária, após criterioso desmonte da arquitetura verbal da obra mouriana, recupera a unidade dos textos, “farolando-os” por dentro, para facilitar a decodificação que norteia a engrenagem latente de seu mecanismo criador.
Assim sendo, a notável crítica, para robustecer o processo investigativo literário, procurou firmar-se na visão transfenominal do mosaico romanesco mouriano, ungindo-o à reflexão do estrato original das obras em estudos, ou seja – o afloramento das qualidades metafísicas – que acompanha o pulsar da fenomelogia materializada à transposição da linguagem, na estrita observância dos elementos que são capazes de movimentar uma metalinguagem aderida pelo autor à elaboração de seu projeto ficcional.
Portanto, o riquíssimo estudo da Professora Moema de Castro, além de instruir o processo investigativo da criação narrativa de Moura Lima, ministra lições profundas de como deve ser o procedimento do estudo de uma obra literária, cumprindo assim, uma etapa analítica e outra didática, de grande alcance. Observa-se, por exemplo, por dentro de sua investigação literária, um manejo sólido da bibliografia abundante e vasta, sem intenções preconcebidas de rebuscamentos eruditos agressivos. Em Moema de Castro, tudo é analisado à luz do próprio texto!


Mário Ribeiro Martins é membro da Academia
Goiana e da A




















APRESENTAÇÃO

DADOS BIOGRÁFICOS DO ESCRITOR
MOURA LIMA.




Ao abrir o presente ensaio, alguns esclarecimentos preliminares se fazem necessários para que nos situemos no contexto histórico da obra de Moura Lima, começando pelos seus dados biográficos. O romancista JORGE LIMA DE MOURA (literariamente Moura Lima) nasceu em 2 de dezembro de 1950, na fazenda Capim-Puba, localizada nas proximidades de um vilarejo denominado Capelinha (hoje Heitoraí), distrito de Itaberaí, situado às margens do rio Uru, extremando com Goiás Velho e os sertões do Vale do São Patrício, no Estado de Goiás.
Nessa fazenda e nos arredores do povoado passou a infância e a adolescência, juntamente com seu pai, Guiomar Rodrigues de Moura, natural do Norte de Goiás, antigo Descoberto, hoje Porangatu, e de sua mãe, Conceição Lima de Moura, nascida em Igarapava, São Paulo, tendo sempre presente à avó, Doralice Rodrigues Prateado, e a imagem do avô paterno, Pedro de Moura Alencar, de Chapada do Corisco – Teresina-Piauí.
E, nas palavras do próprio escritor: “– Meu avô paterno cruzou esse chão bruto do Nortão de Goiás, hoje Tocantins, provindo do Piauí, nos idos de 1915, no lombo de burro, seguindo pelos trilheiros machucados pelos cascos das tropas e das boiadas, ao tilintar das esporas no arco de ferro, dos cincerros e do estalar da taca, e foi bater com os costados em Descoberto (Porangatu), nas margens do rio do Ouro, onde situou a sua fazenda de gado. Posteriormente, acompanhou o meu bisavô, Coronel José Rodrigues Prateado, de muda para Amaro Leite. E ali, nos chapadões e descampados das vertentes do rio Macaco, veio a falecer a 1º de julho de 1923”.
Moura Lima retrata, com orgulho, a sua infância bem vivida, na fazenda Capim-Puba, de seu pai, afirmando:
“– Nasci na era dos carros de boi, e ali na labuta do dia-a-dia, por aqueles rincões, fui candeeiro de meu pai, por caminhos esbrugados e baixadões”.
“Moura Lima com essa bagagem genética tocantinense, tornou-se um dos maiores nomes da literatura regional do Estado, pois com seu romance Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros, recebeu os aplausos dos meios intelectuais de Goiás e de grandes nomes da literatura brasileira.
Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros foi enviado pela Universidade do Tocantins para Central Connecticut State University (Biblioteca Central de Connecticut U.S.A.), que solicitara ao Governo do Tocantins obras de divulgação sobre o Estado, como também foi para o Japão.
Moura Lima é autor do primeiro romance do Estado do Tocantins Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros, pesquisador incansável, possui um acervo respeitável do que ocorreu nos últimos cem anos, nesta região (Tocantins). Mergulha sempre na poeira dos arquivos, para resgatar os nossos costumes e tradições. E tem uma particularidade interessante: não é escritor regionalista de gabinete, mas, sim, de campo, pois já andou em toda nossa base territorial e conhece bem nossa fauna, flora e o linguajar do nosso sertanejo. Sentiu de perto o cheiro da terra, dos ribeirões e das nossas matas ciliares. Aí está o segredo da seriedade da criação literária de Moura Lima, que soma aos seus estudos lingüísticos e de semântica o falar vigoroso de nosso sertanejo ao conhecimento “in loco” da nossa realidade histórico-social e antropológica. (in Jornal Folha da Cidade).”
Moura Lima é casado com Alvininha Queiroz de Moura. Tem dois filhos: Leonardo Queiroz de Moura e Rodrigo Jorge Queiroz de Moura.
Fez os estudos preliminares na fazenda, em Uruana, Trindade, Itaberaí, e o clássico, em Goiânia. Iniciou seu curso de Direito em Anápolis, (1980), na Universidade Evangélica, vindo a conclui-lo na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas de Gurupi, em 1989, no Estado do Tocantins. Foi escolhido e eleito orador da turma. Além de bacharel, advogado militante, é pós-graduado em Língua Portuguesa pela Universidade de São Gonçalo – FISG-RJ, agrimensor e técnico em agropecuária. É estudioso da Arte Real e recebeu o grau máximo da maçonaria brasileira, ou seja, grau 33, outorgado pelo Supremo Conselho do Brasil – Grande Oriente do Brasil. É necessário salientar que Moura Lima detém uma relevante folha de serviços prestados ao Tocantins, como servidor do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária-INCRA, onde foi Executor do Projeto Fundiário de Gurupi, Chefe da Administração e Presidente da Comissão Permanente de Licitação de Terras Devolutas da União, no Estado de Goiás, atuando especialmente na então Região Norte de Goiás, hoje base territorial do Estado do Tocantins.
É membro fundador da Academia de Letras do Estado do Tocantins, cadeira n. º 15 (ex-vice-presidente), e membro do Instituto Histórico e Geográfico, também do Conselho de Cultura do Tocantins; pertence à Academia Piauiense de Letras, como membro correspondente. Possui vários artigos publicados em jornais e revistas. Recebeu o diploma “Personalidade Cultural” da União Brasileira de Escritores / Rio de Janeiro, por serviços prestados à Cultura Brasileira, em solenidade no auditório da Academia Brasileira de Letras.
Por força do Decreto Legislativo n. º 01/96, a Câmara Municipal de Gurupi concedeu-lhe o título honorífico de Cidadão Gurupiense.
Moura Lima busca construir seu mundo virtual estilizando, na expressão, a norma popular regional, com a qual conviveu desde sua origem, tarefa que lhe foi facilitada graças à continuidade no trabalho fundiário, o que lhe permitiu conquistar e ampliar a vivência no referido campo, graças à árdua tarefa de andar por todo o sertão do Norte de Goiás, ora pelos trilheiros, no lombo dos matungos, ora pelos chapadões, ou de canoa pelo rio Tocantins. Assim, constitui-se autor regionalista de mão-cheia que, não obstante ser registrado civilmente como Jorge Lima de Moura, assina seus trabalhos com o nome literário de Moura Lima.
Moura Lima, contista, ensaísta, folclorista e romancista, vem-se dedicando, pois, com afinco e talento, a escrever (e reescrever) suas obras em linguagem amalgamada pela própria experiência de vida, portanto fiel ao húmus da terra goiano-tocantinense, seu natural habitat, em busca de uma forma legítima e criativa de expressão, embora reconheça que a perfeição é, tão-somente, um ideal a perseguir. Na sua labuta de escritor, visando atingir o âmago de seu projeto como romancista e contista de sua região, vai adquirindo autoridade para tanto, uma vez que a realidade lhe está de tal maneira entranhada na sua vivência de escritor, que a matéria de sua obra—homem, fauna flora, perfis, mitos, crenças— palpita com a intensidade que só a experiência pode esculpir.


PREMIAÇÕES RECEBIDAS PELO ESCRITOR MOURA LIMA

Prêmio de Literatura – SESI-TO/95.
Prêmio “Destaque do Ano” – Literatura – Rádio Tocantins FM – Romance.
Serra dos Pilões, como a melhor obra produzida no Tocantins – Gênero Romance – 1995.
Prêmio “Personalidade Cultural” – UBE-RJ / 1999.
Prêmio “Malba Tahan” de Literatura / 2000 do Concurso dos 500 anos, da Academia Carioca de Letras e União Brasileira de Escritores-RJ.
Obra: Veredão – Contos Regionais e Folclóricos.
Prêmio “Profº Joaquim Norberto” / 2001, do Concurso Nacional da UBE-RJ.
Obra: Mucunã – Contos e Lendas do Sertão.

OBRAS QUE FAZEM REFERÊNCIA A MOURA LIMA:

Enciclopédia de Literatura Brasileira – Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa. Ministério da Educação/FAE, 2ª Ed., Rio, 2001.
Antologia de Autores Tocantinenses – Márcio Barcelos e Erlene S. Dias. Ed. Kelps, Goiânia-GO, 2000.
Dicionário de Folcloristas Brasileiros, 2ª Edição /Kelps, Goiânia-GO, 2000, Mário Souto Maior.
Dicionário do Escritor Goiano – José Mendonça Teles. Kelps, Goiânia-GO, 2000.
Dicionário Biobibliográfico de Goiás – Mário R. Martins. Master, RJ, 1999.
Dicionário Biobibliográfico do Tocantins – Kelps, Goiânia-GO, 2000, Mário R. Martins.
Dicionário Tocantinense de Termos e Expressões AFINS – Cartográfica, Palmas-TO, 1997, Liberato Póvoa.
icionário Biobibliográfico de Escritores Brasileiros Contemporâneos – Adrião Neto. Teresina-PI, 1998.
Fazer o Piauí – Crônicas do Meio-Norte – Enéas Athanázio – Ed. Minarete, 2000 – Santa Catarina.
Coletânea – Escritores Brasileiros em Prosa – Adrião Neto. Teresina-PI, 1999.
O Romance de Moura Lima – Estudo Literário – Ana Braga. (Inédito)
Apocalipse – Espécie Terminal – Assis Brasil/2001- IMAGO/RJ.
Literatura Piauiense para estudantes – Adrião Neto. Teresina-PI, 2000.
Documentário jornalístico literário sobre “Serra dos Pilões” – Produção Sunrise Vídeo – Tocantins. Antologia Poética – Prêmio de Literatura SESI – Tocantins, 1995.
Moura Lima: Do Romance ao Conto – Travessia Fecunda pelos Sertões de Goiás e Tocantins (Ensaio) – Francisco Miguel de Moura/2002 – Cometa/TO).
Moura Lima: A voz pontual da Alma Tocantinense (Ensaio) - Moema de Castro e Silva Olival - Editora Cometa/TO- 2003.



OBRAS DO AUTOR

Poemas Errantes – 1971. Ed. Elite, Goiânia-GO, 1971.
Sargentão do Beco – Peça Teatral – 1971. Graf. Sousa, Itaberai-GO, 1971.
Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros (primeiro romance do Estado do Tocantins) – 1ª ed. 1995 (esgotada); 2ª ed. 1996 (vestibular FAFICH-TO – esgotada); 3ª ed., Revista e Ampliada - 2001. Editora Cometa-Gurupi-TO.
Pelos Sertões do Piauí - Ensaio / Revista / Cadernos de Teresina, nº 27, Dez. / 1997.
Veredão – Contos regionais e folclóricos - 1ª ed. 1999, Ed. Cometa (vestibular FAFICH-TO), ESGOTADO.
Alvina Gameiro – Ensaio, publicado no Jornal Meio Norte (Encarte), 2001, Teresina-PI.
Mucunã – Contos e Lendas do Sertão. Ed. Cometa, Gurupi-TO, 2000 (vestibular FAFICH-TO), esgotada.

Chão das Carabinas – Coronéis, Peões e Boiadas. Romance, Ed. Cometa, Gurupi-TO, 1ª ed., 2002.
Negro D’Água – Lendas e Mitos do Tocantins. Contos – Ed. Cometa, Gurupi-TO, 2003.

INÉDITOS:
O Caminho das Tropas – Revoltosos, Peões e Boiadas (Romance).
Dicionário de Termos e Expressões Populares do Tocantins.
Solidões do Araguaia (Romance).
O Canto da Seriema (Romance).
Egrégora Poética.















INTRODUÇÃO


“O ódio do povo era represa que se enchia. Tomava força devagarinho de nascentes desconhecidas, à espera de alguém que lhe abrisse as comportas”.Eli Brasiliense, in Rio Turuna.
“O mito é a verdade do coração: pensamento: pensamor”. Guimarães Rosa.


Mais uma obra literária regionalista? Um novo Bernardo Guimarães, com o estudo do garimpeiro nas regiões centrais, ou um Afonso Arinos, com seus bem delineados tipos e paisagens sertanejos, ou um Hugo de Carvalho Ramos, o pioneiro na tradução de “nossas primeiras gestas”, ou um Bernardo Élis, narrador épico desse nosso “chão analfabeto”, ou Eli Brasiliense, no acendrado amor ao seu torrão tocantinense, — que, à época, também era goiano—remexendo nos respectivos valores, mitos e mecanismos interiores de suas personagens sertanejas, ou Carmo Bernardo, o mestre de nossos “ causos” regionais, na profunda vivência do potencial ecológico do “ hinterland” goiano, todos, amálgama vital das vozes palpitantes e desconhecidas desse Brasil Central? Ou, então, um Adonias Filho, do recôncavo baiano, ou Guimarães Rosa, dos Gerais mineiros, ou Graciliano Ramos, o épico da “ vida retirante” do nordeste, ou Simões Lopes Neto, nos registros contísticos dos pampas gaúchos?

Algo de forte, marcante, irrompe para nós, agora, nessa trilha. Não tem, surpreendentemente, o objetivo, apenas, de imprimir continuidade no desvelar da região interiorana, em tomada conjunta de seus valores vitais, e apanhada como bloco único, como o fizeram seus antecessores, mas, agora, acompanhando o fato histórico da divisão dos territórios Goiás-Tocantins, projeta-se, em iniciativa pioneira, a ser a primeira manifestação oficial, dramatizada—através de contos, “ causos”, lendas, mitos, romances— da alma tocantinense. O pioneirismo fundamenta-se, exatamente, no dado político-administrativo de sua autonomia política, não podendo escapar, no entanto, da unidade de um substrato mítico comum que ainda imprime selo goiano a essa alma do novo Estado, sem dúvida enriquecida por algumas peculiari afeitas ao ritmo de vida da região.
Assim é que “flashes” de primitivismo selvagem, decorrentes da ignorância e do abandono político-administrativo desses “ fundões”, atrocidades, bravuras, grandezas e pequenês de alma surpreendentes, variações do que, se já era tradição no sertão brasileiro, adquire, agora, com Jorge Lima de Moura ( nome literário: Moura Lima), feições peculiares, muitas vezes, particularizações históricas da alma de uma região, expostas nas suas lendas, mitos, riquezas ecológicas, como a Serra dos Pilões, a do Jalapão, etc. Envolve, ainda, os rios, seus mistérios e curiosidades intrigantes que alimentam, não só a fertilidade ambiental, quanto o imaginário local, este, enriquecido matiz do substrato comum, já mencionado acima, burilando o perfil de seus heróis e anti-heróis.
Se sabemos, com Ferdinand de Saussure—apud Alfredo Margarido, da Universidade de Lisboa1 —que “ Os costumes de uma nação exercem pressão sobre a sua língua e, por outro lado, é, numa larga medida, a língua que faz a nação”, não podemos, usuários da Língua Portuguesa no ( e do) Brasil, menosprezar o extraordinário acervo do falar peculiar de uma determinada região, no caso, da região do Tocantins, em emprego estilizado pelo escritor, dentro da sábia orientação que presidiu ao lavor literário de alguns de nossos regionalistas, à frente Bernardo Élis, sobre cuja técnica, na busca da melhor exegese da respectiva obra, evocamos a orientação de Antonio Cândido2 , no seu ensaio sobre “ I Malavoglia”: “ Nenhuma maneira melhor há de se aproximar de um povo, senão através do ritmo profundo de sua vida que é a sua fala”. Deste modo, chamamos atenção para o papel desempenhado pelo apelo que Moura Lima faz ao ritmo de seu povo, demonstrado pelos abundantes modismos, torneios frasais, construções peculiares, léxicas, sintáticas, e sobretudo semânticas, a colorirem, com a pulsação da vida regional, o seu texto narrativo. Por vezes, tão inusitadas para nós, que soam como páginas estrangeiras. Aliás, o autor, prevenido, nos oferece glossários esclarecedores, já havendo elaborado um Dicionário de Termos e Expressões Populares do Tocantins.


A OBRA MOURIANA

Embora, neste momento, nosso objetivo maior seja a leitura crítica dos romances de Moura Lima, façamos algumas observações básicas sobre sua obra contística, que, até este momento, maio de 2003, abrange os livros:

—Veredão. Contos regionais e folclóricos. I ed. 1999. Gurupi: Multigraf Araújo, 1999. Prefácio de Eduardo Campos

— Mucunã. Contos e Lendas do Sertão. I ed. Gurupi, Gráfica Cometa, 2000.

—Negro dÁgua. Mitos e Lendas do Tocantins. Contos. Gurupi: Gráfica e Editora Cometa. I ed. 2003.

1 Margarido, Alfredo. Revista da Academia Brasileira de Filologia, ano I, n. I, nova fase, 2002, p. 9.
2 Cândido, Antonio. “ I Malavoglia” in Língua e Leitura. Gráfica da Universidade de São Paulo, 72






O MUNDO CONTÍSTICO. ESTILIZAÇÃO E ORALIDADE



Quanto aos livros designados como de contos, teríamos a observar: Moura Lima foi previdente ao colocar, junto à designação “conto”, a possibilidade de referência a outras formas narrativas, uma vez que, muitas das lendas e mitos, matéria rica do folclore regional, nos vêm na forma simples das seqüências narrativas espontâneas (causos), sem elaboração estrutural da forma, exigência necessária no conto.

Porque, hoje, já se consolida a diferença. A princípio, pode parecer tratar-se de mera formalidade terminológica, mas, na verdade, entra-se em terreno da crítica contemporânea.

Se Mário de Andrade teria sido o responsável por uma definição liberada do conto: “ tudo aquilo que o autor designa como tal”, preocupações atuais—tendo em vista a estrutura do texto e a consciência crítica do leitor, objetivando seu alcance no processo da decodificação-procuram estabelecer características pontuais que possam distingui-lo de uma forma narrativa simples, ou mesmo da crônica, gênero limítrofe.

Assim, em nosso último livro O Espaço da Crítica II: A Crônica: dimensão literária e implicações dialéticas (2002 )3 , procuramos refletir sobre o assunto e, com apoio em Julio Cortázar, posicionamo-nos a respeito, tomando-o como uma narrativa intuída, sem dúvida, mas estruturalmente armada em óptica subjetiva, concisa, com unidade nuclear de seus elementos formais, sobretudo do ponto- de- vista, exigindo domínio criativo dos recursos da linguagem.

No conto, segundo o crítico argentino, “ deve-se buscar nocautear o leitor, deixando-o chapado da primeira à última linha”. ( Valise de Cronópio, 1974, ).4

Por isso, reiteramos o aspecto louvável da medida preventiva do englobando formas simples e espontâneas, sustentadas na oralidade da região. Ainda nessa circunstância, não se pode ignorar a forma saborosa, fluida da voz narrativa do escritor, como, no livro Negro d´Água, “ Lenda da Origem do Povo de Carajá”, ou, o próprio conto “ Negro d´Água”, este último incluído tanto no livro homônimo, quanto em Mucunã e Veredão, como também, em Mucunã, os contos “ Mula-sem-cabeça”, ou “ Lobisomem” e outros. Aliás, este foi um recurso largamente usado no último livro de Moura Lima, Negro D´água. (2002-03),que ostenta o título de um de seus livros, como já demonstrado, sendo, portanto uma técnica recorrente do escritor. Por exemplo: de Veredão, (1999), anotamos a repetição de três contos, a saber: “ Assombração”, “ O Iluminado” e, conforme o já mencionado: “ Negro d´Água”. E de Mucunã (2000), quatro contos: “Mula-Sem-Cabeça”, “Lobisomem”, “Do Corte de Faca veio a salvação”, e “A Tocaia”.
Como curiosidade, então,o fato de os títulos dos livros de contos adotarem, sempre, o nome de um dos seus contos.
.
Em Veredão, que segue o ritual acima mencionado, sendo o conto homônimo um dos melhores do livro, prevalece a referida forma narrativa.
Assim, este conto “ Veredão” perfila-se, ao lado de outros extensos ( quase novelas) como “ O canto da seriema” que, aliás, parece-nos, seja o núcleo de um futuro romance, opinião partilhada pelo crítico literário Francisco Miguel, membro da Academia Piauiense de Letras, em seu texto crítico publicado em Folha da Cidade-Gurupi, 28/3/02, em que nos fala dos novos projetos de Moura Lima e menciona O Caminho das Tropas e Canto de Seriema.
No referido conto, como, também, em “ Tropeiros do Jalapão”, ou em
“O Jaguaretê da Mão Torta”, por exemplo, sensibiliza-nos a profunda experiência revelada pelo narrador em relação à sua realidade que passa a alimentar, de maneira substanciosa, a narrativa, tornando-a, ainda que ficcionalmente, documental.
Também, encanta-nos o processo de mediação de sua linguagem regionalista, apanhada num recurso estilizado, conforme já dissemos, e percuciente, a ponto de ser capaz de energizar o relato, para cujo fato contribuiu, de maneira enriquecedora, o extraordinário acervo de expressões regionais, modismos, ditados populares, que ajudaram a singularizar as imagens do sertão tocantinense. E quanto ao processo da transcrição da oralidade, não se trata, como afirmamos também a respeito de Bernardo Élis, da transcrição ipsis litteris da fala regional, mas de seu aproveitamento literário, capaz de traduzir a ideologia do escritor. Vejamos.
No caso de Bernardo Élis, a ideologia traduziria projeto reivindicatório, com matizes de um discurso político-social, veiculando voz de protesto em favor de um povo-de seu povo-“ desguarnecido” das condições essenciais de sua cidadania. Nele, sintagmas como “ chão analfabeto”, ou “ chão parado” teriam o propósito de estigmatizar a realidade enfocada. Na curva dos processos de mediação da fala, Bernardo Élis aperfeiçoou-se, indo de um estágio mais incipiente, centrado nas deformações vocabulares, do falar regional, registros que vinham entre aspas, como receoso de enfrentar o julgamento de seus leitores de então, que poderiam julgá-lo desconhecedor das normas cultas, cuidado revelado em Ermos e Gerais (1944), atingindo, depois, em Veranico de Janeiro,(1966) ponto alto nessa técnica que abraçou, com inteira liberdade, de maneira, até, desabusada, colorindo com ela seu texto narrativo, inclusive, mas já se direcionando para a primazia ao ritmo, modismos e construções da oralidade, seguindo as novas tendências nacionais. Mostra esse traço, também, em Apenas um Violão, livro de contos bem posterior (1984), como a ver, no ritmo da oralidade, o toque fiel para traduzir a alma regional. Mas, em Caminhos e descaminhos, (1965), com alguns de seus mais belos contos, como “Ontem, como hoje, como amanhã, como depois”, mais tarde adaptado para o cinema e a televisão, no curta- metragem Índia, a filha do Sol, ou “Uma certa porta”, encontrávamos um Bernardo mais preocupado com o burilamento estético no emprego dessa oralidade, buscando traduzir o regional, mais na temática, que nos recursos acima apontados. Se bem que, o que o caracterizou como escritor da oralidade tenha sido, exatamente, o fato de se tornar seu grande intérprete, ora fazendo, dela, elemento delineador de sua proposta literária, no intento de traduzir a alma regional, ou, então de transformá-la em recursos de estrutura mimética, responsável, por exemplo, pela frase plástica, ou rítmica, esboçadora de imagens dinâmicas, como se vê em Apenas um violão, no conto “ Explosão demográfica (minueto em fó menor)”,em que Bernardo cria, literariamente, ritmicamente, um texto musical, formal e tematicamente tecido em torno da fome. ( Não se esquecer que, na época, 1984, havia uma cruzada universal em favor dos famintos da Etiópia. Quem não se lembra de artistas do mundo todo, em coro internacional, cantando “ We are the worl.”?)5
Bem, a digressão em torno dos recursos de oralidade empregados por Bernardo Élis, o introdutor, em Goiás, dos moldes de sintaxe divulgados pelo Modernismo, tem o objetivo de situar melhor Moura Lima nesse espaço, em que se distingue, não só pelo tom reivindicatório de sua proposta, ainda que mais direcionada ao ataque à pressão política de certos coronéis, em especial à força política dominante no Estado, do que voltada para as angústias do ser humano sujeito a esses regimes de opressão, campo privilegiado de Bernardo Élis. Acrescentaria, a esta observação, um toque muito gratificante que nos oferece Moura Lima: o de indisfarçável ufanismo pelaliparece ansioso em ter registrada, para a história, a autenticidade de seu torrão natal , de suas atividades peculiares: tropeiros, vaqueiros- jagunços, de suas lendas e belas paisagens. Ama seu torrão e, disso, nos torna, a seus leitores, participantes. E isto parece transmitir à sua obra um peso histórico-documental ( preocupação com o registro), quase tão forte quanto o propriamente, político-social. ( preocupação com a denúncia). Neste item, transparece, forte, uma voz acusadora, um alter-ego do autor, a qual aponta para as arbitrariedades e as pressões políticas, atitude registrada nos fatos e em ardis da trama, ( ver metáfora da árvore baru, por exemplo) mas, não em jogos da expressão linguística como em Bernardo Élis, ( Chão analfabeto, Sol macho, etc)
Moura Lima, sem dúvida, ocupa, com denodo, o pódio da literatura tocantinense, projetando-se à condição de primeiro romancista e tradutor da alma do novo Estado..

E, se com Mattoso Câmara Jr, sabemos que a língua é em si mesma um dado cultural, queremos insistir em mostrar que a “ciência” do autor- narrador, na interpretação de uma realidade regional , através do seu processo de mediação, não precisa valer-se da fidelidade do gravador, mas, sim, do colorido da “ sugerência” literária, de cujo grau, maior ou menos, retiraremos nossa avaliação sobre o autor e seu potencial de criatividade.

Então é preciosa a literatura de Moura Lima, não só pelo vigor de suas tintas literárias, quanto pelo esforço de registrar, antes que se perca, na inevitável trajetória da caminhada histórica rumo à globalização, a autenticidade do perfil de seu rincão.

Tanto nos contos, quanto nos romances, Moura Lima trabalha a vida “ tão barata” do sertão, vida que ainda se alimenta do perigo, da violência, da ousadia, da coragem. Vida em que as noções de honra são estrelas fugazes, num céu de selvagerias, confrontos, frutos do abandono das leis e dos direitos legais que devem amparar o cidadão.


3 Olival, Moema de Castro e Silva. O Espaço da Crítica II: A Crônica- dimensão literária e implicacões dialéticas. Goiânia: Editora Kelps, 2002.
4Cortázar, Júlio. Valise de Cronópio. São Paulo: Editora Perspectiva, 1974,, p..70.
5 Apud Olival, Moema de Castro e Silva . In O Espaço da Crítica. Goiânia: Editora da Universidade Federal de Goiás, 1998, p. 156.





Ficção e História em Moura Lima.


Como romancista, o nosso escritor abraça o filão histórico. Se Tolstoi já pregava:
“ se queres ser universal, fala de sua aldeia”, encontramos, na ficção de Moura Lima, no potencial arregimentador de sua realidade regional, apanhada numa feliz confluência de dado histórico, talento criador e imaginação poética, encontramos, pois, fiel amostragem de um protótipo de literatura regional: a tocantinense. O autor aponta, para a posteridade, o perfil da alma tocantinense, a partir da feição de seu povo, de sua geografia, ecologia, fauna, flora, rios, de sua cultura, de sua linguagem. E, no trazer a fala de sua região, abre, para os estudos filológicos de caráter dialetal, rico filão, sobretudo, como já afirmamos, nos registros dos modismos e expressões peculiares, intérpretes de sua cultura.
Os romances: Serra dos Pilões (1995; 1996; 2001) e Chão das Carabinas ( 2002) são históricos, na medida em que “ o saber” de que lançam mão é retirado da história.
Serra dos Pilões registra a tragédia da Vila de Pedro Afonso e a perseguição, pelas terras do Jalapão, dos jagunços responsáveis. Chão das Carabinas traz a história sangrenta da Vila do Peixe. Ambos valem-se dos registros históricos, no que diz respeito aos dados da ação e à categoria sócio-cultural dos vultos mencionados, mas, como criação ficcional, constroem a sua “ verdade”.
Porque, sabemos, a partir do momento em que se tece a ficção, não haverá mais a preocupação em torno do rigor da “ verdade histórica”. O que importa é a “ verdade do universo ficcional” cuja trama, quanto à eficiência de sua “ urdidura”, depende do talento de escritor.

Aliás, sobre a relação Ficção e História, muito já se escreveu. Nós mesmos, no ensaio crítico “ Ficção e História”6 , discorrendo sobre o terceiro romance de Bernardo Élis: Chegou o Governador7 , relembramos ser, este processo de união Ficção e História, uma das sete diretrizes básicas dentre as tendências do romance moderno no Brasil, conforme observações a respeito da matéria mencionada, feitas pela ensaísta e crítica Nelly Novaes Coelho.8 Só para relembrar, as demais tendências seriam: a que mescla ficção à memória; a ficção experimentalista; a “ desenvolta”; a do humanismo dramático, a do convívio cotidiano e a do húmus regionalista. E, interessante, frisa Nelly, estas tendências não são rigorosamente independentes. Alioura Lima que se situam nos espaços da primeira e da última, com breves incursões pelas segunda e quinta.



6 Apud Olival, Moema de Castro e Silva. Cadernos de Letras. Série Literatura Goiana, n.5, ano 1988, do ICHL- UFG, p.8.
7 Élis Bernardo. Chegou o Governador. Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1987.
Coelho, Nelly Novaes. Literatura e Linguagem: a obra lit







ESTRUTURA NARRATIVA DE SERRA DOS PILÕES




Vejamos, pois a estrutura narrativa de Serra do Pilões. Temática:
Quanto ao “ saber” histórico de que se utiliza, e que fundamenta sua temática, já ficou claro. Como ficção, recria, para seu mundo virtual, uma fase primitiva de nosso sertão-agora delimitado em novo Estado Federativo-cobrindo um espaço ilhado da civilização, e traz, como arquétipos soberanos daqueles “ fundões’, mitos primazes latentes no ser humano em ritmo de tocaia, aguardando oportunidades de manifestação, que surgem, muitas vezes, decorrentes de falhas dos sistemas governamentais que amparam o cidadão: violência, opressão, a injustiça, cobiça, ódios, vingança, etc. São perfis do homem regional, prisioneiro das circunstâncias político-sócio-culturais que o rodeiam, mas que dão mostras, ocasionais, é verdade, de seus anseios universais, como “ ser”.
Daí o realce do processo de transposição da “ fala” desse homem, a qual o situa no contexto nacional. Os dados mencionados permitem-nos sintetizar a temática do romance como: as forças político-sociais-culturais que movem o homem dos ermos do sertão tocantinense.
A respeito do livro que, como vimos, está em sua terceira edição, agora revista e ampliada, como romance de destaque do Tocantins, não poderíamos deixar de nos referirmos ao prêmio Personalidade Cultural conferido ao seu autor, pela UBE do Rio de Janeiro.
Vejamos algumas opiniões críticas, como a de Messias Tavares:
“ Uma saga de jagunços e tropeiros nos sertões do Jalapão. São quatrocentas páginas de pura emoção, pelo verde da paisagem soberba daqueles cafundós de chão bruto! (...)
Serra dos Pilões retrata, na sua bem estruturada fibra de romance regionalista, a alquimia da verdadeira criação literária: o sopro épico das grandes epopéias sertanejas, incorporando, de forma vigorosa, o folclore, a força dialetal tocantinense, o mundo turuna dos jagunços, o cenário agreste do Jalapão, no mapa literário do Brasil.”

E, a de Assis Brasil, romancista, crítico literário, colaborador do Suplemento Dominical dos principais jornais do país:
“ Serra dos Pilões atinge o seu alvo, como romance bem sucedido no contexto da Literatura Brasileira, ou seja, o de retratar um mundo interiorano e se realizar como obra de arte”.

Com certeza, partilhamos da opinião do sociólogo, ensaísta, escritor e crítico Clóvis Moura, expressa na apresentação de Serra dos Pilões, de que no romance regionalista, além do intuito de expressar uma região, deve-se ter fortemente delineada ( aliás, condição sine-qua-non da obra de arte) a expressão do poder criador do referido autor. Isto se configura através do processo de transfiguração e resulta em conjunção dinamizadora dos elementos estruturais da narrativa, sobretudo personagem e ação, sem minimizar o papel dado ao espaço e tempo, este, sobretudo, se for interior., aspecto não priorizado aqui, é preciso ressaltar.
Também reforçam esse ponto de vista Eli Brasiliense, no seu prefácio, um tanto tendencioso politicamente, mas apaixonado pela região que se incluía, à época, nas terras goianas, e que, embora administrativamente, jogada, agora, para outros limites geográficos, espelha, sem dúvida, muito da nossa cultura e, ainda, a poetisa Stella Leonardos que, no seu belo poema, nos traduz condições vitais da obra de Moura Lima, conseguindo espargir, com “ Repensando Serra dos Pilões”, intensos fluidos poéticos sobre as páginas épicas do romance em questão, como podemos constatar aqui: “ (...) —E as cores do populário?/ E o místico sincretismo?/ E o flagelo dos jagunços?—Das notas reais de outros tempos./— Só sei que o romance vosso,/ só sei que o talento vosso/ são mais que ficção e História./ Em nós rapsodos se tornam,/ rapsodiar inesquecível, / regionalista rapsódia./”

Interessante que toda a narrativa se move em terrenos do Jalapão, fato sempre mencionado, havendo, talvez, apenas uma referência específica à Serra dos Pilões, nome que acaba intitulando o livro. E por referir-se ao espaço da felicidade, quando capitão Labareda confidencia ao seu amor D. Bela: “ Também fui feliz na minha infância, lá na Serra dos Pilões”, não estaria este critério apontando a intenção de imprimir ao local uma imagem metafórica, capaz de extrapolar do terreno denotativo da indicação geográfica, para o único espaço sede desse sentimento, tão raro e tão inatingível naqueles rincões? O fato indicaria recurso de transfiguração, fruto do processo criativo do autor , e seu papel seria o d e tornar Serra dos Pilões símbolo do sentimento cuja busca vem embutida na temática, como meta a ser perseguida pelos filhos do Tocantins. A saber: Serra dos Pilões, símbolo da busca da realização, da felicidade. Daí o título. Sem dúvida, possibilidade bem criativa e enriquecedora.


Personagem e ação.



Instigante, para o leitor, o encontro com personagens já desvelados por outros de nossos regionalistas, como, por exemplo, Abílio Batata e Cipriano, vultos chaves de Bernardo Élis ( O Tronco) e Eli Brasiliense ( Uma Sombra no Fundo do Rio, Rio Turuna) e que, com Moura Lima, continuam a exibir suas lideranças nas violências e desatinos, sobretudo o primeiro, ou com inesperados gestos de generosidade, sobretudo o segundo.
Personagens— mola vital dos romances—planas, redondas, personagens de ação, ou melhor, de reação, na verdade, todas elas, constituindo, ainda que em contraponto, como neste romance, rotulado como de ação ( e aí entra a dosagem criativa do autor), marcos necessários para o equilíbrio do desenrolar da trama.
Referimo-nos a personagens de reação. Na verdade, situam-se assim, até mesmo alguns dos bandidos, se pensarmos bem uma vez que agem movidos pelo sentimento de “ revanche”, sob a compulsão do contexto selvagem, da ausência de leis, de civilização e de cultura. O acervo genético sendo a única bússola a explicar o maior ou menor potencial tanto de violência quanto de bravura que os distingue. Cipriano, por exemplo, um bandido fabricado pelas circunstâncias, mas possuidor de viscerais noções de honra e coragem, como tão bem nos dá mostra Eli Brasiliense, no primeiro capítulo do romance acima mencionado.
Assim, personagens se esboçam como bobinas vivas, em torno das quais se arregimenta, em alternância “ fabular” o encadeamento da ação ( intriga-trama).
E nelas, ou através delas, sente-se o vínculo com o substrato ficcional da região goiana, então abraçando o Tocantins.
Vejam bem que Abílio Batata é aquele mesmo facínora do romance O Tronco de Bernardo Élis, romance que teve, como palco, a região do “Duro”, hoje Dianópolis, em que famílias inteiras foram dizimadas sob sua ordem. E Cipriano, agora jagunço, é o mesmo personagem de Eli Brasiliense em Uma Sombra no Fundo do Rio. Aquele Cipriano que acreditava em justiça, que confiava na autoridade, e que, na invasão de Pedro Afonso, sob o jugo de Abílio Batata, sofreu uma das experiências mais cruéis que pode atingir o ser humano. Daí que, agora, com Moura Lima, já assumido como facínorabareda, no único intento de trucidar o autor de sua maior desgraça Abílio Batata.
No seu coração, e em sua cabeça, gravada em fogo, a cena do assassinato de sua mulher e filhos pelos milicos, sob o comando do maldito Abílio. Sua mulher, gestante de nove meses, teve seu ventre aberto pelos facínoras que jogavam para o alto, sob risadas, seu filho já prontinho para nascer, aparando-o, em seguida, na ponta da espada. Ali, naquele momento, nasceu um novo jagunço, cuja sede de vingança era direcionada aos causadores de sua tormenta, o que não o impedia, esporadicamente, de voltar a ser generoso.
É a reação a comandar a ação, a delinear conceitos. Assim é que a polícia, na boca do povo daquela região, encontra, da parte do velho Januário, no alto de sua experiência por aqueles rincões, a seguinte definição:
“ A polícia nada mais é que jagunços fardados que chegam, botando banca e descendo a mutamba em todo mundo.” P. 120
E, na busca dos culpados, personagens assumem a voz que traduz o alter-ego do autor, cuja linha política fica clara de começo ao fim, em julgamento sumário, independente do contexto de época, sem o qual, hoje, sabe-se impossível julgar o homem: toda a violência, para ele, é devida aos Caiados, cujo governo, para o autor, é, inapelavelmente, ditatorial e arbitrário, como se depreende das vozes que se manifestam a respeito.


Temos, em Serra dos Pilões, dois grupos de personagens que se contrapõem. O do Capitão Labareda, cujo braço forte é Cipriano e, também, o surpreendente Corta-Cabeça. Todos, imbuídos da missão de captar Abílio Batata e seu grupo, o qual, por sua vez, tem, no jagunço Cacheado, seu lugar-tenente.
É que a temática desse romance tem, por núcleo, a vingança contra os que promoveram a mortandade dos habitantes de Pedro Afonso, a sua destruição, isto em 1914,( marco histórico) sob a batuta do mencionado Abílio Batata, o facínora cruel que, com seu grupo, refugiou-se, depois, na região do Jalapão, para onde aponta a narrativa.
E a trama dessa empreitada, condicionando as ações, caminha em dupla direção : com movimentos de avanço e de recuo. De avanço, ritmo direcional, na decisão do Capitão Labareda, rumo ao seu objetivo de vingança: “ Vamos pra Serra do Jalapão, sepultar Alberto Cacheado” ( p. 226). E completa,em diálogo com o velho Bocório : “ A nossa missão, seu Bocório, é botar, de volta pra Bahia, os cabras de Abílio Batata, que vêm atormentando esta região.
Bocório, coçando o queixo, como se procurasse as palavras, responde ao Capitão:
- Esse socarrão do Cacheado vem há meses perturbando o povo desses pés de serra, Capitão. Os seus sabaceiros é um horror! Só deixam os cascos das fazendas.” P. 197.

De recuo, ritmo mnemônico, em jogo de memória, trazendo, por flashback, as lembranças das personagens que viveram intensas experiências do sertão, sobretudo as chocantes cenas da tomada de Pedro Afonso, como o relato do velho Cachoeira sobre as crueldades praticadas por Abílio Batata.(p.92).,
“ E lá fora os cacundeiros de Abílio Batata botavam fogo nas casas, subiam nos telhados e atiravam nas pessoas escondidas dentro dos quartos. Faziam pontaria de morte no povo correndo pelas ruas, e derrubavam na lapada do tiro. Na hora do ataque, muitos, atarentados do juízo, subiram em árvores pra se esconderem, e quando os jagunços descobriram, se divertiram pra valer, atirando nos coitados como se fossem passarinhos. E lá das grimpas derriavam no chão, como jenipapo, numa queda bruta de morte. Quem pôde correr passou o rio do Sono a nado, outros morreram afogados ou foram colhidos pelos tiros dos pingueleiros no barranco.” P. 80

Como afirmamos em O Processo Sintagmático na Obra Literária9 , e rastreando Polti ( in Les 36 situations dramatiques), em realidade, a ação adquire espontaneidade, maturidade, quando as personagens influem menos nela do que elas nas personagens.
Assim, podemos depreender, pela conduta das personagens de Moura Lima, ação e clima. E se a ação básica que movimenta a trama do romance se desenrola, como estamos vendo, em torno da tragédia da Vila de Pedro Afonso, em contrapartida, o núcleo fulcral de interesse se prende aos campos contrapontísticos representados pelas personagens já mencionadas: Abílio Batata, seu sequaz Cacheado, seu grupo, versus o capitão Labareda e sua gente de que emerge , como já demonstrado, o vulto de Cipriano- o homem forte, agora bandido pelas circunstâncias, além de jagunços peculiares como Corta-Cabeça, ou Boca-de-Sino. Destes dois, o primeiro, sobretudo, distingue-se como protótipo de um tipo do sertão: ponto-chave a potencializar simbólica e dramaticamente, a filosofia do romance que se entretece de força, em sua dupla estrutura: a física, a da violência, a ocupar, com primazia, a narrativa, e, mais discreta, a interior, a da fé, a do misticismo, e, até, da ternura, manifestações que, a nosso ver, se revelariam mais impactantes se carreadas por recursos estilísticos como o do Discurso Indireto Livre, que, aliás, aparece, ainda que timidamente, quanto à freqüência do emprego, sobretudo em Chão das Carabinas, por exemplo.

Corta-Cabeça, bárbaro e místico, é o núcleo centralizador da cona violência, e se destaca como o impulsionador do comportamento dos demais, para o bem e para o mal.
É o responsável por momentos particularmente dramáticos do livro. O primeiro, logo no início, quando comanda os rituais funerários do jagunço Pantaleão; o segundo, quando participa dos rituais iniciáticos da cigana— a velha mágica do acampamento—invadido por seu grupo, sob a chefia do Capitão Labareda. ( Ver p. 65).

A essas cenas, acrescentaria outras como a que revela a psiquê daqueles chefes: a do abandono do jagunço Beiço-de-Cangalha, um dos homens do grupo do Capitão Labareda, mas que, vítima de ataque epiléptico, foi abandonado, por ordem do capitão, nos ermos dos gerais, em gesto, para nós, os pretenciosamente civilizados, de extrema crueldade, mas, para eles, totalmente natural, evidenciando as prioridades dos valores frente às condições de luta a dirigir aqueles anti-heróis. Este o clima, fruto de mentalidades e de emoções, denunciando o móvel das ações, naqueles “ cafundós”.


9 Olival, Moema de Castro e Silva. O Processo Sintagmático na Obra Literária. Goiânia: Editora Oriente, 1976,p.175.



Espaço e tempo.




O espaço e o tempo se cristalizam num passado-presente contínuo; sem referências precisas, a região do Jalapão torna-se, num processo de operação transfiguradora, metonímica, o imenso palco de uma insidiosa saga épica: sertão dos coronéis, do povo ilhado da civilização, da cultura, imagem em viés da história, a filtrar realidades ainda presentes. Tempo que não conseguiu passar por inteiro. Presentificá-lo é ajudar a varrê-lo, em definitivo, dos tempos futuros. É apontar os estigmas por ele esculpidos na alma do povo e, assim, provocar reações. Aí, talvez, um dos grandes objetivos do autor.
Em nosso estudo sobre a obra de Bernardo Élis (1976) 1 0,evocamos Honoré de Balzac, quando, in A Solteirona, afirmava que as épocas tingem os homens e, também, citamos Raul H. Castagnino, in Tempo e Expressão Literária (1970, p. 36), quando, delineando as diretrizes da verdadeira criação ficcional, fixa-lhe o traço essencial, a saber: um ato de entrega ao antitempo, “ não se tratando simplesmente de negar-se o tempo, mas de submergir-se num tempo ausente em que nada teve princípio ou fim, pois tudo é um eterno recomeçar, um contínuo regresso ao princípio em que as coisas ocorrem simbolicamente nos idos imemoriais.”
Muitas vezes, na falta da indicação precisa do tempo objetivo no acontecer da ação, as personagens podem nos oferecer a oportunidade de acompanhar o desenrolar de seu tempo psicológico e subjetivo, que dão a medida de suas experiências vitais naquele momento, graças a técnicas como monólogo interior, ou, então, Discurso Indireto Livre, recurso, de certa maneira, freqüente em Bernardo Élis ou Graciliano Ramos, por exemplo.. Moura Lima parece preferir revelar, de maneira menos sofisticada, mais explícita, a mente de suas personagens, em diálogos curtos, ainda que dinâmicos, talvez em consonância com o clima de ação impactante que vai caracterizar Serra dos Pilões como uma narrativa forte, que busca retratar, estruturalmente, na sua organização dialógica,o impacto da ação brutal que impera naqueles sertões..

10 Olival, Moema de Castro e Silva, O Processo Sintagmático na Obra Literária, p. .


Reiterando o que já foi bem explicitado no início desse trabalho, quando salientamos o papel fundamental do processo de transcrição da linguagem regional, através da estilização de sua oralidade, gostaríamos, para complementar, de chamar a atenção para o aspecto positivo das referências aos nomes próprios relativos à geografia, flora e fauna da região, familiarizando o leitor com os topônimos regionais, riquezas ambientais, sobressaindo a peculiaridade dos nomes próprios relativos a essas áreas: Jalapão, Rio do Sono, Chapada das Mangabeiras,(p. 181), Ribeirão Espingarda ( p. 184) etc, e o saboroso dos apelidos—( nomes–de-guerra) dos jagunços como: Corta- Cabeça, Militão Caolho,(59), Zé Galhão,( p. 31), Gavião, Zico- Bodoque, Beiço–de-Cangalha (p. 55), Abílio Batata e o próprio capitão Labareda, que, na verdade, se chamava Eleudino Martins,( p. 175)—como numa proteção natural, à época, às suas verdadeiras identidades, que seriam expostas na explicitação dos referidos nomes próprios. A linguagem, como já vimos, em recursos de transposição estilizada da oralidade, assumindo o ritmo da modernidade que a torna instrumento do pensamento, tende para as frases curtas, diretas, entremeadas de modismos, expressões regionais, que justificam, e muito, um glossário final, dando-nos interessante campo de pesquisa, sobretudo na área da semântica, quando encontramos manifestações saborosas do pensamento daquele povo, (algumas, de domínio comum à toda a região interiorana, sem dúvida) numa variação espontânea e significativa de construções diversas, em torno de uma mesma idéia. Por exemplo, numa citação aleatória, para indicar a intenção de sair do local, viajar : “ (...) fez sertão”; “(...) poeirou no mundo”.(p. 79); “ (...) rompeu estirão, vencendo as leguonas (...)” (p. 123); “(...) fincou o pé-na estrada” ( p. 104), etc.

Gostaríamos de ressaltar o domínio dos recursos literários, por parte de Moura Lima, o que nos é fornecido, sobretudo, nos trechos descritivos. Alguns, com lances surrealistas, imagens carregadas das tintas regionais, com matizes de humor-negro e poesia, como por exemplo: “ E naquele sertão bruto, marcado pelas noites trevosas e pelos ruídos da tempestade, ao ribombar dos trovões, ouve-se o tropel dos cavalos da jagunçada a caminho do Jalapão. O vento sopra e uma voz espremida gunguna: -É o Capitão Labareda e seus cabras!...” ( p. 92).
Ou, leves, prenhes de imagens saborosas da paisagem tocantinense, para o que concorrem as referências peculiares daquela região, intérpretes da voz mágica daqueles rincões: “O dia vai rompendo com os clarões das barras, pelos cerradões e descampados de agreste do Jalapão. A saracura quebra o pote pras bandas do riacho Mutuca, anunciando a chegada do verão e dos ventos gerais que sopram da serra da Tabatinga e vão varrendo aquele guanhã imenso de campos, chapadões e matas sombrias nas beiras dos rios e grotões profundos.” P. 218
Ou, cenas narrativas pitorescas, folclóricas, como quando, na voz de alguma personagem, discorre sobre as travessuras dos mitos lendários do Tocantins, as do Romãozinho, por exemplo: “ E também Bebecha, um boi-vaca engomador de roupas da vila, não foi poupado. Caiu numa tunda sacudida, de tirar o pixé e o godó do corpo. O homem é-vinha de um arrasta-pé, altas horas da madrugada, à bambalhona, com seus botões-de-couro poído, ao passar rente a um monte de bagaço de cana, levou um safanão. Quando percebeu, olhe o bagaço voando no seu lombo! Êta peia braba! O homem, no corre-corre e o bagaço de cana por riba, arrochando a mutamba! E Romãozinho, na gargalhada.” P. 125
Mostra-se, assim, a linguagem de Moura Lima, rica de “sugerências”, de potencial de flexibilização dinâmica e recriação imagética, fundamentais para um bom escritor, sobretudo regional.







LEITURA CRÍTICA DE CHÃO DAS CARABINAS


Antes de fazermos nossa leitura crítica sobre este romance, convém lembrar, ainda que rapidamente, já que pisamos o terreno do regionalismo em Goiás, que este título: Chão das Carabinas não deixa de remontar, ainda que por afinidades intelectuais, ou por confluências históricas da região relatada, ao título de um romance de Bernardo Élis A Terra e as Carabinas que saiu em folhetins, nos jornais de Goiás, entre 1950/1951, e, só, recentemente, ( 1988) teve publicação em Obra Reunida de Bernardo Élis, iniciativa do governo de Goiás e da José Olympio Editora. Dele Bernardo Élis retirou o primeiro capítulo “Moagem”, que passou a fazer parte do seu premiado livro de contos Caminhos e Descaminhos.
Agora, vejamos a obra de Moura Lima. Este romance Chão das Carabinas- Coronéis, Peões e Boiadas. ( 2002) traz, além da sugestiva capa de Leocádio, biobibliografia do autor, e instigante prefácio de William Palha Dias, intitulado “ Um autêntico regionalista dos campos gerais”.
Em seguida, um esclarecimento: “Chão das Carabinas foi extraído de uma história real, com alma própria, acontecida na antiga Vila do Peixe, no Norte de Goiás ( hoje Tocantins), nos idos de 1936; os fatos históricos foram transportados para o campo ficcional, a partir de processo criminal, depoimentos de testemunhas e de participantes do morticínio”. Vê-se, claramente, sua intenção de declarar a fonte de seu “ saber”, no caso, o registro histórico. Isto se fortalece com o detalhe da pesquisa em processo criminal, depoimentos de testemunhas, etc, aliás, procedimento usual da parte de escritores que levam a sério a sua obra, como o fizeram, por exemplo, Bernardo Élis, em O Tronco ( 1956), já objeto de nossos comentários, ou Miguel Jorge, com Veias e Vinhos (1981), que tem por matéria o crime ocorrido no Bairro Popular, em Goiânia, ( 1957), quando foi chacinada toda uma família, salvando- se, apenas, a pequena Ana, que se tornará a voz narradora iluminada dessa aguda dramatização. Neste romance, se inspirou o cineasta João Batista de Andrade, para seu projeto cinematográfico, já em andamento, como, também, o que já realizou sobre o romance O Tronco, no seu polêmico e consagrado filme homônimo da obra de Bernardo Élis.

Bem, voltemos a Chão das Carabinas.
Francisco Miguel, crítico, membro da Academia Piauiense de Letras, em ensaio publicado no jornal da Cidade de Gurupi (TO), ( 28/3/02),afirma: “ Há em Moura Lima, do Chão das Carabinas, mesmo sendo um romance de fundo histórico, o espanto do homem que entra para a civilização por força dos conflitos que vêm de fora, do repentino aviltamento a que é submetido, perdendo, assim, o que havia de melhor em sua natureza. Espanto esse ocasionado pela ignorância, pela solidão, pelo medo, pelo que o novo desconhecido—o outro— possa causar. Espanto que provoca desordem. Essa desordem pode verificar-se ou já ter sido testemunha, mutatis mutandis, em todas as regiões onde as mudanças se dão bruscamente, desordenadamente.”

TEMÁTICA, TRAMA, PERSONAGENS, AÇÃO

O romance tem, por temática, a execução de uma vingança cruel , motivada pela ambição do poder político da cidade de Peixe.

A vingança é urdida pela rivalidade entre a facção do que representa a força local, e que encontra apoio no capitão Bentão, (apesar de sua dissimulada neutralidade) e os “arrivistas” chefiados pelo Major Fibrônio Cavalcante, frente à missão “ salvadora” enviada pelo novo governo de Goiás, sob as ordens do secretário Aroroba e que, logo na chegada, é atacada por um jagunço do major Fibrônio..
Vejamos o texto explicativo, da parte da voz narradora: “(...) como vingança é uma filha bastarda de profundo silêncio, e coração é terra que ninguém entra, o capitão Bentão apesar de conselheiro e esteio moral da Vila, desejava o fim da família Cavalcante Albuquerque, que lhe roubava o poder e o mando. E ia ficando a cada dia mais rica e dominadora.” P. 21

É uma história real, mas tem “alma própria”, como adverte o autor, no prólogo. Para o romancista, historiador William Palha, que fez o prefácio, Chão das Carabinas “ focaliza, numa visão sociológica, a crueldade do feudalismo sertanejo. E mostra, em cenas eletrizantes, a tropelia dos jagunços, o repicar dos berrantes, a bravura dos vaqueiros na marcha ronceira das boiadas, rasgando os cerradões e as imensas Campinas daquele mundão verde do chão tocantinense.”

Então, a narrativa se programa a partir dessa proposta, que, se é de denúncia, aqui bem evidente, apresenta, também, natureza de conteúdo social e, até mesmo psicológico, através de perfis humanos delineados com precisão analítica, como o do capitão Bentão, do major Fibrônio, etc.

Pensamos que, se Serra dos Pilões abarca uma cosmovisão douticos para o leitor, como os das lendas, em torno das travessuras do Romãozinho, por exemplo, ou cenas de misticismo, a revelar porção bem forte na alma do sertanejo, ou trechos descritivos que aliviam as tensões geradas pelas vinganças , aqui, em Chão das Carabinas, o tônus da violência se afunila, se concentra de tal maneira que cada capítulo torna-se um detonador natural dessa visão, gerando aquela angústia prenunciadora do clima de protesto, dentro, portanto, do que parece ser o propósito do autor.
O romance oferece três filões fundamentais: —o da violência, gerado pelo contexto sócio-político-administrativo da região;—o filão que se esmera em oferecer perfis dos tipos peculiares ao regime de vida local, perfis afeitos às atividades regionais e, finalmente, o da explicitação da postura ideológica do autor que, ou através da voz narradora, ou através de suas personagens, explicita um verdadeiro libelo contra a “ prepotência” do velho governo central do Estado, que, por longos anos, estivera nas mãos dos Caiados e, agora, era ocupado pelos revolucionários.
Vejamos: “ A revolução de 30 foi um duro golpe no poder dos coronéis da “ República Velha”. A machadada certeira veio do alto, não das forças regionais e, mesmo sem o extermínio total, restringia-lhes os poderes políticos, e também lhes tirava a função de mandões arrufados e de árbitros incontestes das comunas do sertão.
A Vila do Peixe não ficou alheia aos brados mudancistas, e o major Fibrônio Cavalcante foi o escolhido pelas hostes do poder estadual como interventor para desapear do mando local os adversários da revolução, ou seja, os prepostos do truculento caiadismo” (p.14). Aqui, já se afirma o tom condenatório constante e incisivo da voz narradora ao regime caiadista, tom alheio a consideração sobre o contexto de época, fato, hoje, observado por novos ângulos frente às modernas pesquisas universitárias, conforme já dissemos anteriormente.
Então, em reação “ aos tacões da bota de Totó Caiado ( Totó brabeza)”, o governo da revolução apóia major Fibrônio que deve usurpar o arraigado poderio dos primeiros, de que o Capitão Bentão é um dos asseclas, ainda que bastante dissimulado para tentar a posição de conciliador entre as duas hostes. Quanto a esse item, momento muito significativo, é quando o narrador, sem dúvida, onisciente, na sua condição de analista incisivo ( uma vez que impinge ao leitor o perfil desenhado, ao invés de deixar que ele, leitor, deduza sua opinião como corolário das respectivas ações,) e nos faz flagrar o contraste entre a atitude externa do “ honrado “ capitão Bentão, no momento em que ele dá bons conselhos ao secretário Arorobá, no sentido de largar a animosidade em relação aos Cavalcante Albuquerque, e sua postura interior que deseja o contrário, tornando, pelo contraste, bem explicitado o ditado: faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço (ou penso), escancarando, (mas descrevendo-as), janelas ocultas da alma humana.
Mas, ao dar voz à personagem Chica do Rosário, recorre, o escritor, ao dinâmico recurso do Discurso Indireto Livre ( uma das poucas ocorrências registradas) permitindo-lhe deixar fluir, ao vivo, os sentimentos e emoções. Recurso, sem dúvida, de enriquecimento estilístico da voz narradora. Eis o trecho: através da voz da personagem : “ Ah! Minha Mãe, verdade seja dita, o capitão Bentão e o major Fibrônio eram do mesmo paneiro, isso era, no duro! O capitão Bentão sempre foi treiteiro, agradava uma moçoila aqui, outra acolá, e ia desonrando-as, para o sofrimento das mães pobres, e, para trás, ia ficando a cambulhada de filhos adotivos. Agora, já o major Fibrônio era mais atrevido, mulherengo por natureza, chegava a desrespeitar mulheres casadas, quando estas davam brechas Mas que tem razão, minha Mãe, é a costureira Maricota, que sempre diz: —Troco o capitão Bentão pelo major Fibrônio e não peço um tostão de volta, são os dois da mesma laia!” P. 86
Chica do Rosário, aliás, é personagem elevada à condição de um dos canais preferidos pelo autor para a manifestação da voz de protesto contra o status quo vigente.Vejamos mais um de seus monólogos-depoimento: “ Mas a verdade, minha Mãe, tem de ser dita, porque aqui, na terra, neste vale de lágrimas, a mentira, de tanto ser repetida, vai-se tornando verdade na boca do povo atrasado, que não enxerga um palmo diante da venta. Ainda mais que os mortos não podem fazer a defesa, aí os grandes da terra galopam, fogosos,no lombo cabeludo da mentira. E arremata: Quem não sabe, minha mãe do céu, que o motivo da matança foi só um: a tomada do poder político da Vila.” P. 86

Também se mostra, a voz narradora, em seu perfil de veículo ideológico-social, preocupada em expressar traços que demonstrem valores positivos desse ser relegado à sua própria sorte: o homem daqueles rincões. Tal como Eli Brasiliense carrega nas tintas que retratam, como flores raras, num campo de tantas truculências, noções de honra e coragem de algumas de suas personagens, como Marcelino do romance Rio Turuna,—quando, na sua longa tocaia, rememora fatos de sua vida, evidenciando seu perfil de homem destemido e fiel aos seus princípios—ou Bernardo Élis, ao pincelar, com maestria, o esforço de Piano, personagem do conto “A Enxada” (Veranico de Janeiro), quando busca traduzir seu desesperado esforço para cumprir a palavra dada ao coronel: plantar, no prazo combinado, a roça de arroz, embora, não tivesse conseguido, para isso, a indispensável enxada, fazendo-o, então, com as próprias mãos que acabaram reduzidas a frangalhos.
Assim, Moura Lima nos exibe, também, esse perfil de dignidade, dehonradez que pode habitar esse povo rude, esses vaqueiros aparentemente simplórios, traço que Noratão “ cabra colhudo” se incumbe de no-lo demonstrar. Vejamos o momento em que ele é intimado, pelos acólitos do secretário Arorobá, para a missão de “ num barreado de chumbo, moquear o major Fibrônio e os filhos” . Então, respondeu: “ Diga ao Arorobá e ao Gustavo Bananeira que não vou . Não nasci pra jagunço e muito menos pra tocaieiro. Mas, se me mandar pegar um boi brabo, eu pego à unha, no maior prazer do mundo !”. Os cabras, decepcionados, acrescentaram:— “Vancê, negando o chamado, está querendo virar cruz de beira de caminho” . P. 47





MANEJO DA LINGUAGEM



Enfim, quanto ao manejo da linguagem regionalista, as observações seriam reiterativas, reforçando o que dissemos em relação ao primeiro romance, Mas, entendendo, dentro da visão crítica moderna, por linguagem da obra tudo que nela significa, até o próprio silêncio, retiramos esse trecho de grande poder poético-descritivo de Moura Lima, quando, ao nos trazer atividades de sua realidade, nos oferece cenas de notável precisão, cineticismo e riqueza imagética. Imagens extraídas da realidade sertaneja, transfiguradas metaforicamente, e cristalizadas em nossa mente e em nossa emoção. Ei-las:

“Chifres pra riba, os cascos ribombando no chão, como socada de mão-de-pilão, quartos roçando uns nos outros, seguia pachorrenta a boiada estrada afora. De vez em quando, um tucura atrevido, na traquinagem, enganchava nas ancas do boi da frente e andava em cima dele um estirão. O cupim apontava por cima na ondulação serpenteada dos lombos, aos saracoteios das ancas em movimento.” P. 37.





Espaço, tempo.



Romance neo-realista, caracterizando-se como de ação, personagens de reação, espaço-tempo em emprego similar ao de Serra dos Pilões: espaço predominantemente exterior, cobrindo as terras ilhadas da civilização e da cultura, correspondentes à Vila do Peixe e à região do Jalapão, na região do Tocantins, com incursões esporádicas a mecanismos interiores, que, quando ocorrem ( como vimos na dupla referência ao modo de agir do coronel Bentão, definindo-lhe o caráter), ou podem vir explicitados, com veredito já formado, pela voz narradora onisciente, recurso já mencionado, ou, oferecido ao vivo— através de técnicas agilizadoras do discurso— à observação do leitor, ( caso do D. I. L, no monólogo interior de Chica do Rosário) o qual , com mais mobilidade julgadora, poderá esboçar seu juízo, como sói acontecer nos romances que privilegiam o ângulo intimista, mas fato também enriquecedoramente encontrável em autores que ocupam o espaço do neo –realismo ( neo-naturalismo), como Graciliano Ramos, Bernardo Élis, Eli Brasiliense, Moura Lima ( em uso comedido) e outros. E um tempo que transcorre em jogo pendular: presente-passado, sendo o presente histórico, para delinear a violência com mais realismo e vigor e o passado, que ressurge em lances de flashback , responsáveis pela manutenção do fio de continuidade da ação.

Torna-se,assim, antes de tudo, como já demonstramos em Serra dos Pilões, o tempo de uma época , aquele que diz respeito à temperatura moral dessa mesma época: o do atraso, do analfabetismo, da violência, da desassistência político-social-administrativa da região.

No último capítulo— o XXVI— agora, já levado a cabo o extermínio do Major Fibrônio Cavalcante, o último remanescente da família que tanta violência praticou na região de Pedro Afonso, e que, ali em Peixe, tentava se estabelecer no poder, novamente, a cidade, então, semi-destruída, passa ao comando em definitivo do capitão Bentão, que, abertamente, assume o lema “ posso , quero e mando”.
Com sutileza e certo tom determinista, nota-se, na sequência dos fatos e com a chegada da Comissão que deverá apurar a chacina dos Cavalcante, o clima do “ recomeço” do drama da perseguição, da violência, da humilhação, como estigmas que relutam a abandonar aquelas paragens, tão naturalmente ricas e potencialmente promissoras. Sacraliza-se, então, o clima de protesto perante o statu quo desta realidade, cujo perfil opressivo foi magistralmente simbolizado, numa operação contrapontística, na cena final. Vejamos a referida encenação, quando a viúva do defunto Rafael Cavalcante e seus filhos passam rumo ao campo-santo. “ iam orar ao morto. Junto à cova, no alto do cerradão, a sombra acolhedora de um pé de baru é testemunha do crime”.
Atente-se para a metáfora do pé de baru, ali, com força testemunhal. Então a voz narradora cria dinâmica imagem ao reunir, num mesmo foco, o contraponto das forças-símbolo daquele sertão: o impacto opressor , representado pelo poder do homem e a imponente e forte inocência da natureza, que, como a voz do povo dominado, tinha de ser calada.
A derrubada da árvore-testemunha, cuja presença incomodava os grandes da terra, teria de ser levada a cabo? Que peso teria, na força dos acontecimentos?
Então, a voz narradora esboça o arremate fatalista:
“ Desta forma triunfava feroz o feudalismo sertanejo dos coronéis arrogantes do sertão “ . P. 138.

No final do livro, a servir o leitor, o indispensável glossário, e mais opiniões críticas valiosas sobre a obra do autor.

MOEMA DE CASTRO E SILVA OLIVAL







MOURA LIMA
A VOZ PONTUAL DA ALMA TOCANTINENSE




Ensaio crítico-historiográfico



ENSAIO 2003




CO-EDIÇÃO UNIRG/FAFICH





















Copyright by Moema de Castro e Silva Olival

Reservados os direitos de reprodução
para todos os países.

Capa:
Desenho Djow

Diagramação:
José Wilson da Silva Ribeiro

Editoração Eletrônica:
José Wilson da Silva Ribeiro


FICHA CATALOGRÁFICA

Olival, Moema de Castro e Silva.
MOURA LIMA: A Voz Pontual da Alma Tocantinense, por Moema de Castro e Silva Olival – Gurupi: Gráfica e Editora Cometa, P. 118 - 1ª Edição – 2003.

1. Literatura Brasileira ENSAIO.
2. Século 21: ENSAIO: Crítica Literária.
Organização da coletânea : Gráfica e Editora Cometa

I. Título
CDU: 869.0(817.32)-34




SUMÁRIO


Prefácio - Mario Martins.................................................................06
Apresentação da obra do escritor Moura Lima
— traços biográfico.......................................................................08
Introdução....................................................................................17
A Obra Mouriana ...........................................................................18
O mundo contístico. Estilização e Oralidade......................................21
Ficção e História em Moura Lima....................................................25
Estrutura Narrativa de Serra dos Pilões............................................27
Personagem e Ação... .....................................................................29
Espaço e Tempo..............................................................................33 estilísticos.............................................................34
Leitura Crítica de Chão das Carabinas..............................................36
Temática..........................................................................................37
Manejo da Linguagem......................................................................41
Espaço e Tempo..............................................................................42
Conclusão.......................................................................................44
Seleção de Texto da obra de Moura Lima.........................................45
Fortuna Crítica: Assis Brasil, Clóvis Moura, Stella Leonardos. Aluysio Sampaio ,
William Palha Dias. José Mendonça Teles, Mário Martins, Adrião Neto...................................................................................95
Referências Bibliográficas................................................................103
Curriculum Sucinto da Autora...........................................................116


A CONSTRUÇÃO DO ROMANCE EM MOURA LIMA
MÁRIO MARTINS








“MOURA LIMA-A VOZ PONTUAL DA ALMA TOCANTINENSE”, este é o título do novíssimo livro de MOEMA DE CASTRO E SILVA OLIVAL (goiana, de Goiás Velho). Figura das mais ilustres da literatura goiana. Filha de Colemar Natal e Silva. Neta de Eurídice Natal e Silva. Bisneta de Joaquim Xavier GUIMARÃES NATAL. Este, aliás, único goiano até hoje(2003), Ministro do Supremo Tribunal Federal e nome de Rua em Copacabana, no Rio de Janeiro. Seu bisavô recebeu o sobrenome NATAL, em virtude de ter nascido no dia 25 de dezembro de 1860, na antiga Vila Boa, hoje Cidade de Goiás.
Moema de Castro e Silva Olival já foi estudada na ENCICLOPÉDIA DE LITERATURA BRASILEIRA, de Afrânio Coutinho e J. Galante, com edição revista e atualizada por Graça Coutinho e Rita Moutinho, em 2001. É também verbete do livro ENSAÍSTAS BRASILEIRAS, de Heloísa Buarque de Hollanda e Lúcia Nascimento e também do DICIONÁRIO DE MULHERES, de Hilda Agnes Hubner Flores, bem como ainda do DICIONÁRIO DO ESCRITOR GOIANO, de José Mendonça Teles e mais ainda do DICIONÁRIO BIOBIBLIOGRÁFICO DE GOIÁS, de Mário Ribeiro Martins, bem como do DICIONÁRIO BIOBIBLIOGRÁFICO REGIONAL DO BRASIL, via INTERNET, dentro de ENSAIO, no site www.usinadeletras.com.br.
Pois bem, é exatamente esta figura ilustre, Professora e ex-coordenadora dos cursos de Mestrado em Letras e Lingüística da Universidade Federal de Goiás, membro da Academia Goiana de Letras e Doutora em Letras Clássicas e Vernáculas, pela Universidade de São Paulo, que acaba de produzir tão significativa obra. Moura Lima é hoje um dos maiores nomes da literatura nacional. Morasse ele no eixo RIO/SÃO PAULO, já teria sido, certamente, um dos nomes recomendados pela revista VEJA, em sua coluna especializada. Moura Lima é o escritor referência do Tocantins, pois, com o seu romance Serra dos Pilões –Jagunços e Tropeiros, depois de ser ungido pela crítica autorizada do país, teve o mérito de colocar o Estado do Tocantins no mapa da literatura Brasileira.
Com o ensaio, “MOURA LIMA- A VOZ PONTUAL DA ALMA TOCANTINENSE”, a ilustre titular da Academia Brasileira de Filologia e festejada crítica brasileira Moema de Castro e Silva Olival apresenta um dos mais bem elaborados estudos da obra romanesca e contística do escritor tocantinense Moura Lima, a partir dos romances SERRA DOS PILÕES, CHÃO DAS CARABINAS e dos livros de contos VEREDÃO, MUCUNÃ e NEGRO D`ÁGUA.
Embora seja este o segundo estudo acadêmico em que o autor tocantinense é contemplado, sendo o primeiro do crítico brasileiro Francisco Miguel, com o título “MOURA LIMA-DO ROMANCE AO CONTO- TRAVESSIA FECUNDA PELOS SERTÕES DE GOIÁS E TOCANTINS”, a brilhante crítica goiana, apoiada em profícua experiência literária, após criterioso desmonte da arquitetura verbal da obra mouriana, recupera a unidade dos textos, “farolando-os” por dentro, para facilitar a decodificação que norteia a engrenagem latente de seu mecanismo criador.
Assim sendo, a notável crítica, para robustecer o processo investigativo literário, procurou firmar-se na visão transfenominal do mosaico romanesco mouriano, ungindo-o à reflexão do estrato original das obras em estudos, ou seja – o afloramento das qualidades metafísicas – que acompanha o pulsar da fenomenologia materializada à transposição da linguagem, na estrita observância dos elementos que são capazes de movimentar uma metalinguagem aderida pelo autor à elaboração de seu projeto ficcional.
Portanto, o riquíssimo estudo da Professora Moema de Castro, além de instruir o processo investigativo da criação narrativa de Moura Lima, ministra lições profundas de como deve ser o procedimento do estudo de uma obra literária, cumprindo, assim, uma etapa analítica e outra didática, de grande alcance. Observa-se, por exemplo, por dentro de sua investigação literária um manejo sólido da bibliografia abundante e vasta, sem intenções preconcebidas de rebuscamentos eruditos agressivos. Em Moema de Castro, tudo é analisado à luz do próprio texto!


Mário Ribeiro Martins é membro da Academia
Goiana e da Academia Tocantinense de Letras,
Procurador de Justiça e Escritor.(mariorm@terra.com.br)
A CONSTRUÇÃO DO ROMANCE EM MOURA LIMA
MÁRIO MARTINS








“MOURA LIMA-A VOZ PONTUAL DA ALMA TOCANTINENSE”, este é o título do novíssimo livro de MOEMA DE CASTRO E SILVA OLIVAL (goiana, de Goiás Velho). Figura das mais ilustres da literatura goiana. Filha de Colemar Natal e Silva. Neta de Eurídice Natal e Silva. Bisneta de Joaquim Xavier GUIMARÃES NATAL. Este, aliás, único goiano até hoje(2003), Ministro do Supremo Tribunal Federal e nome de Rua em Copacabana, no Rio de Janeiro. Seu bisavô recebeu o sobrenome NATAL, em virtude de ter nascido no dia 25 de dezembro de 1860, na antiga Vila Boa, hoje Cidade de Goiás.
Moema de Castro e Silva Olival já foi estudada na ENCICLOPÉDIA DE LITERATURA BRASILEIRA, de Afrânio Coutinho e J. Galante, com edição revista e atualizada por Graça Coutinho e Rita Moutinho, em 2001. É também verbete do livro ENSAÍSTAS BRASILEIRAS, de Heloísa Buarque de Hollanda e Lúcia Nascimento e também do DICIONÁRIO DE MULHERES, de Hilda Agnes Hubner Flores, bem como ainda do DICIONÁRIO DO ESCRITOR GOIANO, de José Mendonça Teles e mais ainda do DICIONÁRIO BIOBIBLIOGRÁFICO DE GOIÁS, de Mário Ribeiro Martins, bem como do DICIONÁRIO BIOBIBLIOGRÁFICO REGIONAL DO BRASIL, via INTERNET, dentro de ENSAIO, no site www.usinadeletras.com.br.
Pois bem, é exatamente esta figura ilustre, Professora e ex-coordenadora dos cursos de Mestrado em Letras e Lingüística da Universidade Federal de Goiás, membro da Academia Goiana de Letras e Doutora em Letras Clássicas e Vernáculas, pela Universidade de São Paulo, que acaba de produzir tão significativa obra. Moura Lima é hoje um dos maiores nomes da literatura nacional. Morasse ele no eixo RIO/SÃO PAULO, já teria sido, certamente, um dos nomes recomendados pela revista VEJA, em sua coluna especializada. Moura Lima é o escritor referência do Tocantins, pois, com o seu romance Serra dos Pilões –Jagunços e Tropeiros, depois de ser ungido pela crítica autorizada do país, teve o mérito de colocar o Estado do Tocantins no mapa da literatura Brasileira.
Com o ensaio, “MOURA LIMA- A VOZ PONTUAL DA ALMA TOCANTINENSE”, a ilustre titular da Academia Brasileira de Filologia e festejada crítica brasileira Moema de Castro e Silva Olival apresenta um dos mais bem elaborados estudos da obra romanesca e contística do escritor tocantinense Moura Lima, a partir dos romances SERRA DOS PILÕES, CHÃO DAS CARABINAS e dos livros de contos VEREDÃO, MUCUNÃ e NEGRO D`ÁGUA.
Embora seja este o segundo estudo acadêmico em que o autor tocantinense é contemplado, sendo o primeiro do crítico brasileiro Francisco Miguel, com o título “MOURA LIMA-DO ROMANCE AO CONTO- TRAVESSIA FECUNDA PELOS SERTÕES DE GOIÁS E TOCANTINS”, a brilhante crítica goiana, apoiada em profícua experiência literária, após criterioso desmonte da arquitetura verbal da obra mouriana, recupera a unidade dos textos, “farolando-os” por dentro, para facilitar a decodificação que norteia a engrenagem latente de seu mecanismo criador.
Assim sendo, a notável crítica, para robustecer o processo investigativo literário, procurou firmar-se na visão transfenominal do mosaico romanesco mouriano, ungindo-o à reflexão do estrato original das obras em estudos, ou seja – o afloramento das qualidades metafísicas – que acompanha o pulsar da fenomenologia materializada à transposição da linguagem, na estrita observância dos elementos que são capazes de movimentar uma metalinguagem aderida pelo autor à elaboração de seu projeto ficcional.
Portanto, o riquíssimo estudo da Professora Moema de Castro, além de instruir o processo investigativo da criação narrativa de Moura Lima, ministra lições profundas de como deve ser o procedimento do estudo de uma obra literária, cumprindo, assim, uma etapa analítica e outra didática, de grande alcance. Observa-se, por exemplo, por dentro de sua investigação literária um manejo sólido da bibliografia abundante e vasta, sem intenções preconcebidas de rebuscamentos eruditos agressivos. Em Moema de Castro, tudo é analisado à luz do próprio texto!


Mário Ribeiro Martins é membro da Academia
Goiana e da Academia Tocantinense de Letras,
Procurador de Justiça e Escritor.(mariorm@terra.com.br)
A CONSTRUÇÃO DO ROMANCE EM MOURA LIMA
MÁRIO MARTINS







“MOURA LIMA-A VOZ PONTUAL DA ALMA TOCANTINENSE”, este é o título do novíssimo livro de MOEMA DE CASTRO E SILVA OLIVAL (goiana, de Goiás Velho). Figura das mais ilustres da literatura goiana. Filha de Colemar Natal e Silva. Neta de Eurídice Natal e Silva. Bisneta de Joaquim Xavier GUIMARÃES NATAL. Este, aliás, único goiano até hoje(2003), Ministro do Supremo Tribunal Federal e nome de Rua em Copacabana, no Rio de Janeiro. Seu bisavô recebeu o sobrenome NATAL, em virtude de ter nascido no dia 25 de dezembro de 1860, na antiga Vila Boa, hoje Cidade de Goiás.
Moema de Castro e Silva Olival já foi estudada na ENCICLOPÉDIA DE LITERATURA BRASILEIRA, de Afrânio Coutinho e J. Galante, com edição revista e atualizada por Graça Coutinho e Rita Moutinho, em 2001. É também verbete do livro ENSAÍSTAS BRASILEIRAS, de Heloísa Buarque de Hollanda e Lúcia Nascimento e também do DICIONÁRIO DE MULHERES, de Hilda Agnes Hubner Flores, bem como ainda do DICIONÁRIO DO ESCRITOR GOIANO, de José Mendonça Teles e mais ainda do DICIONÁRIO BIOBIBLIOGRÁFICO DE GOIÁS, de Mário Ribeiro Martins, bem como do DICIONÁRIO BIOBIBLIOGRÁFICO REGIONAL DO BRASIL, via INTERNET, dentro de ENSAIO, no site www.usinadeletras.com.br.
Pois bem, é exatamente esta figura ilustre, Professora e ex-coordenadora dos cursos de Mestrado em Letras e Lingüística da Universidade Federal de Goiás, membro da Academia Goiana de Letras e Doutora em Letras Clássicas e Vernáculas, pela Universidade de São Paulo, que acaba de produzir tão significativa obra. Moura Lima é hoje um dos maiores nomes da literatura nacional. Morasse ele no eixo RIO/SÃO PAULO, já teria sido, certamente, um dos nomes recomendados pela revista VEJA, em sua coluna especializada. Moura Lima é o escritor referência do Tocantins, pois, com o seu romance Serra dos Pilões –Jagunços e Tropeiros, depois de ser ungido pela crítica autorizada do país, teve o mérito de colocar o Estado do Tocantins no mapa da literatura Brasileira.
Com o ensaio, “MOURA LIMA- A VOZ PONTUAL DA ALMA TOCANTINENSE”, a ilustre titular da Academia Brasileira de Filologia e festejada crítica brasileira Moema de Castro e Silva Olival apresenta um dos mais bem elaborados estudos da obra romanesca e contística do escritor tocantinense Moura Lima, a partir dos romances SERRA DOS PILÕES, CHÃO DAS CARABINAS e dos livros de contos VEREDÃO, MUCUNÃ e NEGRO D`ÁGUA.
Embora seja este o segundo estudo acadêmico em que o autor tocantinense é contemplado, sendo o primeiro do crítico brasileiro Francisco Miguel, com o título “MOURA LIMA-DO ROMANCE AO CONTO- TRAVESSIA FECUNDA PELOS SERTÕES DE GOIÁS E TOCANTINS”, a brilhante crítica goiana, apoiada em profícua experiência literária, após criterioso desmonte da arquitetura verbal da obra mouriana, recupera a unidade dos textos, “farolando-os” por dentro, para facilitar a decodificação que norteia a engrenagem latente de seu mecanismo criador.
Assim sendo, a notável crítica, para robustecer o processo investigativo literário, procurou firmar-se na visão transfenominal do mosaico romanesco mouriano, ungindo-o à reflexão do estrato original das obras em estudos, ou seja – o afloramento das qualidades metafísicas – que acompanha o pulsar da fenomenologia materializada à transposição da linguagem, na estrita observância dos elementos que são capazes de movimentar uma metalinguagem aderida pelo autor à elaboração de seu projeto ficcional.
Portanto, o riquíssimo estudo da Professora Moema de Castro, além de instruir o processo investigativo da criação narrativa de Moura Lima, ministra lições profundas de como deve ser o procedimento do estudo de uma obra literária, cumprindo, assim, uma etapa analítica e outra didática, de grande alcance. Observa-se, por exemplo, por dentro de sua investigação literária um manejo sólido da bibliografia abundante e vasta, sem intenções preconcebidas de rebuscamentos eruditos agressivos. Em Moema de Castro, tudo é analisado à luz do próprio texto!


Mário Ribeiro Martins é membro da Academia
Goiana e da Academia Tocantinense de Letras,
Procurador de Justiça e Escritor.(mariorm@terra.com.br)


























APRESENTAÇÃO

DADOS BIOGRÁFICOS DO ESCRITOR
MOURA LIMA.




Ao abrir o presente ensaio, alguns esclarecimentos preliminares se fazem necessários para que nos situemos no contexto histórico da obra de Moura Lima, começando pelos seus dados biográficos. O romancista JORGE LIMA DE MOURA (literariamente Moura Lima) nasceu em 2 de dezembro de 1950, na fazenda Capim-Puba, localizada nas proximidades de um vilarejo denominado Capelinha (hoje Heitoraí), distrito de Itaberaí, situado às margens do rio Uru, extremando com Goiás Velho e os sertões do Vale do São Patrício, no Estado de Goiás.
Nessa fazenda e nos arredores do povoado passou a infância e a adolescência, juntamente com seu pai, Guiomar Rodrigues de Moura, natural do Norte de Goiás, antigo Descoberto, hoje Porangatu, e de sua mãe, Conceição Lima de Moura, nascida em Igarapava, São Paulo, tendo sempre presente à avó, Doralice Rodrigues Prateado, e a imagem do avô paterno, Pedro de Moura Alencar, de Chapada do Corisco – Teresina-Piauí.
E, nas palavras do próprio escritor: “– Meu avô paterno cruzou esse chão bruto do Nortão de Goiás, hoje Tocantins, provindo do Piauí, nos idos de 1915, no lombo de burro, seguindo pelos trilheiros machucados pelos cascos das tropas e das boiadas, ao tilintar das esporas no arco de ferro, dos cincerros e do estalar da taca, e foi bater com os costados em Descoberto (Porangatu), nas margens do rio do Ouro, onde situou a sua fazenda de gado. Posteriormente, acompanhou o meu bisavô, Coronel José Rodrigues Prateado, de muda para Amaro Leite. E ali, nos chapadões e descampados das vertentes do rio Macaco, veio a falecer a 1º de julho de 1923”.
Moura Lima retrata, com orgulho, a sua infância bem vivida, na fazenda Capim-Puba, de seu pai, afirmando:
“– Nasci na era dos carros de boi, e ali na labuta do dia-a-dia, por aqueles rincões, fui candeeiro de meu pai, por caminhos esbrugados e baixadões”.
“Moura Lima com essa bagagem genética tocantinense, tornou-se um dos maiores nomes da literatura regional do Estado, pois com seu romance Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros, recebeu os aplausos dos meios intelectuais de Goiás e de grandes nomes da literatura brasileira.
Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros foi enviado pela Universidade do Tocantins para Central Connecticut State University (Biblioteca Central de Connecticut U.S.A.), que solicitara ao Governo do Tocantins obras de divulgação sobre o Estado, como também foi para o Japão.
Moura Lima é autor do primeiro romance do Estado do Tocantins Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros, pesquisador incansável, possui um acervo respeitável do que ocorreu nos últimos cem anos, nesta região (Tocantins). Mergulha sempre na poeira dos arquivos, para resgatar os nossos costumes e tradições. E tem uma particularidade interessante: não é escritor regionalista de gabinete, mas, sim, de campo, pois já andou em toda nossa base territorial e conhece bem nossa fauna, flora e o linguajar do nosso sertanejo. Sentiu de perto o cheiro da terra, dos ribeirões e das nossas matas ciliares. Aí está o segredo da seriedade da criação literária de Moura Lima, que soma aos seus estudos lingüísticos e de semântica o falar vigoroso de nosso sertanejo ao conhecimento “in loco” da nossa realidade histórico-social e antropológica. (in Jornal Folha da Cidade).”
Moura Lima é casado com Alvininha Queiroz de Moura. Tem dois filhos: Leonardo Queiroz de Moura e Rodrigo Jorge Queiroz de Moura.
Fez os estudos preliminares na fazenda, em Uruana, Trindade, Itaberaí, e o clássico, em Goiânia. Iniciou seu curso de Direito em Anápolis, (1980), na Universidade Evangélica, vindo a conclui-lo na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas de Gurupi, em 1989, no Estado do Tocantins. Foi escolhido e eleito orador da turma. Além de bacharel, advogado militante, é pós-graduado em Língua Portuguesa pela Universidade de São Gonçalo – FISG-RJ, agrimensor e técnico em agropecuária. É estudioso da Arte Real e recebeu o grau máximo da maçonaria brasileira, ou seja, grau 33, outorgado pelo Supremo Conselho do Brasil – Grande Oriente do Brasil. É necessário salientar que Moura Lima detém uma relevante folha de serviços prestados ao Tocantins, como servidor do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária-INCRA, onde foi Executor do Projeto Fundiário de Gurupi, Chefe da Administração e Presidente da Comissão Permanente de Licitação de Terras Devolutas da União, no Estado de Goiás, atuando especialmente na então Região Norte de Goiás, hoje base territorial do Estado do Tocantins.
É membro fundador da Academia de Letras do Estado do Tocantins, cadeira n. º 15 (ex-vice-presidente), e membro do Instituto Histórico e Geográfico, também do Conselho de Cultura do Tocantins; pertence à Academia Piauiense de Letras, como membro correspondente. Possui vários artigos publicados em jornais e revistas. Recebeu o diploma “Personalidade Cultural” da União Brasileira de Escritores / Rio de Janeiro, por serviços prestados à Cultura Brasileira, em solenidade no auditório da Academia Brasileira de Letras.
Por força do Decreto Legislativo n. º 01/96, a Câmara Municipal de Gurupi concedeu-lhe o título honorífico de Cidadão Gurupiense.
Moura Lima busca construir seu mundo virtual estilizando, na expressão, a norma popular regional, com a qual conviveu desde sua origem, tarefa que lhe foi facilitada graças à continuidade no trabalho fundiário, o que lhe permitiu conquistar e ampliar a vivência no referido campo, graças à árdua tarefa de andar por todo o sertão do Norte de Goiás, ora pelos trilheiros, no lombo dos matungos, ora pelos chapadões, ou de canoa pelo rio Tocantins. Assim, constitui-se autor regionalista de mão-cheia que, não obstante ser registrado civilmente como Jorge Lima de Moura, assina seus trabalhos com o nome literário de Moura Lima.
Moura Lima, contista, ensaísta, folclorista e romancista, vem-se dedicando, pois, com afinco e talento, a escrever (e reescrever) suas obras em linguagem amalgamada pela própria experiência de vida, portanto fiel ao húmus da terra goiano-tocantinense, seu natural habitat, em busca de uma forma legítima e criativa de expressão, embora reconheça que a perfeição é, tão-somente, um ideal a perseguir. Na sua labuta de escritor, visando atingir o âmago de seu projeto como romancista e contista de sua região, vai adquirindo autoridade para tanto, uma vez que a realidade lhe está de tal maneira entranhada na sua vivência de escritor, que a matéria de sua obra—homem, fauna flora, perfis, mitos, crenças— palpita com a intensidade que só a experiência pode esculpir.


PREMIAÇÕES RECEBIDAS PELO ESCRITOR MOURA LIMA

Prêmio de Literatura – SESI-TO/95.
Prêmio “Destaque do Ano” – Literatura – Rádio Tocantins FM – Romance.
Serra dos Pilões, como a melhor obra produzida no Tocantins – Gênero Romance – 1995.
Prêmio “Personalidade Cultural” – UBE-RJ / 1999.
Prêmio “Malba Tahan” de Literatura / 2000 do Concurso dos 500 anos, da Academia Carioca de Letras e União Brasileira de Escritores-RJ.
Obra: Veredão – Contos Regionais e Folclóricos.
Prêmio “Profº Joaquim Norberto” / 2001, do Concurso Nacional da UBE-RJ.
Obra: Mucunã – Contos e Lendas do Sertão.

OBRAS QUE FAZEM REFERÊNCIA A MOURA LIMA:

Enciclopédia de Literatura Brasileira – Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa. Ministério da Educação/FAE, 2ª Ed., Rio, 2001.
Antologia de Autores Tocantinenses – Márcio Barcelos e Erlene S. Dias. Ed. Kelps, Goiânia-GO, 2000.
Dicionário de Folcloristas Brasileiros, 2ª Edição /Kelps, Goiânia-GO, 2000, Mário Souto Maior.
Dicionário do Escritor Goiano – José Mendonça Teles. Kelps, Goiânia-GO, 2000.
Dicionário Biobibliográfico de Goiás – Mário R. Martins. Master, RJ, 1999.
Dicionário Biobibliográfico do Tocantins – Kelps, Goiânia-GO, 2000, Mário R. Martins.
Dicionário Tocantinense de Termos e Expressões AFINS – Cartográfica, Palmas-TO, 1997, Liberato Póvoa.
icionário Biobibliográfico de Escritores Brasileiros Contemporâneos – Adrião Neto. Teresina-PI, 1998.
Fazer o Piauí – Crônicas do Meio-Norte – Enéas Athanázio – Ed. Minarete, 2000 – Santa Catarina.
Coletânea – Escritores Brasileiros em Prosa – Adrião Neto. Teresina-PI, 1999.
O Romance de Moura Lima – Estudo Literário – Ana Braga. (Inédito)
Apocalipse – Espécie Terminal – Assis Brasil/2001- IMAGO/RJ.
Literatura Piauiense para estudantes – Adrião Neto. Teresina-PI, 2000.
Documentário jornalístico literário sobre “Serra dos Pilões” – Produção Sunrise Vídeo – Tocantins. Antologia Poética – Prêmio de Literatura SESI – Tocantins, 1995.
Moura Lima: Do Romance ao Conto – Travessia Fecunda pelos Sertões de Goiás e Tocantins (Ensaio) – Francisco Miguel de Moura/2002 – Cometa/TO).
Moura Lima: A voz pontual da Alma Tocantinense (Ensaio) - Moema de Castro e Silva Olival - Editora Cometa/TO- 2003.



OBRAS DO AUTOR

Poemas Errantes – 1971. Ed. Elite, Goiânia-GO, 1971.
Sargentão do Beco – Peça Teatral – 1971. Graf. Sousa, Itaberai-GO, 1971.
Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros (primeiro romance do Estado do Tocantins) – 1ª ed. 1995 (esgotada); 2ª ed. 1996 (vestibular FAFICH-TO – esgotada); 3ª ed., Revista e Ampliada - 2001. Editora Cometa-Gurupi-TO.
Pelos Sertões do Piauí - Ensaio / Revista / Cadernos de Teresina, nº 27, Dez. / 1997.
Veredão – Contos regionais e folclóricos - 1ª ed. 1999, Ed. Cometa (vestibular FAFICH-TO), ESGOTADO.
Alvina Gameiro – Ensaio, publicado no Jornal Meio Norte (Encarte), 2001, Teresina-PI.
Mucunã – Contos e Lendas do Sertão. Ed. Cometa, Gurupi-TO, 2000 (vestibular FAFICH-TO), esgotada.

Chão das Carabinas – Coronéis, Peões e Boiadas. Romance, Ed. Cometa, Gurupi-TO, 1ª ed., 2002.
Negro D’Água – Lendas e Mitos do Tocantins. Contos – Ed. Cometa, Gurupi-TO, 2003.

INÉDITOS:
O Caminho das Tropas – Revoltosos, Peões e Boiadas (Romance).
Dicionário de Termos e Expressões Populares do Tocantins.
Solidões do Araguaia (Romance).
O Canto da Seriema (Romance).
Egrégora Poética.















INTRODUÇÃO


“O ódio do povo era represa que se enchia. Tomava força devagarinho de nascentes desconhecidas, à espera de alguém que lhe abrisse as comportas”.Eli Brasiliense, in Rio Turuna.
“O mito é a verdade do coração: pensamento: pensamor”. Guimarães Rosa.


Mais uma obra literária regionalista? Um novo Bernardo Guimarães, com o estudo do garimpeiro nas regiões centrais, ou um Afonso Arinos, com seus bem delineados tipos e paisagens sertanejos, ou um Hugo de Carvalho Ramos, o pioneiro na tradução de “nossas primeiras gestas”, ou um Bernardo Élis, narrador épico desse nosso “chão analfabeto”, ou Eli Brasiliense, no acendrado amor ao seu torrão tocantinense, — que, à época, também era goiano—remexendo nos respectivos valores, mitos e mecanismos interiores de suas personagens sertanejas, ou Carmo Bernardo, o mestre de nossos “ causos” regionais, na profunda vivência do potencial ecológico do “ hinterland” goiano, todos, amálgama vital das vozes palpitantes e desconhecidas desse Brasil Central? Ou, então, um Adonias Filho, do recôncavo baiano, ou Guimarães Rosa, dos Gerais mineiros, ou Graciliano Ramos, o épico da “ vida retirante” do nordeste, ou Simões Lopes Neto, nos registros contísticos dos pampas gaúchos?

Algo de forte, marcante, irrompe para nós, agora, nessa trilha. Não tem, surpreendentemente, o objetivo, apenas, de imprimir continuidade no desvelar da região interiorana, em tomada conjunta de seus valores vitais, e apanhada como bloco único, como o fizeram seus antecessores, mas, agora, acompanhando o fato histórico da divisão dos territórios Goiás-Tocantins, projeta-se, em iniciativa pioneira, a ser a primeira manifestação oficial, dramatizada—através de contos, “ causos”, lendas, mitos, romances— da alma tocantinense. O pioneirismo fundamenta-se, exatamente, no dado político-administrativo de sua autonomia política, não podendo escapar, no entanto, da unidade de um substrato mítico comum que ainda imprime selo goiano a essa alma do novo Estado, sem dúvida enriquecida por algumas peculiari afeitas ao ritmo de vida da região.
Assim é que “flashes” de primitivismo selvagem, decorrentes da ignorância e do abandono político-administrativo desses “ fundões”, atrocidades, bravuras, grandezas e pequenês de alma surpreendentes, variações do que, se já era tradição no sertão brasileiro, adquire, agora, com Jorge Lima de Moura ( nome literário: Moura Lima), feições peculiares, muitas vezes, particularizações históricas da alma de uma região, expostas nas suas lendas, mitos, riquezas ecológicas, como a Serra dos Pilões, a do Jalapão, etc. Envolve, ainda, os rios, seus mistérios e curiosidades intrigantes que alimentam, não só a fertilidade ambiental, quanto o imaginário local, este, enriquecido matiz do substrato comum, já mencionado acima, burilando o perfil de seus heróis e anti-heróis.
Se sabemos, com Ferdinand de Saussure—apud Alfredo Margarido, da Universidade de Lisboa1 —que “ Os costumes de uma nação exercem pressão sobre a sua língua e, por outro lado, é, numa larga medida, a língua que faz a nação”, não podemos, usuários da Língua Portuguesa no ( e do) Brasil, menosprezar o extraordinário acervo do falar peculiar de uma determinada região, no caso, da região do Tocantins, em emprego estilizado pelo escritor, dentro da sábia orientação que presidiu ao lavor literário de alguns de nossos regionalistas, à frente Bernardo Élis, sobre cuja técnica, na busca da melhor exegese da respectiva obra, evocamos a orientação de Antonio Cândido2 , no seu ensaio sobre “ I Malavoglia”: “ Nenhuma maneira melhor há de se aproximar de um povo, senão através do ritmo profundo de sua vida que é a sua fala”. Deste modo, chamamos atenção para o papel desempenhado pelo apelo que Moura Lima faz ao ritmo de seu povo, demonstrado pelos abundantes modismos, torneios frasais, construções peculiares, léxicas, sintáticas, e sobretudo semânticas, a colorirem, com a pulsação da vida regional, o seu texto narrativo. Por vezes, tão inusitadas para nós, que soam como páginas estrangeiras. Aliás, o autor, prevenido, nos oferece glossários esclarecedores, já havendo elaborado um Dicionário de Termos e Expressões Populares do Tocantins.


A OBRA MOURIANA

Embora, neste momento, nosso objetivo maior seja a leitura crítica dos romances de Moura Lima, façamos algumas observações básicas sobre sua obra contística, que, até este momento, maio de 2003, abrange os livros:

—Veredão. Contos regionais e folclóricos. I ed. 1999. Gurupi: Multigraf Araújo, 1999. Prefácio de Eduardo Campos

— Mucunã. Contos e Lendas do Sertão. I ed. Gurupi, Gráfica Cometa, 2000.

—Negro dÁgua. Mitos e Lendas do Tocantins. Contos. Gurupi: Gráfica e Editora Cometa. I ed. 2003.

1 Margarido, Alfredo. Revista da Academia Brasileira de Filologia, ano I, n. I, nova fase, 2002, p. 9.
2 Cândido, Antonio. “ I Malavoglia” in Língua e Leitura. Gráfica da Universidade de São Paulo, 72






O MUNDO CONTÍSTICO. ESTILIZAÇÃO E ORALIDADE



Quanto aos livros designados como de contos, teríamos a observar: Moura Lima foi previdente ao colocar, junto à designação “conto”, a possibilidade de referência a outras formas narrativas, uma vez que, muitas das lendas e mitos, matéria rica do folclore regional, nos vêm na forma simples das seqüências narrativas espontâneas (causos), sem elaboração estrutural da forma, exigência necessária no conto.

Porque, hoje, já se consolida a diferença. A princípio, pode parecer tratar-se de mera formalidade terminológica, mas, na verdade, entra-se em terreno da crítica contemporânea.

Se Mário de Andrade teria sido o responsável por uma definição liberada do conto: “ tudo aquilo que o autor designa como tal”, preocupações atuais—tendo em vista a estrutura do texto e a consciência crítica do leitor, objetivando seu alcance no processo da decodificação-procuram estabelecer características pontuais que possam distingui-lo de uma forma narrativa simples, ou mesmo da crônica, gênero limítrofe.

Assim, em nosso último livro O Espaço da Crítica II: A Crônica: dimensão literária e implicações dialéticas (2002 )3 , procuramos refletir sobre o assunto e, com apoio em Julio Cortázar, posicionamo-nos a respeito, tomando-o como uma narrativa intuída, sem dúvida, mas estruturalmente armada em óptica subjetiva, concisa, com unidade nuclear de seus elementos formais, sobretudo do ponto- de- vista, exigindo domínio criativo dos recursos da linguagem.

No conto, segundo o crítico argentino, “ deve-se buscar nocautear o leitor, deixando-o chapado da primeira à última linha”. ( Valise de Cronópio, 1974, ).4

Por isso, reiteramos o aspecto louvável da medida preventiva do englobando formas simples e espontâneas, sustentadas na oralidade da região. Ainda nessa circunstância, não se pode ignorar a forma saborosa, fluida da voz narrativa do escritor, como, no livro Negro d´Água, “ Lenda da Origem do Povo de Carajá”, ou, o próprio conto “ Negro d´Água”, este último incluído tanto no livro homônimo, quanto em Mucunã e Veredão, como também, em Mucunã, os contos “ Mula-sem-cabeça”, ou “ Lobisomem” e outros. Aliás, este foi um recurso largamente usado no último livro de Moura Lima, Negro D´água. (2002-03),que ostenta o título de um de seus livros, como já demonstrado, sendo, portanto uma técnica recorrente do escritor. Por exemplo: de Veredão, (1999), anotamos a repetição de três contos, a saber: “ Assombração”, “ O Iluminado” e, conforme o já mencionado: “ Negro d´Água”. E de Mucunã (2000), quatro contos: “Mula-Sem-Cabeça”, “Lobisomem”, “Do Corte de Faca veio a salvação”, e “A Tocaia”.
Como curiosidade, então,o fato de os títulos dos livros de contos adotarem, sempre, o nome de um dos seus contos.
.
Em Veredão, que segue o ritual acima mencionado, sendo o conto homônimo um dos melhores do livro, prevalece a referida forma narrativa.
Assim, este conto “ Veredão” perfila-se, ao lado de outros extensos ( quase novelas) como “ O canto da seriema” que, aliás, parece-nos, seja o núcleo de um futuro romance, opinião partilhada pelo crítico literário Francisco Miguel, membro da Academia Piauiense de Letras, em seu texto crítico publicado em Folha da Cidade-Gurupi, 28/3/02, em que nos fala dos novos projetos de Moura Lima e menciona O Caminho das Tropas e Canto de Seriema.
No referido conto, como, também, em “ Tropeiros do Jalapão”, ou em
“O Jaguaretê da Mão Torta”, por exemplo, sensibiliza-nos a profunda experiência revelada pelo narrador em relação à sua realidade que passa a alimentar, de maneira substanciosa, a narrativa, tornando-a, ainda que ficcionalmente, documental.
Também, encanta-nos o processo de mediação de sua linguagem regionalista, apanhada num recurso estilizado, conforme já dissemos, e percuciente, a ponto de ser capaz de energizar o relato, para cujo fato contribuiu, de maneira enriquecedora, o extraordinário acervo de expressões regionais, modismos, ditados populares, que ajudaram a singularizar as imagens do sertão tocantinense. E quanto ao processo da transcrição da oralidade, não se trata, como afirmamos também a respeito de Bernardo Élis, da transcrição ipsis litteris da fala regional, mas de seu aproveitamento literário, capaz de traduzir a ideologia do escritor. Vejamos.
No caso de Bernardo Élis, a ideologia traduziria projeto reivindicatório, com matizes de um discurso político-social, veiculando voz de protesto em favor de um povo-de seu povo-“ desguarnecido” das condições essenciais de sua cidadania. Nele, sintagmas como “ chão analfabeto”, ou “ chão parado” teriam o propósito de estigmatizar a realidade enfocada. Na curva dos processos de mediação da fala, Bernardo Élis aperfeiçoou-se, indo de um estágio mais incipiente, centrado nas deformações vocabulares, do falar regional, registros que vinham entre aspas, como receoso de enfrentar o julgamento de seus leitores de então, que poderiam julgá-lo desconhecedor das normas cultas, cuidado revelado em Ermos e Gerais (1944), atingindo, depois, em Veranico de Janeiro,(1966) ponto alto nessa técnica que abraçou, com inteira liberdade, de maneira, até, desabusada, colorindo com ela seu texto narrativo, inclusive, mas já se direcionando para a primazia ao ritmo, modismos e construções da oralidade, seguindo as novas tendências nacionais. Mostra esse traço, também, em Apenas um Violão, livro de contos bem posterior (1984), como a ver, no ritmo da oralidade, o toque fiel para traduzir a alma regional. Mas, em Caminhos e descaminhos, (1965), com alguns de seus mais belos contos, como “Ontem, como hoje, como amanhã, como depois”, mais tarde adaptado para o cinema e a televisão, no curta- metragem Índia, a filha do Sol, ou “Uma certa porta”, encontrávamos um Bernardo mais preocupado com o burilamento estético no emprego dessa oralidade, buscando traduzir o regional, mais na temática, que nos recursos acima apontados. Se bem que, o que o caracterizou como escritor da oralidade tenha sido, exatamente, o fato de se tornar seu grande intérprete, ora fazendo, dela, elemento delineador de sua proposta literária, no intento de traduzir a alma regional, ou, então de transformá-la em recursos de estrutura mimética, responsável, por exemplo, pela frase plástica, ou rítmica, esboçadora de imagens dinâmicas, como se vê em Apenas um violão, no conto “ Explosão demográfica (minueto em fó menor)”,em que Bernardo cria, literariamente, ritmicamente, um texto musical, formal e tematicamente tecido em torno da fome. ( Não se esquecer que, na época, 1984, havia uma cruzada universal em favor dos famintos da Etiópia. Quem não se lembra de artistas do mundo todo, em coro internacional, cantando “ We are the worl.”?)5
Bem, a digressão em torno dos recursos de oralidade empregados por Bernardo Élis, o introdutor, em Goiás, dos moldes de sintaxe divulgados pelo Modernismo, tem o objetivo de situar melhor Moura Lima nesse espaço, em que se distingue, não só pelo tom reivindicatório de sua proposta, ainda que mais direcionada ao ataque à pressão política de certos coronéis, em especial à força política dominante no Estado, do que voltada para as angústias do ser humano sujeito a esses regimes de opressão, campo privilegiado de Bernardo Élis. Acrescentaria, a esta observação, um toque muito gratificante que nos oferece Moura Lima: o de indisfarçável ufanismo pelaliparece ansioso em ter registrada, para a história, a autenticidade de seu torrão natal , de suas atividades peculiares: tropeiros, vaqueiros- jagunços, de suas lendas e belas paisagens. Ama seu torrão e, disso, nos torna, a seus leitores, participantes. E isto parece transmitir à sua obra um peso histórico-documental ( preocupação com o registro), quase tão forte quanto o propriamente, político-social. ( preocupação com a denúncia). Neste item, transparece, forte, uma voz acusadora, um alter-ego do autor, a qual aponta para as arbitrariedades e as pressões políticas, atitude registrada nos fatos e em ardis da trama, ( ver metáfora da árvore baru, por exemplo) mas, não em jogos da expressão linguística como em Bernardo Élis, ( Chão analfabeto, Sol macho, etc)
Moura Lima, sem dúvida, ocupa, com denodo, o pódio da literatura tocantinense, projetando-se à condição de primeiro romancista e tradutor da alma do novo Estado..

E, se com Mattoso Câmara Jr, sabemos que a língua é em si mesma um dado cultural, queremos insistir em mostrar que a “ciência” do autor- narrador, na interpretação de uma realidade regional , através do seu processo de mediação, não precisa valer-se da fidelidade do gravador, mas, sim, do colorido da “ sugerência” literária, de cujo grau, maior ou menos, retiraremos nossa avaliação sobre o autor e seu potencial de criatividade.

Então é preciosa a literatura de Moura Lima, não só pelo vigor de suas tintas literárias, quanto pelo esforço de registrar, antes que se perca, na inevitável trajetória da caminhada histórica rumo à globalização, a autenticidade do perfil de seu rincão.

Tanto nos contos, quanto nos romances, Moura Lima trabalha a vida “ tão barata” do sertão, vida que ainda se alimenta do perigo, da violência, da ousadia, da coragem. Vida em que as noções de honra são estrelas fugazes, num céu de selvagerias, confrontos, frutos do abandono das leis e dos direitos legais que devem amparar o cidadão.


3 Olival, Moema de Castro e Silva. O Espaço da Crítica II: A Crônica- dimensão literária e implicacões dialéticas. Goiânia: Editora Kelps, 2002.
4Cortázar, Júlio. Valise de Cronópio. São Paulo: Editora Perspectiva, 1974,, p..70.
5 Apud Olival, Moema de Castro e Silva . In O Espaço da Crítica. Goiânia: Editora da Universidade Federal de Goiás, 1998, p. 156.





Ficção e História em Moura Lima.


Como romancista, o nosso escritor abraça o filão histórico. Se Tolstoi já pregava:
“ se queres ser universal, fala de sua aldeia”, encontramos, na ficção de Moura Lima, no potencial arregimentador de sua realidade regional, apanhada numa feliz confluência de dado histórico, talento criador e imaginação poética, encontramos, pois, fiel amostragem de um protótipo de literatura regional: a tocantinense. O autor aponta, para a posteridade, o perfil da alma tocantinense, a partir da feição de seu povo, de sua geografia, ecologia, fauna, flora, rios, de sua cultura, de sua linguagem. E, no trazer a fala de sua região, abre, para os estudos filológicos de caráter dialetal, rico filão, sobretudo, como já afirmamos, nos registros dos modismos e expressões peculiares, intérpretes de sua cultura.
Os romances: Serra dos Pilões (1995; 1996; 2001) e Chão das Carabinas ( 2002) são históricos, na medida em que “ o saber” de que lançam mão é retirado da história.
Serra dos Pilões registra a tragédia da Vila de Pedro Afonso e a perseguição, pelas terras do Jalapão, dos jagunços responsáveis. Chão das Carabinas traz a história sangrenta da Vila do Peixe. Ambos valem-se dos registros históricos, no que diz respeito aos dados da ação e à categoria sócio-cultural dos vultos mencionados, mas, como criação ficcional, constroem a sua “ verdade”.
Porque, sabemos, a partir do momento em que se tece a ficção, não haverá mais a preocupação em torno do rigor da “ verdade histórica”. O que importa é a “ verdade do universo ficcional” cuja trama, quanto à eficiência de sua “ urdidura”, depende do talento de escritor.

Aliás, sobre a relação Ficção e História, muito já se escreveu. Nós mesmos, no ensaio crítico “ Ficção e História”6 , discorrendo sobre o terceiro romance de Bernardo Élis: Chegou o Governador7 , relembramos ser, este processo de união Ficção e História, uma das sete diretrizes básicas dentre as tendências do romance moderno no Brasil, conforme observações a respeito da matéria mencionada, feitas pela ensaísta e crítica Nelly Novaes Coelho.8 Só para relembrar, as demais tendências seriam: a que mescla ficção à memória; a ficção experimentalista; a “ desenvolta”; a do humanismo dramático, a do convívio cotidiano e a do húmus regionalista. E, interessante, frisa Nelly, estas tendências não são rigorosamente independentes. Alioura Lima que se situam nos espaços da primeira e da última, com breves incursões pelas segunda e quinta.



6 Apud Olival, Moema de Castro e Silva. Cadernos de Letras. Série Literatura Goiana, n.5, ano 1988, do ICHL- UFG, p.8.
7 Élis Bernardo. Chegou o Governador. Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1987.
Coelho, Nelly Novaes. Literatura e Linguagem: a obra lit







ESTRUTURA NARRATIVA DE SERRA DOS PILÕES




Vejamos, pois a estrutura narrativa de Serra do Pilões. Temática:
Quanto ao “ saber” histórico de que se utiliza, e que fundamenta sua temática, já ficou claro. Como ficção, recria, para seu mundo virtual, uma fase primitiva de nosso sertão-agora delimitado em novo Estado Federativo-cobrindo um espaço ilhado da civilização, e traz, como arquétipos soberanos daqueles “ fundões’, mitos primazes latentes no ser humano em ritmo de tocaia, aguardando oportunidades de manifestação, que surgem, muitas vezes, decorrentes de falhas dos sistemas governamentais que amparam o cidadão: violência, opressão, a injustiça, cobiça, ódios, vingança, etc. São perfis do homem regional, prisioneiro das circunstâncias político-sócio-culturais que o rodeiam, mas que dão mostras, ocasionais, é verdade, de seus anseios universais, como “ ser”.
Daí o realce do processo de transposição da “ fala” desse homem, a qual o situa no contexto nacional. Os dados mencionados permitem-nos sintetizar a temática do romance como: as forças político-sociais-culturais que movem o homem dos ermos do sertão tocantinense.
A respeito do livro que, como vimos, está em sua terceira edição, agora revista e ampliada, como romance de destaque do Tocantins, não poderíamos deixar de nos referirmos ao prêmio Personalidade Cultural conferido ao seu autor, pela UBE do Rio de Janeiro.
Vejamos algumas opiniões críticas, como a de Messias Tavares:
“ Uma saga de jagunços e tropeiros nos sertões do Jalapão. São quatrocentas páginas de pura emoção, pelo verde da paisagem soberba daqueles cafundós de chão bruto! (...)
Serra dos Pilões retrata, na sua bem estruturada fibra de romance regionalista, a alquimia da verdadeira criação literária: o sopro épico das grandes epopéias sertanejas, incorporando, de forma vigorosa, o folclore, a força dialetal tocantinense, o mundo turuna dos jagunços, o cenário agreste do Jalapão, no mapa literário do Brasil.”

E, a de Assis Brasil, romancista, crítico literário, colaborador do Suplemento Dominical dos principais jornais do país:
“ Serra dos Pilões atinge o seu alvo, como romance bem sucedido no contexto da Literatura Brasileira, ou seja, o de retratar um mundo interiorano e se realizar como obra de arte”.

Com certeza, partilhamos da opinião do sociólogo, ensaísta, escritor e crítico Clóvis Moura, expressa na apresentação de Serra dos Pilões, de que no romance regionalista, além do intuito de expressar uma região, deve-se ter fortemente delineada ( aliás, condição sine-qua-non da obra de arte) a expressão do poder criador do referido autor. Isto se configura através do processo de transfiguração e resulta em conjunção dinamizadora dos elementos estruturais da narrativa, sobretudo personagem e ação, sem minimizar o papel dado ao espaço e tempo, este, sobretudo, se for interior., aspecto não priorizado aqui, é preciso ressaltar.
Também reforçam esse ponto de vista Eli Brasiliense, no seu prefácio, um tanto tendencioso politicamente, mas apaixonado pela região que se incluía, à época, nas terras goianas, e que, embora administrativamente, jogada, agora, para outros limites geográficos, espelha, sem dúvida, muito da nossa cultura e, ainda, a poetisa Stella Leonardos que, no seu belo poema, nos traduz condições vitais da obra de Moura Lima, conseguindo espargir, com “ Repensando Serra dos Pilões”, intensos fluidos poéticos sobre as páginas épicas do romance em questão, como podemos constatar aqui: “ (...) —E as cores do populário?/ E o místico sincretismo?/ E o flagelo dos jagunços?—Das notas reais de outros tempos./— Só sei que o romance vosso,/ só sei que o talento vosso/ são mais que ficção e História./ Em nós rapsodos se tornam,/ rapsodiar inesquecível, / regionalista rapsódia./”

Interessante que toda a narrativa se move em terrenos do Jalapão, fato sempre mencionado, havendo, talvez, apenas uma referência específica à Serra dos Pilões, nome que acaba intitulando o livro. E por referir-se ao espaço da felicidade, quando capitão Labareda confidencia ao seu amor D. Bela: “ Também fui feliz na minha infância, lá na Serra dos Pilões”, não estaria este critério apontando a intenção de imprimir ao local uma imagem metafórica, capaz de extrapolar do terreno denotativo da indicação geográfica, para o único espaço sede desse sentimento, tão raro e tão inatingível naqueles rincões? O fato indicaria recurso de transfiguração, fruto do processo criativo do autor , e seu papel seria o d e tornar Serra dos Pilões símbolo do sentimento cuja busca vem embutida na temática, como meta a ser perseguida pelos filhos do Tocantins. A saber: Serra dos Pilões, símbolo da busca da realização, da felicidade. Daí o título. Sem dúvida, possibilidade bem criativa e enriquecedora.


Personagem e ação.



Instigante, para o leitor, o encontro com personagens já desvelados por outros de nossos regionalistas, como, por exemplo, Abílio Batata e Cipriano, vultos chaves de Bernardo Élis ( O Tronco) e Eli Brasiliense ( Uma Sombra no Fundo do Rio, Rio Turuna) e que, com Moura Lima, continuam a exibir suas lideranças nas violências e desatinos, sobretudo o primeiro, ou com inesperados gestos de generosidade, sobretudo o segundo.
Personagens— mola vital dos romances—planas, redondas, personagens de ação, ou melhor, de reação, na verdade, todas elas, constituindo, ainda que em contraponto, como neste romance, rotulado como de ação ( e aí entra a dosagem criativa do autor), marcos necessários para o equilíbrio do desenrolar da trama.
Referimo-nos a personagens de reação. Na verdade, situam-se assim, até mesmo alguns dos bandidos, se pensarmos bem uma vez que agem movidos pelo sentimento de “ revanche”, sob a compulsão do contexto selvagem, da ausência de leis, de civilização e de cultura. O acervo genético sendo a única bússola a explicar o maior ou menor potencial tanto de violência quanto de bravura que os distingue. Cipriano, por exemplo, um bandido fabricado pelas circunstâncias, mas possuidor de viscerais noções de honra e coragem, como tão bem nos dá mostra Eli Brasiliense, no primeiro capítulo do romance acima mencionado.
Assim, personagens se esboçam como bobinas vivas, em torno das quais se arregimenta, em alternância “ fabular” o encadeamento da ação ( intriga-trama).
E nelas, ou através delas, sente-se o vínculo com o substrato ficcional da região goiana, então abraçando o Tocantins.
Vejam bem que Abílio Batata é aquele mesmo facínora do romance O Tronco de Bernardo Élis, romance que teve, como palco, a região do “Duro”, hoje Dianópolis, em que famílias inteiras foram dizimadas sob sua ordem. E Cipriano, agora jagunço, é o mesmo personagem de Eli Brasiliense em Uma Sombra no Fundo do Rio. Aquele Cipriano que acreditava em justiça, que confiava na autoridade, e que, na invasão de Pedro Afonso, sob o jugo de Abílio Batata, sofreu uma das experiências mais cruéis que pode atingir o ser humano. Daí que, agora, com Moura Lima, já assumido como facínorabareda, no único intento de trucidar o autor de sua maior desgraça Abílio Batata.
No seu coração, e em sua cabeça, gravada em fogo, a cena do assassinato de sua mulher e filhos pelos milicos, sob o comando do maldito Abílio. Sua mulher, gestante de nove meses, teve seu ventre aberto pelos facínoras que jogavam para o alto, sob risadas, seu filho já prontinho para nascer, aparando-o, em seguida, na ponta da espada. Ali, naquele momento, nasceu um novo jagunço, cuja sede de vingança era direcionada aos causadores de sua tormenta, o que não o impedia, esporadicamente, de voltar a ser generoso.
É a reação a comandar a ação, a delinear conceitos. Assim é que a polícia, na boca do povo daquela região, encontra, da parte do velho Januário, no alto de sua experiência por aqueles rincões, a seguinte definição:
“ A polícia nada mais é que jagunços fardados que chegam, botando banca e descendo a mutamba em todo mundo.” P. 120
E, na busca dos culpados, personagens assumem a voz que traduz o alter-ego do autor, cuja linha política fica clara de começo ao fim, em julgamento sumário, independente do contexto de época, sem o qual, hoje, sabe-se impossível julgar o homem: toda a violência, para ele, é devida aos Caiados, cujo governo, para o autor, é, inapelavelmente, ditatorial e arbitrário, como se depreende das vozes que se manifestam a respeito.


Temos, em Serra dos Pilões, dois grupos de personagens que se contrapõem. O do Capitão Labareda, cujo braço forte é Cipriano e, também, o surpreendente Corta-Cabeça. Todos, imbuídos da missão de captar Abílio Batata e seu grupo, o qual, por sua vez, tem, no jagunço Cacheado, seu lugar-tenente.
É que a temática desse romance tem, por núcleo, a vingança contra os que promoveram a mortandade dos habitantes de Pedro Afonso, a sua destruição, isto em 1914,( marco histórico) sob a batuta do mencionado Abílio Batata, o facínora cruel que, com seu grupo, refugiou-se, depois, na região do Jalapão, para onde aponta a narrativa.
E a trama dessa empreitada, condicionando as ações, caminha em dupla direção : com movimentos de avanço e de recuo. De avanço, ritmo direcional, na decisão do Capitão Labareda, rumo ao seu objetivo de vingança: “ Vamos pra Serra do Jalapão, sepultar Alberto Cacheado” ( p. 226). E completa,em diálogo com o velho Bocório : “ A nossa missão, seu Bocório, é botar, de volta pra Bahia, os cabras de Abílio Batata, que vêm atormentando esta região.
Bocório, coçando o queixo, como se procurasse as palavras, responde ao Capitão:
- Esse socarrão do Cacheado vem há meses perturbando o povo desses pés de serra, Capitão. Os seus sabaceiros é um horror! Só deixam os cascos das fazendas.” P. 197.

De recuo, ritmo mnemônico, em jogo de memória, trazendo, por flashback, as lembranças das personagens que viveram intensas experiências do sertão, sobretudo as chocantes cenas da tomada de Pedro Afonso, como o relato do velho Cachoeira sobre as crueldades praticadas por Abílio Batata.(p.92).,
“ E lá fora os cacundeiros de Abílio Batata botavam fogo nas casas, subiam nos telhados e atiravam nas pessoas escondidas dentro dos quartos. Faziam pontaria de morte no povo correndo pelas ruas, e derrubavam na lapada do tiro. Na hora do ataque, muitos, atarentados do juízo, subiram em árvores pra se esconderem, e quando os jagunços descobriram, se divertiram pra valer, atirando nos coitados como se fossem passarinhos. E lá das grimpas derriavam no chão, como jenipapo, numa queda bruta de morte. Quem pôde correr passou o rio do Sono a nado, outros morreram afogados ou foram colhidos pelos tiros dos pingueleiros no barranco.” P. 80

Como afirmamos em O Processo Sintagmático na Obra Literária9 , e rastreando Polti ( in Les 36 situations dramatiques), em realidade, a ação adquire espontaneidade, maturidade, quando as personagens influem menos nela do que elas nas personagens.
Assim, podemos depreender, pela conduta das personagens de Moura Lima, ação e clima. E se a ação básica que movimenta a trama do romance se desenrola, como estamos vendo, em torno da tragédia da Vila de Pedro Afonso, em contrapartida, o núcleo fulcral de interesse se prende aos campos contrapontísticos representados pelas personagens já mencionadas: Abílio Batata, seu sequaz Cacheado, seu grupo, versus o capitão Labareda e sua gente de que emerge , como já demonstrado, o vulto de Cipriano- o homem forte, agora bandido pelas circunstâncias, além de jagunços peculiares como Corta-Cabeça, ou Boca-de-Sino. Destes dois, o primeiro, sobretudo, distingue-se como protótipo de um tipo do sertão: ponto-chave a potencializar simbólica e dramaticamente, a filosofia do romance que se entretece de força, em sua dupla estrutura: a física, a da violência, a ocupar, com primazia, a narrativa, e, mais discreta, a interior, a da fé, a do misticismo, e, até, da ternura, manifestações que, a nosso ver, se revelariam mais impactantes se carreadas por recursos estilísticos como o do Discurso Indireto Livre, que, aliás, aparece, ainda que timidamente, quanto à freqüência do emprego, sobretudo em Chão das Carabinas, por exemplo.

Corta-Cabeça, bárbaro e místico, é o núcleo centralizador da cona violência, e se destaca como o impulsionador do comportamento dos demais, para o bem e para o mal.
É o responsável por momentos particularmente dramáticos do livro. O primeiro, logo no início, quando comanda os rituais funerários do jagunço Pantaleão; o segundo, quando participa dos rituais iniciáticos da cigana— a velha mágica do acampamento—invadido por seu grupo, sob a chefia do Capitão Labareda. ( Ver p. 65).

A essas cenas, acrescentaria outras como a que revela a psiquê daqueles chefes: a do abandono do jagunço Beiço-de-Cangalha, um dos homens do grupo do Capitão Labareda, mas que, vítima de ataque epiléptico, foi abandonado, por ordem do capitão, nos ermos dos gerais, em gesto, para nós, os pretenciosamente civilizados, de extrema crueldade, mas, para eles, totalmente natural, evidenciando as prioridades dos valores frente às condições de luta a dirigir aqueles anti-heróis. Este o clima, fruto de mentalidades e de emoções, denunciando o móvel das ações, naqueles “ cafundós”.


9 Olival, Moema de Castro e Silva. O Processo Sintagmático na Obra Literária. Goiânia: Editora Oriente, 1976,p.175.



Espaço e tempo.




O espaço e o tempo se cristalizam num passado-presente contínuo; sem referências precisas, a região do Jalapão torna-se, num processo de operação transfiguradora, metonímica, o imenso palco de uma insidiosa saga épica: sertão dos coronéis, do povo ilhado da civilização, da cultura, imagem em viés da história, a filtrar realidades ainda presentes. Tempo que não conseguiu passar por inteiro. Presentificá-lo é ajudar a varrê-lo, em definitivo, dos tempos futuros. É apontar os estigmas por ele esculpidos na alma do povo e, assim, provocar reações. Aí, talvez, um dos grandes objetivos do autor.
Em nosso estudo sobre a obra de Bernardo Élis (1976) 1 0,evocamos Honoré de Balzac, quando, in A Solteirona, afirmava que as épocas tingem os homens e, também, citamos Raul H. Castagnino, in Tempo e Expressão Literária (1970, p. 36), quando, delineando as diretrizes da verdadeira criação ficcional, fixa-lhe o traço essencial, a saber: um ato de entrega ao antitempo, “ não se tratando simplesmente de negar-se o tempo, mas de submergir-se num tempo ausente em que nada teve princípio ou fim, pois tudo é um eterno recomeçar, um contínuo regresso ao princípio em que as coisas ocorrem simbolicamente nos idos imemoriais.”
Muitas vezes, na falta da indicação precisa do tempo objetivo no acontecer da ação, as personagens podem nos oferecer a oportunidade de acompanhar o desenrolar de seu tempo psicológico e subjetivo, que dão a medida de suas experiências vitais naquele momento, graças a técnicas como monólogo interior, ou, então, Discurso Indireto Livre, recurso, de certa maneira, freqüente em Bernardo Élis ou Graciliano Ramos, por exemplo.. Moura Lima parece preferir revelar, de maneira menos sofisticada, mais explícita, a mente de suas personagens, em diálogos curtos, ainda que dinâmicos, talvez em consonância com o clima de ação impactante que vai caracterizar Serra dos Pilões como uma narrativa forte, que busca retratar, estruturalmente, na sua organização dialógica,o impacto da ação brutal que impera naqueles sertões..

10 Olival, Moema de Castro e Silva, O Processo Sintagmático na Obra Literária, p. .


Reiterando o que já foi bem explicitado no início desse trabalho, quando salientamos o papel fundamental do processo de transcrição da linguagem regional, através da estilização de sua oralidade, gostaríamos, para complementar, de chamar a atenção para o aspecto positivo das referências aos nomes próprios relativos à geografia, flora e fauna da região, familiarizando o leitor com os topônimos regionais, riquezas ambientais, sobressaindo a peculiaridade dos nomes próprios relativos a essas áreas: Jalapão, Rio do Sono, Chapada das Mangabeiras,(p. 181), Ribeirão Espingarda ( p. 184) etc, e o saboroso dos apelidos—( nomes–de-guerra) dos jagunços como: Corta- Cabeça, Militão Caolho,(59), Zé Galhão,( p. 31), Gavião, Zico- Bodoque, Beiço–de-Cangalha (p. 55), Abílio Batata e o próprio capitão Labareda, que, na verdade, se chamava Eleudino Martins,( p. 175)—como numa proteção natural, à época, às suas verdadeiras identidades, que seriam expostas na explicitação dos referidos nomes próprios. A linguagem, como já vimos, em recursos de transposição estilizada da oralidade, assumindo o ritmo da modernidade que a torna instrumento do pensamento, tende para as frases curtas, diretas, entremeadas de modismos, expressões regionais, que justificam, e muito, um glossário final, dando-nos interessante campo de pesquisa, sobretudo na área da semântica, quando encontramos manifestações saborosas do pensamento daquele povo, (algumas, de domínio comum à toda a região interiorana, sem dúvida) numa variação espontânea e significativa de construções diversas, em torno de uma mesma idéia. Por exemplo, numa citação aleatória, para indicar a intenção de sair do local, viajar : “ (...) fez sertão”; “(...) poeirou no mundo”.(p. 79); “ (...) rompeu estirão, vencendo as leguonas (...)” (p. 123); “(...) fincou o pé-na estrada” ( p. 104), etc.

Gostaríamos de ressaltar o domínio dos recursos literários, por parte de Moura Lima, o que nos é fornecido, sobretudo, nos trechos descritivos. Alguns, com lances surrealistas, imagens carregadas das tintas regionais, com matizes de humor-negro e poesia, como por exemplo: “ E naquele sertão bruto, marcado pelas noites trevosas e pelos ruídos da tempestade, ao ribombar dos trovões, ouve-se o tropel dos cavalos da jagunçada a caminho do Jalapão. O vento sopra e uma voz espremida gunguna: -É o Capitão Labareda e seus cabras!...” ( p. 92).
Ou, leves, prenhes de imagens saborosas da paisagem tocantinense, para o que concorrem as referências peculiares daquela região, intérpretes da voz mágica daqueles rincões: “O dia vai rompendo com os clarões das barras, pelos cerradões e descampados de agreste do Jalapão. A saracura quebra o pote pras bandas do riacho Mutuca, anunciando a chegada do verão e dos ventos gerais que sopram da serra da Tabatinga e vão varrendo aquele guanhã imenso de campos, chapadões e matas sombrias nas beiras dos rios e grotões profundos.” P. 218
Ou, cenas narrativas pitorescas, folclóricas, como quando, na voz de alguma personagem, discorre sobre as travessuras dos mitos lendários do Tocantins, as do Romãozinho, por exemplo: “ E também Bebecha, um boi-vaca engomador de roupas da vila, não foi poupado. Caiu numa tunda sacudida, de tirar o pixé e o godó do corpo. O homem é-vinha de um arrasta-pé, altas horas da madrugada, à bambalhona, com seus botões-de-couro poído, ao passar rente a um monte de bagaço de cana, levou um safanão. Quando percebeu, olhe o bagaço voando no seu lombo! Êta peia braba! O homem, no corre-corre e o bagaço de cana por riba, arrochando a mutamba! E Romãozinho, na gargalhada.” P. 125
Mostra-se, assim, a linguagem de Moura Lima, rica de “sugerências”, de potencial de flexibilização dinâmica e recriação imagética, fundamentais para um bom escritor, sobretudo regional.







LEITURA CRÍTICA DE CHÃO DAS CARABINAS


Antes de fazermos nossa leitura crítica sobre este romance, convém lembrar, ainda que rapidamente, já que pisamos o terreno do regionalismo em Goiás, que este título: Chão das Carabinas não deixa de remontar, ainda que por afinidades intelectuais, ou por confluências históricas da região relatada, ao título de um romance de Bernardo Élis A Terra e as Carabinas que saiu em folhetins, nos jornais de Goiás, entre 1950/1951, e, só, recentemente, ( 1988) teve publicação em Obra Reunida de Bernardo Élis, iniciativa do governo de Goiás e da José Olympio Editora. Dele Bernardo Élis retirou o primeiro capítulo “Moagem”, que passou a fazer parte do seu premiado livro de contos Caminhos e Descaminhos.
Agora, vejamos a obra de Moura Lima. Este romance Chão das Carabinas- Coronéis, Peões e Boiadas. ( 2002) traz, além da sugestiva capa de Leocádio, biobibliografia do autor, e instigante prefácio de William Palha Dias, intitulado “ Um autêntico regionalista dos campos gerais”.
Em seguida, um esclarecimento: “Chão das Carabinas foi extraído de uma história real, com alma própria, acontecida na antiga Vila do Peixe, no Norte de Goiás ( hoje Tocantins), nos idos de 1936; os fatos históricos foram transportados para o campo ficcional, a partir de processo criminal, depoimentos de testemunhas e de participantes do morticínio”. Vê-se, claramente, sua intenção de declarar a fonte de seu “ saber”, no caso, o registro histórico. Isto se fortalece com o detalhe da pesquisa em processo criminal, depoimentos de testemunhas, etc, aliás, procedimento usual da parte de escritores que levam a sério a sua obra, como o fizeram, por exemplo, Bernardo Élis, em O Tronco ( 1956), já objeto de nossos comentários, ou Miguel Jorge, com Veias e Vinhos (1981), que tem por matéria o crime ocorrido no Bairro Popular, em Goiânia, ( 1957), quando foi chacinada toda uma família, salvando- se, apenas, a pequena Ana, que se tornará a voz narradora iluminada dessa aguda dramatização. Neste romance, se inspirou o cineasta João Batista de Andrade, para seu projeto cinematográfico, já em andamento, como, também, o que já realizou sobre o romance O Tronco, no seu polêmico e consagrado filme homônimo da obra de Bernardo Élis.

Bem, voltemos a Chão das Carabinas.
Francisco Miguel, crítico, membro da Academia Piauiense de Letras, em ensaio publicado no jornal da Cidade de Gurupi (TO), ( 28/3/02),afirma: “ Há em Moura Lima, do Chão das Carabinas, mesmo sendo um romance de fundo histórico, o espanto do homem que entra para a civilização por força dos conflitos que vêm de fora, do repentino aviltamento a que é submetido, perdendo, assim, o que havia de melhor em sua natureza. Espanto esse ocasionado pela ignorância, pela solidão, pelo medo, pelo que o novo desconhecido—o outro— possa causar. Espanto que provoca desordem. Essa desordem pode verificar-se ou já ter sido testemunha, mutatis mutandis, em todas as regiões onde as mudanças se dão bruscamente, desordenadamente.”

TEMÁTICA, TRAMA, PERSONAGENS, AÇÃO

O romance tem, por temática, a execução de uma vingança cruel , motivada pela ambição do poder político da cidade de Peixe.

A vingança é urdida pela rivalidade entre a facção do que representa a força local, e que encontra apoio no capitão Bentão, (apesar de sua dissimulada neutralidade) e os “arrivistas” chefiados pelo Major Fibrônio Cavalcante, frente à missão “ salvadora” enviada pelo novo governo de Goiás, sob as ordens do secretário Aroroba e que, logo na chegada, é atacada por um jagunço do major Fibrônio..
Vejamos o texto explicativo, da parte da voz narradora: “(...) como vingança é uma filha bastarda de profundo silêncio, e coração é terra que ninguém entra, o capitão Bentão apesar de conselheiro e esteio moral da Vila, desejava o fim da família Cavalcante Albuquerque, que lhe roubava o poder e o mando. E ia ficando a cada dia mais rica e dominadora.” P. 21

É uma história real, mas tem “alma própria”, como adverte o autor, no prólogo. Para o romancista, historiador William Palha, que fez o prefácio, Chão das Carabinas “ focaliza, numa visão sociológica, a crueldade do feudalismo sertanejo. E mostra, em cenas eletrizantes, a tropelia dos jagunços, o repicar dos berrantes, a bravura dos vaqueiros na marcha ronceira das boiadas, rasgando os cerradões e as imensas Campinas daquele mundão verde do chão tocantinense.”

Então, a narrativa se programa a partir dessa proposta, que, se é de denúncia, aqui bem evidente, apresenta, também, natureza de conteúdo social e, até mesmo psicológico, através de perfis humanos delineados com precisão analítica, como o do capitão Bentão, do major Fibrônio, etc.

Pensamos que, se Serra dos Pilões abarca uma cosmovisão douticos para o leitor, como os das lendas, em torno das travessuras do Romãozinho, por exemplo, ou cenas de misticismo, a revelar porção bem forte na alma do sertanejo, ou trechos descritivos que aliviam as tensões geradas pelas vinganças , aqui, em Chão das Carabinas, o tônus da violência se afunila, se concentra de tal maneira que cada capítulo torna-se um detonador natural dessa visão, gerando aquela angústia prenunciadora do clima de protesto, dentro, portanto, do que parece ser o propósito do autor.
O romance oferece três filões fundamentais: —o da violência, gerado pelo contexto sócio-político-administrativo da região;—o filão que se esmera em oferecer perfis dos tipos peculiares ao regime de vida local, perfis afeitos às atividades regionais e, finalmente, o da explicitação da postura ideológica do autor que, ou através da voz narradora, ou através de suas personagens, explicita um verdadeiro libelo contra a “ prepotência” do velho governo central do Estado, que, por longos anos, estivera nas mãos dos Caiados e, agora, era ocupado pelos revolucionários.
Vejamos: “ A revolução de 30 foi um duro golpe no poder dos coronéis da “ República Velha”. A machadada certeira veio do alto, não das forças regionais e, mesmo sem o extermínio total, restringia-lhes os poderes políticos, e também lhes tirava a função de mandões arrufados e de árbitros incontestes das comunas do sertão.
A Vila do Peixe não ficou alheia aos brados mudancistas, e o major Fibrônio Cavalcante foi o escolhido pelas hostes do poder estadual como interventor para desapear do mando local os adversários da revolução, ou seja, os prepostos do truculento caiadismo” (p.14). Aqui, já se afirma o tom condenatório constante e incisivo da voz narradora ao regime caiadista, tom alheio a consideração sobre o contexto de época, fato, hoje, observado por novos ângulos frente às modernas pesquisas universitárias, conforme já dissemos anteriormente.
Então, em reação “ aos tacões da bota de Totó Caiado ( Totó brabeza)”, o governo da revolução apóia major Fibrônio que deve usurpar o arraigado poderio dos primeiros, de que o Capitão Bentão é um dos asseclas, ainda que bastante dissimulado para tentar a posição de conciliador entre as duas hostes. Quanto a esse item, momento muito significativo, é quando o narrador, sem dúvida, onisciente, na sua condição de analista incisivo ( uma vez que impinge ao leitor o perfil desenhado, ao invés de deixar que ele, leitor, deduza sua opinião como corolário das respectivas ações,) e nos faz flagrar o contraste entre a atitude externa do “ honrado “ capitão Bentão, no momento em que ele dá bons conselhos ao secretário Arorobá, no sentido de largar a animosidade em relação aos Cavalcante Albuquerque, e sua postura interior que deseja o contrário, tornando, pelo contraste, bem explicitado o ditado: faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço (ou penso), escancarando, (mas descrevendo-as), janelas ocultas da alma humana.
Mas, ao dar voz à personagem Chica do Rosário, recorre, o escritor, ao dinâmico recurso do Discurso Indireto Livre ( uma das poucas ocorrências registradas) permitindo-lhe deixar fluir, ao vivo, os sentimentos e emoções. Recurso, sem dúvida, de enriquecimento estilístico da voz narradora. Eis o trecho: através da voz da personagem : “ Ah! Minha Mãe, verdade seja dita, o capitão Bentão e o major Fibrônio eram do mesmo paneiro, isso era, no duro! O capitão Bentão sempre foi treiteiro, agradava uma moçoila aqui, outra acolá, e ia desonrando-as, para o sofrimento das mães pobres, e, para trás, ia ficando a cambulhada de filhos adotivos. Agora, já o major Fibrônio era mais atrevido, mulherengo por natureza, chegava a desrespeitar mulheres casadas, quando estas davam brechas Mas que tem razão, minha Mãe, é a costureira Maricota, que sempre diz: —Troco o capitão Bentão pelo major Fibrônio e não peço um tostão de volta, são os dois da mesma laia!” P. 86
Chica do Rosário, aliás, é personagem elevada à condição de um dos canais preferidos pelo autor para a manifestação da voz de protesto contra o status quo vigente.Vejamos mais um de seus monólogos-depoimento: “ Mas a verdade, minha Mãe, tem de ser dita, porque aqui, na terra, neste vale de lágrimas, a mentira, de tanto ser repetida, vai-se tornando verdade na boca do povo atrasado, que não enxerga um palmo diante da venta. Ainda mais que os mortos não podem fazer a defesa, aí os grandes da terra galopam, fogosos,no lombo cabeludo da mentira. E arremata: Quem não sabe, minha mãe do céu, que o motivo da matança foi só um: a tomada do poder político da Vila.” P. 86

Também se mostra, a voz narradora, em seu perfil de veículo ideológico-social, preocupada em expressar traços que demonstrem valores positivos desse ser relegado à sua própria sorte: o homem daqueles rincões. Tal como Eli Brasiliense carrega nas tintas que retratam, como flores raras, num campo de tantas truculências, noções de honra e coragem de algumas de suas personagens, como Marcelino do romance Rio Turuna,—quando, na sua longa tocaia, rememora fatos de sua vida, evidenciando seu perfil de homem destemido e fiel aos seus princípios—ou Bernardo Élis, ao pincelar, com maestria, o esforço de Piano, personagem do conto “A Enxada” (Veranico de Janeiro), quando busca traduzir seu desesperado esforço para cumprir a palavra dada ao coronel: plantar, no prazo combinado, a roça de arroz, embora, não tivesse conseguido, para isso, a indispensável enxada, fazendo-o, então, com as próprias mãos que acabaram reduzidas a frangalhos.
Assim, Moura Lima nos exibe, também, esse perfil de dignidade, dehonradez que pode habitar esse povo rude, esses vaqueiros aparentemente simplórios, traço que Noratão “ cabra colhudo” se incumbe de no-lo demonstrar. Vejamos o momento em que ele é intimado, pelos acólitos do secretário Arorobá, para a missão de “ num barreado de chumbo, moquear o major Fibrônio e os filhos” . Então, respondeu: “ Diga ao Arorobá e ao Gustavo Bananeira que não vou . Não nasci pra jagunço e muito menos pra tocaieiro. Mas, se me mandar pegar um boi brabo, eu pego à unha, no maior prazer do mundo !”. Os cabras, decepcionados, acrescentaram:— “Vancê, negando o chamado, está querendo virar cruz de beira de caminho” . P. 47





MANEJO DA LINGUAGEM



Enfim, quanto ao manejo da linguagem regionalista, as observações seriam reiterativas, reforçando o que dissemos em relação ao primeiro romance, Mas, entendendo, dentro da visão crítica moderna, por linguagem da obra tudo que nela significa, até o próprio silêncio, retiramos esse trecho de grande poder poético-descritivo de Moura Lima, quando, ao nos trazer atividades de sua realidade, nos oferece cenas de notável precisão, cineticismo e riqueza imagética. Imagens extraídas da realidade sertaneja, transfiguradas metaforicamente, e cristalizadas em nossa mente e em nossa emoção. Ei-las:

“Chifres pra riba, os cascos ribombando no chão, como socada de mão-de-pilão, quartos roçando uns nos outros, seguia pachorrenta a boiada estrada afora. De vez em quando, um tucura atrevido, na traquinagem, enganchava nas ancas do boi da frente e andava em cima dele um estirão. O cupim apontava por cima na ondulação serpenteada dos lombos, aos saracoteios das ancas em movimento.” P. 37.





Espaço, tempo.



Romance neo-realista, caracterizando-se como de ação, personagens de reação, espaço-tempo em emprego similar ao de Serra dos Pilões: espaço predominantemente exterior, cobrindo as terras ilhadas da civilização e da cultura, correspondentes à Vila do Peixe e à região do Jalapão, na região do Tocantins, com incursões esporádicas a mecanismos interiores, que, quando ocorrem ( como vimos na dupla referência ao modo de agir do coronel Bentão, definindo-lhe o caráter), ou podem vir explicitados, com veredito já formado, pela voz narradora onisciente, recurso já mencionado, ou, oferecido ao vivo— através de técnicas agilizadoras do discurso— à observação do leitor, ( caso do D. I. L, no monólogo interior de Chica do Rosário) o qual , com mais mobilidade julgadora, poderá esboçar seu juízo, como sói acontecer nos romances que privilegiam o ângulo intimista, mas fato também enriquecedoramente encontrável em autores que ocupam o espaço do neo –realismo ( neo-naturalismo), como Graciliano Ramos, Bernardo Élis, Eli Brasiliense, Moura Lima ( em uso comedido) e outros. E um tempo que transcorre em jogo pendular: presente-passado, sendo o presente histórico, para delinear a violência com mais realismo e vigor e o passado, que ressurge em lances de flashback , responsáveis pela manutenção do fio de continuidade da ação.

Torna-se,assim, antes de tudo, como já demonstramos em Serra dos Pilões, o tempo de uma época , aquele que diz respeito à temperatura moral dessa mesma época: o do atraso, do analfabetismo, da violência, da desassistência político-social-administrativa da região.

No último capítulo— o XXVI— agora, já levado a cabo o extermínio do Major Fibrônio Cavalcante, o último remanescente da família que tanta violência praticou na região de Pedro Afonso, e que, ali em Peixe, tentava se estabelecer no poder, novamente, a cidade, então, semi-destruída, passa ao comando em definitivo do capitão Bentão, que, abertamente, assume o lema “ posso , quero e mando”.
Com sutileza e certo tom determinista, nota-se, na sequência dos fatos e com a chegada da Comissão que deverá apurar a chacina dos Cavalcante, o clima do “ recomeço” do drama da perseguição, da violência, da humilhação, como estigmas que relutam a abandonar aquelas paragens, tão naturalmente ricas e potencialmente promissoras. Sacraliza-se, então, o clima de protesto perante o statu quo desta realidade, cujo perfil opressivo foi magistralmente simbolizado, numa operação contrapontística, na cena final. Vejamos a referida encenação, quando a viúva do defunto Rafael Cavalcante e seus filhos passam rumo ao campo-santo. “ iam orar ao morto. Junto à cova, no alto do cerradão, a sombra acolhedora de um pé de baru é testemunha do crime”.
Atente-se para a metáfora do pé de baru, ali, com força testemunhal. Então a voz narradora cria dinâmica imagem ao reunir, num mesmo foco, o contraponto das forças-símbolo daquele sertão: o impacto opressor , representado pelo poder do homem e a imponente e forte inocência da natureza, que, como a voz do povo dominado, tinha de ser calada.
A derrubada da árvore-testemunha, cuja presença incomodava os grandes da terra, teria de ser levada a cabo? Que peso teria, na força dos acontecimentos?
Então, a voz narradora esboça o arremate fatalista:
“ Desta forma triunfava feroz o feudalismo sertanejo dos coronéis arrogantes do sertão “ . P. 138.

No final do livro, a servir o leitor, o indispensável glossário, e mais opiniões críticas valiosas sobre a obra do autor.

MOEMA DE CASTRO E SILVA OLIVAL







MOURA LIMA
A VOZ PONTUAL DA ALMA TOCANTINENSE




Ensaio crítico-historiográfico



ENSAIO 2003




CO-EDIÇÃO UNIRG/FAFICH





















Copyright by Moema de Castro e Silva Olival

Reservados os direitos de reprodução
para todos os países.

Capa:
Desenho Djow

Diagramação:
José Wilson da Silva Ribeiro

Editoração Eletrônica:
José Wilson da Silva Ribeiro


FICHA CATALOGRÁFICA

Olival, Moema de Castro e Silva.
MOURA LIMA: A Voz Pontual da Alma Tocantinense, por Moema de Castro e Silva Olival – Gurupi: Gráfica e Editora Cometa, P. 118 - 1ª Edição – 2003.

1. Literatura Brasileira ENSAIO.
2. Século 21: ENSAIO: Crítica Literária.
Organização da coletânea : Gráfica e Editora Cometa

I. Título
CDU: 869.0(817.32)-34




SUMÁRIO


Prefácio - Mario Martins.................................................................06
Apresentação da obra do escritor Moura Lima
— traços biográfico.......................................................................08
Introdução....................................................................................17
A Obra Mouriana ...........................................................................18
O mundo contístico. Estilização e Oralidade......................................21
Ficção e História em Moura Lima....................................................25
Estrutura Narrativa de Serra dos Pilões............................................27
Personagem e Ação... .....................................................................29
Espaço e Tempo..............................................................................33 estilísticos.............................................................34
Leitura Crítica de Chão das Carabinas..............................................36
Temática..........................................................................................37
Manejo da Linguagem......................................................................41
Espaço e Tempo..............................................................................42
Conclusão.......................................................................................44
Seleção de Texto da obra de Moura Lima.........................................45
Fortuna Crítica: Assis Brasil, Clóvis Moura, Stella Leonardos. Aluysio Sampaio ,
William Palha Dias. José Mendonça Teles, Mário Martins, Adrião Neto...................................................................................95
Referências Bibliográficas................................................................103
Curriculum Sucinto da Autora...........................................................116











A CONSTRUÇÃO DO ROMANCE EM MOURA LIMA
MÁRIO MARTINS








“MOURA LIMA-A VOZ PONTUAL DA ALMA TOCANTINENSE”, este é o título do novíssimo livro de MOEMA DE CASTRO E SILVA OLIVAL (Goiana, de Goiás Velho, 1932). Figura das mais ilustres da literatura goiana. Filha de Colemar Natal e Silva. Neta de Eurídice Natal e Silva. Bisneta de Joaquim Xavier GUIMARÃES NATAL. Este, aliás, único goiano até hoje(2003), Ministro do Supremo Tribunal Federal e nome de Rua em Copacabana, no Rio de Janeiro. Seu bisavô recebeu o sobrenome NATAL, em virtude de ter nascido no dia 25 de dezembro de 1860, na antiga Vila Boa, hoje Cidade de Goiás.
Moema de Castro e Silva Olival, já foi estudada na ENCICLOPÉDIA DE LITERATURA BRASILEIRA, de Afrânio Coutinho e J. Galante, com edição revista e atualizada por Graça Coutinho e Rita Moutinho, em 2001. É também verbete do livro ENSAÍSTAS BRASILEIRAS, de Heloísa Buarque de Hollanda e Lúcia Nascimento e também do DICIONÁRIO DE MULHERES, de Hilda Agnes Hubner Flores, bem como ainda do DICIONÁRIO DO ESCRITOR GOIANO, de José Mendonça Teles e mais ainda do DICIONÁRIO BIOBIBLIOGRÁFICO DE GOIÁS, de Mário Ribeiro Martins, bem como do DICIONÁRIO BIOBIBLIOGRÁFICO REGIONAL DO BRASIL, via INTERNET, dentro de ENSAIO, no site www.usinadeletras.com.br.
Pois bem, é exatamente esta figura ilustre, Professora aposentada da Universidade Federal de Goiás, membro da Academia Goiana de Letras e Doutora em Letras Clássicas e Vernáculas, pela Universidade de São Paulo, que acaba de produzir tão significativa obra. Moura Lima é hoje um dos maiores nomes da literatura nacional. Morasse ele no eixo RIO/SÃO PAULO já teria sido, certamente, um dos nomes recomendados pela revista VEJA, em sua coluna especializada.
Moura Lima é o escritor referência do Tocantins, pois, com o seu romance Serra dos Pilões –Jagunços e Tropeiros, depois de ser ungido pela crítica autorizado do país, teve o mérito de colocar o Estado do Tocantins no mapa da literatura Brasileira.
Com o ensaio, “MOURA LIMA- A VOZ PONTUAL DA ALMA TOCANTINENSE”, a ilustre titular da Academia Brasileira de Filologia e festejada crítica brasileira Moema de Castro e Silva Olival, apresenta um dos mais bem elaborados estudos da obra romanesca e contística do escritor tocantinense Moura Lima, a partir dos romances SERRA DOS PILÕES, CHÃO DAS CARABINAS e dos livros de contos VEREDÃO, MUCUNÃ e NEGRO D`ÁGUA.
Embora seja este o segundo estudo acadêmico em que o autor tocantinense é contemplado, sendo o primeiro do crítico brasileiro Francisco Miguel, com o título “MOURA LIMA-DO ROMANCE AO CONTO- TRAVESSIA FECUNDA PELOS SERTÕES DE GOIÁS E TOCANTINS”, a brilhante crítica goiana, apoiada em profícua experiência literária, após criterioso desmonte da arquitetura verbal da obra mouriana, recupera a unidade dos textos, “farolando-os” por dentro, para facilitar a decodificação que norteia a engrenagem latente de seu mecanismo criador.
Assim sendo, a notável crítica, para robustecer o processo investigativo literário, procurou firmar-se na visão transfenominal do mosaico romanesco mouriano, ungindo-o à reflexão do estrato original das obras em estudos, ou seja – o afloramento das qualidades metafísicas – que acompanha o pulsar da fenomelogia materializada à transposição da linguagem, na estrita observância dos elementos que são capazes de movimentar uma metalinguagem aderida pelo autor à elaboração de seu projeto ficcional.
Portanto, o riquíssimo estudo da Professora Moema de Castro, além de instruir o processo investigativo da criação narrativa de Moura Lima, ministra lições profundas de como deve ser o procedimento do estudo de uma obra literária, cumprindo assim, uma etapa analítica e outra didática, de grande alcance. Observa-se, por exemplo, por dentro de sua investigação literária, um manejo sólido da bibliografia abundante e vasta, sem intenções preconcebidas de rebuscamentos eruditos agressivos. Em Moema de Castro, tudo é analisado à luz do próprio texto!


Mário Ribeiro Martins é membro da Academia
Goiana e da A




















APRESENTAÇÃO

DADOS BIOGRÁFICOS DO ESCRITOR
MOURA LIMA.




Ao abrir o presente ensaio, alguns esclarecimentos preliminares se fazem necessários para que nos situemos no contexto histórico da obra de Moura Lima, começando pelos seus dados biográficos. O romancista JORGE LIMA DE MOURA (literariamente Moura Lima) nasceu em 2 de dezembro de 1950, na fazenda Capim-Puba, localizada nas proximidades de um vilarejo denominado Capelinha (hoje Heitoraí), distrito de Itaberaí, situado às margens do rio Uru, extremando com Goiás Velho e os sertões do Vale do São Patrício, no Estado de Goiás.
Nessa fazenda e nos arredores do povoado passou a infância e a adolescência, juntamente com seu pai, Guiomar Rodrigues de Moura, natural do Norte de Goiás, antigo Descoberto, hoje Porangatu, e de sua mãe, Conceição Lima de Moura, nascida em Igarapava, São Paulo, tendo sempre presente à avó, Doralice Rodrigues Prateado, e a imagem do avô paterno, Pedro de Moura Alencar, de Chapada do Corisco – Teresina-Piauí.
E, nas palavras do próprio escritor: “– Meu avô paterno cruzou esse chão bruto do Nortão de Goiás, hoje Tocantins, provindo do Piauí, nos idos de 1915, no lombo de burro, seguindo pelos trilheiros machucados pelos cascos das tropas e das boiadas, ao tilintar das esporas no arco de ferro, dos cincerros e do estalar da taca, e foi bater com os costados em Descoberto (Porangatu), nas margens do rio do Ouro, onde situou a sua fazenda de gado. Posteriormente, acompanhou o meu bisavô, Coronel José Rodrigues Prateado, de muda para Amaro Leite. E ali, nos chapadões e descampados das vertentes do rio Macaco, veio a falecer a 1º de julho de 1923”.
Moura Lima retrata, com orgulho, a sua infância bem vivida, na fazenda Capim-Puba, de seu pai, afirmando:
“– Nasci na era dos carros de boi, e ali na labuta do dia-a-dia, por aqueles rincões, fui candeeiro de meu pai, por caminhos esbrugados e baixadões”.
“Moura Lima com essa bagagem genética tocantinense, tornou-se um dos maiores nomes da literatura regional do Estado, pois com seu romance Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros, recebeu os aplausos dos meios intelectuais de Goiás e de grandes nomes da literatura brasileira.
Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros foi enviado pela Universidade do Tocantins para Central Connecticut State University (Biblioteca Central de Connecticut U.S.A.), que solicitara ao Governo do Tocantins obras de divulgação sobre o Estado, como também foi para o Japão.
Moura Lima é autor do primeiro romance do Estado do Tocantins Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros, pesquisador incansável, possui um acervo respeitável do que ocorreu nos últimos cem anos, nesta região (Tocantins). Mergulha sempre na poeira dos arquivos, para resgatar os nossos costumes e tradições. E tem uma particularidade interessante: não é escritor regionalista de gabinete, mas, sim, de campo, pois já andou em toda nossa base territorial e conhece bem nossa fauna, flora e o linguajar do nosso sertanejo. Sentiu de perto o cheiro da terra, dos ribeirões e das nossas matas ciliares. Aí está o segredo da seriedade da criação literária de Moura Lima, que soma aos seus estudos lingüísticos e de semântica o falar vigoroso de nosso sertanejo ao conhecimento “in loco” da nossa realidade histórico-social e antropológica. (in Jornal Folha da Cidade).”
Moura Lima é casado com Alvininha Queiroz de Moura. Tem dois filhos: Leonardo Queiroz de Moura e Rodrigo Jorge Queiroz de Moura.
Fez os estudos preliminares na fazenda, em Uruana, Trindade, Itaberaí, e o clássico, em Goiânia. Iniciou seu curso de Direito em Anápolis, (1980), na Universidade Evangélica, vindo a conclui-lo na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas de Gurupi, em 1989, no Estado do Tocantins. Foi escolhido e eleito orador da turma. Além de bacharel, advogado militante, é pós-graduado em Língua Portuguesa pela Universidade de São Gonçalo – FISG-RJ, agrimensor e técnico em agropecuária. É estudioso da Arte Real e recebeu o grau máximo da maçonaria brasileira, ou seja, grau 33, outorgado pelo Supremo Conselho do Brasil – Grande Oriente do Brasil. É necessário salientar que Moura Lima detém uma relevante folha de serviços prestados ao Tocantins, como servidor do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária-INCRA, onde foi Executor do Projeto Fundiário de Gurupi, Chefe da Administração e Presidente da Comissão Permanente de Licitação de Terras Devolutas da União, no Estado de Goiás, atuando especialmente na então Região Norte de Goiás, hoje base territorial do Estado do Tocantins.
É membro fundador da Academia de Letras do Estado do Tocantins, cadeira n. º 15 (ex-vice-presidente), e membro do Instituto Histórico e Geográfico, também do Conselho de Cultura do Tocantins; pertence à Academia Piauiense de Letras, como membro correspondente. Possui vários artigos publicados em jornais e revistas. Recebeu o diploma “Personalidade Cultural” da União Brasileira de Escritores / Rio de Janeiro, por serviços prestados à Cultura Brasileira, em solenidade no auditório da Academia Brasileira de Letras.
Por força do Decreto Legislativo n. º 01/96, a Câmara Municipal de Gurupi concedeu-lhe o título honorífico de Cidadão Gurupiense.
Moura Lima busca construir seu mundo virtual estilizando, na expressão, a norma popular regional, com a qual conviveu desde sua origem, tarefa que lhe foi facilitada graças à continuidade no trabalho fundiário, o que lhe permitiu conquistar e ampliar a vivência no referido campo, graças à árdua tarefa de andar por todo o sertão do Norte de Goiás, ora pelos trilheiros, no lombo dos matungos, ora pelos chapadões, ou de canoa pelo rio Tocantins. Assim, constitui-se autor regionalista de mão-cheia que, não obstante ser registrado civilmente como Jorge Lima de Moura, assina seus trabalhos com o nome literário de Moura Lima.
Moura Lima, contista, ensaísta, folclorista e romancista, vem-se dedicando, pois, com afinco e talento, a escrever (e reescrever) suas obras em linguagem amalgamada pela própria experiência de vida, portanto fiel ao húmus da terra goiano-tocantinense, seu natural habitat, em busca de uma forma legítima e criativa de expressão, embora reconheça que a perfeição é, tão-somente, um ideal a perseguir. Na sua labuta de escritor, visando atingir o âmago de seu projeto como romancista e contista de sua região, vai adquirindo autoridade para tanto, uma vez que a realidade lhe está de tal maneira entranhada na sua vivência de escritor, que a matéria de sua obra—homem, fauna flora, perfis, mitos, crenças— palpita com a intensidade que só a experiência pode esculpir.


PREMIAÇÕES RECEBIDAS PELO ESCRITOR MOURA LIMA

Prêmio de Literatura – SESI-TO/95.
Prêmio “Destaque do Ano” – Literatura – Rádio Tocantins FM – Romance.
Serra dos Pilões, como a melhor obra produzida no Tocantins – Gênero Romance – 1995.
Prêmio “Personalidade Cultural” – UBE-RJ / 1999.
Prêmio “Malba Tahan” de Literatura / 2000 do Concurso dos 500 anos, da Academia Carioca de Letras e União Brasileira de Escritores-RJ.
Obra: Veredão – Contos Regionais e Folclóricos.
Prêmio “Profº Joaquim Norberto” / 2001, do Concurso Nacional da UBE-RJ.
Obra: Mucunã – Contos e Lendas do Sertão.

OBRAS QUE FAZEM REFERÊNCIA A MOURA LIMA:

Enciclopédia de Literatura Brasileira – Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa. Ministério da Educação/FAE, 2ª Ed., Rio, 2001.
Antologia de Autores Tocantinenses – Márcio Barcelos e Erlene S. Dias. Ed. Kelps, Goiânia-GO, 2000.
Dicionário de Folcloristas Brasileiros, 2ª Edição /Kelps, Goiânia-GO, 2000, Mário Souto Maior.
Dicionário do Escritor Goiano – José Mendonça Teles. Kelps, Goiânia-GO, 2000.
Dicionário Biobibliográfico de Goiás – Mário R. Martins. Master, RJ, 1999.
Dicionário Biobibliográfico do Tocantins – Kelps, Goiânia-GO, 2000, Mário R. Martins.
Dicionário Tocantinense de Termos e Expressões AFINS – Cartográfica, Palmas-TO, 1997, Liberato Póvoa.
icionário Biobibliográfico de Escritores Brasileiros Contemporâneos – Adrião Neto. Teresina-PI, 1998.
Fazer o Piauí – Crônicas do Meio-Norte – Enéas Athanázio – Ed. Minarete, 2000 – Santa Catarina.
Coletânea – Escritores Brasileiros em Prosa – Adrião Neto. Teresina-PI, 1999.
O Romance de Moura Lima – Estudo Literário – Ana Braga. (Inédito)
Apocalipse – Espécie Terminal – Assis Brasil/2001- IMAGO/RJ.
Literatura Piauiense para estudantes – Adrião Neto. Teresina-PI, 2000.
Documentário jornalístico literário sobre “Serra dos Pilões” – Produção Sunrise Vídeo – Tocantins. Antologia Poética – Prêmio de Literatura SESI – Tocantins, 1995.
Moura Lima: Do Romance ao Conto – Travessia Fecunda pelos Sertões de Goiás e Tocantins (Ensaio) – Francisco Miguel de Moura/2002 – Cometa/TO).
Moura Lima: A voz pontual da Alma Tocantinense (Ensaio) - Moema de Castro e Silva Olival - Editora Cometa/TO- 2003.



OBRAS DO AUTOR

Poemas Errantes – 1971. Ed. Elite, Goiânia-GO, 1971.
Sargentão do Beco – Peça Teatral – 1971. Graf. Sousa, Itaberai-GO, 1971.
Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros (primeiro romance do Estado do Tocantins) – 1ª ed. 1995 (esgotada); 2ª ed. 1996 (vestibular FAFICH-TO – esgotada); 3ª ed., Revista e Ampliada - 2001. Editora Cometa-Gurupi-TO.
Pelos Sertões do Piauí - Ensaio / Revista / Cadernos de Teresina, nº 27, Dez. / 1997.
Veredão – Contos regionais e folclóricos - 1ª ed. 1999, Ed. Cometa (vestibular FAFICH-TO), ESGOTADO.
Alvina Gameiro – Ensaio, publicado no Jornal Meio Norte (Encarte), 2001, Teresina-PI.
Mucunã – Contos e Lendas do Sertão. Ed. Cometa, Gurupi-TO, 2000 (vestibular FAFICH-TO), esgotada.

Chão das Carabinas – Coronéis, Peões e Boiadas. Romance, Ed. Cometa, Gurupi-TO, 1ª ed., 2002.
Negro D’Água – Lendas e Mitos do Tocantins. Contos – Ed. Cometa, Gurupi-TO, 2003.

INÉDITOS:
O Caminho das Tropas – Revoltosos, Peões e Boiadas (Romance).
Dicionário de Termos e Expressões Populares do Tocantins.
Solidões do Araguaia (Romance).
O Canto da Seriema (Romance).
Egrégora Poética.















INTRODUÇÃO


“O ódio do povo era represa que se enchia. Tomava força devagarinho de nascentes desconhecidas, à espera de alguém que lhe abrisse as comportas”.Eli Brasiliense, in Rio Turuna.
“O mito é a verdade do coração: pensamento: pensamor”. Guimarães Rosa.


Mais uma obra literária regionalista? Um novo Bernardo Guimarães, com o estudo do garimpeiro nas regiões centrais, ou um Afonso Arinos, com seus bem delineados tipos e paisagens sertanejos, ou um Hugo de Carvalho Ramos, o pioneiro na tradução de “nossas primeiras gestas”, ou um Bernardo Élis, narrador épico desse nosso “chão analfabeto”, ou Eli Brasiliense, no acendrado amor ao seu torrão tocantinense, — que, à época, também era goiano—remexendo nos respectivos valores, mitos e mecanismos interiores de suas personagens sertanejas, ou Carmo Bernardo, o mestre de nossos “ causos” regionais, na profunda vivência do potencial ecológico do “ hinterland” goiano, todos, amálgama vital das vozes palpitantes e desconhecidas desse Brasil Central? Ou, então, um Adonias Filho, do recôncavo baiano, ou Guimarães Rosa, dos Gerais mineiros, ou Graciliano Ramos, o épico da “ vida retirante” do nordeste, ou Simões Lopes Neto, nos registros contísticos dos pampas gaúchos?

Algo de forte, marcante, irrompe para nós, agora, nessa trilha. Não tem, surpreendentemente, o objetivo, apenas, de imprimir continuidade no desvelar da região interiorana, em tomada conjunta de seus valores vitais, e apanhada como bloco único, como o fizeram seus antecessores, mas, agora, acompanhando o fato histórico da divisão dos territórios Goiás-Tocantins, projeta-se, em iniciativa pioneira, a ser a primeira manifestação oficial, dramatizada—através de contos, “ causos”, lendas, mitos, romances— da alma tocantinense. O pioneirismo fundamenta-se, exatamente, no dado político-administrativo de sua autonomia política, não podendo escapar, no entanto, da unidade de um substrato mítico comum que ainda imprime selo goiano a essa alma do novo Estado, sem dúvida enriquecida por algumas peculiari afeitas ao ritmo de vida da região.
Assim é que “flashes” de primitivismo selvagem, decorrentes da ignorância e do abandono político-administrativo desses “ fundões”, atrocidades, bravuras, grandezas e pequenês de alma surpreendentes, variações do que, se já era tradição no sertão brasileiro, adquire, agora, com Jorge Lima de Moura ( nome literário: Moura Lima), feições peculiares, muitas vezes, particularizações históricas da alma de uma região, expostas nas suas lendas, mitos, riquezas ecológicas, como a Serra dos Pilões, a do Jalapão, etc. Envolve, ainda, os rios, seus mistérios e curiosidades intrigantes que alimentam, não só a fertilidade ambiental, quanto o imaginário local, este, enriquecido matiz do substrato comum, já mencionado acima, burilando o perfil de seus heróis e anti-heróis.
Se sabemos, com Ferdinand de Saussure—apud Alfredo Margarido, da Universidade de Lisboa1 —que “ Os costumes de uma nação exercem pressão sobre a sua língua e, por outro lado, é, numa larga medida, a língua que faz a nação”, não podemos, usuários da Língua Portuguesa no ( e do) Brasil, menosprezar o extraordinário acervo do falar peculiar de uma determinada região, no caso, da região do Tocantins, em emprego estilizado pelo escritor, dentro da sábia orientação que presidiu ao lavor literário de alguns de nossos regionalistas, à frente Bernardo Élis, sobre cuja técnica, na busca da melhor exegese da respectiva obra, evocamos a orientação de Antonio Cândido2 , no seu ensaio sobre “ I Malavoglia”: “ Nenhuma maneira melhor há de se aproximar de um povo, senão através do ritmo profundo de sua vida que é a sua fala”. Deste modo, chamamos atenção para o papel desempenhado pelo apelo que Moura Lima faz ao ritmo de seu povo, demonstrado pelos abundantes modismos, torneios frasais, construções peculiares, léxicas, sintáticas, e sobretudo semânticas, a colorirem, com a pulsação da vida regional, o seu texto narrativo. Por vezes, tão inusitadas para nós, que soam como páginas estrangeiras. Aliás, o autor, prevenido, nos oferece glossários esclarecedores, já havendo elaborado um Dicionário de Termos e Expressões Populares do Tocantins.


A OBRA MOURIANA

Embora, neste momento, nosso objetivo maior seja a leitura crítica dos romances de Moura Lima, façamos algumas observações básicas sobre sua obra contística, que, até este momento, maio de 2003, abrange os livros:

—Veredão. Contos regionais e folclóricos. I ed. 1999. Gurupi: Multigraf Araújo, 1999. Prefácio de Eduardo Campos

— Mucunã. Contos e Lendas do Sertão. I ed. Gurupi, Gráfica Cometa, 2000.

—Negro dÁgua. Mitos e Lendas do Tocantins. Contos. Gurupi: Gráfica e Editora Cometa. I ed. 2003.

1 Margarido, Alfredo. Revista da Academia Brasileira de Filologia, ano I, n. I, nova fase, 2002, p. 9.
2 Cândido, Antonio. “ I Malavoglia” in Língua e Leitura. Gráfica da Universidade de São Paulo, 72






O MUNDO CONTÍSTICO. ESTILIZAÇÃO E ORALIDADE



Quanto aos livros designados como de contos, teríamos a observar: Moura Lima foi previdente ao colocar, junto à designação “conto”, a possibilidade de referência a outras formas narrativas, uma vez que, muitas das lendas e mitos, matéria rica do folclore regional, nos vêm na forma simples das seqüências narrativas espontâneas (causos), sem elaboração estrutural da forma, exigência necessária no conto.

Porque, hoje, já se consolida a diferença. A princípio, pode parecer tratar-se de mera formalidade terminológica, mas, na verdade, entra-se em terreno da crítica contemporânea.

Se Mário de Andrade teria sido o responsável por uma definição liberada do conto: “ tudo aquilo que o autor designa como tal”, preocupações atuais—tendo em vista a estrutura do texto e a consciência crítica do leitor, objetivando seu alcance no processo da decodificação-procuram estabelecer características pontuais que possam distingui-lo de uma forma narrativa simples, ou mesmo da crônica, gênero limítrofe.

Assim, em nosso último livro O Espaço da Crítica II: A Crônica: dimensão literária e implicações dialéticas (2002 )3 , procuramos refletir sobre o assunto e, com apoio em Julio Cortázar, posicionamo-nos a respeito, tomando-o como uma narrativa intuída, sem dúvida, mas estruturalmente armada em óptica subjetiva, concisa, com unidade nuclear de seus elementos formais, sobretudo do ponto- de- vista, exigindo domínio criativo dos recursos da linguagem.

No conto, segundo o crítico argentino, “ deve-se buscar nocautear o leitor, deixando-o chapado da primeira à última linha”. ( Valise de Cronópio, 1974, ).4

Por isso, reiteramos o aspecto louvável da medida preventiva do englobando formas simples e espontâneas, sustentadas na oralidade da região. Ainda nessa circunstância, não se pode ignorar a forma saborosa, fluida da voz narrativa do escritor, como, no livro Negro d´Água, “ Lenda da Origem do Povo de Carajá”, ou, o próprio conto “ Negro d´Água”, este último incluído tanto no livro homônimo, quanto em Mucunã e Veredão, como também, em Mucunã, os contos “ Mula-sem-cabeça”, ou “ Lobisomem” e outros. Aliás, este foi um recurso largamente usado no último livro de Moura Lima, Negro D´água. (2002-03),que ostenta o título de um de seus livros, como já demonstrado, sendo, portanto uma técnica recorrente do escritor. Por exemplo: de Veredão, (1999), anotamos a repetição de três contos, a saber: “ Assombração”, “ O Iluminado” e, conforme o já mencionado: “ Negro d´Água”. E de Mucunã (2000), quatro contos: “Mula-Sem-Cabeça”, “Lobisomem”, “Do Corte de Faca veio a salvação”, e “A Tocaia”.
Como curiosidade, então,o fato de os títulos dos livros de contos adotarem, sempre, o nome de um dos seus contos.
.
Em Veredão, que segue o ritual acima mencionado, sendo o conto homônimo um dos melhores do livro, prevalece a referida forma narrativa.
Assim, este conto “ Veredão” perfila-se, ao lado de outros extensos ( quase novelas) como “ O canto da seriema” que, aliás, parece-nos, seja o núcleo de um futuro romance, opinião partilhada pelo crítico literário Francisco Miguel, membro da Academia Piauiense de Letras, em seu texto crítico publicado em Folha da Cidade-Gurupi, 28/3/02, em que nos fala dos novos projetos de Moura Lima e menciona O Caminho das Tropas e Canto de Seriema.
No referido conto, como, também, em “ Tropeiros do Jalapão”, ou em
“O Jaguaretê da Mão Torta”, por exemplo, sensibiliza-nos a profunda experiência revelada pelo narrador em relação à sua realidade que passa a alimentar, de maneira substanciosa, a narrativa, tornando-a, ainda que ficcionalmente, documental.
Também, encanta-nos o processo de mediação de sua linguagem regionalista, apanhada num recurso estilizado, conforme já dissemos, e percuciente, a ponto de ser capaz de energizar o relato, para cujo fato contribuiu, de maneira enriquecedora, o extraordinário acervo de expressões regionais, modismos, ditados populares, que ajudaram a singularizar as imagens do sertão tocantinense. E quanto ao processo da transcrição da oralidade, não se trata, como afirmamos também a respeito de Bernardo Élis, da transcrição ipsis litteris da fala regional, mas de seu aproveitamento literário, capaz de traduzir a ideologia do escritor. Vejamos.
No caso de Bernardo Élis, a ideologia traduziria projeto reivindicatório, com matizes de um discurso político-social, veiculando voz de protesto em favor de um povo-de seu povo-“ desguarnecido” das condições essenciais de sua cidadania. Nele, sintagmas como “ chão analfabeto”, ou “ chão parado” teriam o propósito de estigmatizar a realidade enfocada. Na curva dos processos de mediação da fala, Bernardo Élis aperfeiçoou-se, indo de um estágio mais incipiente, centrado nas deformações vocabulares, do falar regional, registros que vinham entre aspas, como receoso de enfrentar o julgamento de seus leitores de então, que poderiam julgá-lo desconhecedor das normas cultas, cuidado revelado em Ermos e Gerais (1944), atingindo, depois, em Veranico de Janeiro,(1966) ponto alto nessa técnica que abraçou, com inteira liberdade, de maneira, até, desabusada, colorindo com ela seu texto narrativo, inclusive, mas já se direcionando para a primazia ao ritmo, modismos e construções da oralidade, seguindo as novas tendências nacionais. Mostra esse traço, também, em Apenas um Violão, livro de contos bem posterior (1984), como a ver, no ritmo da oralidade, o toque fiel para traduzir a alma regional. Mas, em Caminhos e descaminhos, (1965), com alguns de seus mais belos contos, como “Ontem, como hoje, como amanhã, como depois”, mais tarde adaptado para o cinema e a televisão, no curta- metragem Índia, a filha do Sol, ou “Uma certa porta”, encontrávamos um Bernardo mais preocupado com o burilamento estético no emprego dessa oralidade, buscando traduzir o regional, mais na temática, que nos recursos acima apontados. Se bem que, o que o caracterizou como escritor da oralidade tenha sido, exatamente, o fato de se tornar seu grande intérprete, ora fazendo, dela, elemento delineador de sua proposta literária, no intento de traduzir a alma regional, ou, então de transformá-la em recursos de estrutura mimética, responsável, por exemplo, pela frase plástica, ou rítmica, esboçadora de imagens dinâmicas, como se vê em Apenas um violão, no conto “ Explosão demográfica (minueto em fó menor)”,em que Bernardo cria, literariamente, ritmicamente, um texto musical, formal e tematicamente tecido em torno da fome. ( Não se esquecer que, na época, 1984, havia uma cruzada universal em favor dos famintos da Etiópia. Quem não se lembra de artistas do mundo todo, em coro internacional, cantando “ We are the worl.”?)5
Bem, a digressão em torno dos recursos de oralidade empregados por Bernardo Élis, o introdutor, em Goiás, dos moldes de sintaxe divulgados pelo Modernismo, tem o objetivo de situar melhor Moura Lima nesse espaço, em que se distingue, não só pelo tom reivindicatório de sua proposta, ainda que mais direcionada ao ataque à pressão política de certos coronéis, em especial à força política dominante no Estado, do que voltada para as angústias do ser humano sujeito a esses regimes de opressão, campo privilegiado de Bernardo Élis. Acrescentaria, a esta observação, um toque muito gratificante que nos oferece Moura Lima: o de indisfarçável ufanismo pelaliparece ansioso em ter registrada, para a história, a autenticidade de seu torrão natal , de suas atividades peculiares: tropeiros, vaqueiros- jagunços, de suas lendas e belas paisagens. Ama seu torrão e, disso, nos torna, a seus leitores, participantes. E isto parece transmitir à sua obra um peso histórico-documental ( preocupação com o registro), quase tão forte quanto o propriamente, político-social. ( preocupação com a denúncia). Neste item, transparece, forte, uma voz acusadora, um alter-ego do autor, a qual aponta para as arbitrariedades e as pressões políticas, atitude registrada nos fatos e em ardis da trama, ( ver metáfora da árvore baru, por exemplo) mas, não em jogos da expressão linguística como em Bernardo Élis, ( Chão analfabeto, Sol macho, etc)
Moura Lima, sem dúvida, ocupa, com denodo, o pódio da literatura tocantinense, projetando-se à condição de primeiro romancista e tradutor da alma do novo Estado..

E, se com Mattoso Câmara Jr, sabemos que a língua é em si mesma um dado cultural, queremos insistir em mostrar que a “ciência” do autor- narrador, na interpretação de uma realidade regional , através do seu processo de mediação, não precisa valer-se da fidelidade do gravador, mas, sim, do colorido da “ sugerência” literária, de cujo grau, maior ou menos, retiraremos nossa avaliação sobre o autor e seu potencial de criatividade.

Então é preciosa a literatura de Moura Lima, não só pelo vigor de suas tintas literárias, quanto pelo esforço de registrar, antes que se perca, na inevitável trajetória da caminhada histórica rumo à globalização, a autenticidade do perfil de seu rincão.

Tanto nos contos, quanto nos romances, Moura Lima trabalha a vida “ tão barata” do sertão, vida que ainda se alimenta do perigo, da violência, da ousadia, da coragem. Vida em que as noções de honra são estrelas fugazes, num céu de selvagerias, confrontos, frutos do abandono das leis e dos direitos legais que devem amparar o cidadão.


3 Olival, Moema de Castro e Silva. O Espaço da Crítica II: A Crônica- dimensão literária e implicacões dialéticas. Goiânia: Editora Kelps, 2002.
4Cortázar, Júlio. Valise de Cronópio. São Paulo: Editora Perspectiva, 1974,, p..70.
5 Apud Olival, Moema de Castro e Silva . In O Espaço da Crítica. Goiânia: Editora da Universidade Federal de Goiás, 1998, p. 156.





Ficção e História em Moura Lima.


Como romancista, o nosso escritor abraça o filão histórico. Se Tolstoi já pregava:
“ se queres ser universal, fala de sua aldeia”, encontramos, na ficção de Moura Lima, no potencial arregimentador de sua realidade regional, apanhada numa feliz confluência de dado histórico, talento criador e imaginação poética, encontramos, pois, fiel amostragem de um protótipo de literatura regional: a tocantinense. O autor aponta, para a posteridade, o perfil da alma tocantinense, a partir da feição de seu povo, de sua geografia, ecologia, fauna, flora, rios, de sua cultura, de sua linguagem. E, no trazer a fala de sua região, abre, para os estudos filológicos de caráter dialetal, rico filão, sobretudo, como já afirmamos, nos registros dos modismos e expressões peculiares, intérpretes de sua cultura.
Os romances: Serra dos Pilões (1995; 1996; 2001) e Chão das Carabinas ( 2002) são históricos, na medida em que “ o saber” de que lançam mão é retirado da história.
Serra dos Pilões registra a tragédia da Vila de Pedro Afonso e a perseguição, pelas terras do Jalapão, dos jagunços responsáveis. Chão das Carabinas traz a história sangrenta da Vila do Peixe. Ambos valem-se dos registros históricos, no que diz respeito aos dados da ação e à categoria sócio-cultural dos vultos mencionados, mas, como criação ficcional, constroem a sua “ verdade”.
Porque, sabemos, a partir do momento em que se tece a ficção, não haverá mais a preocupação em torno do rigor da “ verdade histórica”. O que importa é a “ verdade do universo ficcional” cuja trama, quanto à eficiência de sua “ urdidura”, depende do talento de escritor.

Aliás, sobre a relação Ficção e História, muito já se escreveu. Nós mesmos, no ensaio crítico “ Ficção e História”6 , discorrendo sobre o terceiro romance de Bernardo Élis: Chegou o Governador7 , relembramos ser, este processo de união Ficção e História, uma das sete diretrizes básicas dentre as tendências do romance moderno no Brasil, conforme observações a respeito da matéria mencionada, feitas pela ensaísta e crítica Nelly Novaes Coelho.8 Só para relembrar, as demais tendências seriam: a que mescla ficção à memória; a ficção experimentalista; a “ desenvolta”; a do humanismo dramático, a do convívio cotidiano e a do húmus regionalista. E, interessante, frisa Nelly, estas tendências não são rigorosamente independentes. Alioura Lima que se situam nos espaços da primeira e da última, com breves incursões pelas segunda e quinta.



6 Apud Olival, Moema de Castro e Silva. Cadernos de Letras. Série Literatura Goiana, n.5, ano 1988, do ICHL- UFG, p.8.
7 Élis Bernardo. Chegou o Governador. Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1987.
Coelho, Nelly Novaes. Literatura e Linguagem: a obra lit







ESTRUTURA NARRATIVA DE SERRA DOS PILÕES




Vejamos, pois a estrutura narrativa de Serra do Pilões. Temática:
Quanto ao “ saber” histórico de que se utiliza, e que fundamenta sua temática, já ficou claro. Como ficção, recria, para seu mundo virtual, uma fase primitiva de nosso sertão-agora delimitado em novo Estado Federativo-cobrindo um espaço ilhado da civilização, e traz, como arquétipos soberanos daqueles “ fundões’, mitos primazes latentes no ser humano em ritmo de tocaia, aguardando oportunidades de manifestação, que surgem, muitas vezes, decorrentes de falhas dos sistemas governamentais que amparam o cidadão: violência, opressão, a injustiça, cobiça, ódios, vingança, etc. São perfis do homem regional, prisioneiro das circunstâncias político-sócio-culturais que o rodeiam, mas que dão mostras, ocasionais, é verdade, de seus anseios universais, como “ ser”.
Daí o realce do processo de transposição da “ fala” desse homem, a qual o situa no contexto nacional. Os dados mencionados permitem-nos sintetizar a temática do romance como: as forças político-sociais-culturais que movem o homem dos ermos do sertão tocantinense.
A respeito do livro que, como vimos, está em sua terceira edição, agora revista e ampliada, como romance de destaque do Tocantins, não poderíamos deixar de nos referirmos ao prêmio Personalidade Cultural conferido ao seu autor, pela UBE do Rio de Janeiro.
Vejamos algumas opiniões críticas, como a de Messias Tavares:
“ Uma saga de jagunços e tropeiros nos sertões do Jalapão. São quatrocentas páginas de pura emoção, pelo verde da paisagem soberba daqueles cafundós de chão bruto! (...)
Serra dos Pilões retrata, na sua bem estruturada fibra de romance regionalista, a alquimia da verdadeira criação literária: o sopro épico das grandes epopéias sertanejas, incorporando, de forma vigorosa, o folclore, a força dialetal tocantinense, o mundo turuna dos jagunços, o cenário agreste do Jalapão, no mapa literário do Brasil.”

E, a de Assis Brasil, romancista, crítico literário, colaborador do Suplemento Dominical dos principais jornais do país:
“ Serra dos Pilões atinge o seu alvo, como romance bem sucedido no contexto da Literatura Brasileira, ou seja, o de retratar um mundo interiorano e se realizar como obra de arte”.

Com certeza, partilhamos da opinião do sociólogo, ensaísta, escritor e crítico Clóvis Moura, expressa na apresentação de Serra dos Pilões, de que no romance regionalista, além do intuito de expressar uma região, deve-se ter fortemente delineada ( aliás, condição sine-qua-non da obra de arte) a expressão do poder criador do referido autor. Isto se configura através do processo de transfiguração e resulta em conjunção dinamizadora dos elementos estruturais da narrativa, sobretudo personagem e ação, sem minimizar o papel dado ao espaço e tempo, este, sobretudo, se for interior., aspecto não priorizado aqui, é preciso ressaltar.
Também reforçam esse ponto de vista Eli Brasiliense, no seu prefácio, um tanto tendencioso politicamente, mas apaixonado pela região que se incluía, à época, nas terras goianas, e que, embora administrativamente, jogada, agora, para outros limites geográficos, espelha, sem dúvida, muito da nossa cultura e, ainda, a poetisa Stella Leonardos que, no seu belo poema, nos traduz condições vitais da obra de Moura Lima, conseguindo espargir, com “ Repensando Serra dos Pilões”, intensos fluidos poéticos sobre as páginas épicas do romance em questão, como podemos constatar aqui: “ (...) —E as cores do populário?/ E o místico sincretismo?/ E o flagelo dos jagunços?—Das notas reais de outros tempos./— Só sei que o romance vosso,/ só sei que o talento vosso/ são mais que ficção e História./ Em nós rapsodos se tornam,/ rapsodiar inesquecível, / regionalista rapsódia./”

Interessante que toda a narrativa se move em terrenos do Jalapão, fato sempre mencionado, havendo, talvez, apenas uma referência específica à Serra dos Pilões, nome que acaba intitulando o livro. E por referir-se ao espaço da felicidade, quando capitão Labareda confidencia ao seu amor D. Bela: “ Também fui feliz na minha infância, lá na Serra dos Pilões”, não estaria este critério apontando a intenção de imprimir ao local uma imagem metafórica, capaz de extrapolar do terreno denotativo da indicação geográfica, para o único espaço sede desse sentimento, tão raro e tão inatingível naqueles rincões? O fato indicaria recurso de transfiguração, fruto do processo criativo do autor , e seu papel seria o d e tornar Serra dos Pilões símbolo do sentimento cuja busca vem embutida na temática, como meta a ser perseguida pelos filhos do Tocantins. A saber: Serra dos Pilões, símbolo da busca da realização, da felicidade. Daí o título. Sem dúvida, possibilidade bem criativa e enriquecedora.


Personagem e ação.



Instigante, para o leitor, o encontro com personagens já desvelados por outros de nossos regionalistas, como, por exemplo, Abílio Batata e Cipriano, vultos chaves de Bernardo Élis ( O Tronco) e Eli Brasiliense ( Uma Sombra no Fundo do Rio, Rio Turuna) e que, com Moura Lima, continuam a exibir suas lideranças nas violências e desatinos, sobretudo o primeiro, ou com inesperados gestos de generosidade, sobretudo o segundo.
Personagens— mola vital dos romances—planas, redondas, personagens de ação, ou melhor, de reação, na verdade, todas elas, constituindo, ainda que em contraponto, como neste romance, rotulado como de ação ( e aí entra a dosagem criativa do autor), marcos necessários para o equilíbrio do desenrolar da trama.
Referimo-nos a personagens de reação. Na verdade, situam-se assim, até mesmo alguns dos bandidos, se pensarmos bem uma vez que agem movidos pelo sentimento de “ revanche”, sob a compulsão do contexto selvagem, da ausência de leis, de civilização e de cultura. O acervo genético sendo a única bússola a explicar o maior ou menor potencial tanto de violência quanto de bravura que os distingue. Cipriano, por exemplo, um bandido fabricado pelas circunstâncias, mas possuidor de viscerais noções de honra e coragem, como tão bem nos dá mostra Eli Brasiliense, no primeiro capítulo do romance acima mencionado.
Assim, personagens se esboçam como bobinas vivas, em torno das quais se arregimenta, em alternância “ fabular” o encadeamento da ação ( intriga-trama).
E nelas, ou através delas, sente-se o vínculo com o substrato ficcional da região goiana, então abraçando o Tocantins.
Vejam bem que Abílio Batata é aquele mesmo facínora do romance O Tronco de Bernardo Élis, romance que teve, como palco, a região do “Duro”, hoje Dianópolis, em que famílias inteiras foram dizimadas sob sua ordem. E Cipriano, agora jagunço, é o mesmo personagem de Eli Brasiliense em Uma Sombra no Fundo do Rio. Aquele Cipriano que acreditava em justiça, que confiava na autoridade, e que, na invasão de Pedro Afonso, sob o jugo de Abílio Batata, sofreu uma das experiências mais cruéis que pode atingir o ser humano. Daí que, agora, com Moura Lima, já assumido como facínorabareda, no único intento de trucidar o autor de sua maior desgraça Abílio Batata.
No seu coração, e em sua cabeça, gravada em fogo, a cena do assassinato de sua mulher e filhos pelos milicos, sob o comando do maldito Abílio. Sua mulher, gestante de nove meses, teve seu ventre aberto pelos facínoras que jogavam para o alto, sob risadas, seu filho já prontinho para nascer, aparando-o, em seguida, na ponta da espada. Ali, naquele momento, nasceu um novo jagunço, cuja sede de vingança era direcionada aos causadores de sua tormenta, o que não o impedia, esporadicamente, de voltar a ser generoso.
É a reação a comandar a ação, a delinear conceitos. Assim é que a polícia, na boca do povo daquela região, encontra, da parte do velho Januário, no alto de sua experiência por aqueles rincões, a seguinte definição:
“ A polícia nada mais é que jagunços fardados que chegam, botando banca e descendo a mutamba em todo mundo.” P. 120
E, na busca dos culpados, personagens assumem a voz que traduz o alter-ego do autor, cuja linha política fica clara de começo ao fim, em julgamento sumário, independente do contexto de época, sem o qual, hoje, sabe-se impossível julgar o homem: toda a violência, para ele, é devida aos Caiados, cujo governo, para o autor, é, inapelavelmente, ditatorial e arbitrário, como se depreende das vozes que se manifestam a respeito.


Temos, em Serra dos Pilões, dois grupos de personagens que se contrapõem. O do Capitão Labareda, cujo braço forte é Cipriano e, também, o surpreendente Corta-Cabeça. Todos, imbuídos da missão de captar Abílio Batata e seu grupo, o qual, por sua vez, tem, no jagunço Cacheado, seu lugar-tenente.
É que a temática desse romance tem, por núcleo, a vingança contra os que promoveram a mortandade dos habitantes de Pedro Afonso, a sua destruição, isto em 1914,( marco histórico) sob a batuta do mencionado Abílio Batata, o facínora cruel que, com seu grupo, refugiou-se, depois, na região do Jalapão, para onde aponta a narrativa.
E a trama dessa empreitada, condicionando as ações, caminha em dupla direção : com movimentos de avanço e de recuo. De avanço, ritmo direcional, na decisão do Capitão Labareda, rumo ao seu objetivo de vingança: “ Vamos pra Serra do Jalapão, sepultar Alberto Cacheado” ( p. 226). E completa,em diálogo com o velho Bocório : “ A nossa missão, seu Bocório, é botar, de volta pra Bahia, os cabras de Abílio Batata, que vêm atormentando esta região.
Bocório, coçando o queixo, como se procurasse as palavras, responde ao Capitão:
- Esse socarrão do Cacheado vem há meses perturbando o povo desses pés de serra, Capitão. Os seus sabaceiros é um horror! Só deixam os cascos das fazendas.” P. 197.

De recuo, ritmo mnemônico, em jogo de memória, trazendo, por flashback, as lembranças das personagens que viveram intensas experiências do sertão, sobretudo as chocantes cenas da tomada de Pedro Afonso, como o relato do velho Cachoeira sobre as crueldades praticadas por Abílio Batata.(p.92).,
“ E lá fora os cacundeiros de Abílio Batata botavam fogo nas casas, subiam nos telhados e atiravam nas pessoas escondidas dentro dos quartos. Faziam pontaria de morte no povo correndo pelas ruas, e derrubavam na lapada do tiro. Na hora do ataque, muitos, atarentados do juízo, subiram em árvores pra se esconderem, e quando os jagunços descobriram, se divertiram pra valer, atirando nos coitados como se fossem passarinhos. E lá das grimpas derriavam no chão, como jenipapo, numa queda bruta de morte. Quem pôde correr passou o rio do Sono a nado, outros morreram afogados ou foram colhidos pelos tiros dos pingueleiros no barranco.” P. 80

Como afirmamos em O Processo Sintagmático na Obra Literária9 , e rastreando Polti ( in Les 36 situations dramatiques), em realidade, a ação adquire espontaneidade, maturidade, quando as personagens influem menos nela do que elas nas personagens.
Assim, podemos depreender, pela conduta das personagens de Moura Lima, ação e clima. E se a ação básica que movimenta a trama do romance se desenrola, como estamos vendo, em torno da tragédia da Vila de Pedro Afonso, em contrapartida, o núcleo fulcral de interesse se prende aos campos contrapontísticos representados pelas personagens já mencionadas: Abílio Batata, seu sequaz Cacheado, seu grupo, versus o capitão Labareda e sua gente de que emerge , como já demonstrado, o vulto de Cipriano- o homem forte, agora bandido pelas circunstâncias, além de jagunços peculiares como Corta-Cabeça, ou Boca-de-Sino. Destes dois, o primeiro, sobretudo, distingue-se como protótipo de um tipo do sertão: ponto-chave a potencializar simbólica e dramaticamente, a filosofia do romance que se entretece de força, em sua dupla estrutura: a física, a da violência, a ocupar, com primazia, a narrativa, e, mais discreta, a interior, a da fé, a do misticismo, e, até, da ternura, manifestações que, a nosso ver, se revelariam mais impactantes se carreadas por recursos estilísticos como o do Discurso Indireto Livre, que, aliás, aparece, ainda que timidamente, quanto à freqüência do emprego, sobretudo em Chão das Carabinas, por exemplo.

Corta-Cabeça, bárbaro e místico, é o núcleo centralizador da cona violência, e se destaca como o impulsionador do comportamento dos demais, para o bem e para o mal.
É o responsável por momentos particularmente dramáticos do livro. O primeiro, logo no início, quando comanda os rituais funerários do jagunço Pantaleão; o segundo, quando participa dos rituais iniciáticos da cigana— a velha mágica do acampamento—invadido por seu grupo, sob a chefia do Capitão Labareda. ( Ver p. 65).

A essas cenas, acrescentaria outras como a que revela a psiquê daqueles chefes: a do abandono do jagunço Beiço-de-Cangalha, um dos homens do grupo do Capitão Labareda, mas que, vítima de ataque epiléptico, foi abandonado, por ordem do capitão, nos ermos dos gerais, em gesto, para nós, os pretenciosamente civilizados, de extrema crueldade, mas, para eles, totalmente natural, evidenciando as prioridades dos valores frente às condições de luta a dirigir aqueles anti-heróis. Este o clima, fruto de mentalidades e de emoções, denunciando o móvel das ações, naqueles “ cafundós”.


9 Olival, Moema de Castro e Silva. O Processo Sintagmático na Obra Literária. Goiânia: Editora Oriente, 1976,p.175.



Espaço e tempo.




O espaço e o tempo se cristalizam num passado-presente contínuo; sem referências precisas, a região do Jalapão torna-se, num processo de operação transfiguradora, metonímica, o imenso palco de uma insidiosa saga épica: sertão dos coronéis, do povo ilhado da civilização, da cultura, imagem em viés da história, a filtrar realidades ainda presentes. Tempo que não conseguiu passar por inteiro. Presentificá-lo é ajudar a varrê-lo, em definitivo, dos tempos futuros. É apontar os estigmas por ele esculpidos na alma do povo e, assim, provocar reações. Aí, talvez, um dos grandes objetivos do autor.
Em nosso estudo sobre a obra de Bernardo Élis (1976) 1 0,evocamos Honoré de Balzac, quando, in A Solteirona, afirmava que as épocas tingem os homens e, também, citamos Raul H. Castagnino, in Tempo e Expressão Literária (1970, p. 36), quando, delineando as diretrizes da verdadeira criação ficcional, fixa-lhe o traço essencial, a saber: um ato de entrega ao antitempo, “ não se tratando simplesmente de negar-se o tempo, mas de submergir-se num tempo ausente em que nada teve princípio ou fim, pois tudo é um eterno recomeçar, um contínuo regresso ao princípio em que as coisas ocorrem simbolicamente nos idos imemoriais.”
Muitas vezes, na falta da indicação precisa do tempo objetivo no acontecer da ação, as personagens podem nos oferecer a oportunidade de acompanhar o desenrolar de seu tempo psicológico e subjetivo, que dão a medida de suas experiências vitais naquele momento, graças a técnicas como monólogo interior, ou, então, Discurso Indireto Livre, recurso, de certa maneira, freqüente em Bernardo Élis ou Graciliano Ramos, por exemplo.. Moura Lima parece preferir revelar, de maneira menos sofisticada, mais explícita, a mente de suas personagens, em diálogos curtos, ainda que dinâmicos, talvez em consonância com o clima de ação impactante que vai caracterizar Serra dos Pilões como uma narrativa forte, que busca retratar, estruturalmente, na sua organização dialógica,o impacto da ação brutal que impera naqueles sertões..

10 Olival, Moema de Castro e Silva, O Processo Sintagmático na Obra Literária, p. .


Reiterando o que já foi bem explicitado no início desse trabalho, quando salientamos o papel fundamental do processo de transcrição da linguagem regional, através da estilização de sua oralidade, gostaríamos, para complementar, de chamar a atenção para o aspecto positivo das referências aos nomes próprios relativos à geografia, flora e fauna da região, familiarizando o leitor com os topônimos regionais, riquezas ambientais, sobressaindo a peculiaridade dos nomes próprios relativos a essas áreas: Jalapão, Rio do Sono, Chapada das Mangabeiras,(p. 181), Ribeirão Espingarda ( p. 184) etc, e o saboroso dos apelidos—( nomes–de-guerra) dos jagunços como: Corta- Cabeça, Militão Caolho,(59), Zé Galhão,( p. 31), Gavião, Zico- Bodoque, Beiço–de-Cangalha (p. 55), Abílio Batata e o próprio capitão Labareda, que, na verdade, se chamava Eleudino Martins,( p. 175)—como numa proteção natural, à época, às suas verdadeiras identidades, que seriam expostas na explicitação dos referidos nomes próprios. A linguagem, como já vimos, em recursos de transposição estilizada da oralidade, assumindo o ritmo da modernidade que a torna instrumento do pensamento, tende para as frases curtas, diretas, entremeadas de modismos, expressões regionais, que justificam, e muito, um glossário final, dando-nos interessante campo de pesquisa, sobretudo na área da semântica, quando encontramos manifestações saborosas do pensamento daquele povo, (algumas, de domínio comum à toda a região interiorana, sem dúvida) numa variação espontânea e significativa de construções diversas, em torno de uma mesma idéia. Por exemplo, numa citação aleatória, para indicar a intenção de sair do local, viajar : “ (...) fez sertão”; “(...) poeirou no mundo”.(p. 79); “ (...) rompeu estirão, vencendo as leguonas (...)” (p. 123); “(...) fincou o pé-na estrada” ( p. 104), etc.

Gostaríamos de ressaltar o domínio dos recursos literários, por parte de Moura Lima, o que nos é fornecido, sobretudo, nos trechos descritivos. Alguns, com lances surrealistas, imagens carregadas das tintas regionais, com matizes de humor-negro e poesia, como por exemplo: “ E naquele sertão bruto, marcado pelas noites trevosas e pelos ruídos da tempestade, ao ribombar dos trovões, ouve-se o tropel dos cavalos da jagunçada a caminho do Jalapão. O vento sopra e uma voz espremida gunguna: -É o Capitão Labareda e seus cabras!...” ( p. 92).
Ou, leves, prenhes de imagens saborosas da paisagem tocantinense, para o que concorrem as referências peculiares daquela região, intérpretes da voz mágica daqueles rincões: “O dia vai rompendo com os clarões das barras, pelos cerradões e descampados de agreste do Jalapão. A saracura quebra o pote pras bandas do riacho Mutuca, anunciando a chegada do verão e dos ventos gerais que sopram da serra da Tabatinga e vão varrendo aquele guanhã imenso de campos, chapadões e matas sombrias nas beiras dos rios e grotões profundos.” P. 218
Ou, cenas narrativas pitorescas, folclóricas, como quando, na voz de alguma personagem, discorre sobre as travessuras dos mitos lendários do Tocantins, as do Romãozinho, por exemplo: “ E também Bebecha, um boi-vaca engomador de roupas da vila, não foi poupado. Caiu numa tunda sacudida, de tirar o pixé e o godó do corpo. O homem é-vinha de um arrasta-pé, altas horas da madrugada, à bambalhona, com seus botões-de-couro poído, ao passar rente a um monte de bagaço de cana, levou um safanão. Quando percebeu, olhe o bagaço voando no seu lombo! Êta peia braba! O homem, no corre-corre e o bagaço de cana por riba, arrochando a mutamba! E Romãozinho, na gargalhada.” P. 125
Mostra-se, assim, a linguagem de Moura Lima, rica de “sugerências”, de potencial de flexibilização dinâmica e recriação imagética, fundamentais para um bom escritor, sobretudo regional.







LEITURA CRÍTICA DE CHÃO DAS CARABINAS


Antes de fazermos nossa leitura crítica sobre este romance, convém lembrar, ainda que rapidamente, já que pisamos o terreno do regionalismo em Goiás, que este título: Chão das Carabinas não deixa de remontar, ainda que por afinidades intelectuais, ou por confluências históricas da região relatada, ao título de um romance de Bernardo Élis A Terra e as Carabinas que saiu em folhetins, nos jornais de Goiás, entre 1950/1951, e, só, recentemente, ( 1988) teve publicação em Obra Reunida de Bernardo Élis, iniciativa do governo de Goiás e da José Olympio Editora. Dele Bernardo Élis retirou o primeiro capítulo “Moagem”, que passou a fazer parte do seu premiado livro de contos Caminhos e Descaminhos.
Agora, vejamos a obra de Moura Lima. Este romance Chão das Carabinas- Coronéis, Peões e Boiadas. ( 2002) traz, além da sugestiva capa de Leocádio, biobibliografia do autor, e instigante prefácio de William Palha Dias, intitulado “ Um autêntico regionalista dos campos gerais”.
Em seguida, um esclarecimento: “Chão das Carabinas foi extraído de uma história real, com alma própria, acontecida na antiga Vila do Peixe, no Norte de Goiás ( hoje Tocantins), nos idos de 1936; os fatos históricos foram transportados para o campo ficcional, a partir de processo criminal, depoimentos de testemunhas e de participantes do morticínio”. Vê-se, claramente, sua intenção de declarar a fonte de seu “ saber”, no caso, o registro histórico. Isto se fortalece com o detalhe da pesquisa em processo criminal, depoimentos de testemunhas, etc, aliás, procedimento usual da parte de escritores que levam a sério a sua obra, como o fizeram, por exemplo, Bernardo Élis, em O Tronco ( 1956), já objeto de nossos comentários, ou Miguel Jorge, com Veias e Vinhos (1981), que tem por matéria o crime ocorrido no Bairro Popular, em Goiânia, ( 1957), quando foi chacinada toda uma família, salvando- se, apenas, a pequena Ana, que se tornará a voz narradora iluminada dessa aguda dramatização. Neste romance, se inspirou o cineasta João Batista de Andrade, para seu projeto cinematográfico, já em andamento, como, também, o que já realizou sobre o romance O Tronco, no seu polêmico e consagrado filme homônimo da obra de Bernardo Élis.

Bem, voltemos a Chão das Carabinas.
Francisco Miguel, crítico, membro da Academia Piauiense de Letras, em ensaio publicado no jornal da Cidade de Gurupi (TO), ( 28/3/02),afirma: “ Há em Moura Lima, do Chão das Carabinas, mesmo sendo um romance de fundo histórico, o espanto do homem que entra para a civilização por força dos conflitos que vêm de fora, do repentino aviltamento a que é submetido, perdendo, assim, o que havia de melhor em sua natureza. Espanto esse ocasionado pela ignorância, pela solidão, pelo medo, pelo que o novo desconhecido—o outro— possa causar. Espanto que provoca desordem. Essa desordem pode verificar-se ou já ter sido testemunha, mutatis mutandis, em todas as regiões onde as mudanças se dão bruscamente, desordenadamente.”

TEMÁTICA, TRAMA, PERSONAGENS, AÇÃO

O romance tem, por temática, a execução de uma vingança cruel , motivada pela ambição do poder político da cidade de Peixe.

A vingança é urdida pela rivalidade entre a facção do que representa a força local, e que encontra apoio no capitão Bentão, (apesar de sua dissimulada neutralidade) e os “arrivistas” chefiados pelo Major Fibrônio Cavalcante, frente à missão “ salvadora” enviada pelo novo governo de Goiás, sob as ordens do secretário Aroroba e que, logo na chegada, é atacada por um jagunço do major Fibrônio..
Vejamos o texto explicativo, da parte da voz narradora: “(...) como vingança é uma filha bastarda de profundo silêncio, e coração é terra que ninguém entra, o capitão Bentão apesar de conselheiro e esteio moral da Vila, desejava o fim da família Cavalcante Albuquerque, que lhe roubava o poder e o mando. E ia ficando a cada dia mais rica e dominadora.” P. 21

É uma história real, mas tem “alma própria”, como adverte o autor, no prólogo. Para o romancista, historiador William Palha, que fez o prefácio, Chão das Carabinas “ focaliza, numa visão sociológica, a crueldade do feudalismo sertanejo. E mostra, em cenas eletrizantes, a tropelia dos jagunços, o repicar dos berrantes, a bravura dos vaqueiros na marcha ronceira das boiadas, rasgando os cerradões e as imensas Campinas daquele mundão verde do chão tocantinense.”

Então, a narrativa se programa a partir dessa proposta, que, se é de denúncia, aqui bem evidente, apresenta, também, natureza de conteúdo social e, até mesmo psicológico, através de perfis humanos delineados com precisão analítica, como o do capitão Bentão, do major Fibrônio, etc.

Pensamos que, se Serra dos Pilões abarca uma cosmovisão douticos para o leitor, como os das lendas, em torno das travessuras do Romãozinho, por exemplo, ou cenas de misticismo, a revelar porção bem forte na alma do sertanejo, ou trechos descritivos que aliviam as tensões geradas pelas vinganças , aqui, em Chão das Carabinas, o tônus da violência se afunila, se concentra de tal maneira que cada capítulo torna-se um detonador natural dessa visão, gerando aquela angústia prenunciadora do clima de protesto, dentro, portanto, do que parece ser o propósito do autor.
O romance oferece três filões fundamentais: —o da violência, gerado pelo contexto sócio-político-administrativo da região;—o filão que se esmera em oferecer perfis dos tipos peculiares ao regime de vida local, perfis afeitos às atividades regionais e, finalmente, o da explicitação da postura ideológica do autor que, ou através da voz narradora, ou através de suas personagens, explicita um verdadeiro libelo contra a “ prepotência” do velho governo central do Estado, que, por longos anos, estivera nas mãos dos Caiados e, agora, era ocupado pelos revolucionários.
Vejamos: “ A revolução de 30 foi um duro golpe no poder dos coronéis da “ República Velha”. A machadada certeira veio do alto, não das forças regionais e, mesmo sem o extermínio total, restringia-lhes os poderes políticos, e também lhes tirava a função de mandões arrufados e de árbitros incontestes das comunas do sertão.
A Vila do Peixe não ficou alheia aos brados mudancistas, e o major Fibrônio Cavalcante foi o escolhido pelas hostes do poder estadual como interventor para desapear do mando local os adversários da revolução, ou seja, os prepostos do truculento caiadismo” (p.14). Aqui, já se afirma o tom condenatório constante e incisivo da voz narradora ao regime caiadista, tom alheio a consideração sobre o contexto de época, fato, hoje, observado por novos ângulos frente às modernas pesquisas universitárias, conforme já dissemos anteriormente.
Então, em reação “ aos tacões da bota de Totó Caiado ( Totó brabeza)”, o governo da revolução apóia major Fibrônio que deve usurpar o arraigado poderio dos primeiros, de que o Capitão Bentão é um dos asseclas, ainda que bastante dissimulado para tentar a posição de conciliador entre as duas hostes. Quanto a esse item, momento muito significativo, é quando o narrador, sem dúvida, onisciente, na sua condição de analista incisivo ( uma vez que impinge ao leitor o perfil desenhado, ao invés de deixar que ele, leitor, deduza sua opinião como corolário das respectivas ações,) e nos faz flagrar o contraste entre a atitude externa do “ honrado “ capitão Bentão, no momento em que ele dá bons conselhos ao secretário Arorobá, no sentido de largar a animosidade em relação aos Cavalcante Albuquerque, e sua postura interior que deseja o contrário, tornando, pelo contraste, bem explicitado o ditado: faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço (ou penso), escancarando, (mas descrevendo-as), janelas ocultas da alma humana.
Mas, ao dar voz à personagem Chica do Rosário, recorre, o escritor, ao dinâmico recurso do Discurso Indireto Livre ( uma das poucas ocorrências registradas) permitindo-lhe deixar fluir, ao vivo, os sentimentos e emoções. Recurso, sem dúvida, de enriquecimento estilístico da voz narradora. Eis o trecho: através da voz da personagem : “ Ah! Minha Mãe, verdade seja dita, o capitão Bentão e o major Fibrônio eram do mesmo paneiro, isso era, no duro! O capitão Bentão sempre foi treiteiro, agradava uma moçoila aqui, outra acolá, e ia desonrando-as, para o sofrimento das mães pobres, e, para trás, ia ficando a cambulhada de filhos adotivos. Agora, já o major Fibrônio era mais atrevido, mulherengo por natureza, chegava a desrespeitar mulheres casadas, quando estas davam brechas Mas que tem razão, minha Mãe, é a costureira Maricota, que sempre diz: —Troco o capitão Bentão pelo major Fibrônio e não peço um tostão de volta, são os dois da mesma laia!” P. 86
Chica do Rosário, aliás, é personagem elevada à condição de um dos canais preferidos pelo autor para a manifestação da voz de protesto contra o status quo vigente.Vejamos mais um de seus monólogos-depoimento: “ Mas a verdade, minha Mãe, tem de ser dita, porque aqui, na terra, neste vale de lágrimas, a mentira, de tanto ser repetida, vai-se tornando verdade na boca do povo atrasado, que não enxerga um palmo diante da venta. Ainda mais que os mortos não podem fazer a defesa, aí os grandes da terra galopam, fogosos,no lombo cabeludo da mentira. E arremata: Quem não sabe, minha mãe do céu, que o motivo da matança foi só um: a tomada do poder político da Vila.” P. 86

Também se mostra, a voz narradora, em seu perfil de veículo ideológico-social, preocupada em expressar traços que demonstrem valores positivos desse ser relegado à sua própria sorte: o homem daqueles rincões. Tal como Eli Brasiliense carrega nas tintas que retratam, como flores raras, num campo de tantas truculências, noções de honra e coragem de algumas de suas personagens, como Marcelino do romance Rio Turuna,—quando, na sua longa tocaia, rememora fatos de sua vida, evidenciando seu perfil de homem destemido e fiel aos seus princípios—ou Bernardo Élis, ao pincelar, com maestria, o esforço de Piano, personagem do conto “A Enxada” (Veranico de Janeiro), quando busca traduzir seu desesperado esforço para cumprir a palavra dada ao coronel: plantar, no prazo combinado, a roça de arroz, embora, não tivesse conseguido, para isso, a indispensável enxada, fazendo-o, então, com as próprias mãos que acabaram reduzidas a frangalhos.
Assim, Moura Lima nos exibe, também, esse perfil de dignidade, dehonradez que pode habitar esse povo rude, esses vaqueiros aparentemente simplórios, traço que Noratão “ cabra colhudo” se incumbe de no-lo demonstrar. Vejamos o momento em que ele é intimado, pelos acólitos do secretário Arorobá, para a missão de “ num barreado de chumbo, moquear o major Fibrônio e os filhos” . Então, respondeu: “ Diga ao Arorobá e ao Gustavo Bananeira que não vou . Não nasci pra jagunço e muito menos pra tocaieiro. Mas, se me mandar pegar um boi brabo, eu pego à unha, no maior prazer do mundo !”. Os cabras, decepcionados, acrescentaram:— “Vancê, negando o chamado, está querendo virar cruz de beira de caminho” . P. 47





MANEJO DA LINGUAGEM



Enfim, quanto ao manejo da linguagem regionalista, as observações seriam reiterativas, reforçando o que dissemos em relação ao primeiro romance, Mas, entendendo, dentro da visão crítica moderna, por linguagem da obra tudo que nela significa, até o próprio silêncio, retiramos esse trecho de grande poder poético-descritivo de Moura Lima, quando, ao nos trazer atividades de sua realidade, nos oferece cenas de notável precisão, cineticismo e riqueza imagética. Imagens extraídas da realidade sertaneja, transfiguradas metaforicamente, e cristalizadas em nossa mente e em nossa emoção. Ei-las:

“Chifres pra riba, os cascos ribombando no chão, como socada de mão-de-pilão, quartos roçando uns nos outros, seguia pachorrenta a boiada estrada afora. De vez em quando, um tucura atrevido, na traquinagem, enganchava nas ancas do boi da frente e andava em cima dele um estirão. O cupim apontava por cima na ondulação serpenteada dos lombos, aos saracoteios das ancas em movimento.” P. 37.





Espaço, tempo.



Romance neo-realista, caracterizando-se como de ação, personagens de reação, espaço-tempo em emprego similar ao de Serra dos Pilões: espaço predominantemente exterior, cobrindo as terras ilhadas da civilização e da cultura, correspondentes à Vila do Peixe e à região do Jalapão, na região do Tocantins, com incursões esporádicas a mecanismos interiores, que, quando ocorrem ( como vimos na dupla referência ao modo de agir do coronel Bentão, definindo-lhe o caráter), ou podem vir explicitados, com veredito já formado, pela voz narradora onisciente, recurso já mencionado, ou, oferecido ao vivo— através de técnicas agilizadoras do discurso— à observação do leitor, ( caso do D. I. L, no monólogo interior de Chica do Rosário) o qual , com mais mobilidade julgadora, poderá esboçar seu juízo, como sói acontecer nos romances que privilegiam o ângulo intimista, mas fato também enriquecedoramente encontrável em autores que ocupam o espaço do neo –realismo ( neo-naturalismo), como Graciliano Ramos, Bernardo Élis, Eli Brasiliense, Moura Lima ( em uso comedido) e outros. E um tempo que transcorre em jogo pendular: presente-passado, sendo o presente histórico, para delinear a violência com mais realismo e vigor e o passado, que ressurge em lances de flashback , responsáveis pela manutenção do fio de continuidade da ação.

Torna-se,assim, antes de tudo, como já demonstramos em Serra dos Pilões, o tempo de uma época , aquele que diz respeito à temperatura moral dessa mesma época: o do atraso, do analfabetismo, da violência, da desassistência político-social-administrativa da região.

No último capítulo— o XXVI— agora, já levado a cabo o extermínio do Major Fibrônio Cavalcante, o último remanescente da família que tanta violência praticou na região de Pedro Afonso, e que, ali em Peixe, tentava se estabelecer no poder, novamente, a cidade, então, semi-destruída, passa ao comando em definitivo do capitão Bentão, que, abertamente, assume o lema “ posso , quero e mando”.
Com sutileza e certo tom determinista, nota-se, na sequência dos fatos e com a chegada da Comissão que deverá apurar a chacina dos Cavalcante, o clima do “ recomeço” do drama da perseguição, da violência, da humilhação, como estigmas que relutam a abandonar aquelas paragens, tão naturalmente ricas e potencialmente promissoras. Sacraliza-se, então, o clima de protesto perante o statu quo desta realidade, cujo perfil opressivo foi magistralmente simbolizado, numa operação contrapontística, na cena final. Vejamos a referida encenação, quando a viúva do defunto Rafael Cavalcante e seus filhos passam rumo ao campo-santo. “ iam orar ao morto. Junto à cova, no alto do cerradão, a sombra acolhedora de um pé de baru é testemunha do crime”.
Atente-se para a metáfora do pé de baru, ali, com força testemunhal. Então a voz narradora cria dinâmica imagem ao reunir, num mesmo foco, o contraponto das forças-símbolo daquele sertão: o impacto opressor , representado pelo poder do homem e a imponente e forte inocência da natureza, que, como a voz do povo dominado, tinha de ser calada.
A derrubada da árvore-testemunha, cuja presença incomodava os grandes da terra, teria de ser levada a cabo? Que peso teria, na força dos acontecimentos?
Então, a voz narradora esboça o arremate fatalista:
“ Desta forma triunfava feroz o feudalismo sertanejo dos coronéis arrogantes do sertão “ . P. 138.

No final do livro, a servir o leitor, o indispensável glossário, e mais opiniões críticas valiosas sobre a obra do autor.








Copyright by Moema de Castro e Silva Olival

Reservados os direitos de reprodução
para todos os países.

Capa:

Diagramação:
Rosa Pereira

Revisão:

Editoração Eletrônica:
Francisca Rodrigues de Brito



FICHA CATALOGRÁFICA

Olival, Moema de Castro e Silva, 1932-
M929s MOURA LIMA: A Voz Pontual da Alma Tocantinense, por Moema de Castro e Silva Olival
Gurupi, Gráfica e Editora Cometa
P. - 1ª Edição - 2003
1. Literatura Brasileira ENSAIO.
2. Século 21: ENSAIO: Crítica Literária

I. Título
CDU: 869.0(817.32)-34








Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou processo, sem permissão expressa do autor. A violação dos direitos autorais é crime.

Impresso no Brasil







SUMÁRIO


Prefácio....................................................................................
Dados Biográficos do escritor Moura Lima Introdução.................................................................................................
A Obra Mouriana...
O mundo contístico. Estilização e Oralidade...
Ficção e História em Moura Lima....................................................
Estrutura Narrativa de Serra dos Pilões...
Personagem e Ação...
Espaço e Tempo... Linguagem...
Leitura Crítica de Chão das Carabinas
Temática...
Manejo da Linguagem...
Espaço e Tempo...
Conclusão...
Seleção de Texto da obra de Moura Lima...
Fortuna Crítica: Assis Brasil, Clóvis Moura, Sttela Leonardo, Aluysio Sampaio e William Palha Dias.
Síntese Biográfica da Autora...











DADOS BIOGRÁFICOS DO ESCRITOR MOURA LIMA




Ao abrir o presente ensaio, alguns esclarecimentos preliminares se fazem necessários para que nos situemos no contexto histórico da obra de Moura Lima, começando pelos seus dados biográficos. O romancista JORGE LIMA DE MOURA (literariamente Moura Lima) nasceu em 2 de dezembro de 1950, na fazenda Capim-Puba, localizada nas proximidades de um vilarejo denominado Capelinha (hoje Heitoraí), distrito de Itaberaí, situado às margens do rio Uru, extremando com Goiás Velha e os sertões do Vale do São Patrício, no Estado de Goiás.
Nessa fazenda e nos arredores do povoado passou a infância e a adolescência, juntamente com seu pai, Guiomar Rodrigues de Moura, natural do Norte de Goiás, antigo Descoberto, hoje Porangatu, e de sua mãe, Conceição Lima de Moura, nascida em Igarapava, São Paulo, tendo sempre presente à avó, Doralice Rodrigues Prateado, e a imagem do avô paterno, Pedro de Moura Alencar, de Chapada do Corisco – Teresina-Piauí.
E segundo Moura Lima: “– Meu avô paterno cruzou esse chão bruto do Nortão de Goiás, hoje Tocantins, provindo do Piauí, nos idos de 1915, no lombo de burro, seguindo pelos trilheiros machucados pelos cascos das tropas e das boiadas, ao tilintar das esporas no arco de ferro, dos cincerros e do estalar da taca, e foi bater com os costados em Descoberto (Porangatu), nas margens do rio do Ouro, onde situou a sua fazenda de gado. Posteriormente, acompanhou o meu bisavô, Coronel José Rodrigues Prateado, de muda para Amaro Leite. E ali, nos chapadões e descampados das vertentes do rio Macaco, veio a falecer a 1º de julho de 1923”.
Moura Lima retrata, com orgulho, a sua infância bem vivida, na fazenda Capim-Puba, de seu pai, afirmando:
“– Nasci na era dos carros de boi, e ali na labuta do dia-a-dia, por aqueles rincões, fui candeeiro de meu pai, por caminhos esbrugados e baixadões”.
“Moura Lima com essa bagagem genética tocantinense, tornou-se um dos maiores nomes da literatura regional do Estado, pois com seu romance Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros, recebeu os aplausos dos meios intelectuais de Goiás e de grandes nomes da literatura brasileira.
Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros foi enviado pela Universidade do Tocantins para Central Connecticut State University (Biblioteca Central de Connecticut U.S.A.), que solicitara ao Governo do Tocantins obras de divulgação sobre o Estado, como também foi para o Japão.
Moura Lima é autor do primeiro romance do Estado do Tocantins Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros, pesquisador incansável, possui um acervo respeitável do que ocorreu nos últimos cem anos, nesta região (Tocantins). Mergulha sempre na poeira dos arquivos, para resgatar os nossos costumes e tradições. E tem uma particularidade interessante: não é escritor regionalista de gabinete, mas, sim, de campo, pois já andou em toda nossa base territorial e conhece bem nossa fauna, flora e o linguajar do nosso sertanejo. Sentiu de perto o cheiro da terra, dos ribeirões e das nossas matas ciliares. Aí está o segredo da seriedade da criação literária de Moura Lima, que soma aos seus estudos lingüísticos e de semântica o falar vigoroso de nosso sertanejo ao conhecimento “in loco” da nossa realidade histórico-social e antropológica. (in Jornal Folha da Cidade).”
Moura Lima é casado com Alvininha Queiroz de Moura. Tem dois filhos: Leonardo Queiroz de Moura e Rodrigo Jorge Queiroz de Moura.
Fez os estudos preliminares na fazenda, em Uruana, Trindade, Itaberaí, e o clássico, em Goiânia. Iniciou seu curso de Direito em Anápolis, (1980), na Universidade Evangélica, vindo a conclui-lo na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas de Gurupi, em 1989, no Estado do Tocantins. Foi escolhido e eleito orador da turma. Além de bacharel, advogado militante, é pós-graduado em Língua Portuguesa pela Universidade de São Gonçalo – FISG-RJ, agrimensor e técnico em agropecuária. É estudioso da Arte Real e recebeu o grau máximo da maçonaria brasileira, ou seja, grau 33, outorgado pelo Supremo Conselho do Brasil – Grande Oriente do Brasil. É necessário salientar que Moura Lima detém uma relevante folha de serviços prestados ao Tocantins, como servidor do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária-INCRA, onde foi Executor do Projeto Fundiário de Gurupi, Chefe da Administração e Presidente da Comissão Permanente de Licitação de Terras Devolutas da União, no Estado de Goiás, atuando especialmente na então Região Norte de Goiás, hoje base territorial do Estado do Tocantins.
É membro fundador da Academia de Letras do Estado do Tocantins, cadeira n. º 15 (ex-vice-presidente), e membro do Instituto Histórico e Geográfico, também do Conselho de Cultura do Tocantins; pertence à Academia Piauiense de Letras, como membro correspondente. Possui vários artigos publicados em jornais e revistas. Recebeu o diploma “Personalidade Cultural” da União Brasileira de Escritores / Rio de Janeiro, por serviços prestados à Cultura Brasileira, em solenidade no auditório da Academia Brasileira de Letras.
Por força do Decreto Legislativo n. º 01/96, a Câmara Municipal de Gurupi concedeu-lhe o título honorífico de Cidadão Gurupiense.
Moura Lima, com essa linguagem oriunda do meio rural desde sua origem, e com a continuidade no trabalho fundiário, conquistou a experiência, graças à árdua tarefa de andar por todo o sertão do Norte de Goiás, ora pelos trilheiros, no lombo dos matungos, ora pelos chapadões, ou de canoa pelo rio Tocantins. Assim, constitui-se autor regionalista de mão-cheia que, não obstante ser registrado civilmente como Jorge Lima de Moura, assina seus trabalhos com o nome literário de Moura Lima.
O talentoso Moura Lima, contista, folclorista e romancista, vem-se dedicando, com afinco, a escrever (e reescrever) suas obras em linguagem viva e fiel à paisagem tocantinense, em busca de uma forma perfeita, embora reconheça que a perfeição não é humana, mas apenas um ideal a perseguir. Na sua ação de alguns anos, adquiriu autoridade para tanto, não só por ter visto de perto nossa fauna e flora, mas principalmente, por ter convivido com o homem do campo, no coração do sertão.



PREMIAÇÕES RECEBIDAS

Prêmio de Literatura – SESI-TO/95.
Prêmio “Destaque do Ano” – Literatura – Rádio Tocantins FM – Romance.
Serra dos Pilões, como a melhor obra produzida no Tocantins – Gênero Romance – 1995.
Prêmio “Personalidade Cultural” – UBE-RJ / 1999.
Prêmio “Malba Tahan” de Literatura / 2000 do Concurso dos 500 anos, da Academia Carioca de Letras e União Brasileira de Escritores-RJ.
Obra: Veredão – Contos Regionais e Folclóricos.
Prêmio “Profº Joaquim Norberto” / 2001, do Concurso Nacional da UBE-RJ.
Obra: Mucunã – Contos e Lendas do Sertão.

OBRAS QUE FAZEM REFERÊNCIA A MOURA LIMA:

Enciclopédia de Literatura Brasileira – Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa. Ministério da Educação/FAE, 2ª Ed., Rio, 2001.
Antologia de Autores Tocantinenses – Márcio Barcelos e Erlene S. Dias. Ed. Kelps, Goiânia-GO, 2000.
Dicionário de Folcloristas Brasileiros, 2ª Edição /Kelps, Goiânia-GO, 2000, Mário Souto Maior.
Dicionário do Escritor Goiano – José Mendonça Teles. Kelps, Goiânia-GO, 2000.
Dicionário Biobibliográfico de Goiás – Mário R. Martins. Master, RJ, 1999.
Dicionário Biobibliográfico do Tocantins – Kelps, Goiânia-GO, 2000, Mário R. Martins.
Dicionário Tocantinense de Termos e Expressões AFINS – Cartográfica, Palmas-TO, 1997, Liberato Póvoa.
Dicionário Biobibliográfico de Escritores Brasileiros Contemporâneos – Adrião Neto. Teresina-PI, 1998.
Fazer o Piauí – Crônicas do Meio-Norte – Enéas Athanázio – Ed. Minarete, 2000 – Santa Catarina.
Coletânea – Escritores Brasileiros em Prosa – Adrião Neto. Teresina-PI, 1999.
O Romance de Moura Lima – Estudo Literário – Ana Braga. (Inédito)
Apocalipse – Espécie Terminal – Assis Brasil/2001- IMAGO/RJ.
Literatura Piauiense para estudantes – Adrião Neto. Teresina-PI, 2000.
Documentário jornalístico literário sobre “Serra dos Pilões” – Produção Sunrise Vídeo – Tocantins. Antologia Poética – Prêmio de Literatura SESI – Tocantins, 1995.
Moura Lima: Do Romance ao Conto – Travessia Fecunda pelos Sertões de Goiás e Tocantins ({Ensaio} – Francisco Miguel de Moura/2002 – Cometa/TO).



OBRAS DO AUTOR

Poemas Errantes – 1971. Ed. Elite, Goiânia-GO, 1971.
Sargentão do Beco – Peça Teatral – 1971. Graf. Sousa, Itaberai-GO, 1971.
Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros (primeiro romance do Estado do Tocantins) – 1ª ed. 1995 (esgotada); 2ª ed. 1996 (vestibular FAFICH-TO – esgotada); 3ª ed., Revista e Ampliada - 2001. Editora Cometa-Gurupi-TO.
Pelos Sertões do Piauí - Ensaio / Revista / Cadernos de Teresina, nº 27, Dez. / 1997.
Veredão – Contos regionais e folclóricos - 1ª ed. 1999, Ed. Cometa (vestibular FAFICH-TO), ESGOTADO.
Alvina Gameiro – Ensaio, publicado no Jornal Meio Norte (Encarte), 2001, Teresina-PI.
Mucunã – Contos e Lendas do Sertão. Ed. Cometa, Gurupi-TO, 2000 (vestibular FAFICH-TO), esgotada.

Chão das Carabinas – Coronéis, Peões e Boiadas. Romance, Ed. Cometa, Gurupi-TO, 1ª ed., 2002.
Negro D’Água – Lendas e Mitos do Tocantins. Contos – Ed. Cometa, Gurupi-TO, 2003.

INÉDITOS:
O Caminho das Tropas – Revoltosos, Peões e Boiadas (Romance).
Dicionário de Termos e Expressões Populares do Tocantins.
Solidões do Araguaia (Romance).
Egrégora Poética.

















INTRODUÇÃO






“O ódio do povo era represa que se enchia. Tomava força devagarinho de nascentes desconhecidas, à espera de alguém que lhe abrisse as comportas”.Eli Brasiliense, in Rio Turuna.
“O mito é a verdade do coração: pensamento: pensamor”. Guimarães Rosa.


Mais uma obra literária regionalista? Um novo Bernardo Guimarães, com o estudo do garimpeiro nas regiões centrais, ou um Afonso Arinos, com seus bem delineados tipos e paisagens sertanejos, ou um Hugo de Carvalho Ramos, o pioneiro na tradução de “nossas primeiras gestas”, ou um Bernardo Elis, narrador épico desse nosso “chão analfabeto”, ou Eli Brasiliense, no acendrado amor ao seu torrão tocantinense, — que, à época, também era goiano—remexendo nos respectivos valores, mitos e mecanismos interiores de suas personagens sertanejas, ou Carmo Bernardo, o mestre de nossos “ causos” regionais, na profunda vivência do potencial ecológico do “ hinterland” goiano, todos, amálgama vital das vozes palpitantes e desconhecidas desse Brasil Central? Ou, então, um Adonias Filho, do recôncavo baiano, ou Guimarães Rosa, dos Gerais mineiros, ou Graciliano Ramos, o épico da “ vida retirante” do nordeste, ou Simões Lopes Neto, nos registros contísticos dos pampas gaúchos?

Algo de forte, marcante, irrompe para nós, agora, nessa trilha. Não tem, surpreendentemente, o objetivo de desvelar a região interiorana, numa tomada conjunta de seus valores vitais, e apanhada como bloco único, como o fizeram seus antecessores, mas, agora, acompanhando o fato histórico da divisão dos territórios Goiás-Tocantins, arvora-se, em iniciativa pioneira, a ser a primeira manifestação oficial, dramatizada—através de contos, “ causos”, lendas, mitos, romances— da alma tocantinense. O pioneirismo fundamenta-se, exatamente, no dado político-administrativo de sua autonomia política, não podendo escapar, no entanto, da unidade de um substrato mítico comum que ainda imprime selo goiano a essa alma do novo Estado, sem dúvida enriquecida por algumas peculiaridades, afeitas ao ritmo de vida da região.
Assim é que “flashes” de primitivismo selvagem, decorrentes da ignorância e do abandono político-administrativo desses “ fundões”, atrocidades, bravuras, grandezas e pequenês de alma surpreendentes, variações do que, se já era tradição no sertão brasileiro, adquire, agora, com Jorge Lima de Moura ( nome literário: Moura Lima), feições peculiares, muitas vezes, particularizações históricas da alma de uma região, expostas nas suas lendas, mitos, riquezas ecológicas, como a Serra dos Pilões, a do Jalapão, etc. E os rios e seus mistérios que alimentam, não só a fertilidade ambiental, quanto o imaginário local, este, enriquecido matiz do substrato comum, já mencionado acima, burilando o perfil de seus heróis e anti-heróis.
Se sabemos, com Ferdinand de Saussure—apud Alfredo Margarido, da Universidade de Lisboa1—que “ Os costumes de uma nação exercem pressão sobre a sua língua e, por outro lado, é, numa larga medida, a língua que faz a nação” não podemos, usuários da Língua Portuguesa no ( e do) Brasil, menosprezar o extraordinário acervo do falar peculiar de uma determinada região, no caso, da região do Tocantins, em emprego estilizado pelo escritor, dentro da sábia orientação que presidiu ao lavor literário de alguns de nossos regionalistas, à frente Bernardo Élis, sobre cuja técnica, na busca da melhor exegese da respectiva obra, evocamos a orientação de Antonio Cândido2, no seu ensaio sobre “ I Malavoglia”: “ Nenhuma maneira melhor há de se aproximar de um povo, senão através do ritmo profundo de sua vida que é a sua fala”. Deste modo, chamamos atenção para o papel desempenhado pelo apelo que Moura Lima faz ao ritmo de seu povo, demonstrado pelos abundantes modismos, torneios frasais, construções peculiares, léxicas, sintáticas, e sobretudo semânticas, a colorirem, com a pulsação da vida regional, o seu texto narrativo. Por vezes, tão inusitadas para nós, que soam como páginas estrangeiras. Aliás, o autor, prevenido, nos oferece glossários esclarecedores, já havendo elaborado um Dicionário de Termos e Expressões Populares do Tocantins.


A OBRA MOURIANA


A obra de Moura Lima compreende, até o momento: -Serra dos Pilões- Jagunços e Tropeiros. Romance. I ed. 1995; 2 ed. 1996; 3 ed. 2001. Gurupi ( Goiás). Gráfica e Editora Cometa, 2001. Prefácio da I ed. é de Eli Brasiliense. Da terceira, é de Clovis Moura.

—Veredão. Contos regionais e folclóricos. I ed. 1999. Gurupi: Multigraf Araújo, 1999. Prefácio de Eduardo Campos.

—O Caminho das Tropas- Revoltosos, Peões e Boiadas. ( romance)- ( ainda inédito).

— Mucunã. Contos e Lendas do Sertão. I ed. Gurupi, Gráfica Cometa, 2000.

—Chão das Carabinas. Coronéis, Peões, Boiadas. ( romance. I ed. Gurupi. Gráfica e Editora Cometa, 2002.

—Negro dÁgua. Mitos e Lendas do Tocantins. Contos. Gurupi: Gráfica e Editora Cometa. I ed. 2003.

—Solidões do Araguaia. Romance inédito.

Publicou, ainda, uma peça teatral: Sargentão do Beco, 1971, e
—Poemas Errantes. 1972.


O MUNDO CONTÍSTICO. ESTILIZAÇÃO E ORALIDADE



Quanto aos livros designados como de contos, teríamos a observar: Moura Lima foi previdente ao colocar, junto à designação “conto”, a possibilidade de referência a outras formas narrativas, uma vez que, muitas das lendas e mitos, matéria rica do folclore regional, nos vêm na forma simples das seqüências narrativas espontâneas (causos), sem elaboração estrutural da forma, exigência necessária no conto.

Porque, hoje, já se consolida a diferença. A princípio, pode parecer tratar-se de mera formalidade terminológica, mas, na verdade, entra-se em terreno da crítica contemporânea.
Se Mário de Andrade teria sido o responsável por uma definição liberada do conto: “ tudo aquilo que o autor designa como tal”, preocupações atuais—tendo em vista a estrutura do texto e a consciência crítica do leitor, objetivando seu alcance no processo da decodificação-procuram estabelecer características pontuais que possam distingui-lo de uma forma narrativa simples, ou mesmo da crônica, gênero limítrofe.

Assim, em nosso último livro O Espaço da Crítica II: A Crônica: dimensão literária e implicações dialéticas ( a ser lançado em breve), procuramos refletir sobre o assunto e, com apoio em Julio Cortázar, posicionamo-nos a respeito, tomando-o como uma narrativa intuída, sem dúvida, mas estruturalmente armada em óptica subjetiva, concisa, com unidade nuclear de seus elementos formais, sobretudo do ponto- de- vista, exigindo domínio criativo dos recursos da linguagem.

No conto, segundo o crítico argentino, “ deve-se buscar nocautear o leitor, deixando-o chapado da primeira à última linha”. ( Valise de Cronópio, p. 70 ).

Por isso, reiteramos o aspecto louvável da medida preventiva do autor em discriminar a natureza dos textos: contos, lendas e mitos, estes dois últimos englobando formas simples e espontâneas, sustentadas na oralidade da região. Ainda nessa circunstância, não se pode ignorar a forma saborosa, fluida da voz narrativa do escritor, como em “ Lenda da Origem do Povo de Carajá”, ou “ Negro d´Água”, este último incluído tanto no livro homônimo, quanto em Mucunã, como também “ Mula-sem-cabeça”, ou “ Lobisomem” e outros. Aliás, este foi um recurso largamente usado no último livro de Moura Lima, Negro D´água. (2002-03). Por exemplo: de Veredão, (1999), anotamos a repetição de três contos, a saber: “ Assombração”, “ O Iluminado” e, conforme o já mencionado: “ Negro d´Água”. E de Mucunã (2000), quatro contos: “Mula-Sem-Cabeça”, “Lobisomem”, “Do Corte de Faca veio a salvação”, e “A Tocaia”.
Como curiosidade, o fato de os títulos dos livros de contos adotarem, sempre, o nome de um dos seus contos.
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Em Veredão, que segue o ritual acima mencionado, sendo o conto homônimo um dos melhores do livro, prevalece a referida forma narrativa.
O conto “ Veredão” perfila-se, ao lado de outros extensos ( quase novelas) como “ O canto da seriema” que, parece-nos, seja o núcleo de um futuro romance, opinião partilhada pelo crítico literário Francisco Miguel, membro da Academia Piauiense de Letras, em seu texto crítico publicado em Folha da Cidade-Gurupi, 28/3/02, em que nos fala dos novos projetos de Moura Lima e menciona O Caminho das Tropas e Canto de Seriema.
No referido conto, como, também, em “ Tropeiros do Jalapão”, ou em
“O Jaguaretê da Mão Torta”, por exemplo, sensibiliza-nos a profunda experiência revelada pelo narrador em relação à sua realidade que passa a alimentar, de maneira substanciosa, a narrativa, tornando-a, ainda que ficcionalmente, documental.
Ainda, encanta-nos o processo de mediação de sua linguagem regionalista, apanhada num recurso estilizado, conforme já dissemos, e percuciente, a ponto de ser capaz de energizar o relato, para cujo fato contribuiu, de maneira substanciosa, o extraordinário acervo de expressões regionais, modismos, ditados populares, que ajudaram a singularizar as imagens do sertão tocantinense. E quanto ao processo da transcrição da oralidade, não se trata, como afirmamos também a respeito de Bernardo Elis, da transcrição ipsis litteris da fala regional, mas de seu aproveitamento literário, capaz de traduzir a ideologia do escritor. Vejamos.
No caso de Bernardo Elis, a ideologia traduziria um projeto reivindicatório, com matizes de um discurso político-social, veiculando uma voz de protesto em favor de um povo-de seu povo-“ desguarnecido” das condições essenciais de sua cidadania. Nele, sintagmas como “ chão analfabeto”, ou “ chão parado” teriam o propósito de estigmatizar a realidade enfocada. Na curva dos processos de mediação da fala, Bernardo Elis aperfeiçoou-se, indo de um estágio mais incipiente, centrado nas deformações vocabulares, do falar regional, registros que vinham entre aspas, como receoso de enfrentar o julgamento de seus leitores de então, que poderiam julgá-lo como desconhecedor das normas cultas, cuidado revelado em Ermos e Gerais (1944), atingindo, depois, em Veranico de Janeiro,(1966) ponto alto nessa técnica que abraçou, com inteira liberdade,de maneira, até, desabusada, colorindo com ela seu texto narrativo, inclusive, mas já se direcionando para a primazia ao ritmo, modismos e construções da oralidade, seguindo as novas tendências nacionais. Mostra esse traço, também, em Apenas um Violão, livro de contos bem posterior (1984), como a ver, no ritmo da oralidade, o toque fiel para traduzir a alma regional. Mas, em Caminhos e descaminhos, (1965), com alguns de seus mais belos contos, como “Ontem, como hoje, como amanhã, como depois”, mais tarde adaptado para o cinema e a televisão, no curta- metragem Índia, a filha do Sol, ou “Uma certa porta” , encontrávamos um Bernardo mais preocupado com o burilamento estético no emprego dessa oralidade, buscando traduzir o regional, mais na temática, que nos recursos acima apontados. Se bem que, o que o caracterizou como escritor da oralidade tenha sido, exatamente, o fato de se tornar seu grande intérprete, ora fazendo, dela, elemento delineador de sua proposta literária, no intento de traduzir a alma regional, ou, então de transformá-la em recursos de estrutura mimética, responsável, por exemplo, pela frase plástica, ou rítmica, esboçadora de imagens dinâmicas, como se vê em Apenas um violão, no conto “ Explosão demográfica (minueto em fó menor)”,em que Bernardo cria, literariamente, ritmicamente, um texto musical, formal e tematicamente tecido em torno da fome. ( Não se esquecer que, na época, 1984, havia uma cruzada universal em favor dos famintos da Etiópia. Quem não se lembra de artistas do mundo todo, em coro internacional, cantando “ We are the worl.”?)3

Bem, a digressão em torno dos recursos de oralidade empregados por Bernardo Élis, o introdutor, em Goiás, dos moldes de sintaxe divulgados pelo Modernismo, tem o objetivo de situar melhor Moura Lima nesse espaço, em que se distingue, não só pelo tom reivindicatório de sua proposta, ainda que mais direcionada ao ataque à pressão política de certos coronéis, em especial à força política dominante no Estado, do que voltada para as angústias do ser humano sujeito a esses regimes de opressão, campo privilegiado de Bernardo Elis. Acrescentaria, a esta observação, um toque muito gratificante que nos oferece Moura Lima: o de indisfarçável ufanismo pela sua região. Moura Lima parece ansioso em ter registrada, para a história, a autenticidade de seu torrão natal , de suas atividades peculiares: tropeiros, vaqueiros- jagunços, de suas lendas e belas paisagens. Ama seu torrão e, disso, nos torna, a seus leitores, participantes. E isto parece transmitir à sua obra um peso histórico-documental ( preocupação com o registro), quase tão forte quanto o propriamente, político-social. ( preocupação com a denúncia). Neste item, transparece, forte, uma voz acusadora, um alter-ego do autor, a qual aponta para as arbitrariedades e as pressões políticas, atitude registrada nos fatos e em ardis da trama, ( ver metáfora da árvore baru, por exemplo) mas, não em jogos da expressão linguística como em Bernardo Elis, ( Chão analfabeto, Sol macho, etc)
Moura Lima, sem dúvida, ocupa, com denodo, o pódio da literatura tocantinense, arvorando-se à condição de primeiro romancista e tradutor da alma do novo Estado..

E, se com Mattoso Câmara Jr, sabemos que a língua é em si mesma um dado cultural, queremos insistir em mostrar que a “ciência” do autor- narrador, na interpretação de uma realidade regional , através do seu processo de mediação, não precisa valer-se da fidelidade do gravador, mas, sim, do colorido da “ sugerência” literária, de cujo grau, maior ou menos, retiraremos nossa avaliação sobre o autor e seu potencial de criatividade.

Então é preciosa a literatura de Moura Lima, não só pelo vigor de suas tintas literárias, quanto pelo esforço de registrar, antes que se perca, na inevitável trajetória da caminhada histórica rumo à globalização, a autenticidade do perfil de seu rincão.

Tanto nos contos, quanto nos romances, Moura Lima trabalha a vida “ tão barata” do sertão, vida que se alimenta do perigo, da violência, da ousadia, da coragem. Vida em que as noções de honra são estrelas fugazes, num céu de selvagerias, confrontos, frutos do abandono das leis e dos direitos legais que devem amparar o cidadão.



Ficção e História em Moura Lima.





Como romancista, o nosso escritor abraça o filão histórico. Se Tolstoi já pregava:
“ se queres ser universal, fala de sua aldeia”, encontramos, na ficção de Moura Lima, no potencial arregimentador de sua realidade regional, apanhada numa feliz confluência de dado histórico, talento criador e imaginação poética, encontramos, pois, fiel amostragem de um protótipo de literatura regional: a tocantinense. O autor aponta, para a posteridade, o perfil da alma tocantinense, a partir da feição de seu povo, de sua geografia, ecologia, fauna, flora, rios, de sua cultura, de sua linguagem. E, no trazer a fala de sua região, abre, para os estudos filológicos de caráter dialetal, rico filão, sobretudo, como já afirmamos, nos registros dos modismos e expressões peculiares, intérpretes de sua cultura.
Os romances: Serra dos Pilões (1995; 1996; 2001) e Chão das Carabinas ( 2002) são históricos, na medida em que “ o saber” de que lançam mão é retirado da história.
Serra dos Pilões registra a tragédia da Vila de Pedro Afonso e a perseguição, pelas terras do Jalapão, dos jagunços responsáveis. Chão das Carabinas traz a história sangrenta da Vila do Peixe. Ambos valem-se dos registros históricos, no que diz respeito aos dados da ação e à categoria sócio-cultural dos vultos mencionados, mas, como criação ficcional, constroem a sua “ verdade”.
Porque, sabemos, a partir do momento em que se tece a ficção, não haverá mais a preocupação em torno do rigor da “ verdade histórica”. O que importa é a “ verdade do universo ficcional” cuja trama, quanto à eficiência de sua “ urdidura”, depende do talento de escritor.

Aliás, sobre a relação Ficção e História, muito já se escreveu. Nós mesmos, no ensaio crítico “ Ficção e História”4, discorrendo sobre o terceiro romance de Bernardo Elis: Chegou o Governador5, relembramos ser, este processo de união Ficção e História, uma das sete diretrizes básicas dentre as tendências do romance moderno no Brasil, conforme observações a respeito da matéria mencionada, feitas pela ensaísta e crítica Nelly Novaes Coelho.6 Só para relembrar, as demais tendências seriam: a que mescla ficção à memória; a ficção experimentalista; a “ desenvolta”; a do humanismo dramático, a do convívio cotidiano e a do húmus regionalista. E, interessante, frisa Nelly, estas tendências não são rigorosamente independentes. Aliás, estamos constatando isto nos romances de Moura Lima que se situam nos espaços da primeira e da última, com breves incursões pelas segunda e quinta.



ESTRUTURA NARRATIVA DE SERRA DOS PILÕES




Vejamos, pois a estrutura narrativa de Serra do Pilões. Temática:
Quanto ao “ saber” histórico de que se utiliza, e que fundamenta sua temática, já ficou claro. Como ficção, recria, para seu mundo virtual, uma fase primitiva de nosso sertão-agora delimitado em novo Estado Federativo-cobrindo um espaço ilhado da civilização, e traz, como arquétipos soberanos daqueles “ fundões’, mitos primazes latentes no ser humano em ritmo de tocaia, aguardando oportunidades de manifestação, que surgem, muitas vezes, decorrentes de falhas dos sistemas governamentais que amparam o cidadão: violência, opressão, a injustiça, cobiça, ódios, vingança, etc. São perfis do homem regional, prisioneiro das circunstâncias político-sócio-culturais que o rodeiam, mas que dá mostras, ocasionais, é verdade, de seus anseios universais, como “ ser”.
Daí o realce do processo de transposição da “ fala” desse homem, a qual o situa no contexto nacional. Os dados mencionados permitem-nos sintetizar a temática do romance como: as forças político-sociais-culturais que movem o homem dos ermos do sertão tocantinense.
A respeito do livro que, como vimos, está em sua terceira edição, agora revista e ampliada, como romance de destaque do Tocantins, não poderíamos deixar de nos referirmos ao prêmio Personalidade Cultural conferido ao seu autor, pela UBE do R.J.).
-Opiniões críticas.
Dele, disse o crítico Messias Tavares:
“ Uma saga de jagunços e tropeiros nos sertões do Jalapão. São quatrocentas páginas de pura emoção, pelo verde da paisagem soberba daqueles cafundós de chão bruto! (...)
Serra dos Pilões retrata, na sua bem estruturada fibra de romance regionalista, a alquimia da verdadeira criação literária: o sopro épico das grandes epopéias sertanejas, incorporando, de forma vigorosa, o folclore, a força dialetal tocantinense, o mundo turuna dos jagunços, o cenário agreste do Jalapão, no mapa literário do Brasil.”

E, de Assis Brasil, romancista, crítico literário, colaborador do Suplemento Dominical dos principais jornais do país:

“ Serra dos Pilões atinge o seu alvo, como romance bem sucedido no contexto da Literatura Brasileira, ou seja, o de retratar um mundo interiorano e se realizar como obra de arte”.
Também partilhamos da opinião do sociólogo, ensaísta, escritor e crítico Clóvis Moura, expressa na apresentação de Serra dos Pilões, de que no romance regionalista, além do intuito de expressar uma região, deve-se ter fortemente delineada ( aliás, condição sine-qua-non da obra de arte) a expressão do poder criador do referido autor. Isto se configura através do processo de transfiguração e resulta em conjunção dinamizadora dos elementos estruturais da narrativa, sobretudo personagem e ação, sem minimizar o papel dado ao espaço e tempo, este, sobretudo, se for interior., aspecto não priorizado aqui, é preciso ressaltar.
Também reforçam esse ponto de vista Eli Brasiliense, no seu prefácio, um tanto tendencioso, politicamente, mas apaixonado pela região e, ainda, a poetisa Stella Leonardos que, no seu belo poema, nos traduz condições vitais da obra de Moura Lima, conseguindo espargir, com “ Repensando Serra dos Pilões”, intensos fluidos poéticos sobre as páginas épicas do romance em questão: “ (...) —E as cores do populário?/ E o místico sincretismo?/ E o flagelo dos jagunços?—Das notas reais de outros tempos./— Só sei que o romance vosso,/ só sei que o talento vosso/ são mais que ficção e História./ Em nós rapsodos se tornam,/ rapsodiar inesquecível, / regionalista rapsódia./”

Interessante que toda a narrativa se move em terrenos do Jalapão, fato sempre mencionado, havendo, talvez, apenas uma referência específica à Serra dos Pilões, nome que acaba intitulando o livro. E por referir-se ao espaço da felicidade, quando capitão Labareda confidencia ao seu amor D. Bela: “ Também fui feliz na minha infância, lá na Serra dos Pilões”, não estaria este critério apontando a intenção de imprimir ao local uma imagem metafórica, capaz de extrapolar do terreno denotativo da indicação geográfica, para o único espaço sede desse sentimento, tão raro e tão inatingível naqueles rincões? O fato indicaria recurso de transfiguração, fruto do processo criativo do autor , e seu papel seria d e tornar Serra dos Pilões símbolo do sentimento cuja busca vem embutida, na temática, como meta a ser perseguida pelos filhos do Tocantins. A saber: Serra dos Pilões, símbolo da busca da realização, da felicidade. Daí o título. Sem dúvida, possibilidade bem criativa e enriquecedora.



Personagem e ação.




Interessante, para o leitor, o encontro com personagens já desvelados por outros de nossos regionalistas, como, por exemplo, Abílio Batata e Cipriano, vultos chaves de Bernardo Elis ( O Tronco) e Eli Brasiliense ( Uma Sombra no Fundo do Rio, Rio Turuna) e que, com Moura Lima, continuam a exibir suas lideranças nas violências e desatinos, sobretudo o primeiro, ou com inesperados gestos de generosidade, sobretudo o segundo.
Personagens-- mola vital dos romances--planas, redondas, personagens de ação, ou melhor, de reação, na verdade, todas elas, constituindo, ainda que em contraponto, como neste romance, rotulado como de ação ( e aí entra a dosagem criativa do autor), marcos necessários para o equilíbrio do desenrolar da trama.
Referimo-nos a personagens de reação. Na verdade, situam-se assim, até mesmo alguns dos bandidos, se pensarmos bem uma vez que agem, movidos pelo sentimento de “ revanche” sob a compulsão do contexto selvagem, da ausência de leis, de civilização e de cultura. O acervo genético sendo a única bússola a explicar o maior ou menor potencial tanto de violência quanto de bravura que os distingue. Cipriano, por exemplo, um bandido fabricado pelas circunstâncias, como tão bem nos dá mostra Eli Brasiliense, no primeiro capítulo do romance acima mencionado.
Assim, personagens se esboçam como bobinas vivas, em torno das quais se arregimenta, em alternância “ fabular” o encadeamento da ação ( intriga-trama).
E nelas, ou através delas, sente-se o vínculo com o substrato ficcional da região goiana, então abraçando o Tocantins.
Vejam bem que Abílio Batata é aquele mesmo facínora do romance O Tronco de Bernardo Élis , romance que teve, como palco, a região do “Duro”, hoje Dianópolis, em que famílias inteiras foram dizimadas sob sua ordem. E Cipriano, agora jagunço, é o mesmo personagem de Eli Brasiliense em Uma Sombra no Fundo do Rio. Aquele Cipriano que acreditava em justiça, que confiava na autoridade, e que, na invasão de Pedro Afonso, sob o jugo de Abílio Batata, sofreu uma das experiências mais cruéis que pode atingir o ser humano. Daí que, agora, com Moura Lima, já assumido como facínora, alia-se ao Capitão Labareda, no único intento de trucidar o autor de sua maior desgraça Abílio Batata.
No seu coração, e em sua cabeça, gravada em fogo, a cena do assassinato de sua mulher e filhos pelos milicos, sob o comando do maldito Abílio. Sua mulher, gestante de nove meses, teve seu ventre aberto pelos facínoras que jogavam para o alto, sob risadas, seu filho já prontinho para nascer, aparando-o, em seguida, na ponta da espada. Ali, naquele momento, nasceu um novo jagunço, cuja sede de vingança era direcionada aos causadores de sua tormenta, o que não o impedia, esporadicamente, de voltar a ser generoso.
É a reação a comandar a ação, a delinear conceitos. Assim é que a polícia, na boca do povo daquela região, encontra, da parte do velho Januário, no alto de sua experiência por aqueles rincões, a seguinte definição:
“ A polícia nada mais é que jagunços fardados que chegam, botando banca e descendo a mutamba em todo mundo.” P. 120
E, na busca dos culpados, personagens assumem a voz que traduz o alter-ego do autor, cuja linha política fica clara de começo ao fim, em julgamento sumário, independente do contexto de época, sem o qual, hoje, sabe-se impossível julgar o homem: toda a violência, para ele, é devida aos Caiados, cujo governo, para o autor, é, inapelavelmente, ditatorial e arbitrário, como se depreende das vozes que se manifestam a respeito.


Temos, em Serra dos Pilões, dois grupos de personagens que se contrapõem. O do Capitão Labareda, cujo braço forte é Cipriano e, também, o surpreendente Corta-Cabeça. Todos, imbuídos da missão de captar Abílio Batata e seu grupo, o qual, por sua vez, tem, no jagunço Cacheado, seu lugar-tenente.
É que a temática desse romance tem, por núcleo, a vingança contra os que promoveram a mortandade dos habitantes de Pedro Afonso, a sua destruição, isto em 1914,( marco histórico) sob a batuta do mencionado Abílio batata, o facínora cruel que com seu grupo, refugiou-se, depois, na região do Jalapão, para onde aponta a narrativa.
E a trama dessa empreitada, condicionando as ações, caminha em dupla direção : com movimentos de avanço e de recuo. De avanço, ritmo direcional, na decisão do Capitão Labareda, rumo ao seu objetivo de vingança: “ Vamos pra Serra do Jalapão, sepultar Alberto Cacheado” ( p. 226). E completa,em diálogo com o velho Bocório : “ A nossa missão, seu Bocório, é botar, de volta pra Bahia, os cabras de Abílio Batata, que vêm atormentando esta região.
Bocório, coçando o queixo, como se procurasse as palavras, responde ao Capitão:
- Esse socarrão do Cacheado vem há meses perturbando o povo desses pés de serra, Capitão. Os seus sabaceiros é um horror! Só deixam os cascos das fazendas.” P. 197.

De recuo, ritmo mnemônico, em jogo de memória, trazendo, por flashbach, as lembranças das personagens que viveram intensas experiências do sertão, sobretudo as chocantes cenas da tomada de Pedro Afonso, como o relato do velho Cachoeira sobre as crueldades praticadas por Abílio Batata.(p.92).,
“ E lá fora os cacundeiros de Abílio Batata botavam fogo nas casas, subiam nos telhados e atiravam nas pessoas escondidas dentro dos quartos. Faziam pontaria de morte no povo correndo pelas ruas, e derrubavam na lapada do tiro. Na hora do ataque, muitos, atarentados do juízo, subiram em árvores pra se esconderem, e quando os jagunços descobriram, se divertiram pra valer, atirando nos coitados como se fossem passarinhos. E lá das grimpas derriavam no chão, como jenipapo, numa queda bruta de morte. Quem pôde correr passou o rio do Sono a nado, outros morreram afogados ou foram colhidos pelos tiros dos pingueleiros no barranco.” P. 80

Como afirmamos em O Processo Sintagmático na Obra Literária7, e rastreando Polti ( in Les 36 situations dramatiques), em realidade, a ação adquire espontaneidade, maturidade, quando as personagens influem menos nela do que elas nas personagens.
Assim, podemos depreender, pela conduta das personagens de Moura lima, ação e clima. E se a ação básica que movimenta a trama do romance se desenrola, como estamos vendo, em torno da tragédia da Vila de Pedro Afonso, em contrapartida, o núcleo fulcral de interesse se prende aos campos contrapontísticos representados pelas personagens já mencionadas: Abílio Batata, seu sequaz Cacheado, seu grupo, versus o capitão Labareda e sua gente de que emerge , como já demonstrado, o vulto de Cipriano- o homem forte, agora bandido pelas circunstâncias, além de jagunços peculiares como Corta-Cabeça, ou Boca-de-Sino. Destes dois, o primeiro, sobretudo, distingue-se como protótipo de um tipo do sertão: ponto-chave a potencializar simbólica e dramaticamente, a filosofia do romance que se entretece de força, em sua dupla estrutura: a física, a da violência, a ocupar, com primazia, a narrativa, e, mais discreta, a interior, a da fé, a do misticismo, e, até, da ternura.

Corta-Cabeça, bárbaro e místico, é o núcleo centralizador da contrafacção, da violência, e se destaca como o impulsionador do comportamento dos demais, para o bem e para o mal.
É o responsável por momentos particularmente dramáticos do livro. O primeiro, logo no início, quando comanda os rituais funerários do jagunço Pantaleão; o segundo, quando participa dos rituais iniciáticos da cigana— a velha mágica do acampamento—invadido por seu grupo, sob a chefia do Capitão Labareda. ( Ver p. 65).

A essas cenas, acrescentaria outras como a que revela a psiquê daqueles chefes: a do abandono do jagunço Beiço-de-Cangalha, um dos homens do grupo do Capitão Labareda, mas que, vítima de ataque epiléptico, foi abandonado, por ordem do capitão, nos ermos dos gerais, em gesto, para nós, os pretenciosamente civilizados, de extrema crueldade, mas, para eles, totalmente natural, evidenciando as prioridades das condições de luta a dirigir aqueles anti-heróis. Este o clima, fruto de mentalidades e de emoções, denunciando o móvel das ações, naqueles “ cafundós”.



Espaço e tempo.




O espaço e o tempo se cristalizam num passado- presente: sertão dos coronéis, do povo ilhado da civilização, da cultura, imagem em viés da história, a filtrar realidades ainda presentes. Tempo que não conseguiu passar por inteiro. Presentificá-lo é ajudar a varrê-lo, em definitivo, dos tempos futuros. Aí, talvez, um dos grandes objetivos do autor.





Linguagem.






Reiterando o que já foi bem explicitado no início desse trabalho, quando salientamos o papel fundamental do processo de transcrição da linguagem regional, através da estilização de sua oralidade, gostaríamos, para complementar, de chamar a atenção para o aspecto positivo das referências aos nomes próprios relativos à geografia, flora e fauna da região, familiarizando o leitor com os topônimos regionais, riquezas ambientais, sobressaindo a peculiaridade dos nomes próprios relativos a essas áreas: Jalapão, Rio do Sono, Chapada das Mangabeiras,(p. 181), Ribeirão Espingarda ( p. 184) etc, e o saboroso dos apelidos—( nomes–de-guerra) dos jagunços como: Corta- Cabeça, Militão Caolho,(59), Zé Galhão,( p. 31), Gavião, Zico- Bodoque, Beiço–de-Cangalha (p. 55), Abílio Batata e o próprio capitão Labareda, que, na verdade, se chamava Eleudino Martins,( p. 175)—como numa proteção natural, à época, às suas verdadeiras identidades, que seriam expostas na explicitação dos referidos nomes próprios.A linguagem, como já vimos, em recursos de transposição estilizada da oralidade, assumindo o ritmo da modernidade que a torna instrumento do pensamento, tende para as frases curtas, diretas, entremeadas de modismos, expressões regionais, que justificam, e muito, um glossário final, dando-nos interessante campo de pesquisa, sobretudo na área da semântica, quando encontramos manifestações saborosas do pensamento daquele povo, (algumas, de domínio comum à toda a região interiorana, sem dúvida) numa variação espontânea e significativa de construções diversas, em torno de uma mesma idéia. Por exemplo, numa citação aleatória, para indicar a intenção de sair do local, viajar : “ (...) fez sertão”; “(...) poeirou no mundo”.(p. 79); “ (...) rompeu estirão, vencendo as leguonas (...)” (p. 123); “(...) fincou o pé-na estrada” ( p. 104), etc.

Gostaríamos de ressaltar o domínio dos recursos literários, por parte de Moura Lima, o que nos é fornecido, sobretudo, nos trechos descritivos. Alguns, com lances surrealistas, imagens carregadas das tintas regionais, com matizes de humor-negro, como por exemplo: “ E naquele sertão bruto, marcado pelas noites trevosas e pelos ruídos da tempestade, ao ribombar dos trovões, ouve-se o tropel dos cavalos da jagunçada a caminho do Jalapão. O vento sopra e uma voz espremida gunguna: -É o Capitão Labareda e seus cabras!...” ( p. 92).
Ou, leves, prenhes de imagens saborosas da paisagem tocantinense, para o que concorrem as referências peculiares daquela região, intérpretes da voz mágica daqueles rincões: “O dia vai rompendo com os clarões das barras, pelos cerradões e descampados de agreste do Jalapão. A saracura quebra o pote pras bandas do riacho Mutuca, anunciando a chegada do verão e dos ventos gerais que sopram da serra da Tabatinga e vão varrendo aquele guanhã imenso de campos, chapadões e matas sombrias nas beiras dos rios e grotões profundos.” P. 218
Ou, cenas narrativas pitorescas, folclóricas, como quando, na voz de alguma personagem, discorre sobre as travessuras dos mitos lendários do Tocantins, as do Romãozinho, por exemplo: “ E também Bebecha, um boi-vaca engomador de roupas da vila, não foi poupado. Caiu numa tunda sacudida, de tirar o pixé e o godó do corpo. O homem é-vinha de um arrasta-pé, altas horas da madrugada, à bambalhona, com seus botões-de-couro poído, ao passar rente a um monte de bagaço de cana, levou um safanão. Quando percebeu, olhe o bagaço voando no seu lombo! Êta peia braba! O homem, no corre-corre e o bagaço de cana por riba, arrochando a mutamba! E Romãozinho, na gargalhada.” P. 125
Mostra-se, assim, a linguagem de Moura lima, rica de “sugerências”, de potencial de flexibilização dinâmica e recriação imagética, fundamentais para um bom escritor, sobretudo regional.





LEITURA CRÍTICA DE CHÃO DAS CARABINAS




Antes de fazermos nossa leitura crítica sobre este romance, convém lembrar, ainda que rapidamente, já que pisamos o terreno do regionalismo em Goiás, que este título: Chão das Carabinas não deixa de remontar, ainda que por afinidades intelectuais, ou por confluências históricas da região relatada, ao título de um romance de Bernardo Elis A Terra e as Carabinas que saiu em folhetins, nos jornais de Goiás, entre 1950/1951, e, só, recentemente, ( 1988) teve publicação em Obra Reunida de Bernardo Elis, iniciativa do governo de Goiás e da José Olympio Editora. Dele Bernardo Elis retirou o primeiro capítulo “Moagem”, que passou a fazer parte do seu premiado livro de contos Caminhos e Descaminhos.
Agora, vejamos a obra de Moura Lima. Este romance Chão das Carabinas- Coronéis, Peões e Boiadas. ( 2002) traz, além da sugestiva capa de Leocádio, biobibliografia do autor, e instigante prefácio de William Palha Dias, intitulado “ Um autêntico regionalista dos campos gerais”.
Em seguida, um esclarecimento: “Chão das Carabinas foi extraído de uma história real, com alma própria, acontecida na antiga Vila do Peixe, no Norte de Goiás ( hoje Tocantins), nos idos de 1936; os fatos históricos foram transportados para o campo ficcional, a partir de processo criminal, depoimentos de testemunhas e de participantes do morticínio”. Vê-se, claramente, sua intenção de declarar a fonte de seu “ saber”, no caso, o registro histórico. Isto se fortalece com o detalhe da pesquisa em processo criminal, depoimentos de testemunhas, etc, aliás, procedimento usual da parte de escritores que levam a sério a sua obra, como o fizeram, por exemplo, Bernardo Elis, em O Tronco ( 1956), já objeto de nossos comentários, ou Miguel Jorge, com Veias e Vinhos( 1981), que tem por matéria o crime ocorrido no Bairro Popular, em Goiânia, ( 1957), quando foi chacinada toda uma família, salvando- se, apenas, a pequena Ana, que se tornará a voz narradora iluminada dessa aguda dramatização. Neste romance, se inspirou o cineasta João Batista de Andrade, para seu projeto cinematográfico, já em andamento, como, também, o que já realizou sobre o romance O Tronco, no seu polêmico e consagrado filme homônimo da obra de Bernardo Elis.

Bem, voltemos a Chão das Carabinas.
Francisco Miguel, crítico, membro da Academia Piauiense de Letras, em ensaio publicado no jornal da Cidade de Gurupi (TO), ( 28/3/02),afirma: “ Há em Moura Lima, do Chão das Carabinas, mesmo sendo um romance de fundo histórico, o espanto do homem que entra para a civilização por força dos conflitos que vêm de fora, do repentino aviltamento a que é submetido, perdendo, assim, o que havia de melhor em sua natureza. Espanto esse ocasionado pela ignorância, pela solidão, pelo medo, pelo que o novo desconhecido—o outro— possa causar. Espanto que provoca desordem. Essa desordem pode verificar-se ou já ter sido testemunha, mutatis mutandis, em todas as regiões onde as mudanças se dão bruscamente, desordenadamente.”


Temática.


O romance tem, por temática, a execução de uma vingança cruel , motivada pela ambição do poder político da cidade de Peixe.
Trama, personagens, acão.
A vingança é urdida pela rivalidade entre a facção do que representa a força local, e que encontra apoio no capitão Bentão, (apesar de sua dissimulada neutralidade) e os “arrivistas” chefiados pelo Major Fibrônio Cavalcante, frente à missão “ salvadora” enviada pelo novo governo de Goiás, sob as ordens do secretário Aroroba e que, logo na chegada, é atacada por um jagunço do major Fibrônio..
Vejamos o texto explicativo, da parte da voz narradora: “(...) como vingança é uma filha bastarda de profundo silêncio, e coração é terra que ninguém entra, o capitão Bentão apesar de conselheiro e esteio moral da Vila, desejava o fim da família Cavalcante Albuquerque, que lhe roubava o poder e o mando. E ia ficando a cada dias mais rica e dominadora.” P. 21

É uma história real, mas tem “alma própria”, como adverte o autor, no prólogo. Para o romancista, historiador William Palha, que fez o prefácio, Chão das Carabinas “ focaliza, numa visão sociológica, a crueldade do feudalismo sertanejo. E mostra, em cenas eletrizantes, a tropelia dos jagunços, o repicar dos berrantes, a bravura dos vaqueiros na marcha ronceira das boiadas, rasgando os cerradões e as imensas Campinas daquele mundão verde do chão tocantinense.”

Então, a narrativa se programa a partir dessa proposta, que, se é de denúncia, aqui bem evidente, apresenta, também, natureza de conteúdo social e, até mesmo psicológico, através de perfis humanos delineados com precisão analítica, como o do capitão Bentão, do major Fibrônio, etc.

Pensamos que, se Serra dos Pilões abarca uma cosmovisão do sertão, adentrando-se e desenvolvendo-se nas belezas da região do Jalapão, com trechos terapêuticos para o leitor, como os das lendas, com, por exemplo, as travessuras do Romãozinho, ou cenas de misticismo, a revelar porção bem forte na alma do sertanejo, ou trechos descritivos que aliviam as tensões geradas pelas vinganças , aqui, em Chão das Carabinas, o tônus da violência se afunila, se concentra de tal maneira que cada capítulo torna-se um detonador natural dessa visão, gerando aquela angústia prenunciadora do clima de protesto, dentro, portanto, do que parece ser o propósito do autor.
O romance oferece três filões fundamentais: -o da violência, gerado pelo contexto sócio- político- administrativo da região; -o filão que se esmera em oferecer perfis dos tipos peculiares ao regime de vida local, perfis afeitos às atividades regionais e, finalmente, o da explicitação da postura ideológica do autor que, ou através da voz narradora, ou através de suas personagens, explicita um verdadeiro libelo contra a “ prepotência” do velho governo central do Estado, que, por longos anos, estivera nas mãos dos Caiados e, agora, era ocupado pelos revolucionários.
Vejamos: “ A revolução de 30 foi um duro golpe no poder dos coronéis da “ República Velha”. A machadada certeira veio do alto, não das forças regionais e, mesmo sem o extermínio total, restringia-lhes os poderes políticos, e também lhes tirava a função de mandões arrufados e de árbitros incontestes das comunas do sertão.
A Vila do Peixe não ficou alheia aos brados mudancistas, e o major Fibrônio Cavalcante foi o escolhido pelas hostes do poder estadual como interventor para desapear do mando local os adversários da revolução, ou seja, os prepostos do truculento caiadismo” P. 14.Aqui, já se afirma o tom condenatório constante e incisivo da voz narradora ao regime caiadista, tom alheio a consideração sobre o contexto de época, fato observado por novos ângulos frente às modernas pesquisas universitárias, conforme já dissemos anteriormente.
Então, em reação “ aos tacões da bota de Totó Caiado ( Totó brabeza), o governo da revolução apóia major Fibrônio que deve usurpar o arraigado poderio dos primeiros, de que o Capitão Bentão é um dos asseclas, ainda que bastante dissimulado para tentar a posição de conciliador entre as duas hostes. Quanto a esse item, momento muito significativo, é quando o narrador, sem dúvida, onisciente, na sua condição de analista incisivo ( uma vez que impinge ao leitor o perfil desenhado, ao invés de deixar que ele, leitor, deduza sua opinião como corolário das respectivas ações,) e nos faz flagrar o contraste entre a atitude externa do “ honrado “ capitão Bentão, no momento em que ele dá bons conselhos ao secretário Arorobá, no sentido de largar a animosidade em relação aos Cavalcante Albuquerque, e sua postura interior que deseja o contrário, tornando, pelo contraste, explicitado o ditado: faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço (ou penso), escancarando, (mas descrevendo-as), janelas ocultas da alma humana.
Mas, ao dar voz à personagem Chica do Rosário, recorre, o escritor, ao dinâmico recurso do Discurso Indireto Livre ( uma das poucas ocorrências registradas) permitindo-lhe deixar fluir, ao vivo, os sentimentos e emoções. Recurso, sem dúvida, de enriquecimento estilístico da voz narradora. Eis o trecho: através da voz da personagem : “ Ah! Minha Mãe, verdade seja dita, o capitão Bentão e o major Fibrônio eram do mesmo paneiro, isso era, no duro! O capitão Bentão sempre foi treiteiro, agradava uma moçoila aqui, outra acolá, e ia desonrando-as, para o sofrimento das mães pobres, e, para trás, ia ficando a cambulhada de filhos adotivos. Agora, já o major Fibrônio era mais atrevido, mulherengo por natureza, chegava a desrespeitar mulheres casadas, quando estas davam brechas Mas que tem razão, minha Mãe, é a costureira Maricota, que sempre diz: -Troco o capitão Bentão pelo major Fibrônio e não peço um tostão de volta, são os dois da mesma laia!” P. 86
Chica do Rosário, aliás, é personagem elevada à condição de um dos canais preferidos pelo autor para a manifestação da voz de protesto contra o status quo vigente.Vejamos mais um de seus monólogos-depoimento: “ Mas a verdade, minha Mãe, tem de ser dita, porque aqui, na terra, neste vale de lágrimas, a mentira, de tanto ser repetida, vai-se tornando verdade na boca do povo atrasado, que não enxerga um palmo diante da venta. Ainda mais que os mortos não podem fazer a defesa, aí os grandes da terra galopam, fogosos,no lombo cabeludo da mentira. E arremata: Quem não sabe, minha mãe do céu, que o motivo da matança foi só um: a tomada do poder político da Vila.” P. 86

Também se mostra, a voz narradora, em seu perfil de veículo ideológico-social, preocupada em expressar traços que demonstrem valores positivos desse ser relegado a sua própria sorte: o homem daqueles rincões. Assim, tal como Eli Brasiliense carrega nas tintas que retratam, como flores raras, num campo de tantas truculências, noções de honra e coragem de algumas de suas personagens, como Marcelino do romance Rio Turuna,--quando, na sua longa tocaia, rememora fatos de sua vida, evidenciando seu perfil de homem destemido e fiel aos seus princípios-- ou Bernardo Elis, ao pincelar, com maestria, o esforço de Piano, personagem do conto “A Enxada” (Veranico de Janeiro), quando busca traduzir seu desesperado esforço para cumprir a palavra dada ao coronel: plantar, no prazo combinado, a roça de arroz, embora, não tivesse conseguido, para isso, a indispensável enxada, fazendo-o, então, com as próprias mãos que acabaram reduzidas a frangalhos.
Assim, Moura Lima nos exibe, também, esse perfil de dignidade, de honradez que pode habitar esse povo rude, esses vaqueiros aparentemente simplórios, traço que Noratão “ cabra colhudo” se incumbe de no-lo demonstrar. Vejamos o momento em que ele é intimado, pelos acólitos do secretário Arorobá, para a missão de “ num barreado de chumbo, moquear o major Fibrônio e os filhos” . Então, respondeu: “ Diga ao Arorobá e ao Gustavo Bananeira que não vou . Não nasci pra jagunço e muito menos pra tocaieiro. Mas, se me mandar pegar um boi brabo, eu pego à unha, no maior prazer do mundo !”. Os cabras, decepcionados, acrescentaram:-- “Vancê, negando o chamado, está querendo virar cruz de beira de caminho” . P. 47


MANEJO DA LINGUAGEM



Enfim, quanto ao manejo da linguagem regionalista, as observações seriam reiterativas, reforçando o que dissemos em relação ao primeiro romance, Mas, entendendo, dentro da visão crítica moderna, por linguagem da obra tudo que nela significa, até o próprio silêncio, retiramos esse trecho de grande poder poético-descritivo de Moura Lima, quando, ao nos trazer atividades de sua realidade, nos oferece cenas de notável precisão e riqueza imagética. Ei-la:
“Chifres pra riba, os cascos ribombando no chão, como socada de mão-de-pilão, quartos roçando uns nos outros, seguia pachorrenta a boiada estrada afora. De vez em quando, um tucura atrevido, na traquinagem, enganchava nas ancas do boi da frente e andava em cima dele um estirão. O cupim apontava por cima na ondulação serpenteada dos lombos, aos saracoteios das ancas em movimento.” P. 37.



Espaço, tempo.



Romance neo-realista, caracterizando-se como de ação, personagens de reação, espaço-tempo em emprego similar ao de Serra dos Pilões: espaço predominantemente exterior, cobrindo as terras ilhadas da civilização e da cultura, correspondentes à Vila do Peixe e à região do Jalapão, na região do Tocantins, com incursões esporádicas a mecanismos interiores, que, quando ocorrem ( como vimos na dupla referência ao modo de agir do coronel Bentão, definindo-lhe o caráter), ou podem vir explicitados, com veredito já formado, pela voz narradora onisciente, recurso já mencionado, ou, oferecido ao vivo— através de técnicas agilizadoras do discurso— à observação do leitor, ( caso do D. I. L, no monólogo interior de Chica da Silva) o qual , com mais mobilidade julgadora, poderá esboçar seu juízo, como sói acontecer nos romances que privilegiam o ângulo intimista, mas fato também enriquecedoramente encontrável em autores que ocupam o espaço do neo –realismo ( neo-naturalismo), como Graciliano Ramos, Bernardo Elis, Eli Brasiliense, Moura Lima ( em uso comedido) e outros. E um tempo que transcorre em jogo pendular: presente-passado, sendo o presente histórico, para delinear a violência com mais realismo e vigor e o passado, que ressurge em lances de flashback , responsáveis pela manutenção do fio de continuidade da ação.

Torna-se,assim, antes de tudo, o tempo de uma época que, segundo Taine, diz respeito à temperatura moral dessa mesma época: o do atraso, do analfabetismo, da violência, da desassistência político-social-administrativa da região.

No último capítulo- o XXVI- agora, já levado a cabo o extermínio do Major Fibrônio Cavalcante, o último remanescente da família que tanta violência praticou na região de Pedro Afonso, e que, ali em Peixe, tentava se estabelecer no poder, novamente, a cidade, então, semi-destruída, passa ao comando em definitivo do capitão Bentão, que, abertamente, assume o lema “ posso , quero e mando”.
Com sutileza e certo tom determinista, nota-se, na sequência dos fatos e com a chegada da Comissão que deverá apurar a chacina dos Cavalcante, o clima do “ recomeço” do drama da perseguição, da violência, da humilhação, como estigmas que relutam a abandonar aquelas paragens, tão naturalmente ricas e potencialmente promissoras. Sacraliza-se, então, o clima de protesto perante o statu quo desta realidade, cujo perfil opressivo foi magistralmente simbolizado, numa operação contrapontística, na cena final. Vejamos a referida encenação, quando a viúva do defunto Rafael Cavalcante e seus filhos passam rumo ao campo-santo. “ iam orar ao morto. Junto à cova, no alto do cerradão, a sombra acolhedora de um pé de baru é testemunha do crime”.
Atente-se para a metáfora do pé de baru, ali, com força testemunhal. Então a voz narradora cria dinâmica imagem ao reunir, num mesmo foco, o contraponto das forças-símbolo daquele sertão: o impacto opressor , representado pelo poder do homem e a imponente e forte inocência da natureza, que, como a voz do povo dominado, tinha de ser calada.
A derrubada da árvore-testemunha, cuja presença incomodava os grandes da terra,
teria de ser levada a cabo? Que peso teria, na força dos acontecimentos?
Então, a voz narradora esboça o arremate fatalista:
“ Desta forma triunfava feroz o feudalismo sertanejo dos coronéis arrogantes do sertão “ . P. 138.

No final do livro, o indispensável glossário, e mais opiniões críticas valiosas sobre a obra do autor.
















CONCLUSÃO



Assim, a obra literária de Moura Lima—contos e romances—se consagra como a primeira voz oficializada—já vimos que só recentemente, Tocantins constituiu-se em nova unidade da Federação—da saga tocantinense.
Narrativa ágil, diálogos bem construídos e pertinentes à condição cultural de suas personagens, espaço ambiental traduzido com autenticidade e amor, por um profundo conhecedor daquelas plagas, tudo isto faz de Moura Lima um escritor respeitável, a garantir lugar de referência na Literatura Regionalista em âmbito nacional.




Moema de Castro e Silva Olival
Escritora-Crítica Literária

28/09/02
















SELEÇÃO DE TEXTOS
DA OBRA DE MOURA LIMA































VEREDÃO – CONTOS REGIONAIS E FOLCLÓRICOS


CAÇADA DE FUBOCA





De manhãzinha, com o sol rompendo pras bandas da Chapada das Cangalhas, o vaqueiro Timborão, da fazenda Raizama, munido de uma cuia e arreador de couro, no curral mandou o filho Miguelinho soltar um bezerro do enchiqueirador. O menino, atento no seu trabalho, puxou os varões da porteira e soltou o monjolinho, que veio agoniado, berrando para a mamada farta. O vaqueiro deixou-o, por um instante, na apojadura e, em seguida, amarrou-o com o arreador a uma das pernas dianteiras da vaca-mãe. E acocorando-se, segurou entre os joelhos a cujuba, meteu as mãos no úbere cheio e puxou ritmado as tetas; o leite branco e gorduroso esquinchou no fundo da cuia, provocando um som espumoso de cachoeira.
Zé Guedes, trepado por riba das lascas de aroeira do curral, balançando as pernas, no seu jeitão manso de capurreiro despreocupado com a vida, ergueu a voz fanhosa: – Timborão, assim que tirar o leite, vamos abreviando, que daqui até o veredão é uma boa puxada. E só à boquinha da noite é que vamos chegar no ponto da espera.
O vaqueiro respondeu lá do meio do curral:
– Já estou terminando, e os cavalos estão na remanga.
E soltando o bezerro do arreador, caminhou para o jirau, onde entornou a cuia cheia de leite no pote de barro.
Zé Guedes, na sua fala preguiçosa, perguntou-lhe:
– Meu compadre, no quarto dos arreios tem um pedaço de couro promode eu fazer uma currulepa?
– Tem sim, pode pegar.
E o tapiocano, de posse do couro cru de vaca, sentou-se debaixo de uma frondosa mirindiba, na porta do rancho. E puxando da bainha, no cós da calça, a peixeira afiada, escarrapachou no couro o pé chato e rachado, de caminheiro da areia frouxa do Jalapão, e foi riscando com a ponta da faca o contorno. E depois de riscado o desenho da sola do pé, cortou no capricho o contorno. Passou novamente na sobra do couro a faca e tirou as tiras das correias para o cabrestilho. Furou os pontos de perpasso, deu o nó de reforço. E pronto! Estava assim feita a salga-bunda, a rústica alpercata sertaneja.
Timborão entrou apressado no rancho, carregando o pote de barro com o leite e foi chamando a mulher:
– Muié, bote logo o café-de-isca na mesa! Estou avexado...
E voltando pros meninos, disse:
– Vão pegando os cavalos!
Logo o farto café estava na mesa, o quebra-jejum. Farinha, torresmo, rapadura raspada, coalhada, requeijão, cuscuz e beijus. Timborão, no seu costume de sempre, não dispensava o leite morno na cuia, com farinha de puba e um bom pedaço de carne assada.
No fundo do rancho, debaixo das mangueiras, as negras da casa batiam no pilão a paçoca com a dourada rapadura. Tum...Tum...Tum!...
Após o café iscado, Timborão e Zé Guedes abalaram na estrada, no rumo do veredão. Iam animados para a caçada de espera de fuboca, na florada dos pequizeiros.
O vento morno dos gerais varria aquele guainhã imenso do Jalapão.
À boca da noite, conforme o previsto, chegaram à mata do veredão e entraram por uma canajuba terrível, até que saíram num carreiro de gado, que atravessava, naquele ponto, um capuão de árvores espaçadas; sem tardança foram dar num pequizeiro robusto. O chão estava repleto de flores caídas, com pontos trilhados de rastros de fubocas.
Timborão, satisfeito, com a boca cheia de risos, disse:
– Compadre Zé Guedes, aqui vancê fica nesta espera, e eu vou um pouco adiante, procurar outro pequizeiro pra armar a minha rede, num ponto cevado, que conheço na beira do veredão.
E cutucando as esporas no cavalo, seguiu adiante pelo carreiro de gado.
Zé Guedes amarrou o cavalo a razoável distância do pequizeiro, numa garapa. Ato contínuo retirou o cacaio da rede da garupa e a espingarda lazarina, que trouxera presa à borraina da sela. A capanga de munição, prendeu-a à vaqueta da espingarda e caminhou para o pequizeiro. Armou a rede entre dois galhos fornidos do pequizeiro, o mais alto, nas grimpas. Tirando a currulepa nova dos pés, subiu maneiroso tronco acima.
Ajeitou-se na rede, logo em seguida meteu as mãos no butucum à procura de munição. Pegou o polvorinho, encheu o medidor de pólvora e despejou-o pelo cano da bocuda. Introduziu pela boca a bucha de embira, socou forte com a vareta. Procurou o chumbeiro, escolheu um balote grosso, juntamente com o chumbo meã e enfiou goela abaixo da espingarda, com outra bucha, numa socada firme de vareta. Levantou o cão, colocou a espoleta sobre o ouvido e foi soltando-o devagar para que a arma não detonasse. Amarrou num galho uma cabaça; se sentisse vontade de verter água, ali estava a solução. Pois não se pode urinar debaixo da árvore de espera, que espanta a caça.
Fez-se noite. A lua passeava por cima das copas das árvores.
Na outra espera, Timborão carregou bem a espingarda e quedou-se no fiango, aguardando a caça. De repente, escutou barulho meio balofo pelas folhas secas. Não demorou, e surgiu um fuboca caborjeiro, meio arisco, pisando de leve, farejando o ar, apurando o faro. E foi se aproximando do pequizeiro. Parou outra vez, cheirou o vento. Timborão, no alto do galho, reteve a respiração. Esperou mais um pouco. O fuboca veio ansioso para pegar as flores pelo chão. Foi só dormir no ponto da mira e berrar fogo. O animal escarrapachou na fumaça da pólvora, ciscando os gravetos na ânsia da morte. O balote de pé-de-panela cravou lá nele, no meio do peito.
Zé Guedes, na sua espera, no momento do tirambaço padecia com uma dor de dente zangada, de soveladas de marimbondo cassununga, que surgiu de supetão. Doía-lhe até a raiz do cabelo. Era o panelão do dente cariado. E recriminava a si, por que foi comer um naco de rapadura, numa hora daquelas. E na sua agonia, lembrou-se do compadre Timborão, que tinha trazido uma garrafa de cachaça no alforje. E às pressas desceu do pequizeiro e embrenhou-se pelo carreiro, na direção da espera do compadre.
Timborão, lá do alto do pequizeiro, regozijou pelo tiro certeiro no fuboca e recarregou rápido a espingarda. E pensou consigo:
– Vou matar mais um cambucica, rasto é o que não falta aí embaixo. A florada é boa.
E continuou:
– Eu só quero ver a cara dos capiongos, lá do baixão-dos-porcos, a hora que eu chegar com os dois fubocas balançando no cavalo.
Nisso uma moita espessa de piaçaba balançou, remexendo as folhas, num barulho de passos firmes pelo gorgulho. O vaqueiro-caçador mal divisou o vulto e berrou fogo. A queda foi em cima do tiro, num baque seco. E lá da tipóia, ele encheu a boca de risos.
A madrugada avançava. A brisa morna dos gerais soprava pela madrugada sertaneja. Timborão, calmamente, desatou a rede, enrolou-a e animado desceu do pequizeiro. E foi examinar o primeiro fuboca morto. Era um animal fornido, de pêlo luzidio e bastante gordo. O dia vinha rompendo, e, lépido, buscou o cavalo que havia amarrado num tamboril, junto do veredão. Ao retorno teve uma grande dificuldade para agasalhar na garupa do cavalo o fuboca, em razão do peso. Assim que terminou, puxou o animal pela rédea e foi à procura do segundo canela-roxa morto. E quando contornou a bojuda moita de piaçaba e bateu com os olhos no chão gorgulhento, levou um susto tremendo por dentro: não tinha matado um fuboca, mas, sim, o seu compadre Zé Guedes, que jazia duro na terra, com um rombo no peito, do seu tiro mortífero, e, com a boca cheia de formigas. Entrou em pânico, ficou meio azuretado, brabobó e falava ao morto:
– Por que não gritou, meu compadre?... Assim tinha evitado essa desgraceira... E eu não tinha te barreado de chumbo de morte!
E sem tardança, no ato do desespero, jogou o cadáver no lombilho da sela, prendendo-o com embira. E lá seguiu pelo carreiro de gado, puxando o cavalo com o defunto balançando os braços e o fuboca morto na garupa.
A luminosidade da manhã começava a penetrar os galhos folharudos do robusto pequizeiro.




















Fortuna crítica
ASSIS BRASIL
CLÓVIS MOURA (USP)























REGIONAL E ESTILO

Assis Brasil(*)







O romance de MOURA LIMA, Serra dos Pilões (jagunços e tropeiros), já foi recepcionado por importantes nomes de nossa literatura, como Clóvis Moura, Eli Brasiliense, William Palha Dias, Stella Leonardos, e todos têm admirado a excelência desenvolta do narrador ao construir um romance ao nível dos melhores da série literária brasileira. O romance é classificado de regionalista porque se convencionou, entre nós, que vocabulário, expressões, modismos, temáticas dão tal feição à obra. Para os especialistas, no entanto, Regionalismo nem é escola, nem caracterizaria perigosamente um gênero de nossa literatura, ou um desvão algo estanque, pois a maioria dos nossos ficcionistas é urbana e se define na área subjetiva, intimista, existencialista.
O caso é que se trata de uma única literatura brasileira – não estritamente regionalista – com experiências várias, sintáticas e semânticas, ao nível da linguagem literária. É claro que alguns escritores dão características locais, regionais, com um vocabulário específico, com personagens interioranos do nosso rico mundo caboclo, temas do sáfaro lendário das nossas tragédias. O que devemos observar, no entanto, em qualquer romance, é como o escritor (criador) trabalha a sua linguagem, rompendo mais ou menos com a norma. Ele trabalha sobre a norma da língua – a norma cotidiana e comum – e, como artista, recria a sua própria linguagem e seu estilo. É claro que determinadas regiões situadas num romance precisam, necessariamente, de vocábulos e expressões que possam caracterizar o regional e o clima dramático que se quer expor.
O que se deve observar, também, é que a oralidade – pura e seca como a ouvimos – não é a linguagem escrita, não é a obra em si mesma. A oralidade simplesmente “transcrita” “de ouvido” – como diria Mário de Andrade – ao nível da narrativa, soa algo falso, incongruente, daí a estreiteza de concepção de muitos romancistas tidos como regionalistas. Então o quê? A transcrição da oralidade para a escrita – o lugar onde a linguagem literária se realiza – precisa de uma estilização, ou seja, de uma adequação entre o mundo revelado e a literalidade, o que marca toda obra criativa. Sim, o escritor pode usar vocábulos, expressões regionais, nomes locais, certos termos antigramaticais até, para que tais recursos sintáticos conotem o clima regional, sem que o escritor precise arremedar, falsamente, a linguagem interiorana. Temos dois exemplos radicais de estilização da oralidade, tratando-se de romancistas ditos regionais: o baiano Adonias Filho e o mineiro João Guimarães Rosa. Devido à sua formação clássica – o mesmo caso de Graciliano Ramos – o primeiro pouco estiliza a oralidade, preferindo ficar ao nível da norma da língua, embora com indicações léxicas conotativas. E não foi à toa que Adonias Filho repudiou a experiência de Guimarães Rosa, pois viu na sua linguagem um exagero estilístico. É que o escritor mineiro faz da sua linguagem literária a própria estilização (por vezes erudita) dos regionalismos, dos modismos, das tradições lingüísticas, e isso para fugir do cacoete generalizado de arremedar a fala interiorana.
É nesse último caso, afinal, que devemos situar Moura Lima. Não tão sóbrio quanto Adonias Filho, nem algo exagerado como Guimarães Rosa, a estilização do romancista serve para manter um nível, um diapasão da linguagem interiorana – ao nível literário – sem a recorrência acentuada aos “erros” e impropriedade da linguagem oral. Como se trata, em seu romance, de personagens broncos, analfabetos, vivendo a própria existência de sua linguagem – retrato psicológico e comportamental – o escritor estiliza a sua linguagem - diálogos e narrativa ao nível de uma norma literária que é ao mesmo tempo a sua estilização e concepção do seu regional romanceado. Os diálogos de muitos personagens, por exemplo, não trazem aquele exagero – de muitos romancistas – de tentar, “de ouvido”, imitar a fala cabocla, o que seria uma contrafação literária. Daí que Serra dos Pilões atinge o seu alvo, como romance bem-sucedido, no contexto da Literatura Brasileira, ou seja, o de retratar um mundo interiorano e se realizar como obra de arte.


(*) ASSIS BRASIL, laureado escritor brasileiro, autor de cem obras publicadas, crítico literário dos principais jornais do país: O Globo, O Estado de São Paulo, Tribuna da Imprensa, Jornal do Brasil, revista O Cruzeiro. Profº de Técnicas Jornalísticas, n

















SERRA DOS PILÕES : UM ROMANCE DE GRANDEZA NACIONAL


CLÓVIS MOURA

O romance regional e a ficção regionalista de um modo geral vêm se destacando e abordando problemas cada vez mais complexos da vida social. Tolstoi dizia que se você quizer ser universal volte-se para a sua aldeia. É através desta volta ao regional, à vida microanalisada que o romancista ou o contista de talento consegue captar as paixões. Os dramas e as tragédias de uma comunidade. É através da análise do particular que o autor consegue desvendar as inquietações existenciais e os conflitos sociais do geral.
No Brasil podemos dizer a ficção regional teve início com uma série de obras frustras. Uma literatura sem verticalidade nos dramas retratados. No particular basta nos lembrarmos de Inocência de Taunay. O sertanejo de José de Alencar ou pelo sertão de Afonso Arinos. Posteriormente, especialmente após a chamada geração de ’30 esse tipo de literatura se desenvolveu e conseguiu maturidade com os nomes, entre outros, de Graciliano Ramos , Guimarães Rosa , Osório Alves de Castro,Acioly Lopes , Jorge Amado, José Lins do Rego, além da obra atípica de Hugo de Carvalho Ramos e o caso excepcional de Simões Lopes Neto.
A ficção regional exige muito mais do que o simples conhecimento da Geografia, nomes de rios, montanhas, fauna , flora, (bichos e plantas) além da forma particular dos falares regionais. Exige a criação literária e todos esses elementos capazes de articular uma metalinguagem organicamente adaptada à elaboração da peça ficcional.
E é exatamente o que distingue o romance Serra dos pilões do escritor Moura Lima das muitas tentativas frustadas da ficção regional. O autor reelabora , quase sempre com êxito, as particularidades da paisagem, da natureza e do homem numa unidade literária que dá como resultado um romance que expressa e ao mesmo tempo transfigura a região, projetando-se como obra na qual personagens e sobretudo a ação humana dinamisam-se harmonicamente.
Isto porque o contraponto dramático que une toda a ação do romance é a violência no seu sentido primário e imediato. Os romances que retratam o comportamento dos grupos que habitam as zonas pioneiras , nas quais os espaços sociais ainda não foram ocupados e devem ser conquistados para se estabelecer um nível de hierarquia (poder) posterior institucionalizada é a violência através da qual os grupos e os indivíduos conseguem se reagrupar socialmente e socializar os seus níveis de poder. E ela (a violência ) vem com todas as formas possíveis para estabelecer os reajustes posteriores.
Abílio Batata, de um lado, e o Capitão Labareda, assecla de Cipriano, de outro, formam os dois polos contraditórios que dão movimento ao romance . Neles se agregam os demais personagens e é através dos papéis sociais dos dois que os outros personagens se movimentam e adquirem existência. A tragédia da Vila de Pedro Afonso é o episódio que deflagra a violência, elabora as suas consequência e cria ( ou recria )as normas de comportamento dos demais personagens. E esses personagens são mais ou menos elaborados pelo autor no sentido de proporcionarem ao leitor os sentimentos mais diversos e significativos. Queremos, aqui , destacar dois personagens que parecem ser os mais vivos e significativos simbólicamente do painel criado pelo autor : Corta Cabeça e Boca de Sino, este pela radicalidade da violência , ambos vivendo, de forma contraditória a ação do romance. Corta Cabeça é o mais importante para que se compreenda simbólica e dramaticamente a filosofia do romance. Isto porque ele é a contrafacção da violência e se destaca como o centro humano impulsionador do comportamento dos demais para o bem ou para o mal (violência ou contraviolência ). O personagem Corta Cabeça é o responsável pelos momentos mais dramáticos do livro. O primeiro, logo no início, quando comanda os rituais funerários do jagunço Pantaleão e o segundo quando participa dos rituais iniciáticos da cigana velha e mágica do acampamento invadido pôr Jagunços do Capitão Labareda. Nestes dois episódios, antológicos, o autor consegue um poder de transfiguração e dramaticidade dignos dos melhores momentos da ficção nacional.
Por outro lado, o ritmo da ação do romance vai num crescendo à medida que novos personagens vão surgindo e o objetivo final do Capitão Labareda vai ficando cada vez mais claro . E uma sucessão de acontecimentos e atos de violência que movimentam o romance , através de uma pontuação dramática precisa até o seu final.
O desenvolvimento da ação é trabalhado no livro pôr vários recursos técnicos , inclusive fazendo com que ele se expresse através da narrativa, pôr parte de vários personagens, de recordações, de fatos passados, levando o leitor a reconstruir paulatinamente a realidade que vai se concretizando não de forma linear, mas de pedaços da memória que vão se juntando até se transformarem em um painel unitário no qual todos os elementos se completam.
É, portanto, um livro duro na sua temática e ao menos tempo inovador tecnicamente . Tem, por isto mesmo, enclaves de ternura e romantismo dentro da atmosfera dramática do tema. Basta lembrar o episódio de Gavião com a ciganinha Lorena, quando os sentimentos líricos se manisfestam tão espontaneamente e o romance do Capitão Labareda com D. Bela para se ver como o Autor soube costurar os sentimentos dos seus personagens fazendo-os não simples autômatos, mas homens e mulheres com interioridade, paixões e comportamento humanos e por isto mesmo imprevisíveis .
Este romance de Moura Lima projeta-se como uma unidade literária de valor destacado não apenas como unidade computável na produção da literatura da região, mas,também , como obra que pelas suas qualidades literárias irá compor o elenco dos trabalhos mais significativos da nossa novelística brasileira.

Clóvis Moura é sociológo, ensaísta, escritor, jornalista, crítico literário, professor catedrático da USP e presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Africanista da Universidade de São Paulo, bem como coordena o Projeto Arqueológico Palmares, em Alagoas, patrocinado pela Universidade Estadual de Illinois, EUA. Autor dos livros : Rebelião da Senzala e Introdução ao pensamento de Euclides da Cunha, dentre outros.
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A Cultura Popular e a Erudita na obra de Moura Lima

Aluysio Mendonça Sampaio



Tem sobejas razões o escritor Francisco Miguel de Moura ao afirmar que “Moura Lima (Jorge Lima de Moura), tocantinense descendente das famílias Alencar e Moura do Piauí, é um grande ficcionista dentre os que apareceram nos anos noventa do século XX” (In Jornal Meio – Norte, Teresina - PI/2001).
De fato, Moura Lima é autor de respeitável obra literária, inclusive do primeiro romance do Estado do Tocantins (Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros), publicado em 1995. Até mesmo pela titulação de outros livros (Solidões do Araguaia, romance inédito; Veredão – Contos Regionais e Folclóricos (Prêmio Malba Tahan de literatura/RJ); O Caminho das Tropas, romance; Mucunã – Contos e Lendas do Sertão (Prêmio Profº Joaquim Norberto/RJ); Chão das Carabinas – Coronéis, Peões e Boiadas, romance; Negro d’Água – Mitos e Lendas do Tocantins, contos) ressalta-se o sentido fundamental de sua obra: o regionalismo.
É exatamente o lastro regionalista que caracteriza o presente livro, Negro d’Água – Mitos e Lendas do Tocantins, em que o autor reúne 24 contos retratando com fidelidade mitos, lendas e estórias do Tocantins. Mas o regionalismo de Moura Lima não consiste no mero registro de estórias, mitos e lendas. Nem, também, se restringe a pesquisa de língua. Nas páginas do livro em foco, encontramos o linguajar do povo, é verdade, mas também a linguagem normativa, das elites cultas. Realiza o autor, no texto deste livro, a união do erudito ao popular, conseguindo, com notável habilidade de escritor tarimbado, o equilíbrio e harmonia fundamentais na obra literária, justapondo, num mesmo texto, as duas culturas brasileiras, a popular e a erudita.
Em vários contos que compõem o livro, destaca-se a elegância da linguagem, parecendo-me lembrar o estilo de Euclides da Cunha, naquele ritmo quase épico do descrever paisagem e narrar acontecimentos. É a palavra sublimada, na harmonia de sons e idéias. Veja-se o início do conto-título – Negro d’Água:
- “Noite sertaneja de lua cheia, sob a imensidão silenciosa do rio mágico, das ribanceiras, das enseadas, dos lagos, das ipueiras, das matas ciliares, onde os caburés, os corujões piam, no ruflar do bater tristonho das asas, na solidão impenetrável dos ermos. A mãe-da-lua, lá nos cafundós dos boqueirões, garganteava a toada triste e penosa (...)”.
Mas, ao mesmo tempo, adota o ritmo do falar do povo do Tocantins, especialmente pelo registro de palavras empregadas no linguajar cotidiano. Apesar do exótico dos termos, em face da linguagem normativa, não resvala o autor para o dialetal, o que desajustaria ritmo e sintaxe do português.
Parece-me que essa junção entre a cultura popular e a erudita na obra de Moura Lima decorre de aspectos definidores de sua vida. Embora percorrendo o caminho das elites culturais, vivenciou costumes e hábitos do povo, ouvindo suas estórias, suas lendas e conhecendo seus mitos. Nada de trancar-se em torres de marfim, mas aproximando-se de sua gente e efetuando pesquisas relativas à cultura popular.
Com o material colhido em pesquisas e na vida cotidiana, o autor não apenas o registra, mas o faz introduzindo-o na narrativa dos contos. E isso com tal habilidade, que o leitor menos atento não percebe a solução estética por ele dada ao texto. Observe-se, a respeito, que, após a narração da lenda, do mito ou do fato folclórico, vezes várias ele termina destacando um final conclusivo, em frase solta, como se fosse um poeta buscando uma chave de ouro para um soneto ou moral apropriada de fábula. Vejam-se alguns exemplos:
Em O Poder das Orações do Padre Luso: “Era a luz vencendo as trevas!”.
Em Assombração: “A molecada logo o batizou de Chambari Gordo. E nunca mais recuperou os sentidos. Era a punição que veio do além, para cobrar-lhe os crimes praticados”.
Em O Iluminado: “A luminosidade da manhã penetrava o mais íntimo dos arvoredos, e um misto de mistério pairava pelos vales e pelas grotas do caminho”.
No conto-título do livro: “A lua derramava a sua luz prateada pelas praias e ribanceiras”.
Em Mãe do Ouro: “Uma chispa de fogo cruzou os horizontes: era a Mãe do Ouro abençoando os bons corações na terra!”.
Em A TOCAIA:- “... A terra era um braseiro. Do chão rodopiava pelo ar a areia fina e afogueada. A canícula tremulava nas lonjuras”.
Outro aspecto a assinalar-se: várias lendas e mitos registrados no livro não são estritamente tocantinenses, mas de dimensões nacionais, tais como: Saci, Lobisomem, Mula-Sem-Cabeça. Os demais são da região do Tocantins, dentro da amplidão amazônica.
O regionalismo deste livro de Moura Lima não é negação da cultura nacional, pela prevalência dos aspectos regionais. Mas, ao contrário, é afirmativa da unidade nacional da nossa cultura, dado que toda unidade é múltipla em seu conteúdo, pois o geral é constituído do particular. Importa salientar que a literatura de Moura Lima, na junção do erudito ao popular, do real ao mágico, é afirmativa dessa unidade e da elevada expressão cultural de seu autor.

Aluysio Mendonça Sampaio
Romancistas, ensaístas, crítico literário, Juiz togado do TRT da 2º Região – São Paulo, professor univ. jornalista, editor da revista de Literatura Brasileira, autor de várias obras jurídicas e literárias, destacando “Jorge Amado, O Romancista”, (ensaio) e “Brasil – Síntese da Evolução Social”. Com o livro “Os Anônimos”, recebeu o Prêmio Afonso Arinos, da Academia Brasileira de Letras – (1975).



















UM AUTÊNTICO REGIONALISTA DOS CAMPOS GERAIS
*WILLIAM PALHA DIAS


Embasado em convicções íntimas, o operário monta o seu invento até dar por findo o trabalho ideado. Nessa pachorrenta escala, como artesão de ourivesaria, vai delicadamente urdindo filigrana após filigrana até à conclusão da obra, sempre receosa da crítica. Todavia, tratando-se de produção literária, o temor torna-se mais intenso, eis que, a exigência crítica desdobra-se na ânsia de extirpar do texto investigado, qualquer eiva ou jaça, quer formal ou dialetal.
Para superar essa exigência embaraçosa, criada pelo propósito do censor, o escriba terá que se valer de “todo o engenho e arte” tanto quanto lhe permita a fertilidade criativa na consecução de seu objetivo.
Nesse caso, com a preocupação de produzir trabalho rigorosamente regionalista, Jorge lima de moura, conhecido nos meios literários do país pelo simpático pseudônimo de moura lima, vem brindando seus inúmeros leitores com obras comprometidas com os mais rígidos temas sociológicos, numa novelística alicerçada em surpreendente linguajar, cuja densidade fica a questionar caminhos contigenciais em relação ao meio e o tempo. Assim, dentro dessa temática vinculada à palavra-ação, reúne tipos ainda não focalizados para os transformar em elementos vivos, numa realidade verdadeiramente concreta.
Transparência e denúncia. Eis a palavra mestra da obra de moura lima. Transparência profunda, penetrante, do vale araguaia-tocantins, com o real da luta do homem, da paisagem, das madrugadas sertanejas, dos arrebóis, dos cânticos dos pássaros, da seriema, ao uivo do lobo guará debaixo das lobeiras. Nada é artificial, tudo tem vida, cheiro da terra, é um hino de louvor aos campos gerais e aos imensos cerradões e pradarias.
A obra do grande escritor tocantinense é antes de tudo, inspirada na potencialidade terra-povo e gira no espaço geográfico de suas constantes pesquisas. Desta maneira, inspirando-se nos qualificativos: valentia, coragem e determinação, leva em conta esse material que o arremessa para a realidade emergente de todo o conjunto sócio-político de sua admirável produção.
Os seus romances e contos mostram como se organizaram as vilas, povoadas e cidades nos quadrantes do Goiás antigo, que, depois foi dividido em duas unidades representadas por dois vastos e futurosos estados, onde a lei deixou de ser o árbitro do mais forte com o aval do retrógrado coronel ou o azougue do “44 papo-amarelo”.
Nasceu moura lima para as letras e carrega, atavicamente, tendências regionalistas tendo, por isso mesmo, se esmerado o quanto permite sua privilegiada inteligência, na produção de uma obra de fôlego, quer como romancista ou contista, mostrando assim, que não existe mossa a reparar quando, na criação literária, o calor da imaginação sobrepõe o temor de produzir.
Vocacionado para as investigações sociológicas, o destino escolheu inclusive, o lugar para a sua vinda à luz – uma fazenda em pleno sertão, cujo inusitado nome, capim puba, hoje heitoraí, outrora distrito de itaberaí, lindes de Goiás velha, vale de são patrício, por certo, fonte geradora de sua produção nitidamente regionalista. Dali partiu para outras plagas, depois de muito forcejar, conquistou posição de destaque, tendo abiscoitado mais de um canudo de curso superior.
Com esse rico cabedal plantou-se na vitoriosa cidade de gurupi, Tocantins, e, sem parelhas, comanda o patrocínio de relevantes pleitos judiciais, ao tempo em que com brilho invulgar, floresce no campo das letras, o seu mais acalentado desiderato.
Descendendo de ilustre cepa familiar piauiense, com orgulho, credita seus invejáveis dotes a essa forte carga genética.
Tem publicado entre outros trabalhos, os seguintes: Serra dos pilões, romance, Veredão e Mucunã, contos.todos premiados nacionalmente. Agora traz a lume o monumental romance Chão das Carabinas, onde focaliza numa visão sociológica, a crueldade do feudalismo sertanejo. E mostra em cenas eletrizantes, a tropelia dos jagunços, o repicar dos berrantes, a bravura dos vaqueiros, na marcha ronceira das boiadas, rasgando os cerradões e as imensas campinas daquele mundão verde do chão tocantinense. É um romance de forte conteúdo social, e de protesto, baseado em fato histórico-político-social, ocorrido na década de 30, na vila do peixe, norte de Goiás, hoje Tocantins. O terrível morticínio permaneceu amordaçado, no bojo do processo criminal, por mais de oitenta anos, aguardando um romancista de peso, para trazê-lo à luz, aos olhos da sociedade contemporânea e da literatura brasileira. O romance em si vem preencher uma lacuna que faltava, no ciclo do jaguncismo do brasil-mediterrâneo. E recria acima de tudo, o drama dos oprimidos, nas mãos dos coronéis, legítimos agentes das forças opressoras do latifúndio.
A saga romanesca mouriana é de feição regionalista e projeta-se no universal .no que concerne ao estilo, é de tendência neo-realista, predominando a autenticidade do linguajar do povo, a fala da gente humilde, que assinala o vigor telúrico de sua produção literária. Os elementos abstratos, estéticos, lingüísticos, estilísticos estão presentes e robustecem a sua legitimidade artística. Ainda mais, o notável escritor vem escrevendo ensaios sobre a personalidade da romancista piauiense – Alvina Gameira, revelando assim, com vigor, outra faceta de seu talento, qual seja o de exímio crítico literário.



•William Palha Dias, romancista, historiador e magistrado.
(vice-presidente da apl)
































A Ressurreição do Regionalismo brasileira nas Veredas do Tocantins

Adrião Neto


De repente, o marasmo que se instalou na literatura brasileira, nas últimas décadas, foi quebrado, com o surgimento da obra literária do escritor Moura Lima, que rompeu a estagnação reinante, para se projetar dos imensos chapadões e das veredas do Tocantins, pelo país afora, como uma força viva e universal.
Nos estados brasileiros, ao longo de sua história literária Regional, foram surgindo os seus ícones, como, por exemplo, em São Paulo Valdomiro Silveira; em Minas Gerais Afonso Arinos, depois Guimarães Rosa; em Goiás Hugo de Carvalho Ramos, seguido por Bernardo Elis e Eli Brasiliense; no Rio Grande do Sul, Simões Lopes; na Paraíba José Américo e José Lins do Rego; em Alagoas Graciliano Ramos; no Rio Grande do Norte Câmara Cascudo; no Ceará Gustavo Barroso; no Piauí Fontes Ibiapina, Alvina Gameiro e Wiliam Palha Dias, e Agora no Estado do Tocantins surge Moura Lima, para a glória da literatura brasileira!
Moura Lima é um escritor arrojado, que veio da terra, do meio do povo, encarnando a alma brasileira, com suas dores, angústia e o drama sóciocultural. Sua obra é autêntica e realista. A linguagem é viva, coloquial, preferindo a adjetivação por vezes rude, os regionalismos, os neologismos, as hipérboles, as repetições analógicas, de acordo com o modo de viver – e pulsar – das mentes sertanejas. Aí está a sua grandeza, sua rica universalidade, porque só é universal aquilo que resplandece da genuína condição humana.E desta forma é a sua capacidade de nos tocar e comover.
Portanto, a sua trajetória, como escritor, foi marcada com o grande sucesso alcançado com o romance Serra dos Pilões, depois com Veredão, Mucunã e Negro d’Água e agora lança outro romance de peso Chão das Carabinas-Coronéis, Peões e Boiadas. A obra é ambientada nas barrancas do rio Tocantins, e tem como enredo principal, o terrível massacre dos Barbosas, ocorrido em 1936, na Vila do Peixe. O autor para escrever o fabuloso romance, teve que estudar, exaustivamente, o processo criminal da época, foi também, obrigado a deslocar-se para o Nordeste, onde estudou também, o outro processo criminal da cidade de Pedra, Alagoas, em que o major Barbosa foi envolvido, no suposto assassinado do grande industrial brasileiro Delmiro Gouveia. E para fugir da morte escafedeu-se para o Norte de Goiás e homiziou na vila do Peixe. De posse de todas essas fontes, o brilhante romancista tocantinense, transporto-a com arte e criação literária, para o campo ficcional, gerando assim, o monumental romance, que oferece cenas eletrizantes e cinematográficas.
Moura Lima é senhor de seu estilo, e abriu com sua inteligência um espaço próprio, no áspero caminho da Literatura brasileira. E, em Chão das Carabinas mostra a sua arte, ao narrar com todo realismo o horripilante morticínio, o drama dos personagens, à angústia dos órfãos e das viúvas dos mortos. Para aliviar a tensão dos leitores, no emaranhado da trama romanesca, dentro de sua técnica de escritor tarimbado, descreve uma alegre vaquejada na ilha do Bananal, em lances emocionantes da bravura dos vaqueiros, com todas as cores e beleza daquele mundão verde de canarana. E ao longo do romance, os personagens vão contando os causos pitorescos do sertão, e, no final, o autor pinta em cores vivas o ataque dos jagunços a Porto Nacional, que nada mais é do que a vingança premeditada de um dos filhos do finado major Barbosa, que voltou com um bando de jagunços armados, até os dentes, para vingar o terrível massacre de seus familiares, que foram cruelmente assassinados.
Enfim, o romance é uma epopéia do sertão, é a ressurreição da literatura regional brasileira nas veredas do Tocantins.

Adrião Neto - Dicionarista biográfico, historiógrafo, poeta e romancista. Membro da International Writers and Artists Association, da Associação Nacional de Escritores, da Ordem Internacional das Ciências, das Artes, das Letras e da Cultura e da União Brasileira de Escritores do Piauí.















COSMOVISÃO DA LITERATURA DE MOURA LIMA

Mário Ribeiro Martins


Moura Lima é hoje um dos maiores nomes da literatura nacional. Considerando que cada Estado da Federação possui dois ou três nomes ilustres, há determinados Estados onde não se encontra nenhum. Morasse ele no eixo Rio/São Paulo já teria sido, certamente, um dos recomendados pela revista VEJA em sua coluna especializada.
Para Assis Brasil, festejado escritor e crítico literário brasileiro, que considerou o romance Serra dos Pilões como a melhor obra do final do século no país, Moura Lima situa-se, quanto ao aspecto da linguagem, estrutura frasal e arquitetura do imaginário, entre Adonias Filho e Guimarães Rosa. Já para o professor Clovis Moura, autor de Introdução ao Pensamento de Euclides da Cunha e catedrático da Universidade de São Paulo (USP):
– “Serra dos Pilões projeta-se como unidade literária de valor destacado, e pelas suas qualidades literárias irá compor o elenco dos trabalhos mais significativos da nossa novelística”.
Assim, Moura Lima pode ser colocado entre os quarenta melhores contistas e romancistas brasileiros. Com Mucunã-Contos e Lendas do Sertão, completou a sua famosa trilogia (premiada nacionalmente), que é constituída também de Serra dos Pilões-Jagunços e Tropeiros, primeiro romance do Estado do Tocantins, e de Veredão-Contos e Lendas do Sertão.
Portanto, devo assinalar que esta cosmovisão da literatura de Moura Lima é fruto de muitas leituras, de vivências e de muito labor. E isso nos leva a afirmar que, dificilmente, um livro raro não é encontrado na biblioteca do ilustre escritor. Por exemplo, quando estava procurando Viagem ao Tocantins, de Júlio Paternostro, dentro da famosa coleção Brasiliana, volume 248, foi encontrá-lo num único sebo de São Paulo. Ao visitar Moura Lima, para dar notícia do eureka (achei) e da pequena fortuna que paguei em São Paulo, lá estava o livro em sua biblioteca.
Observe-se que do Médico Sanitarista Júlio Paternostro, ex-funcionário do Ministério da Saúde, em convênio com a Fundação Rockfeller, dos Estados Unidos, não dá notícia nenhuma das enciclopédias nacionais, nem Delta, nem a Barsa, nem a Mirador, nem a Abril ou qualquer outra, o que é um esquecimento imperdoável, pela sua importância na questão do estudo do problema da febre amarela.
Moura Lima dá notícia de tudo e de todos. Esta visão cosmopolita do autor do imortal Serra dos Pilões é impressionante. Não há coisa melhor do que um papo com o Moura. Sua visão do mundo, do homem e da vida é algo salutar. E é exatamente isto que ele passa para os seus livros.
Ler Moura Lima é sentir o pulsar da vida. É andar pelos grotões do sertão tocantinense, acompanhado de figuras lendárias, de caboclos, de homens rudes e de sábios formados pela universidade da vida.
Sou um homem saído do sertão bruto da Bahia (Ipupiara), para os grandes centros, entre os quais, Londres, Paris, Madrid (onde estudei em 1973), há quanto tempo não ouvia falar em Mucunã! Eis que Moura Lima me traz de volta Mucunã! E exatamente no título de um de seus mais belos livros!
Mucunã não é apenas o negro de confiança do Coronel Josino Candiru. Mucunã é tudo. É o retorno ao passado. É o reencontro com o grande mestre maranhense, oriundo de Riachão, em 1860, Parsondas de Carvalho, que foi esquecido pela sua irmã Carlota de Carvalho, em seu livro O Sertão, publicado em 1924. Mas o grande mestre sertanejo, que varou o sertão maranhense e penetrou na região do Jalapão, até as nascentes do rio do Sono, estudando a flora, fauna, e a geografia física, foi lembrado por Rui Barbosa quando assumiu o Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, em 1893, como um de seus redatores, mas que terminou por morrer nos sertões de Montes Altos, no torrão maranhense, em 1926.
Parsondas de Carvalho, certa ocasião, encontrando-se de férias, em Conceição do Araguaia, em 1900, viu a Professora Leolinda Daltro conduzir para o Rio de Janeiro, sem armas e sem ordem de prisão, o famoso e brabo Coronel José Dias, tão procurado pela Polícia do Norte de Goiás e Sul do Maranhão, conforme narrativa de Dunshee de Abranches, em A Esfinge de Grajaú.
E agora, mais de cem anos depois, Parsondas de Carvalho foi magnificamente redescoberto por Moura Lima em seu conto Um Mestre do Sertão, dentro deste extraordinário livro Mucunã!
E o conto Assombração? É uma obra-prima, que nos faz lembrar do grande escritor Luis Borges, no seu vislumbre da eternidade:
- “Nenhuma doutrina filosófica (ou religiosa) detém a palavra final do ser...”.
Assim são os méritos de Mucunã. Lê-lo é conhecer Maria Pequetita, O Cavalo Canga (mito exclusivo do Tocantins, resgatado pelo autor para o folclore brasileiro), O Salto da Onça Pintada, A Tapera da Caveira e tantos outros contos fabulosos. Este é Moura Lima, um talento multiforme, em que as vogais e as consoantes, reunidas, se transformaram magicamente em ornamentos coloridos para produzir Mucunã.
Não se pode deixar de falar no livro Negro d’Água, outra preciosidade, onde o escritor Moura Lima reuniu os fantásticos contos da mundologia dos mitos e lendas do Tocantins.É uma obra de grande importância para a cultura popular, que de certa forma corrobora a assertiva do folclorista brasileiro Mário Souto Maior, ao referir-se à obra do escritor tocantinense:
- “... É uma riqueza exuberante, em se tratando de costumes, folclore e linguagem regional. É uma obra que se projeta para o futuro, como relíquia e marco pioneiro da cultura popular do Estado do Tocantins”.
Como se não bastasse, surge agora do escritor Moura Lima o romance Chão das Carabinas-Coronéis-Peões e Boiadas, inspirado no morticínio dos Barbosa, ocorrido na Vila do Peixe, outrora Norte de Goiás, hoje Tocantins, na década de 1930. Trata-se de um romance vigoroso, que traz à luz do século XXI e da literatura brasileira o terrível massacre, e fecha o circulo do jaguncismo no Vale Araguaia-Tocantins. Era o livro que faltava para completar a história do jaguncismo e dos bárbaros coronéis das comunas do sertão do Norte de Goiás, tão bem iniciada por Bernardo Elis, com o Tronco, depois Eli Brasiliense, com Uma Sombra no Fundo do Rio, e agora terminada por Moura Lima, com Serra dos Pilões e Chão das Carabinas.
Assim é a grandeza da obra de Moura Lima, que atravessou fronteira e foi saudada com entusiasmos pela crítica e os leitores. E o escritor e estudioso do regionalismo Enéas Athanázio, de Santa Catarina, dá o seu testemunho histórico do pioneirismo da literatura Mouriana:
- “A obra literária de Moura Lima, de repente, lançou o Estado do Tocantins, no mapa da literatura ficcional brasileira”.



Mário Ribeiro Martins

Autor do Dicionário Biobibliográfico de Goiás e
Dicionário Biobibliográfico do Tocantins.Professor Universitário, Crítico Literário, Procurador de Justiça, membro da Academia Tocantinense de Letras e Academia Goiana de Letras.










SÍNTESE BIOGRÁFICA DA AUTORA


MOEMA DE CASTRO E SILVA OLIVAL, Goiana, de Goiás Velho, 12.05.l932, escreveu, entre outros, “REALIZAÇÕES E PROJETOS DE COLEMAR NATAL E SILVA NO CAMPO DA CULTURA EM GOIÁS”(1992), 'O PROCESSO SINTAGMÁTICO NA OBRA LITERÁRIA'(Tese de Doutorado-1976), sem dados biográficos nos livros, este, com apresentação de Rolando Morel Pinto e prefácio de Alfredo Bosi. Escreveu também “EURYDICE NATAL E SILVA-FIGURA LUMINAR DA CULTURA DE GOIÁS” e “ESPAÇO DA CRÍTICA-PANORAMA ATUAL” (1998). Filha de Colemar Natal e Silva e Genezy de Castro Silva. Neta de Eurídice Natal e Silva. Bisneta de Joaquim Xavier Guimarães Natal. Aliás, único goiano até hoje(1998), Ministro do Supremo Tribunal Federal e nome de Rua em Copacabana, no Rio de Janeiro. Seu bisavô recebeu o sobrenome NATAL, em virtude de ter nascido no dia 25 de dezembro. Quanto a Moema, após os estudos primários em sua terra natal, fez o secundário no Colégio Sacre Coeur de Jesus, do Rio de Janeiro. Na Faculdade Santa Úrsula, também do Rio, cursou Filosofia. Moema é Escritora, Ensaísta, Pesquisadora. Memorialista, Intelectual, Conferencista. Cronista, Contista, Produtora Cultural. Ativista, Pensadora, Literata. Adminstradora, Educador, Ficcionista. Mestre em Literatura pela Universidade Federal de Goiás(UFG). Seu esposo, Louvercy Olival, foi Professor de Matemática no Liceu de Goiás e Docente de Filologia Românica na Faculdade de Filosofia, em Goiânia. Ela, Moema, Doutora em Letras Clássicas e Vernáculas pela Universidade de São Paulo(USP), defendendo a sua tese em cima da obra de Bernardo Élis, no ano de 1976. Professora Aposentada do Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal de Goiás, de que seu pai foi Reitor e Fundador. Titular da Academia Goiana de Letras, Cadeira 04, cujo Patrono é Antônio Félix de Bulhões Jardim, na vaga de seu pai, Colemar Natal e Silva que foi o fundador da Cadeira e da Academia. Membro da União Brasileira de Escritores de Goiás, da Associação Goiana de Imprensa, da Associação dos Docentes da UFG. Presente na ESTANTE DO ESCRITOR GOIANO, do Serviço Social do Comércio, em vários textos de estudos literários e lingüísticos e na PEQUENA HISTÓRIA DA LITERATURA GOIANA, de Alaor Barbosa. Inserida nos livros ESTUDOS LITERÁRIOS DE AUTORES GOIANOS e ESCRITORES DE GOIÁS, de Mário Ribeiro Martins. Fundadora e Coordenadora do Centro de Estudos Portugueses, da Universidade Federal de Goiás. Comendadora da Ordem do Mérito, distinção concedida pelo Governo de Portugal, via Presidente Mário Soares. Vinculada ao Conselho Estadual de Cultura. Descrita no livro ENSAÍSTAS BRASILEIRAS, de Heloísa Buarque de Hollanda e Lúcia Nascimento Araújo. Biografada no DICIONÁRIO BIOBIBLIOGRÁFICO DE GOIÁS, de Mário Ribeiro Martins, MASTER, Rio de Janeiro, 1999.

MOISÉS ABRÃO NETO, de Cumari, Goiás, 11.11.1945, escreveu, entre outros, “MANUAL DO VEREADOR”, sem dados biográficos no livro e sem qualquer outra informação ao alcance da pesquisa, via texto publicado. SENADOR DA REPÚBLICA, pelo Estado do Tocantins, em 1989MOEMA DE CASTRO E SILVA OLIVAL, Goiana, de Goiás Velho, 12.05.l932, escreveu, entre outros, “REALIZAÇÕES E PROJETOS DE COLEMAR NATAL E SILVA NO CAMPO DA CULTURA EM GOIÁS”(1992), 'O PROCESSO SINTAGMÁTICO NA OBRA LITERÁRIA'(Tese de Doutorado-1976), sem dados biográficos nos livros, este, com apresentação de Rolando Morel Pinto e prefácio de Alfredo Bosi. Escreveu também “EURYDICE NATAL E SILVA-FIGURA LUMINAR DA CULTURA DE GOIÁS” e “ESPAÇO DA CRÍTICA-PANORAMA ATUAL” (1998). Filha de Colemar Natal e Silva e Genezy de Castro Silva. Neta de Eurídice Natal e Silva. Bisneta de Joaquim Xavier Guimarães Natal. Aliás, único goiano até hoje(1998), Ministro do Supremo Tribunal Federal e nome de Rua em Copacabana, no Rio de Janeiro. Seu bisavô recebeu o sobrenome NATAL, em virtude de ter nascido no dia 25 de dezembro. Quanto a Moema, após os estudos primários em sua terra natal, fez o secundário no Colégio Sacre Coeur de Jesus, do Rio de Janeiro. Na Faculdade Santa Úrsula, também do Rio, cursou Filosofia. Moema é Escritora, Ensaísta, Pesquisadora. Memorialista, Intelectual, Conferencista. Cronista, Contista, Produtora Cultural. Ativista, Pensadora, Literata. Adminstradora, Educador, Ficcionista. Mestre em Literatura pela Universidade Federal de Goiás(UFG). Seu esposo, Louvercy Olival, foi Professor de Matemática no Liceu de Goiás e Docente de Filologia Românica na Faculdade de Filosofia, em Goiânia. Ela, Moema, Doutora em Letras Clássicas e Vernáculas pela Universidade de São Paulo(USP), defendendo a sua tese em cima da obra de Bernardo Élis, no ano de 1976. Professora Aposentada do Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal de Goiás, de que seu pai foi Reitor e Fundador. Titular da Academia Goiana de Letras, Cadeira 04, cujo Patrono é Antônio Félix de Bulhões Jardim, na vaga de seu pai, Colemar Natal e Silva que foi o fundador da Cadeira e da Academia. Membro da União Brasileira de Escritores de Goiás, da Associação Goiana de Imprensa, da Associação dos Docentes da UFG. Presente na ESTANTE DO ESCRITOR GOIANO, do Serviço Social do Comércio, em vários textos de estudos literários e lingüísticos e na PEQUENA HISTÓRIA DA LITERATURA GOIANA, de Alaor Barbosa. Inserida nos livros ESTUDOS LITERÁRIOS DE AUTORES GOIANOS e ESCRITORES DE GOIÁS, de Mário Ribeiro Martins. Fundadora e Coordenadora do Centro de Estudos Portugueses, da Universidade Federal de Goiás. Comendadora da Ordem do Mérito, distinção concedida pelo Governo de Portugal, via Presidente Mário Soares. Vinculada ao Conselho Estadual de Cultura. Descrita no livro ENSAÍSTAS BRASILEIRAS, de Heloísa Buarque de Hollanda e Lúcia Nascimento Araújo. Biografada no DICIONÁRIO BIOBIBLIOGRÁFICO DE GOIÁS, de Mário Ribeiro Martins, MASTER, Rio de Janeiro, 1999.






























































MOEMA DE CASTRO E SILVA OLIVAL
Doutora em Letras Clássicas e Vernáculas pela Universidade de São Paulo.Crítica Literária, Titular da Academia Goiana de Letras, professora emérita da UFG.




MOURA LIMA

A VOZ PONTUAL DA ALMA TOCANTINENSE




Estudo crítico-histórico-biográfico

Seleção de textos do Autor
Fortuna crítica: Assis Brasil e
Clóvis Moura




ENSAIO 2003









Copyright by Moema de Castro e Silva Olival

Reservados os direitos de reprodução
para todos os países.

Capa:

Diagramação:
Rosa Pereira

Revisão:

Editoração Eletrônica:
Francisca Rodrigues de Brito



FICHA CATALOGRÁFICA

Olival, Moema de Castro e Silva, 1932-
M929s MOURA LIMA: A Voz Pontual da Alma Tocantinense, por Moema de Castro e Silva Olival
Gurupi, Gráfica e Editora Cometa
P. - 1ª Edição - 2003
1. Literatura Brasileira ENSAIO.
2. Século 21: ENSAIO: Crítica Literária

I. Título
CDU: 869.0(817.32)-34








Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou processo, sem permissão expressa do autor. A violação dos direitos autorais é crime.

Impresso no Brasil







SUMÁRIO


Prefácio....................................................................................
Dados Biográficos do escritor Moura Lima Introdução.................................................................................................
A Obra Mouriana...
O mundo contístico. Estilização e Oralidade...
Ficção e História em Moura Lima....................................................
Estrutura Narrativa de Serra dos Pilões...
Personagem e Ação...
Espaço e Tempo... Linguagem...
Leitura Crítica de Chão das Carabinas
Temática...
Manejo da Linguagem...
Espaço e Tempo...
Conclusão...
Seleção de Texto da obra de Moura Lima...
Fortuna Crítica: Assis Brasil, Clóvis Moura, Sttela Leonardo, Aluysio Sampaio e William Palha Dias.
Síntese Biográfica da Autora...











DADOS BIOGRÁFICOS DO ESCRITOR MOURA LIMA




Ao abrir o presente ensaio, alguns esclarecimentos preliminares se fazem necessários para que nos situemos no contexto histórico da obra de Moura Lima, começando pelos seus dados biográficos. O romancista JORGE LIMA DE MOURA (literariamente Moura Lima) nasceu em 2 de dezembro de 1950, na fazenda Capim-Puba, localizada nas proximidades de um vilarejo denominado Capelinha (hoje Heitoraí), distrito de Itaberaí, situado às margens do rio Uru, extremando com Goiás Velha e os sertões do Vale do São Patrício, no Estado de Goiás.
Nessa fazenda e nos arredores do povoado passou a infância e a adolescência, juntamente com seu pai, Guiomar Rodrigues de Moura, natural do Norte de Goiás, antigo Descoberto, hoje Porangatu, e de sua mãe, Conceição Lima de Moura, nascida em Igarapava, São Paulo, tendo sempre presente à avó, Doralice Rodrigues Prateado, e a imagem do avô paterno, Pedro de Moura Alencar, de Chapada do Corisco – Teresina-Piauí.
E segundo Moura Lima: “– Meu avô paterno cruzou esse chão bruto do Nortão de Goiás, hoje Tocantins, provindo do Piauí, nos idos de 1915, no lombo de burro, seguindo pelos trilheiros machucados pelos cascos das tropas e das boiadas, ao tilintar das esporas no arco de ferro, dos cincerros e do estalar da taca, e foi bater com os costados em Descoberto (Porangatu), nas margens do rio do Ouro, onde situou a sua fazenda de gado. Posteriormente, acompanhou o meu bisavô, Coronel José Rodrigues Prateado, de muda para Amaro Leite. E ali, nos chapadões e descampados das vertentes do rio Macaco, veio a falecer a 1º de julho de 1923”.
Moura Lima retrata, com orgulho, a sua infância bem vivida, na fazenda Capim-Puba, de seu pai, afirmando:
“– Nasci na era dos carros de boi, e ali na labuta do dia-a-dia, por aqueles rincões, fui candeeiro de meu pai, por caminhos esbrugados e baixadões”.
“Moura Lima com essa bagagem genética tocantinense, tornou-se um dos maiores nomes da literatura regional do Estado, pois com seu romance Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros, recebeu os aplausos dos meios intelectuais de Goiás e de grandes nomes da literatura brasileira.
Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros foi enviado pela Universidade do Tocantins para Central Connecticut State University (Biblioteca Central de Connecticut U.S.A.), que solicitara ao Governo do Tocantins obras de divulgação sobre o Estado, como também foi para o Japão.
Moura Lima é autor do primeiro romance do Estado do Tocantins Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros, pesquisador incansável, possui um acervo respeitável do que ocorreu nos últimos cem anos, nesta região (Tocantins). Mergulha sempre na poeira dos arquivos, para resgatar os nossos costumes e tradições. E tem uma particularidade interessante: não é escritor regionalista de gabinete, mas, sim, de campo, pois já andou em toda nossa base territorial e conhece bem nossa fauna, flora e o linguajar do nosso sertanejo. Sentiu de perto o cheiro da terra, dos ribeirões e das nossas matas ciliares. Aí está o segredo da seriedade da criação literária de Moura Lima, que soma aos seus estudos lingüísticos e de semântica o falar vigoroso de nosso sertanejo ao conhecimento “in loco” da nossa realidade histórico-social e antropológica. (in Jornal Folha da Cidade).”
Moura Lima é casado com Alvininha Queiroz de Moura. Tem dois filhos: Leonardo Queiroz de Moura e Rodrigo Jorge Queiroz de Moura.
Fez os estudos preliminares na fazenda, em Uruana, Trindade, Itaberaí, e o clássico, em Goiânia. Iniciou seu curso de Direito em Anápolis, (1980), na Universidade Evangélica, vindo a conclui-lo na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas de Gurupi, em 1989, no Estado do Tocantins. Foi escolhido e eleito orador da turma. Além de bacharel, advogado militante, é pós-graduado em Língua Portuguesa pela Universidade de São Gonçalo – FISG-RJ, agrimensor e técnico em agropecuária. É estudioso da Arte Real e recebeu o grau máximo da maçonaria brasileira, ou seja, grau 33, outorgado pelo Supremo Conselho do Brasil – Grande Oriente do Brasil. É necessário salientar que Moura Lima detém uma relevante folha de serviços prestados ao Tocantins, como servidor do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária-INCRA, onde foi Executor do Projeto Fundiário de Gurupi, Chefe da Administração e Presidente da Comissão Permanente de Licitação de Terras Devolutas da União, no Estado de Goiás, atuando especialmente na então Região Norte de Goiás, hoje base territorial do Estado do Tocantins.
É membro fundador da Academia de Letras do Estado do Tocantins, cadeira n. º 15 (ex-vice-presidente), e membro do Instituto Histórico e Geográfico, também do Conselho de Cultura do Tocantins; pertence à Academia Piauiense de Letras, como membro correspondente. Possui vários artigos publicados em jornais e revistas. Recebeu o diploma “Personalidade Cultural” da União Brasileira de Escritores / Rio de Janeiro, por serviços prestados à Cultura Brasileira, em solenidade no auditório da Academia Brasileira de Letras.
Por força do Decreto Legislativo n. º 01/96, a Câmara Municipal de Gurupi concedeu-lhe o título honorífico de Cidadão Gurupiense.
Moura Lima, com essa linguagem oriunda do meio rural desde sua origem, e com a continuidade no trabalho fundiário, conquistou a experiência, graças à árdua tarefa de andar por todo o sertão do Norte de Goiás, ora pelos trilheiros, no lombo dos matungos, ora pelos chapadões, ou de canoa pelo rio Tocantins. Assim, constitui-se autor regionalista de mão-cheia que, não obstante ser registrado civilmente como Jorge Lima de Moura, assina seus trabalhos com o nome literário de Moura Lima.
O talentoso Moura Lima, contista, folclorista e romancista, vem-se dedicando, com afinco, a escrever (e reescrever) suas obras em linguagem viva e fiel à paisagem tocantinense, em busca de uma forma perfeita, embora reconheça que a perfeição não é humana, mas apenas um ideal a perseguir. Na sua ação de alguns anos, adquiriu autoridade para tanto, não só por ter visto de perto nossa fauna e flora, mas principalmente, por ter convivido com o homem do campo, no coração do sertão.



PREMIAÇÕES RECEBIDAS

Prêmio de Literatura – SESI-TO/95.
Prêmio “Destaque do Ano” – Literatura – Rádio Tocantins FM – Romance.
Serra dos Pilões, como a melhor obra produzida no Tocantins – Gênero Romance – 1995.
Prêmio “Personalidade Cultural” – UBE-RJ / 1999.
Prêmio “Malba Tahan” de Literatura / 2000 do Concurso dos 500 anos, da Academia Carioca de Letras e União Brasileira de Escritores-RJ.
Obra: Veredão – Contos Regionais e Folclóricos.
Prêmio “Profº Joaquim Norberto” / 2001, do Concurso Nacional da UBE-RJ.
Obra: Mucunã – Contos e Lendas do Sertão.

OBRAS QUE FAZEM REFERÊNCIA A MOURA LIMA:

Enciclopédia de Literatura Brasileira – Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa. Ministério da Educação/FAE, 2ª Ed., Rio, 2001.
Antologia de Autores Tocantinenses – Márcio Barcelos e Erlene S. Dias. Ed. Kelps, Goiânia-GO, 2000.
Dicionário de Folcloristas Brasileiros, 2ª Edição /Kelps, Goiânia-GO, 2000, Mário Souto Maior.
Dicionário do Escritor Goiano – José Mendonça Teles. Kelps, Goiânia-GO, 2000.
Dicionário Biobibliográfico de Goiás – Mário R. Martins. Master, RJ, 1999.
Dicionário Biobibliográfico do Tocantins – Kelps, Goiânia-GO, 2000, Mário R. Martins.
Dicionário Tocantinense de Termos e Expressões AFINS – Cartográfica, Palmas-TO, 1997, Liberato Póvoa.
Dicionário Biobibliográfico de Escritores Brasileiros Contemporâneos – Adrião Neto. Teresina-PI, 1998.
Fazer o Piauí – Crônicas do Meio-Norte – Enéas Athanázio – Ed. Minarete, 2000 – Santa Catarina.
Coletânea – Escritores Brasileiros em Prosa – Adrião Neto. Teresina-PI, 1999.
O Romance de Moura Lima – Estudo Literário – Ana Braga. (Inédito)
Apocalipse – Espécie Terminal – Assis Brasil/2001- IMAGO/RJ.
Literatura Piauiense para estudantes – Adrião Neto. Teresina-PI, 2000.
Documentário jornalístico literário sobre “Serra dos Pilões” – Produção Sunrise Vídeo – Tocantins. Antologia Poética – Prêmio de Literatura SESI – Tocantins, 1995.
Moura Lima: Do Romance ao Conto – Travessia Fecunda pelos Sertões de Goiás e Tocantins ({Ensaio} – Francisco Miguel de Moura/2002 – Cometa/TO).



OBRAS DO AUTOR

Poemas Errantes – 1971. Ed. Elite, Goiânia-GO, 1971.
Sargentão do Beco – Peça Teatral – 1971. Graf. Sousa, Itaberai-GO, 1971.
Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros (primeiro romance do Estado do Tocantins) – 1ª ed. 1995 (esgotada); 2ª ed. 1996 (vestibular FAFICH-TO – esgotada); 3ª ed., Revista e Ampliada - 2001. Editora Cometa-Gurupi-TO.
Pelos Sertões do Piauí - Ensaio / Revista / Cadernos de Teresina, nº 27, Dez. / 1997.
Veredão – Contos regionais e folclóricos - 1ª ed. 1999, Ed. Cometa (vestibular FAFICH-TO), ESGOTADO.
Alvina Gameiro – Ensaio, publicado no Jornal Meio Norte (Encarte), 2001, Teresina-PI.
Mucunã – Contos e Lendas do Sertão. Ed. Cometa, Gurupi-TO, 2000 (vestibular FAFICH-TO), esgotada.

Chão das Carabinas – Coronéis, Peões e Boiadas. Romance, Ed. Cometa, Gurupi-TO, 1ª ed., 2002.
Negro D’Água – Lendas e Mitos do Tocantins. Contos – Ed. Cometa, Gurupi-TO, 2003.

INÉDITOS:
O Caminho das Tropas – Revoltosos, Peões e Boiadas (Romance).
Dicionário de Termos e Expressões Populares do Tocantins.
Solidões do Araguaia (Romance).
Egrégora Poética.

















INTRODUÇÃO






“O ódio do povo era represa que se enchia. Tomava força devagarinho de nascentes desconhecidas, à espera de alguém que lhe abrisse as comportas”.Eli Brasiliense, in Rio Turuna.
“O mito é a verdade do coração: pensamento: pensamor”. Guimarães Rosa.


Mais uma obra literária regionalista? Um novo Bernardo Guimarães, com o estudo do garimpeiro nas regiões centrais, ou um Afonso Arinos, com seus bem delineados tipos e paisagens sertanejos, ou um Hugo de Carvalho Ramos, o pioneiro na tradução de “nossas primeiras gestas”, ou um Bernardo Elis, narrador épico desse nosso “chão analfabeto”, ou Eli Brasiliense, no acendrado amor ao seu torrão tocantinense, — que, à época, também era goiano—remexendo nos respectivos valores, mitos e mecanismos interiores de suas personagens sertanejas, ou Carmo Bernardo, o mestre de nossos “ causos” regionais, na profunda vivência do potencial ecológico do “ hinterland” goiano, todos, amálgama vital das vozes palpitantes e desconhecidas desse Brasil Central? Ou, então, um Adonias Filho, do recôncavo baiano, ou Guimarães Rosa, dos Gerais mineiros, ou Graciliano Ramos, o épico da “ vida retirante” do nordeste, ou Simões Lopes Neto, nos registros contísticos dos pampas gaúchos?

Algo de forte, marcante, irrompe para nós, agora, nessa trilha. Não tem, surpreendentemente, o objetivo de desvelar a região interiorana, numa tomada conjunta de seus valores vitais, e apanhada como bloco único, como o fizeram seus antecessores, mas, agora, acompanhando o fato histórico da divisão dos territórios Goiás-Tocantins, arvora-se, em iniciativa pioneira, a ser a primeira manifestação oficial, dramatizada—através de contos, “ causos”, lendas, mitos, romances— da alma tocantinense. O pioneirismo fundamenta-se, exatamente, no dado político-administrativo de sua autonomia política, não podendo escapar, no entanto, da unidade de um substrato mítico comum que ainda imprime selo goiano a essa alma do novo Estado, sem dúvida enriquecida por algumas peculiaridades, afeitas ao ritmo de vida da região.
Assim é que “flashes” de primitivismo selvagem, decorrentes da ignorância e do abandono político-administrativo desses “ fundões”, atrocidades, bravuras, grandezas e pequenês de alma surpreendentes, variações do que, se já era tradição no sertão brasileiro, adquire, agora, com Jorge Lima de Moura ( nome literário: Moura Lima), feições peculiares, muitas vezes, particularizações históricas da alma de uma região, expostas nas suas lendas, mitos, riquezas ecológicas, como a Serra dos Pilões, a do Jalapão, etc. E os rios e seus mistérios que alimentam, não só a fertilidade ambiental, quanto o imaginário local, este, enriquecido matiz do substrato comum, já mencionado acima, burilando o perfil de seus heróis e anti-heróis.
Se sabemos, com Ferdinand de Saussure—apud Alfredo Margarido, da Universidade de Lisboa1—que “ Os costumes de uma nação exercem pressão sobre a sua língua e, por outro lado, é, numa larga medida, a língua que faz a nação” não podemos, usuários da Língua Portuguesa no ( e do) Brasil, menosprezar o extraordinário acervo do falar peculiar de uma determinada região, no caso, da região do Tocantins, em emprego estilizado pelo escritor, dentro da sábia orientação que presidiu ao lavor literário de alguns de nossos regionalistas, à frente Bernardo Élis, sobre cuja técnica, na busca da melhor exegese da respectiva obra, evocamos a orientação de Antonio Cândido2, no seu ensaio sobre “ I Malavoglia”: “ Nenhuma maneira melhor há de se aproximar de um povo, senão através do ritmo profundo de sua vida que é a sua fala”. Deste modo, chamamos atenção para o papel desempenhado pelo apelo que Moura Lima faz ao ritmo de seu povo, demonstrado pelos abundantes modismos, torneios frasais, construções peculiares, léxicas, sintáticas, e sobretudo semânticas, a colorirem, com a pulsação da vida regional, o seu texto narrativo. Por vezes, tão inusitadas para nós, que soam como páginas estrangeiras. Aliás, o autor, prevenido, nos oferece glossários esclarecedores, já havendo elaborado um Dicionário de Termos e Expressões Populares do Tocantins.


A OBRA MOURIANA


A obra de Moura Lima compreende, até o momento: -Serra dos Pilões- Jagunços e Tropeiros. Romance. I ed. 1995; 2 ed. 1996; 3 ed. 2001. Gurupi ( Goiás). Gráfica e Editora Cometa, 2001. Prefácio da I ed. é de Eli Brasiliense. Da terceira, é de Clovis Moura.

—Veredão. Contos regionais e folclóricos. I ed. 1999. Gurupi: Multigraf Araújo, 1999. Prefácio de Eduardo Campos.

—O Caminho das Tropas- Revoltosos, Peões e Boiadas. ( romance)- ( ainda inédito).

— Mucunã. Contos e Lendas do Sertão. I ed. Gurupi, Gráfica Cometa, 2000.

—Chão das Carabinas. Coronéis, Peões, Boiadas. ( romance. I ed. Gurupi. Gráfica e Editora Cometa, 2002.

—Negro dÁgua. Mitos e Lendas do Tocantins. Contos. Gurupi: Gráfica e Editora Cometa. I ed. 2003.

—Solidões do Araguaia. Romance inédito.

Publicou, ainda, uma peça teatral: Sargentão do Beco, 1971, e
—Poemas Errantes. 1972.


O MUNDO CONTÍSTICO. ESTILIZAÇÃO E ORALIDADE



Quanto aos livros designados como de contos, teríamos a observar: Moura Lima foi previdente ao colocar, junto à designação “conto”, a possibilidade de referência a outras formas narrativas, uma vez que, muitas das lendas e mitos, matéria rica do folclore regional, nos vêm na forma simples das seqüências narrativas espontâneas (causos), sem elaboração estrutural da forma, exigência necessária no conto.

Porque, hoje, já se consolida a diferença. A princípio, pode parecer tratar-se de mera formalidade terminológica, mas, na verdade, entra-se em terreno da crítica contemporânea.
Se Mário de Andrade teria sido o responsável por uma definição liberada do conto: “ tudo aquilo que o autor designa como tal”, preocupações atuais—tendo em vista a estrutura do texto e a consciência crítica do leitor, objetivando seu alcance no processo da decodificação-procuram estabelecer características pontuais que possam distingui-lo de uma forma narrativa simples, ou mesmo da crônica, gênero limítrofe.

Assim, em nosso último livro O Espaço da Crítica II: A Crônica: dimensão literária e implicações dialéticas ( a ser lançado em breve), procuramos refletir sobre o assunto e, com apoio em Julio Cortázar, posicionamo-nos a respeito, tomando-o como uma narrativa intuída, sem dúvida, mas estruturalmente armada em óptica subjetiva, concisa, com unidade nuclear de seus elementos formais, sobretudo do ponto- de- vista, exigindo domínio criativo dos recursos da linguagem.

No conto, segundo o crítico argentino, “ deve-se buscar nocautear o leitor, deixando-o chapado da primeira à última linha”. ( Valise de Cronópio, p. 70 ).

Por isso, reiteramos o aspecto louvável da medida preventiva do autor em discriminar a natureza dos textos: contos, lendas e mitos, estes dois últimos englobando formas simples e espontâneas, sustentadas na oralidade da região. Ainda nessa circunstância, não se pode ignorar a forma saborosa, fluida da voz narrativa do escritor, como em “ Lenda da Origem do Povo de Carajá”, ou “ Negro d´Água”, este último incluído tanto no livro homônimo, quanto em Mucunã, como também “ Mula-sem-cabeça”, ou “ Lobisomem” e outros. Aliás, este foi um recurso largamente usado no último livro de Moura Lima, Negro D´água. (2002-03). Por exemplo: de Veredão, (1999), anotamos a repetição de três contos, a saber: “ Assombração”, “ O Iluminado” e, conforme o já mencionado: “ Negro d´Água”. E de Mucunã (2000), quatro contos: “Mula-Sem-Cabeça”, “Lobisomem”, “Do Corte de Faca veio a salvação”, e “A Tocaia”.
Como curiosidade, o fato de os títulos dos livros de contos adotarem, sempre, o nome de um dos seus contos.
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Em Veredão, que segue o ritual acima mencionado, sendo o conto homônimo um dos melhores do livro, prevalece a referida forma narrativa.
O conto “ Veredão” perfila-se, ao lado de outros extensos ( quase novelas) como “ O canto da seriema” que, parece-nos, seja o núcleo de um futuro romance, opinião partilhada pelo crítico literário Francisco Miguel, membro da Academia Piauiense de Letras, em seu texto crítico publicado em Folha da Cidade-Gurupi, 28/3/02, em que nos fala dos novos projetos de Moura Lima e menciona O Caminho das Tropas e Canto de Seriema.
No referido conto, como, também, em “ Tropeiros do Jalapão”, ou em
“O Jaguaretê da Mão Torta”, por exemplo, sensibiliza-nos a profunda experiência revelada pelo narrador em relação à sua realidade que passa a alimentar, de maneira substanciosa, a narrativa, tornando-a, ainda que ficcionalmente, documental.
Ainda, encanta-nos o processo de mediação de sua linguagem regionalista, apanhada num recurso estilizado, conforme já dissemos, e percuciente, a ponto de ser capaz de energizar o relato, para cujo fato contribuiu, de maneira substanciosa, o extraordinário acervo de expressões regionais, modismos, ditados populares, que ajudaram a singularizar as imagens do sertão tocantinense. E quanto ao processo da transcrição da oralidade, não se trata, como afirmamos também a respeito de Bernardo Elis, da transcrição ipsis litteris da fala regional, mas de seu aproveitamento literário, capaz de traduzir a ideologia do escritor. Vejamos.
No caso de Bernardo Elis, a ideologia traduziria um projeto reivindicatório, com matizes de um discurso político-social, veiculando uma voz de protesto em favor de um povo-de seu povo-“ desguarnecido” das condições essenciais de sua cidadania. Nele, sintagmas como “ chão analfabeto”, ou “ chão parado” teriam o propósito de estigmatizar a realidade enfocada. Na curva dos processos de mediação da fala, Bernardo Elis aperfeiçoou-se, indo de um estágio mais incipiente, centrado nas deformações vocabulares, do falar regional, registros que vinham entre aspas, como receoso de enfrentar o julgamento de seus leitores de então, que poderiam julgá-lo como desconhecedor das normas cultas, cuidado revelado em Ermos e Gerais (1944), atingindo, depois, em Veranico de Janeiro,(1966) ponto alto nessa técnica que abraçou, com inteira liberdade,de maneira, até, desabusada, colorindo com ela seu texto narrativo, inclusive, mas já se direcionando para a primazia ao ritmo, modismos e construções da oralidade, seguindo as novas tendências nacionais. Mostra esse traço, também, em Apenas um Violão, livro de contos bem posterior (1984), como a ver, no ritmo da oralidade, o toque fiel para traduzir a alma regional. Mas, em Caminhos e descaminhos, (1965), com alguns de seus mais belos contos, como “Ontem, como hoje, como amanhã, como depois”, mais tarde adaptado para o cinema e a televisão, no curta- metragem Índia, a filha do Sol, ou “Uma certa porta” , encontrávamos um Bernardo mais preocupado com o burilamento estético no emprego dessa oralidade, buscando traduzir o regional, mais na temática, que nos recursos acima apontados. Se bem que, o que o caracterizou como escritor da oralidade tenha sido, exatamente, o fato de se tornar seu grande intérprete, ora fazendo, dela, elemento delineador de sua proposta literária, no intento de traduzir a alma regional, ou, então de transformá-la em recursos de estrutura mimética, responsável, por exemplo, pela frase plástica, ou rítmica, esboçadora de imagens dinâmicas, como se vê em Apenas um violão, no conto “ Explosão demográfica (minueto em fó menor)”,em que Bernardo cria, literariamente, ritmicamente, um texto musical, formal e tematicamente tecido em torno da fome. ( Não se esquecer que, na época, 1984, havia uma cruzada universal em favor dos famintos da Etiópia. Quem não se lembra de artistas do mundo todo, em coro internacional, cantando “ We are the worl.”?)3

Bem, a digressão em torno dos recursos de oralidade empregados por Bernardo Élis, o introdutor, em Goiás, dos moldes de sintaxe divulgados pelo Modernismo, tem o objetivo de situar melhor Moura Lima nesse espaço, em que se distingue, não só pelo tom reivindicatório de sua proposta, ainda que mais direcionada ao ataque à pressão política de certos coronéis, em especial à força política dominante no Estado, do que voltada para as angústias do ser humano sujeito a esses regimes de opressão, campo privilegiado de Bernardo Elis. Acrescentaria, a esta observação, um toque muito gratificante que nos oferece Moura Lima: o de indisfarçável ufanismo pela sua região. Moura Lima parece ansioso em ter registrada, para a história, a autenticidade de seu torrão natal , de suas atividades peculiares: tropeiros, vaqueiros- jagunços, de suas lendas e belas paisagens. Ama seu torrão e, disso, nos torna, a seus leitores, participantes. E isto parece transmitir à sua obra um peso histórico-documental ( preocupação com o registro), quase tão forte quanto o propriamente, político-social. ( preocupação com a denúncia). Neste item, transparece, forte, uma voz acusadora, um alter-ego do autor, a qual aponta para as arbitrariedades e as pressões políticas, atitude registrada nos fatos e em ardis da trama, ( ver metáfora da árvore baru, por exemplo) mas, não em jogos da expressão linguística como em Bernardo Elis, ( Chão analfabeto, Sol macho, etc)
Moura Lima, sem dúvida, ocupa, com denodo, o pódio da literatura tocantinense, arvorando-se à condição de primeiro romancista e tradutor da alma do novo Estado..

E, se com Mattoso Câmara Jr, sabemos que a língua é em si mesma um dado cultural, queremos insistir em mostrar que a “ciência” do autor- narrador, na interpretação de uma realidade regional , através do seu processo de mediação, não precisa valer-se da fidelidade do gravador, mas, sim, do colorido da “ sugerência” literária, de cujo grau, maior ou menos, retiraremos nossa avaliação sobre o autor e seu potencial de criatividade.

Então é preciosa a literatura de Moura Lima, não só pelo vigor de suas tintas literárias, quanto pelo esforço de registrar, antes que se perca, na inevitável trajetória da caminhada histórica rumo à globalização, a autenticidade do perfil de seu rincão.

Tanto nos contos, quanto nos romances, Moura Lima trabalha a vida “ tão barata” do sertão, vida que se alimenta do perigo, da violência, da ousadia, da coragem. Vida em que as noções de honra são estrelas fugazes, num céu de selvagerias, confrontos, frutos do abandono das leis e dos direitos legais que devem amparar o cidadão.



Ficção e História em Moura Lima.





Como romancista, o nosso escritor abraça o filão histórico. Se Tolstoi já pregava:
“ se queres ser universal, fala de sua aldeia”, encontramos, na ficção de Moura Lima, no potencial arregimentador de sua realidade regional, apanhada numa feliz confluência de dado histórico, talento criador e imaginação poética, encontramos, pois, fiel amostragem de um protótipo de literatura regional: a tocantinense. O autor aponta, para a posteridade, o perfil da alma tocantinense, a partir da feição de seu povo, de sua geografia, ecologia, fauna, flora, rios, de sua cultura, de sua linguagem. E, no trazer a fala de sua região, abre, para os estudos filológicos de caráter dialetal, rico filão, sobretudo, como já afirmamos, nos registros dos modismos e expressões peculiares, intérpretes de sua cultura.
Os romances: Serra dos Pilões (1995; 1996; 2001) e Chão das Carabinas ( 2002) são históricos, na medida em que “ o saber” de que lançam mão é retirado da história.
Serra dos Pilões registra a tragédia da Vila de Pedro Afonso e a perseguição, pelas terras do Jalapão, dos jagunços responsáveis. Chão das Carabinas traz a história sangrenta da Vila do Peixe. Ambos valem-se dos registros históricos, no que diz respeito aos dados da ação e à categoria sócio-cultural dos vultos mencionados, mas, como criação ficcional, constroem a sua “ verdade”.
Porque, sabemos, a partir do momento em que se tece a ficção, não haverá mais a preocupação em torno do rigor da “ verdade histórica”. O que importa é a “ verdade do universo ficcional” cuja trama, quanto à eficiência de sua “ urdidura”, depende do talento de escritor.

Aliás, sobre a relação Ficção e História, muito já se escreveu. Nós mesmos, no ensaio crítico “ Ficção e História”4, discorrendo sobre o terceiro romance de Bernardo Elis: Chegou o Governador5, relembramos ser, este processo de união Ficção e História, uma das sete diretrizes básicas dentre as tendências do romance moderno no Brasil, conforme observações a respeito da matéria mencionada, feitas pela ensaísta e crítica Nelly Novaes Coelho.6 Só para relembrar, as demais tendências seriam: a que mescla ficção à memória; a ficção experimentalista; a “ desenvolta”; a do humanismo dramático, a do convívio cotidiano e a do húmus regionalista. E, interessante, frisa Nelly, estas tendências não são rigorosamente independentes. Aliás, estamos constatando isto nos romances de Moura Lima que se situam nos espaços da primeira e da última, com breves incursões pelas segunda e quinta.



ESTRUTURA NARRATIVA DE SERRA DOS PILÕES




Vejamos, pois a estrutura narrativa de Serra do Pilões. Temática:
Quanto ao “ saber” histórico de que se utiliza, e que fundamenta sua temática, já ficou claro. Como ficção, recria, para seu mundo virtual, uma fase primitiva de nosso sertão-agora delimitado em novo Estado Federativo-cobrindo um espaço ilhado da civilização, e traz, como arquétipos soberanos daqueles “ fundões’, mitos primazes latentes no ser humano em ritmo de tocaia, aguardando oportunidades de manifestação, que surgem, muitas vezes, decorrentes de falhas dos sistemas governamentais que amparam o cidadão: violência, opressão, a injustiça, cobiça, ódios, vingança, etc. São perfis do homem regional, prisioneiro das circunstâncias político-sócio-culturais que o rodeiam, mas que dá mostras, ocasionais, é verdade, de seus anseios universais, como “ ser”.
Daí o realce do processo de transposição da “ fala” desse homem, a qual o situa no contexto nacional. Os dados mencionados permitem-nos sintetizar a temática do romance como: as forças político-sociais-culturais que movem o homem dos ermos do sertão tocantinense.
A respeito do livro que, como vimos, está em sua terceira edição, agora revista e ampliada, como romance de destaque do Tocantins, não poderíamos deixar de nos referirmos ao prêmio Personalidade Cultural conferido ao seu autor, pela UBE do R.J.).
-Opiniões críticas.
Dele, disse o crítico Messias Tavares:
“ Uma saga de jagunços e tropeiros nos sertões do Jalapão. São quatrocentas páginas de pura emoção, pelo verde da paisagem soberba daqueles cafundós de chão bruto! (...)
Serra dos Pilões retrata, na sua bem estruturada fibra de romance regionalista, a alquimia da verdadeira criação literária: o sopro épico das grandes epopéias sertanejas, incorporando, de forma vigorosa, o folclore, a força dialetal tocantinense, o mundo turuna dos jagunços, o cenário agreste do Jalapão, no mapa literário do Brasil.”

E, de Assis Brasil, romancista, crítico literário, colaborador do Suplemento Dominical dos principais jornais do país:

“ Serra dos Pilões atinge o seu alvo, como romance bem sucedido no contexto da Literatura Brasileira, ou seja, o de retratar um mundo interiorano e se realizar como obra de arte”.
Também partilhamos da opinião do sociólogo, ensaísta, escritor e crítico Clóvis Moura, expressa na apresentação de Serra dos Pilões, de que no romance regionalista, além do intuito de expressar uma região, deve-se ter fortemente delineada ( aliás, condição sine-qua-non da obra de arte) a expressão do poder criador do referido autor. Isto se configura através do processo de transfiguração e resulta em conjunção dinamizadora dos elementos estruturais da narrativa, sobretudo personagem e ação, sem minimizar o papel dado ao espaço e tempo, este, sobretudo, se for interior., aspecto não priorizado aqui, é preciso ressaltar.
Também reforçam esse ponto de vista Eli Brasiliense, no seu prefácio, um tanto tendencioso, politicamente, mas apaixonado pela região e, ainda, a poetisa Stella Leonardos que, no seu belo poema, nos traduz condições vitais da obra de Moura Lima, conseguindo espargir, com “ Repensando Serra dos Pilões”, intensos fluidos poéticos sobre as páginas épicas do romance em questão: “ (...) —E as cores do populário?/ E o místico sincretismo?/ E o flagelo dos jagunços?—Das notas reais de outros tempos./— Só sei que o romance vosso,/ só sei que o talento vosso/ são mais que ficção e História./ Em nós rapsodos se tornam,/ rapsodiar inesquecível, / regionalista rapsódia./”

Interessante que toda a narrativa se move em terrenos do Jalapão, fato sempre mencionado, havendo, talvez, apenas uma referência específica à Serra dos Pilões, nome que acaba intitulando o livro. E por referir-se ao espaço da felicidade, quando capitão Labareda confidencia ao seu amor D. Bela: “ Também fui feliz na minha infância, lá na Serra dos Pilões”, não estaria este critério apontando a intenção de imprimir ao local uma imagem metafórica, capaz de extrapolar do terreno denotativo da indicação geográfica, para o único espaço sede desse sentimento, tão raro e tão inatingível naqueles rincões? O fato indicaria recurso de transfiguração, fruto do processo criativo do autor , e seu papel seria d e tornar Serra dos Pilões símbolo do sentimento cuja busca vem embutida, na temática, como meta a ser perseguida pelos filhos do Tocantins. A saber: Serra dos Pilões, símbolo da busca da realização, da felicidade. Daí o título. Sem dúvida, possibilidade bem criativa e enriquecedora.



Personagem e ação.




Interessante, para o leitor, o encontro com personagens já desvelados por outros de nossos regionalistas, como, por exemplo, Abílio Batata e Cipriano, vultos chaves de Bernardo Elis ( O Tronco) e Eli Brasiliense ( Uma Sombra no Fundo do Rio, Rio Turuna) e que, com Moura Lima, continuam a exibir suas lideranças nas violências e desatinos, sobretudo o primeiro, ou com inesperados gestos de generosidade, sobretudo o segundo.
Personagens-- mola vital dos romances--planas, redondas, personagens de ação, ou melhor, de reação, na verdade, todas elas, constituindo, ainda que em contraponto, como neste romance, rotulado como de ação ( e aí entra a dosagem criativa do autor), marcos necessários para o equilíbrio do desenrolar da trama.
Referimo-nos a personagens de reação. Na verdade, situam-se assim, até mesmo alguns dos bandidos, se pensarmos bem uma vez que agem, movidos pelo sentimento de “ revanche” sob a compulsão do contexto selvagem, da ausência de leis, de civilização e de cultura. O acervo genético sendo a única bússola a explicar o maior ou menor potencial tanto de violência quanto de bravura que os distingue. Cipriano, por exemplo, um bandido fabricado pelas circunstâncias, como tão bem nos dá mostra Eli Brasiliense, no primeiro capítulo do romance acima mencionado.
Assim, personagens se esboçam como bobinas vivas, em torno das quais se arregimenta, em alternância “ fabular” o encadeamento da ação ( intriga-trama).
E nelas, ou através delas, sente-se o vínculo com o substrato ficcional da região goiana, então abraçando o Tocantins.
Vejam bem que Abílio Batata é aquele mesmo facínora do romance O Tronco de Bernardo Élis , romance que teve, como palco, a região do “Duro”, hoje Dianópolis, em que famílias inteiras foram dizimadas sob sua ordem. E Cipriano, agora jagunço, é o mesmo personagem de Eli Brasiliense em Uma Sombra no Fundo do Rio. Aquele Cipriano que acreditava em justiça, que confiava na autoridade, e que, na invasão de Pedro Afonso, sob o jugo de Abílio Batata, sofreu uma das experiências mais cruéis que pode atingir o ser humano. Daí que, agora, com Moura Lima, já assumido como facínora, alia-se ao Capitão Labareda, no único intento de trucidar o autor de sua maior desgraça Abílio Batata.
No seu coração, e em sua cabeça, gravada em fogo, a cena do assassinato de sua mulher e filhos pelos milicos, sob o comando do maldito Abílio. Sua mulher, gestante de nove meses, teve seu ventre aberto pelos facínoras que jogavam para o alto, sob risadas, seu filho já prontinho para nascer, aparando-o, em seguida, na ponta da espada. Ali, naquele momento, nasceu um novo jagunço, cuja sede de vingança era direcionada aos causadores de sua tormenta, o que não o impedia, esporadicamente, de voltar a ser generoso.
É a reação a comandar a ação, a delinear conceitos. Assim é que a polícia, na boca do povo daquela região, encontra, da parte do velho Januário, no alto de sua experiência por aqueles rincões, a seguinte definição:
“ A polícia nada mais é que jagunços fardados que chegam, botando banca e descendo a mutamba em todo mundo.” P. 120
E, na busca dos culpados, personagens assumem a voz que traduz o alter-ego do autor, cuja linha política fica clara de começo ao fim, em julgamento sumário, independente do contexto de época, sem o qual, hoje, sabe-se impossível julgar o homem: toda a violência, para ele, é devida aos Caiados, cujo governo, para o autor, é, inapelavelmente, ditatorial e arbitrário, como se depreende das vozes que se manifestam a respeito.


Temos, em Serra dos Pilões, dois grupos de personagens que se contrapõem. O do Capitão Labareda, cujo braço forte é Cipriano e, também, o surpreendente Corta-Cabeça. Todos, imbuídos da missão de captar Abílio Batata e seu grupo, o qual, por sua vez, tem, no jagunço Cacheado, seu lugar-tenente.
É que a temática desse romance tem, por núcleo, a vingança contra os que promoveram a mortandade dos habitantes de Pedro Afonso, a sua destruição, isto em 1914,( marco histórico) sob a batuta do mencionado Abílio batata, o facínora cruel que com seu grupo, refugiou-se, depois, na região do Jalapão, para onde aponta a narrativa.
E a trama dessa empreitada, condicionando as ações, caminha em dupla direção : com movimentos de avanço e de recuo. De avanço, ritmo direcional, na decisão do Capitão Labareda, rumo ao seu objetivo de vingança: “ Vamos pra Serra do Jalapão, sepultar Alberto Cacheado” ( p. 226). E completa,em diálogo com o velho Bocório : “ A nossa missão, seu Bocório, é botar, de volta pra Bahia, os cabras de Abílio Batata, que vêm atormentando esta região.
Bocório, coçando o queixo, como se procurasse as palavras, responde ao Capitão:
- Esse socarrão do Cacheado vem há meses perturbando o povo desses pés de serra, Capitão. Os seus sabaceiros é um horror! Só deixam os cascos das fazendas.” P. 197.

De recuo, ritmo mnemônico, em jogo de memória, trazendo, por flashbach, as lembranças das personagens que viveram intensas experiências do sertão, sobretudo as chocantes cenas da tomada de Pedro Afonso, como o relato do velho Cachoeira sobre as crueldades praticadas por Abílio Batata.(p.92).,
“ E lá fora os cacundeiros de Abílio Batata botavam fogo nas casas, subiam nos telhados e atiravam nas pessoas escondidas dentro dos quartos. Faziam pontaria de morte no povo correndo pelas ruas, e derrubavam na lapada do tiro. Na hora do ataque, muitos, atarentados do juízo, subiram em árvores pra se esconderem, e quando os jagunços descobriram, se divertiram pra valer, atirando nos coitados como se fossem passarinhos. E lá das grimpas derriavam no chão, como jenipapo, numa queda bruta de morte. Quem pôde correr passou o rio do Sono a nado, outros morreram afogados ou foram colhidos pelos tiros dos pingueleiros no barranco.” P. 80

Como afirmamos em O Processo Sintagmático na Obra Literária7, e rastreando Polti ( in Les 36 situations dramatiques), em realidade, a ação adquire espontaneidade, maturidade, quando as personagens influem menos nela do que elas nas personagens.
Assim, podemos depreender, pela conduta das personagens de Moura lima, ação e clima. E se a ação básica que movimenta a trama do romance se desenrola, como estamos vendo, em torno da tragédia da Vila de Pedro Afonso, em contrapartida, o núcleo fulcral de interesse se prende aos campos contrapontísticos representados pelas personagens já mencionadas: Abílio Batata, seu sequaz Cacheado, seu grupo, versus o capitão Labareda e sua gente de que emerge , como já demonstrado, o vulto de Cipriano- o homem forte, agora bandido pelas circunstâncias, além de jagunços peculiares como Corta-Cabeça, ou Boca-de-Sino. Destes dois, o primeiro, sobretudo, distingue-se como protótipo de um tipo do sertão: ponto-chave a potencializar simbólica e dramaticamente, a filosofia do romance que se entretece de força, em sua dupla estrutura: a física, a da violência, a ocupar, com primazia, a narrativa, e, mais discreta, a interior, a da fé, a do misticismo, e, até, da ternura.

Corta-Cabeça, bárbaro e místico, é o núcleo centralizador da contrafacção, da violência, e se destaca como o impulsionador do comportamento dos demais, para o bem e para o mal.
É o responsável por momentos particularmente dramáticos do livro. O primeiro, logo no início, quando comanda os rituais funerários do jagunço Pantaleão; o segundo, quando participa dos rituais iniciáticos da cigana— a velha mágica do acampamento—invadido por seu grupo, sob a chefia do Capitão Labareda. ( Ver p. 65).

A essas cenas, acrescentaria outras como a que revela a psiquê daqueles chefes: a do abandono do jagunço Beiço-de-Cangalha, um dos homens do grupo do Capitão Labareda, mas que, vítima de ataque epiléptico, foi abandonado, por ordem do capitão, nos ermos dos gerais, em gesto, para nós, os pretenciosamente civilizados, de extrema crueldade, mas, para eles, totalmente natural, evidenciando as prioridades das condições de luta a dirigir aqueles anti-heróis. Este o clima, fruto de mentalidades e de emoções, denunciando o móvel das ações, naqueles “ cafundós”.



Espaço e tempo.




O espaço e o tempo se cristalizam num passado- presente: sertão dos coronéis, do povo ilhado da civilização, da cultura, imagem em viés da história, a filtrar realidades ainda presentes. Tempo que não conseguiu passar por inteiro. Presentificá-lo é ajudar a varrê-lo, em definitivo, dos tempos futuros. Aí, talvez, um dos grandes objetivos do autor.





Linguagem.






Reiterando o que já foi bem explicitado no início desse trabalho, quando salientamos o papel fundamental do processo de transcrição da linguagem regional, através da estilização de sua oralidade, gostaríamos, para complementar, de chamar a atenção para o aspecto positivo das referências aos nomes próprios relativos à geografia, flora e fauna da região, familiarizando o leitor com os topônimos regionais, riquezas ambientais, sobressaindo a peculiaridade dos nomes próprios relativos a essas áreas: Jalapão, Rio do Sono, Chapada das Mangabeiras,(p. 181), Ribeirão Espingarda ( p. 184) etc, e o saboroso dos apelidos—( nomes–de-guerra) dos jagunços como: Corta- Cabeça, Militão Caolho,(59), Zé Galhão,( p. 31), Gavião, Zico- Bodoque, Beiço–de-Cangalha (p. 55), Abílio Batata e o próprio capitão Labareda, que, na verdade, se chamava Eleudino Martins,( p. 175)—como numa proteção natural, à época, às suas verdadeiras identidades, que seriam expostas na explicitação dos referidos nomes próprios.A linguagem, como já vimos, em recursos de transposição estilizada da oralidade, assumindo o ritmo da modernidade que a torna instrumento do pensamento, tende para as frases curtas, diretas, entremeadas de modismos, expressões regionais, que justificam, e muito, um glossário final, dando-nos interessante campo de pesquisa, sobretudo na área da semântica, quando encontramos manifestações saborosas do pensamento daquele povo, (algumas, de domínio comum à toda a região interiorana, sem dúvida) numa variação espontânea e significativa de construções diversas, em torno de uma mesma idéia. Por exemplo, numa citação aleatória, para indicar a intenção de sair do local, viajar : “ (...) fez sertão”; “(...) poeirou no mundo”.(p. 79); “ (...) rompeu estirão, vencendo as leguonas (...)” (p. 123); “(...) fincou o pé-na estrada” ( p. 104), etc.

Gostaríamos de ressaltar o domínio dos recursos literários, por parte de Moura Lima, o que nos é fornecido, sobretudo, nos trechos descritivos. Alguns, com lances surrealistas, imagens carregadas das tintas regionais, com matizes de humor-negro, como por exemplo: “ E naquele sertão bruto, marcado pelas noites trevosas e pelos ruídos da tempestade, ao ribombar dos trovões, ouve-se o tropel dos cavalos da jagunçada a caminho do Jalapão. O vento sopra e uma voz espremida gunguna: -É o Capitão Labareda e seus cabras!...” ( p. 92).
Ou, leves, prenhes de imagens saborosas da paisagem tocantinense, para o que concorrem as referências peculiares daquela região, intérpretes da voz mágica daqueles rincões: “O dia vai rompendo com os clarões das barras, pelos cerradões e descampados de agreste do Jalapão. A saracura quebra o pote pras bandas do riacho Mutuca, anunciando a chegada do verão e dos ventos gerais que sopram da serra da Tabatinga e vão varrendo aquele guanhã imenso de campos, chapadões e matas sombrias nas beiras dos rios e grotões profundos.” P. 218
Ou, cenas narrativas pitorescas, folclóricas, como quando, na voz de alguma personagem, discorre sobre as travessuras dos mitos lendários do Tocantins, as do Romãozinho, por exemplo: “ E também Bebecha, um boi-vaca engomador de roupas da vila, não foi poupado. Caiu numa tunda sacudida, de tirar o pixé e o godó do corpo. O homem é-vinha de um arrasta-pé, altas horas da madrugada, à bambalhona, com seus botões-de-couro poído, ao passar rente a um monte de bagaço de cana, levou um safanão. Quando percebeu, olhe o bagaço voando no seu lombo! Êta peia braba! O homem, no corre-corre e o bagaço de cana por riba, arrochando a mutamba! E Romãozinho, na gargalhada.” P. 125
Mostra-se, assim, a linguagem de Moura lima, rica de “sugerências”, de potencial de flexibilização dinâmica e recriação imagética, fundamentais para um bom escritor, sobretudo regional.





LEITURA CRÍTICA DE CHÃO DAS CARABINAS




Antes de fazermos nossa leitura crítica sobre este romance, convém lembrar, ainda que rapidamente, já que pisamos o terreno do regionalismo em Goiás, que este título: Chão das Carabinas não deixa de remontar, ainda que por afinidades intelectuais, ou por confluências históricas da região relatada, ao título de um romance de Bernardo Elis A Terra e as Carabinas que saiu em folhetins, nos jornais de Goiás, entre 1950/1951, e, só, recentemente, ( 1988) teve publicação em Obra Reunida de Bernardo Elis, iniciativa do governo de Goiás e da José Olympio Editora. Dele Bernardo Elis retirou o primeiro capítulo “Moagem”, que passou a fazer parte do seu premiado livro de contos Caminhos e Descaminhos.
Agora, vejamos a obra de Moura Lima. Este romance Chão das Carabinas- Coronéis, Peões e Boiadas. ( 2002) traz, além da sugestiva capa de Leocádio, biobibliografia do autor, e instigante prefácio de William Palha Dias, intitulado “ Um autêntico regionalista dos campos gerais”.
Em seguida, um esclarecimento: “Chão das Carabinas foi extraído de uma história real, com alma própria, acontecida na antiga Vila do Peixe, no Norte de Goiás ( hoje Tocantins), nos idos de 1936; os fatos históricos foram transportados para o campo ficcional, a partir de processo criminal, depoimentos de testemunhas e de participantes do morticínio”. Vê-se, claramente, sua intenção de declarar a fonte de seu “ saber”, no caso, o registro histórico. Isto se fortalece com o detalhe da pesquisa em processo criminal, depoimentos de testemunhas, etc, aliás, procedimento usual da parte de escritores que levam a sério a sua obra, como o fizeram, por exemplo, Bernardo Elis, em O Tronco ( 1956), já objeto de nossos comentários, ou Miguel Jorge, com Veias e Vinhos( 1981), que tem por matéria o crime ocorrido no Bairro Popular, em Goiânia, ( 1957), quando foi chacinada toda uma família, salvando- se, apenas, a pequena Ana, que se tornará a voz narradora iluminada dessa aguda dramatização. Neste romance, se inspirou o cineasta João Batista de Andrade, para seu projeto cinematográfico, já em andamento, como, também, o que já realizou sobre o romance O Tronco, no seu polêmico e consagrado filme homônimo da obra de Bernardo Elis.

Bem, voltemos a Chão das Carabinas.
Francisco Miguel, crítico, membro da Academia Piauiense de Letras, em ensaio publicado no jornal da Cidade de Gurupi (TO), ( 28/3/02),afirma: “ Há em Moura Lima, do Chão das Carabinas, mesmo sendo um romance de fundo histórico, o espanto do homem que entra para a civilização por força dos conflitos que vêm de fora, do repentino aviltamento a que é submetido, perdendo, assim, o que havia de melhor em sua natureza. Espanto esse ocasionado pela ignorância, pela solidão, pelo medo, pelo que o novo desconhecido—o outro— possa causar. Espanto que provoca desordem. Essa desordem pode verificar-se ou já ter sido testemunha, mutatis mutandis, em todas as regiões onde as mudanças se dão bruscamente, desordenadamente.”


Temática.


O romance tem, por temática, a execução de uma vingança cruel , motivada pela ambição do poder político da cidade de Peixe.
Trama, personagens, acão.
A vingança é urdida pela rivalidade entre a facção do que representa a força local, e que encontra apoio no capitão Bentão, (apesar de sua dissimulada neutralidade) e os “arrivistas” chefiados pelo Major Fibrônio Cavalcante, frente à missão “ salvadora” enviada pelo novo governo de Goiás, sob as ordens do secretário Aroroba e que, logo na chegada, é atacada por um jagunço do major Fibrônio..
Vejamos o texto explicativo, da parte da voz narradora: “(...) como vingança é uma filha bastarda de profundo silêncio, e coração é terra que ninguém entra, o capitão Bentão apesar de conselheiro e esteio moral da Vila, desejava o fim da família Cavalcante Albuquerque, que lhe roubava o poder e o mando. E ia ficando a cada dias mais rica e dominadora.” P. 21

É uma história real, mas tem “alma própria”, como adverte o autor, no prólogo. Para o romancista, historiador William Palha, que fez o prefácio, Chão das Carabinas “ focaliza, numa visão sociológica, a crueldade do feudalismo sertanejo. E mostra, em cenas eletrizantes, a tropelia dos jagunços, o repicar dos berrantes, a bravura dos vaqueiros na marcha ronceira das boiadas, rasgando os cerradões e as imensas Campinas daquele mundão verde do chão tocantinense.”

Então, a narrativa se programa a partir dessa proposta, que, se é de denúncia, aqui bem evidente, apresenta, também, natureza de conteúdo social e, até mesmo psicológico, através de perfis humanos delineados com precisão analítica, como o do capitão Bentão, do major Fibrônio, etc.

Pensamos que, se Serra dos Pilões abarca uma cosmovisão do sertão, adentrando-se e desenvolvendo-se nas belezas da região do Jalapão, com trechos terapêuticos para o leitor, como os das lendas, com, por exemplo, as travessuras do Romãozinho, ou cenas de misticismo, a revelar porção bem forte na alma do sertanejo, ou trechos descritivos que aliviam as tensões geradas pelas vinganças , aqui, em Chão das Carabinas, o tônus da violência se afunila, se concentra de tal maneira que cada capítulo torna-se um detonador natural dessa visão, gerando aquela angústia prenunciadora do clima de protesto, dentro, portanto, do que parece ser o propósito do autor.
O romance oferece três filões fundamentais: -o da violência, gerado pelo contexto sócio- político- administrativo da região; -o filão que se esmera em oferecer perfis dos tipos peculiares ao regime de vida local, perfis afeitos às atividades regionais e, finalmente, o da explicitação da postura ideológica do autor que, ou através da voz narradora, ou através de suas personagens, explicita um verdadeiro libelo contra a “ prepotência” do velho governo central do Estado, que, por longos anos, estivera nas mãos dos Caiados e, agora, era ocupado pelos revolucionários.
Vejamos: “ A revolução de 30 foi um duro golpe no poder dos coronéis da “ República Velha”. A machadada certeira veio do alto, não das forças regionais e, mesmo sem o extermínio total, restringia-lhes os poderes políticos, e também lhes tirava a função de mandões arrufados e de árbitros incontestes das comunas do sertão.
A Vila do Peixe não ficou alheia aos brados mudancistas, e o major Fibrônio Cavalcante foi o escolhido pelas hostes do poder estadual como interventor para desapear do mando local os adversários da revolução, ou seja, os prepostos do truculento caiadismo” P. 14.Aqui, já se afirma o tom condenatório constante e incisivo da voz narradora ao regime caiadista, tom alheio a consideração sobre o contexto de época, fato observado por novos ângulos frente às modernas pesquisas universitárias, conforme já dissemos anteriormente.
Então, em reação “ aos tacões da bota de Totó Caiado ( Totó brabeza), o governo da revolução apóia major Fibrônio que deve usurpar o arraigado poderio dos primeiros, de que o Capitão Bentão é um dos asseclas, ainda que bastante dissimulado para tentar a posição de conciliador entre as duas hostes. Quanto a esse item, momento muito significativo, é quando o narrador, sem dúvida, onisciente, na sua condição de analista incisivo ( uma vez que impinge ao leitor o perfil desenhado, ao invés de deixar que ele, leitor, deduza sua opinião como corolário das respectivas ações,) e nos faz flagrar o contraste entre a atitude externa do “ honrado “ capitão Bentão, no momento em que ele dá bons conselhos ao secretário Arorobá, no sentido de largar a animosidade em relação aos Cavalcante Albuquerque, e sua postura interior que deseja o contrário, tornando, pelo contraste, explicitado o ditado: faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço (ou penso), escancarando, (mas descrevendo-as), janelas ocultas da alma humana.
Mas, ao dar voz à personagem Chica do Rosário, recorre, o escritor, ao dinâmico recurso do Discurso Indireto Livre ( uma das poucas ocorrências registradas) permitindo-lhe deixar fluir, ao vivo, os sentimentos e emoções. Recurso, sem dúvida, de enriquecimento estilístico da voz narradora. Eis o trecho: através da voz da personagem : “ Ah! Minha Mãe, verdade seja dita, o capitão Bentão e o major Fibrônio eram do mesmo paneiro, isso era, no duro! O capitão Bentão sempre foi treiteiro, agradava uma moçoila aqui, outra acolá, e ia desonrando-as, para o sofrimento das mães pobres, e, para trás, ia ficando a cambulhada de filhos adotivos. Agora, já o major Fibrônio era mais atrevido, mulherengo por natureza, chegava a desrespeitar mulheres casadas, quando estas davam brechas Mas que tem razão, minha Mãe, é a costureira Maricota, que sempre diz: -Troco o capitão Bentão pelo major Fibrônio e não peço um tostão de volta, são os dois da mesma laia!” P. 86
Chica do Rosário, aliás, é personagem elevada à condição de um dos canais preferidos pelo autor para a manifestação da voz de protesto contra o status quo vigente.Vejamos mais um de seus monólogos-depoimento: “ Mas a verdade, minha Mãe, tem de ser dita, porque aqui, na terra, neste vale de lágrimas, a mentira, de tanto ser repetida, vai-se tornando verdade na boca do povo atrasado, que não enxerga um palmo diante da venta. Ainda mais que os mortos não podem fazer a defesa, aí os grandes da terra galopam, fogosos,no lombo cabeludo da mentira. E arremata: Quem não sabe, minha mãe do céu, que o motivo da matança foi só um: a tomada do poder político da Vila.” P. 86

Também se mostra, a voz narradora, em seu perfil de veículo ideológico-social, preocupada em expressar traços que demonstrem valores positivos desse ser relegado a sua própria sorte: o homem daqueles rincões. Assim, tal como Eli Brasiliense carrega nas tintas que retratam, como flores raras, num campo de tantas truculências, noções de honra e coragem de algumas de suas personagens, como Marcelino do romance Rio Turuna,--quando, na sua longa tocaia, rememora fatos de sua vida, evidenciando seu perfil de homem destemido e fiel aos seus princípios-- ou Bernardo Elis, ao pincelar, com maestria, o esforço de Piano, personagem do conto “A Enxada” (Veranico de Janeiro), quando busca traduzir seu desesperado esforço para cumprir a palavra dada ao coronel: plantar, no prazo combinado, a roça de arroz, embora, não tivesse conseguido, para isso, a indispensável enxada, fazendo-o, então, com as próprias mãos que acabaram reduzidas a frangalhos.
Assim, Moura Lima nos exibe, também, esse perfil de dignidade, de honradez que pode habitar esse povo rude, esses vaqueiros aparentemente simplórios, traço que Noratão “ cabra colhudo” se incumbe de no-lo demonstrar. Vejamos o momento em que ele é intimado, pelos acólitos do secretário Arorobá, para a missão de “ num barreado de chumbo, moquear o major Fibrônio e os filhos” . Então, respondeu: “ Diga ao Arorobá e ao Gustavo Bananeira que não vou . Não nasci pra jagunço e muito menos pra tocaieiro. Mas, se me mandar pegar um boi brabo, eu pego à unha, no maior prazer do mundo !”. Os cabras, decepcionados, acrescentaram:-- “Vancê, negando o chamado, está querendo virar cruz de beira de caminho” . P. 47


MANEJO DA LINGUAGEM



Enfim, quanto ao manejo da linguagem regionalista, as observações seriam reiterativas, reforçando o que dissemos em relação ao primeiro romance, Mas, entendendo, dentro da visão crítica moderna, por linguagem da obra tudo que nela significa, até o próprio silêncio, retiramos esse trecho de grande poder poético-descritivo de Moura Lima, quando, ao nos trazer atividades de sua realidade, nos oferece cenas de notável precisão e riqueza imagética. Ei-la:
“Chifres pra riba, os cascos ribombando no chão, como socada de mão-de-pilão, quartos roçando uns nos outros, seguia pachorrenta a boiada estrada afora. De vez em quando, um tucura atrevido, na traquinagem, enganchava nas ancas do boi da frente e andava em cima dele um estirão. O cupim apontava por cima na ondulação serpenteada dos lombos, aos saracoteios das ancas em movimento.” P. 37.



Espaço, tempo.



Romance neo-realista, caracterizando-se como de ação, personagens de reação, espaço-tempo em emprego similar ao de Serra dos Pilões: espaço predominantemente exterior, cobrindo as terras ilhadas da civilização e da cultura, correspondentes à Vila do Peixe e à região do Jalapão, na região do Tocantins, com incursões esporádicas a mecanismos interiores, que, quando ocorrem ( como vimos na dupla referência ao modo de agir do coronel Bentão, definindo-lhe o caráter), ou podem vir explicitados, com veredito já formado, pela voz narradora onisciente, recurso já mencionado, ou, oferecido ao vivo— através de técnicas agilizadoras do discurso— à observação do leitor, ( caso do D. I. L, no monólogo interior de Chica da Silva) o qual , com mais mobilidade julgadora, poderá esboçar seu juízo, como sói acontecer nos romances que privilegiam o ângulo intimista, mas fato também enriquecedoramente encontrável em autores que ocupam o espaço do neo –realismo ( neo-naturalismo), como Graciliano Ramos, Bernardo Elis, Eli Brasiliense, Moura Lima ( em uso comedido) e outros. E um tempo que transcorre em jogo pendular: presente-passado, sendo o presente histórico, para delinear a violência com mais realismo e vigor e o passado, que ressurge em lances de flashback , responsáveis pela manutenção do fio de continuidade da ação.

Torna-se,assim, antes de tudo, o tempo de uma época que, segundo Taine, diz respeito à temperatura moral dessa mesma época: o do atraso, do analfabetismo, da violência, da desassistência político-social-administrativa da região.

No último capítulo- o XXVI- agora, já levado a cabo o extermínio do Major Fibrônio Cavalcante, o último remanescente da família que tanta violência praticou na região de Pedro Afonso, e que, ali em Peixe, tentava se estabelecer no poder, novamente, a cidade, então, semi-destruída, passa ao comando em definitivo do capitão Bentão, que, abertamente, assume o lema “ posso , quero e mando”.
Com sutileza e certo tom determinista, nota-se, na sequência dos fatos e com a chegada da Comissão que deverá apurar a chacina dos Cavalcante, o clima do “ recomeço” do drama da perseguição, da violência, da humilhação, como estigmas que relutam a abandonar aquelas paragens, tão naturalmente ricas e potencialmente promissoras. Sacraliza-se, então, o clima de protesto perante o statu quo desta realidade, cujo perfil opressivo foi magistralmente simbolizado, numa operação contrapontística, na cena final. Vejamos a referida encenação, quando a viúva do defunto Rafael Cavalcante e seus filhos passam rumo ao campo-santo. “ iam orar ao morto. Junto à cova, no alto do cerradão, a sombra acolhedora de um pé de baru é testemunha do crime”.
Atente-se para a metáfora do pé de baru, ali, com força testemunhal. Então a voz narradora cria dinâmica imagem ao reunir, num mesmo foco, o contraponto das forças-símbolo daquele sertão: o impacto opressor , representado pelo poder do homem e a imponente e forte inocência da natureza, que, como a voz do povo dominado, tinha de ser calada.
A derrubada da árvore-testemunha, cuja presença incomodava os grandes da terra,
teria de ser levada a cabo? Que peso teria, na força dos acontecimentos?
Então, a voz narradora esboça o arremate fatalista:
“ Desta forma triunfava feroz o feudalismo sertanejo dos coronéis arrogantes do sertão “ . P. 138.

No final do livro, o indispensável glossário, e mais opiniões críticas valiosas sobre a obra do autor.
















CONCLUSÃO



Assim, a obra literária de Moura Lima—contos e romances—se consagra como a primeira voz oficializada—já vimos que só recentemente, Tocantins constituiu-se em nova unidade da Federação—da saga tocantinense.
Narrativa ágil, diálogos bem construídos e pertinentes à condição cultural de suas personagens, espaço ambiental traduzido com autenticidade e amor, por um profundo conhecedor daquelas plagas, tudo isto faz de Moura Lima um escritor respeitável, a garantir lugar de referência na Literatura Regionalista em âmbito nacional.




Moema de Castro e Silva Olival
Escritora-Crítica Literária

28/09/02
















SELEÇÃO DE TEXTOS
DA OBRA DE MOURA LIMA































VEREDÃO – CONTOS REGIONAIS E FOLCLÓRICOS


CAÇADA DE FUBOCA





De manhãzinha, com o sol rompendo pras bandas da Chapada das Cangalhas, o vaqueiro Timborão, da fazenda Raizama, munido de uma cuia e arreador de couro, no curral mandou o filho Miguelinho soltar um bezerro do enchiqueirador. O menino, atento no seu trabalho, puxou os varões da porteira e soltou o monjolinho, que veio agoniado, berrando para a mamada farta. O vaqueiro deixou-o, por um instante, na apojadura e, em seguida, amarrou-o com o arreador a uma das pernas dianteiras da vaca-mãe. E acocorando-se, segurou entre os joelhos a cujuba, meteu as mãos no úbere cheio e puxou ritmado as tetas; o leite branco e gorduroso esquinchou no fundo da cuia, provocando um som espumoso de cachoeira.
Zé Guedes, trepado por riba das lascas de aroeira do curral, balançando as pernas, no seu jeitão manso de capurreiro despreocupado com a vida, ergueu a voz fanhosa: – Timborão, assim que tirar o leite, vamos abreviando, que daqui até o veredão é uma boa puxada. E só à boquinha da noite é que vamos chegar no ponto da espera.
O vaqueiro respondeu lá do meio do curral:
– Já estou terminando, e os cavalos estão na remanga.
E soltando o bezerro do arreador, caminhou para o jirau, onde entornou a cuia cheia de leite no pote de barro.
Zé Guedes, na sua fala preguiçosa, perguntou-lhe:
– Meu compadre, no quarto dos arreios tem um pedaço de couro promode eu fazer uma currulepa?
– Tem sim, pode pegar.
E o tapiocano, de posse do couro cru de vaca, sentou-se debaixo de uma frondosa mirindiba, na porta do rancho. E puxando da bainha, no cós da calça, a peixeira afiada, escarrapachou no couro o pé chato e rachado, de caminheiro da areia frouxa do Jalapão, e foi riscando com a ponta da faca o contorno. E depois de riscado o desenho da sola do pé, cortou no capricho o contorno. Passou novamente na sobra do couro a faca e tirou as tiras das correias para o cabrestilho. Furou os pontos de perpasso, deu o nó de reforço. E pronto! Estava assim feita a salga-bunda, a rústica alpercata sertaneja.
Timborão entrou apressado no rancho, carregando o pote de barro com o leite e foi chamando a mulher:
– Muié, bote logo o café-de-isca na mesa! Estou avexado...
E voltando pros meninos, disse:
– Vão pegando os cavalos!
Logo o farto café estava na mesa, o quebra-jejum. Farinha, torresmo, rapadura raspada, coalhada, requeijão, cuscuz e beijus. Timborão, no seu costume de sempre, não dispensava o leite morno na cuia, com farinha de puba e um bom pedaço de carne assada.
No fundo do rancho, debaixo das mangueiras, as negras da casa batiam no pilão a paçoca com a dourada rapadura. Tum...Tum...Tum!...
Após o café iscado, Timborão e Zé Guedes abalaram na estrada, no rumo do veredão. Iam animados para a caçada de espera de fuboca, na florada dos pequizeiros.
O vento morno dos gerais varria aquele guainhã imenso do Jalapão.
À boca da noite, conforme o previsto, chegaram à mata do veredão e entraram por uma canajuba terrível, até que saíram num carreiro de gado, que atravessava, naquele ponto, um capuão de árvores espaçadas; sem tardança foram dar num pequizeiro robusto. O chão estava repleto de flores caídas, com pontos trilhados de rastros de fubocas.
Timborão, satisfeito, com a boca cheia de risos, disse:
– Compadre Zé Guedes, aqui vancê fica nesta espera, e eu vou um pouco adiante, procurar outro pequizeiro pra armar a minha rede, num ponto cevado, que conheço na beira do veredão.
E cutucando as esporas no cavalo, seguiu adiante pelo carreiro de gado.
Zé Guedes amarrou o cavalo a razoável distância do pequizeiro, numa garapa. Ato contínuo retirou o cacaio da rede da garupa e a espingarda lazarina, que trouxera presa à borraina da sela. A capanga de munição, prendeu-a à vaqueta da espingarda e caminhou para o pequizeiro. Armou a rede entre dois galhos fornidos do pequizeiro, o mais alto, nas grimpas. Tirando a currulepa nova dos pés, subiu maneiroso tronco acima.
Ajeitou-se na rede, logo em seguida meteu as mãos no butucum à procura de munição. Pegou o polvorinho, encheu o medidor de pólvora e despejou-o pelo cano da bocuda. Introduziu pela boca a bucha de embira, socou forte com a vareta. Procurou o chumbeiro, escolheu um balote grosso, juntamente com o chumbo meã e enfiou goela abaixo da espingarda, com outra bucha, numa socada firme de vareta. Levantou o cão, colocou a espoleta sobre o ouvido e foi soltando-o devagar para que a arma não detonasse. Amarrou num galho uma cabaça; se sentisse vontade de verter água, ali estava a solução. Pois não se pode urinar debaixo da árvore de espera, que espanta a caça.
Fez-se noite. A lua passeava por cima das copas das árvores.
Na outra espera, Timborão carregou bem a espingarda e quedou-se no fiango, aguardando a caça. De repente, escutou barulho meio balofo pelas folhas secas. Não demorou, e surgiu um fuboca caborjeiro, meio arisco, pisando de leve, farejando o ar, apurando o faro. E foi se aproximando do pequizeiro. Parou outra vez, cheirou o vento. Timborão, no alto do galho, reteve a respiração. Esperou mais um pouco. O fuboca veio ansioso para pegar as flores pelo chão. Foi só dormir no ponto da mira e berrar fogo. O animal escarrapachou na fumaça da pólvora, ciscando os gravetos na ânsia da morte. O balote de pé-de-panela cravou lá nele, no meio do peito.
Zé Guedes, na sua espera, no momento do tirambaço padecia com uma dor de dente zangada, de soveladas de marimbondo cassununga, que surgiu de supetão. Doía-lhe até a raiz do cabelo. Era o panelão do dente cariado. E recriminava a si, por que foi comer um naco de rapadura, numa hora daquelas. E na sua agonia, lembrou-se do compadre Timborão, que tinha trazido uma garrafa de cachaça no alforje. E às pressas desceu do pequizeiro e embrenhou-se pelo carreiro, na direção da espera do compadre.
Timborão, lá do alto do pequizeiro, regozijou pelo tiro certeiro no fuboca e recarregou rápido a espingarda. E pensou consigo:
– Vou matar mais um cambucica, rasto é o que não falta aí embaixo. A florada é boa.
E continuou:
– Eu só quero ver a cara dos capiongos, lá do baixão-dos-porcos, a hora que eu chegar com os dois fubocas balançando no cavalo.
Nisso uma moita espessa de piaçaba balançou, remexendo as folhas, num barulho de passos firmes pelo gorgulho. O vaqueiro-caçador mal divisou o vulto e berrou fogo. A queda foi em cima do tiro, num baque seco. E lá da tipóia, ele encheu a boca de risos.
A madrugada avançava. A brisa morna dos gerais soprava pela madrugada sertaneja. Timborão, calmamente, desatou a rede, enrolou-a e animado desceu do pequizeiro. E foi examinar o primeiro fuboca morto. Era um animal fornido, de pêlo luzidio e bastante gordo. O dia vinha rompendo, e, lépido, buscou o cavalo que havia amarrado num tamboril, junto do veredão. Ao retorno teve uma grande dificuldade para agasalhar na garupa do cavalo o fuboca, em razão do peso. Assim que terminou, puxou o animal pela rédea e foi à procura do segundo canela-roxa morto. E quando contornou a bojuda moita de piaçaba e bateu com os olhos no chão gorgulhento, levou um susto tremendo por dentro: não tinha matado um fuboca, mas, sim, o seu compadre Zé Guedes, que jazia duro na terra, com um rombo no peito, do seu tiro mortífero, e, com a boca cheia de formigas. Entrou em pânico, ficou meio azuretado, brabobó e falava ao morto:
– Por que não gritou, meu compadre?... Assim tinha evitado essa desgraceira... E eu não tinha te barreado de chumbo de morte!
E sem tardança, no ato do desespero, jogou o cadáver no lombilho da sela, prendendo-o com embira. E lá seguiu pelo carreiro de gado, puxando o cavalo com o defunto balançando os braços e o fuboca morto na garupa.
A luminosidade da manhã começava a penetrar os galhos folharudos do robusto pequizeiro.




















Fortuna crítica
ASSIS BRASIL
CLÓVIS MOURA (USP)























REGIONAL E ESTILO

Assis Brasil(*)







O romance de MOURA LIMA, Serra dos Pilões (jagunços e tropeiros), já foi recepcionado por importantes nomes de nossa literatura, como Clóvis Moura, Eli Brasiliense, William Palha Dias, Stella Leonardos, e todos têm admirado a excelência desenvolta do narrador ao construir um romance ao nível dos melhores da série literária brasileira. O romance é classificado de regionalista porque se convencionou, entre nós, que vocabulário, expressões, modismos, temáticas dão tal feição à obra. Para os especialistas, no entanto, Regionalismo nem é escola, nem caracterizaria perigosamente um gênero de nossa literatura, ou um desvão algo estanque, pois a maioria dos nossos ficcionistas é urbana e se define na área subjetiva, intimista, existencialista.
O caso é que se trata de uma única literatura brasileira – não estritamente regionalista – com experiências várias, sintáticas e semânticas, ao nível da linguagem literária. É claro que alguns escritores dão características locais, regionais, com um vocabulário específico, com personagens interioranos do nosso rico mundo caboclo, temas do sáfaro lendário das nossas tragédias. O que devemos observar, no entanto, em qualquer romance, é como o escritor (criador) trabalha a sua linguagem, rompendo mais ou menos com a norma. Ele trabalha sobre a norma da língua – a norma cotidiana e comum – e, como artista, recria a sua própria linguagem e seu estilo. É claro que determinadas regiões situadas num romance precisam, necessariamente, de vocábulos e expressões que possam caracterizar o regional e o clima dramático que se quer expor.
O que se deve observar, também, é que a oralidade – pura e seca como a ouvimos – não é a linguagem escrita, não é a obra em si mesma. A oralidade simplesmente “transcrita” “de ouvido” – como diria Mário de Andrade – ao nível da narrativa, soa algo falso, incongruente, daí a estreiteza de concepção de muitos romancistas tidos como regionalistas. Então o quê? A transcrição da oralidade para a escrita – o lugar onde a linguagem literária se realiza – precisa de uma estilização, ou seja, de uma adequação entre o mundo revelado e a literalidade, o que marca toda obra criativa. Sim, o escritor pode usar vocábulos, expressões regionais, nomes locais, certos termos antigramaticais até, para que tais recursos sintáticos conotem o clima regional, sem que o escritor precise arremedar, falsamente, a linguagem interiorana. Temos dois exemplos radicais de estilização da oralidade, tratando-se de romancistas ditos regionais: o baiano Adonias Filho e o mineiro João Guimarães Rosa. Devido à sua formação clássica – o mesmo caso de Graciliano Ramos – o primeiro pouco estiliza a oralidade, preferindo ficar ao nível da norma da língua, embora com indicações léxicas conotativas. E não foi à toa que Adonias Filho repudiou a experiência de Guimarães Rosa, pois viu na sua linguagem um exagero estilístico. É que o escritor mineiro faz da sua linguagem literária a própria estilização (por vezes erudita) dos regionalismos, dos modismos, das tradições lingüísticas, e isso para fugir do cacoete generalizado de arremedar a fala interiorana.
É nesse último caso, afinal, que devemos situar Moura Lima. Não tão sóbrio quanto Adonias Filho, nem algo exagerado como Guimarães Rosa, a estilização do romancista serve para manter um nível, um diapasão da linguagem interiorana – ao nível literário – sem a recorrência acentuada aos “erros” e impropriedade da linguagem oral. Como se trata, em seu romance, de personagens broncos, analfabetos, vivendo a própria existência de sua linguagem – retrato psicológico e comportamental – o escritor estiliza a sua linguagem - diálogos e narrativa ao nível de uma norma literária que é ao mesmo tempo a sua estilização e concepção do seu regional romanceado. Os diálogos de muitos personagens, por exemplo, não trazem aquele exagero – de muitos romancistas – de tentar, “de ouvido”, imitar a fala cabocla, o que seria uma contrafação literária. Daí que Serra dos Pilões atinge o seu alvo, como romance bem-sucedido, no contexto da Literatura Brasileira, ou seja, o de retratar um mundo interiorano e se realizar como obra de arte.


(*) ASSIS BRASIL, laureado escritor brasileiro, autor de cem obras publicadas, crítico literário dos principais jornais do país: O Globo, O Estado de São Paulo, Tribuna da Imprensa, Jornal do Brasil, revista O Cruzeiro. Profº de Técnicas Jornalísticas, n

















SERRA DOS PILÕES : UM ROMANCE DE GRANDEZA NACIONAL


CLÓVIS MOURA

O romance regional e a ficção regionalista de um modo geral vêm se destacando e abordando problemas cada vez mais complexos da vida social. Tolstoi dizia que se você quizer ser universal volte-se para a sua aldeia. É através desta volta ao regional, à vida microanalisada que o romancista ou o contista de talento consegue captar as paixões. Os dramas e as tragédias de uma comunidade. É através da análise do particular que o autor consegue desvendar as inquietações existenciais e os conflitos sociais do geral.
No Brasil podemos dizer a ficção regional teve início com uma série de obras frustras. Uma literatura sem verticalidade nos dramas retratados. No particular basta nos lembrarmos de Inocência de Taunay. O sertanejo de José de Alencar ou pelo sertão de Afonso Arinos. Posteriormente, especialmente após a chamada geração de ’30 esse tipo de literatura se desenvolveu e conseguiu maturidade com os nomes, entre outros, de Graciliano Ramos , Guimarães Rosa , Osório Alves de Castro,Acioly Lopes , Jorge Amado, José Lins do Rego, além da obra atípica de Hugo de Carvalho Ramos e o caso excepcional de Simões Lopes Neto.
A ficção regional exige muito mais do que o simples conhecimento da Geografia, nomes de rios, montanhas, fauna , flora, (bichos e plantas) além da forma particular dos falares regionais. Exige a criação literária e todos esses elementos capazes de articular uma metalinguagem organicamente adaptada à elaboração da peça ficcional.
E é exatamente o que distingue o romance Serra dos pilões do escritor Moura Lima das muitas tentativas frustadas da ficção regional. O autor reelabora , quase sempre com êxito, as particularidades da paisagem, da natureza e do homem numa unidade literária que dá como resultado um romance que expressa e ao mesmo tempo transfigura a região, projetando-se como obra na qual personagens e sobretudo a ação humana dinamisam-se harmonicamente.
Isto porque o contraponto dramático que une toda a ação do romance é a violência no seu sentido primário e imediato. Os romances que retratam o comportamento dos grupos que habitam as zonas pioneiras , nas quais os espaços sociais ainda não foram ocupados e devem ser conquistados para se estabelecer um nível de hierarquia (poder) posterior institucionalizada é a violência através da qual os grupos e os indivíduos conseguem se reagrupar socialmente e socializar os seus níveis de poder. E ela (a violência ) vem com todas as formas possíveis para estabelecer os reajustes posteriores.
Abílio Batata, de um lado, e o Capitão Labareda, assecla de Cipriano, de outro, formam os dois polos contraditórios que dão movimento ao romance . Neles se agregam os demais personagens e é através dos papéis sociais dos dois que os outros personagens se movimentam e adquirem existência. A tragédia da Vila de Pedro Afonso é o episódio que deflagra a violência, elabora as suas consequência e cria ( ou recria )as normas de comportamento dos demais personagens. E esses personagens são mais ou menos elaborados pelo autor no sentido de proporcionarem ao leitor os sentimentos mais diversos e significativos. Queremos, aqui , destacar dois personagens que parecem ser os mais vivos e significativos simbólicamente do painel criado pelo autor : Corta Cabeça e Boca de Sino, este pela radicalidade da violência , ambos vivendo, de forma contraditória a ação do romance. Corta Cabeça é o mais importante para que se compreenda simbólica e dramaticamente a filosofia do romance. Isto porque ele é a contrafacção da violência e se destaca como o centro humano impulsionador do comportamento dos demais para o bem ou para o mal (violência ou contraviolência ). O personagem Corta Cabeça é o responsável pelos momentos mais dramáticos do livro. O primeiro, logo no início, quando comanda os rituais funerários do jagunço Pantaleão e o segundo quando participa dos rituais iniciáticos da cigana velha e mágica do acampamento invadido pôr Jagunços do Capitão Labareda. Nestes dois episódios, antológicos, o autor consegue um poder de transfiguração e dramaticidade dignos dos melhores momentos da ficção nacional.
Por outro lado, o ritmo da ação do romance vai num crescendo à medida que novos personagens vão surgindo e o objetivo final do Capitão Labareda vai ficando cada vez mais claro . E uma sucessão de acontecimentos e atos de violência que movimentam o romance , através de uma pontuação dramática precisa até o seu final.
O desenvolvimento da ação é trabalhado no livro pôr vários recursos técnicos , inclusive fazendo com que ele se expresse através da narrativa, pôr parte de vários personagens, de recordações, de fatos passados, levando o leitor a reconstruir paulatinamente a realidade que vai se concretizando não de forma linear, mas de pedaços da memória que vão se juntando até se transformarem em um painel unitário no qual todos os elementos se completam.
É, portanto, um livro duro na sua temática e ao menos tempo inovador tecnicamente . Tem, por isto mesmo, enclaves de ternura e romantismo dentro da atmosfera dramática do tema. Basta lembrar o episódio de Gavião com a ciganinha Lorena, quando os sentimentos líricos se manisfestam tão espontaneamente e o romance do Capitão Labareda com D. Bela para se ver como o Autor soube costurar os sentimentos dos seus personagens fazendo-os não simples autômatos, mas homens e mulheres com interioridade, paixões e comportamento humanos e por isto mesmo imprevisíveis .
Este romance de Moura Lima projeta-se como uma unidade literária de valor destacado não apenas como unidade computável na produção da literatura da região, mas,também , como obra que pelas suas qualidades literárias irá compor o elenco dos trabalhos mais significativos da nossa novelística brasileira.

Clóvis Moura é sociológo, ensaísta, escritor, jornalista, crítico literário, professor catedrático da USP e presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Africanista da Universidade de São Paulo, bem como coordena o Projeto Arqueológico Palmares, em Alagoas, patrocinado pela Universidade Estadual de Illinois, EUA. Autor dos livros : Rebelião da Senzala e Introdução ao pensamento de Euclides da Cunha, dentre outros.
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A Cultura Popular e a Erudita na obra de Moura Lima

Aluysio Mendonça Sampaio



Tem sobejas razões o escritor Francisco Miguel de Moura ao afirmar que “Moura Lima (Jorge Lima de Moura), tocantinense descendente das famílias Alencar e Moura do Piauí, é um grande ficcionista dentre os que apareceram nos anos noventa do século XX” (In Jornal Meio – Norte, Teresina - PI/2001).
De fato, Moura Lima é autor de respeitável obra literária, inclusive do primeiro romance do Estado do Tocantins (Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros), publicado em 1995. Até mesmo pela titulação de outros livros (Solidões do Araguaia, romance inédito; Veredão – Contos Regionais e Folclóricos (Prêmio Malba Tahan de literatura/RJ); O Caminho das Tropas, romance; Mucunã – Contos e Lendas do Sertão (Prêmio Profº Joaquim Norberto/RJ); Chão das Carabinas – Coronéis, Peões e Boiadas, romance; Negro d’Água – Mitos e Lendas do Tocantins, contos) ressalta-se o sentido fundamental de sua obra: o regionalismo.
É exatamente o lastro regionalista que caracteriza o presente livro, Negro d’Água – Mitos e Lendas do Tocantins, em que o autor reúne 24 contos retratando com fidelidade mitos, lendas e estórias do Tocantins. Mas o regionalismo de Moura Lima não consiste no mero registro de estórias, mitos e lendas. Nem, também, se restringe a pesquisa de língua. Nas páginas do livro em foco, encontramos o linguajar do povo, é verdade, mas também a linguagem normativa, das elites cultas. Realiza o autor, no texto deste livro, a união do erudito ao popular, conseguindo, com notável habilidade de escritor tarimbado, o equilíbrio e harmonia fundamentais na obra literária, justapondo, num mesmo texto, as duas culturas brasileiras, a popular e a erudita.
Em vários contos que compõem o livro, destaca-se a elegância da linguagem, parecendo-me lembrar o estilo de Euclides da Cunha, naquele ritmo quase épico do descrever paisagem e narrar acontecimentos. É a palavra sublimada, na harmonia de sons e idéias. Veja-se o início do conto-título – Negro d’Água:
- “Noite sertaneja de lua cheia, sob a imensidão silenciosa do rio mágico, das ribanceiras, das enseadas, dos lagos, das ipueiras, das matas ciliares, onde os caburés, os corujões piam, no ruflar do bater tristonho das asas, na solidão impenetrável dos ermos. A mãe-da-lua, lá nos cafundós dos boqueirões, garganteava a toada triste e penosa (...)”.
Mas, ao mesmo tempo, adota o ritmo do falar do povo do Tocantins, especialmente pelo registro de palavras empregadas no linguajar cotidiano. Apesar do exótico dos termos, em face da linguagem normativa, não resvala o autor para o dialetal, o que desajustaria ritmo e sintaxe do português.
Parece-me que essa junção entre a cultura popular e a erudita na obra de Moura Lima decorre de aspectos definidores de sua vida. Embora percorrendo o caminho das elites culturais, vivenciou costumes e hábitos do povo, ouvindo suas estórias, suas lendas e conhecendo seus mitos. Nada de trancar-se em torres de marfim, mas aproximando-se de sua gente e efetuando pesquisas relativas à cultura popular.
Com o material colhido em pesquisas e na vida cotidiana, o autor não apenas o registra, mas o faz introduzindo-o na narrativa dos contos. E isso com tal habilidade, que o leitor menos atento não percebe a solução estética por ele dada ao texto. Observe-se, a respeito, que, após a narração da lenda, do mito ou do fato folclórico, vezes várias ele termina destacando um final conclusivo, em frase solta, como se fosse um poeta buscando uma chave de ouro para um soneto ou moral apropriada de fábula. Vejam-se alguns exemplos:
Em O Poder das Orações do Padre Luso: “Era a luz vencendo as trevas!”.
Em Assombração: “A molecada logo o batizou de Chambari Gordo. E nunca mais recuperou os sentidos. Era a punição que veio do além, para cobrar-lhe os crimes praticados”.
Em O Iluminado: “A luminosidade da manhã penetrava o mais íntimo dos arvoredos, e um misto de mistério pairava pelos vales e pelas grotas do caminho”.
No conto-título do livro: “A lua derramava a sua luz prateada pelas praias e ribanceiras”.
Em Mãe do Ouro: “Uma chispa de fogo cruzou os horizontes: era a Mãe do Ouro abençoando os bons corações na terra!”.
Em A TOCAIA:- “... A terra era um braseiro. Do chão rodopiava pelo ar a areia fina e afogueada. A canícula tremulava nas lonjuras”.
Outro aspecto a assinalar-se: várias lendas e mitos registrados no livro não são estritamente tocantinenses, mas de dimensões nacionais, tais como: Saci, Lobisomem, Mula-Sem-Cabeça. Os demais são da região do Tocantins, dentro da amplidão amazônica.
O regionalismo deste livro de Moura Lima não é negação da cultura nacional, pela prevalência dos aspectos regionais. Mas, ao contrário, é afirmativa da unidade nacional da nossa cultura, dado que toda unidade é múltipla em seu conteúdo, pois o geral é constituído do particular. Importa salientar que a literatura de Moura Lima, na junção do erudito ao popular, do real ao mágico, é afirmativa dessa unidade e da elevada expressão cultural de seu autor.

Aluysio Mendonça Sampaio
Romancistas, ensaístas, crítico literário, Juiz togado do TRT da 2º Região – São Paulo, professor univ. jornalista, editor da revista de Literatura Brasileira, autor de várias obras jurídicas e literárias, destacando “Jorge Amado, O Romancista”, (ensaio) e “Brasil – Síntese da Evolução Social”. Com o livro “Os Anônimos”, recebeu o Prêmio Afonso Arinos, da Academia Brasileira de Letras – (1975).



















UM AUTÊNTICO REGIONALISTA DOS CAMPOS GERAIS
*WILLIAM PALHA DIAS


Embasado em convicções íntimas, o operário monta o seu invento até dar por findo o trabalho ideado. Nessa pachorrenta escala, como artesão de ourivesaria, vai delicadamente urdindo filigrana após filigrana até à conclusão da obra, sempre receosa da crítica. Todavia, tratando-se de produção literária, o temor torna-se mais intenso, eis que, a exigência crítica desdobra-se na ânsia de extirpar do texto investigado, qualquer eiva ou jaça, quer formal ou dialetal.
Para superar essa exigência embaraçosa, criada pelo propósito do censor, o escriba terá que se valer de “todo o engenho e arte” tanto quanto lhe permita a fertilidade criativa na consecução de seu objetivo.
Nesse caso, com a preocupação de produzir trabalho rigorosamente regionalista, Jorge lima de moura, conhecido nos meios literários do país pelo simpático pseudônimo de moura lima, vem brindando seus inúmeros leitores com obras comprometidas com os mais rígidos temas sociológicos, numa novelística alicerçada em surpreendente linguajar, cuja densidade fica a questionar caminhos contigenciais em relação ao meio e o tempo. Assim, dentro dessa temática vinculada à palavra-ação, reúne tipos ainda não focalizados para os transformar em elementos vivos, numa realidade verdadeiramente concreta.
Transparência e denúncia. Eis a palavra mestra da obra de moura lima. Transparência profunda, penetrante, do vale araguaia-tocantins, com o real da luta do homem, da paisagem, das madrugadas sertanejas, dos arrebóis, dos cânticos dos pássaros, da seriema, ao uivo do lobo guará debaixo das lobeiras. Nada é artificial, tudo tem vida, cheiro da terra, é um hino de louvor aos campos gerais e aos imensos cerradões e pradarias.
A obra do grande escritor tocantinense é antes de tudo, inspirada na potencialidade terra-povo e gira no espaço geográfico de suas constantes pesquisas. Desta maneira, inspirando-se nos qualificativos: valentia, coragem e determinação, leva em conta esse material que o arremessa para a realidade emergente de todo o conjunto sócio-político de sua admirável produção.
Os seus romances e contos mostram como se organizaram as vilas, povoadas e cidades nos quadrantes do Goiás antigo, que, depois foi dividido em duas unidades representadas por dois vastos e futurosos estados, onde a lei deixou de ser o árbitro do mais forte com o aval do retrógrado coronel ou o azougue do “44 papo-amarelo”.
Nasceu moura lima para as letras e carrega, atavicamente, tendências regionalistas tendo, por isso mesmo, se esmerado o quanto permite sua privilegiada inteligência, na produção de uma obra de fôlego, quer como romancista ou contista, mostrando assim, que não existe mossa a reparar quando, na criação literária, o calor da imaginação sobrepõe o temor de produzir.
Vocacionado para as investigações sociológicas, o destino escolheu inclusive, o lugar para a sua vinda à luz – uma fazenda em pleno sertão, cujo inusitado nome, capim puba, hoje heitoraí, outrora distrito de itaberaí, lindes de Goiás velha, vale de são patrício, por certo, fonte geradora de sua produção nitidamente regionalista. Dali partiu para outras plagas, depois de muito forcejar, conquistou posição de destaque, tendo abiscoitado mais de um canudo de curso superior.
Com esse rico cabedal plantou-se na vitoriosa cidade de gurupi, Tocantins, e, sem parelhas, comanda o patrocínio de relevantes pleitos judiciais, ao tempo em que com brilho invulgar, floresce no campo das letras, o seu mais acalentado desiderato.
Descendendo de ilustre cepa familiar piauiense, com orgulho, credita seus invejáveis dotes a essa forte carga genética.
Tem publicado entre outros trabalhos, os seguintes: Serra dos pilões, romance, Veredão e Mucunã, contos.todos premiados nacionalmente. Agora traz a lume o monumental romance Chão das Carabinas, onde focaliza numa visão sociológica, a crueldade do feudalismo sertanejo. E mostra em cenas eletrizantes, a tropelia dos jagunços, o repicar dos berrantes, a bravura dos vaqueiros, na marcha ronceira das boiadas, rasgando os cerradões e as imensas campinas daquele mundão verde do chão tocantinense. É um romance de forte conteúdo social, e de protesto, baseado em fato histórico-político-social, ocorrido na década de 30, na vila do peixe, norte de Goiás, hoje Tocantins. O terrível morticínio permaneceu amordaçado, no bojo do processo criminal, por mais de oitenta anos, aguardando um romancista de peso, para trazê-lo à luz, aos olhos da sociedade contemporânea e da literatura brasileira. O romance em si vem preencher uma lacuna que faltava, no ciclo do jaguncismo do brasil-mediterrâneo. E recria acima de tudo, o drama dos oprimidos, nas mãos dos coronéis, legítimos agentes das forças opressoras do latifúndio.
A saga romanesca mouriana é de feição regionalista e projeta-se no universal .no que concerne ao estilo, é de tendência neo-realista, predominando a autenticidade do linguajar do povo, a fala da gente humilde, que assinala o vigor telúrico de sua produção literária. Os elementos abstratos, estéticos, lingüísticos, estilísticos estão presentes e robustecem a sua legitimidade artística. Ainda mais, o notável escritor vem escrevendo ensaios sobre a personalidade da romancista piauiense – Alvina Gameira, revelando assim, com vigor, outra faceta de seu talento, qual seja o de exímio crítico literário.



•William Palha Dias, romancista, historiador e magistrado.
(vice-presidente da apl)
































A Ressurreição do Regionalismo brasileira nas Veredas do Tocantins

Adrião Neto


De repente, o marasmo que se instalou na literatura brasileira, nas últimas décadas, foi quebrado, com o surgimento da obra literária do escritor Moura Lima, que rompeu a estagnação reinante, para se projetar dos imensos chapadões e das veredas do Tocantins, pelo país afora, como uma força viva e universal.
Nos estados brasileiros, ao longo de sua história literária Regional, foram surgindo os seus ícones, como, por exemplo, em São Paulo Valdomiro Silveira; em Minas Gerais Afonso Arinos, depois Guimarães Rosa; em Goiás Hugo de Carvalho Ramos, seguido por Bernardo Elis e Eli Brasiliense; no Rio Grande do Sul, Simões Lopes; na Paraíba José Américo e José Lins do Rego; em Alagoas Graciliano Ramos; no Rio Grande do Norte Câmara Cascudo; no Ceará Gustavo Barroso; no Piauí Fontes Ibiapina, Alvina Gameiro e Wiliam Palha Dias, e Agora no Estado do Tocantins surge Moura Lima, para a glória da literatura brasileira!
Moura Lima é um escritor arrojado, que veio da terra, do meio do povo, encarnando a alma brasileira, com suas dores, angústia e o drama sóciocultural. Sua obra é autêntica e realista. A linguagem é viva, coloquial, preferindo a adjetivação por vezes rude, os regionalismos, os neologismos, as hipérboles, as repetições analógicas, de acordo com o modo de viver – e pulsar – das mentes sertanejas. Aí está a sua grandeza, sua rica universalidade, porque só é universal aquilo que resplandece da genuína condição humana.E desta forma é a sua capacidade de nos tocar e comover.
Portanto, a sua trajetória, como escritor, foi marcada com o grande sucesso alcançado com o romance Serra dos Pilões, depois com Veredão, Mucunã e Negro d’Água e agora lança outro romance de peso Chão das Carabinas-Coronéis, Peões e Boiadas. A obra é ambientada nas barrancas do rio Tocantins, e tem como enredo principal, o terrível massacre dos Barbosas, ocorrido em 1936, na Vila do Peixe. O autor para escrever o fabuloso romance, teve que estudar, exaustivamente, o processo criminal da época, foi também, obrigado a deslocar-se para o Nordeste, onde estudou também, o outro processo criminal da cidade de Pedra, Alagoas, em que o major Barbosa foi envolvido, no suposto assassinado do grande industrial brasileiro Delmiro Gouveia. E para fugir da morte escafedeu-se para o Norte de Goiás e homiziou na vila do Peixe. De posse de todas essas fontes, o brilhante romancista tocantinense, transporto-a com arte e criação literária, para o campo ficcional, gerando assim, o monumental romance, que oferece cenas eletrizantes e cinematográficas.
Moura Lima é senhor de seu estilo, e abriu com sua inteligência um espaço próprio, no áspero caminho da Literatura brasileira. E, em Chão das Carabinas mostra a sua arte, ao narrar com todo realismo o horripilante morticínio, o drama dos personagens, à angústia dos órfãos e das viúvas dos mortos. Para aliviar a tensão dos leitores, no emaranhado da trama romanesca, dentro de sua técnica de escritor tarimbado, descreve uma alegre vaquejada na ilha do Bananal, em lances emocionantes da bravura dos vaqueiros, com todas as cores e beleza daquele mundão verde de canarana. E ao longo do romance, os personagens vão contando os causos pitorescos do sertão, e, no final, o autor pinta em cores vivas o ataque dos jagunços a Porto Nacional, que nada mais é do que a vingança premeditada de um dos filhos do finado major Barbosa, que voltou com um bando de jagunços armados, até os dentes, para vingar o terrível massacre de seus familiares, que foram cruelmente assassinados.
Enfim, o romance é uma epopéia do sertão, é a ressurreição da literatura regional brasileira nas veredas do Tocantins.

Adrião Neto - Dicionarista biográfico, historiógrafo, poeta e romancista. Membro da International Writers and Artists Association, da Associação Nacional de Escritores, da Ordem Internacional das Ciências, das Artes, das Letras e da Cultura e da União Brasileira de Escritores do Piauí.















COSMOVISÃO DA LITERATURA DE MOURA LIMA

Mário Ribeiro Martins


Moura Lima é hoje um dos maiores nomes da literatura nacional. Considerando que cada Estado da Federação possui dois ou três nomes ilustres, há determinados Estados onde não se encontra nenhum. Morasse ele no eixo Rio/São Paulo já teria sido, certamente, um dos recomendados pela revista VEJA em sua coluna especializada.
Para Assis Brasil, festejado escritor e crítico literário brasileiro, que considerou o romance Serra dos Pilões como a melhor obra do final do século no país, Moura Lima situa-se, quanto ao aspecto da linguagem, estrutura frasal e arquitetura do imaginário, entre Adonias Filho e Guimarães Rosa. Já para o professor Clovis Moura, autor de Introdução ao Pensamento de Euclides da Cunha e catedrático da Universidade de São Paulo (USP):
– “Serra dos Pilões projeta-se como unidade literária de valor destacado, e pelas suas qualidades literárias irá compor o elenco dos trabalhos mais significativos da nossa novelística”.
Assim, Moura Lima pode ser colocado entre os quarenta melhores contistas e romancistas brasileiros. Com Mucunã-Contos e Lendas do Sertão, completou a sua famosa trilogia (premiada nacionalmente), que é constituída também de Serra dos Pilões-Jagunços e Tropeiros, primeiro romance do Estado do Tocantins, e de Veredão-Contos e Lendas do Sertão.
Portanto, devo assinalar que esta cosmovisão da literatura de Moura Lima é fruto de muitas leituras, de vivências e de muito labor. E isso nos leva a afirmar que, dificilmente, um livro raro não é encontrado na biblioteca do ilustre escritor. Por exemplo, quando estava procurando Viagem ao Tocantins, de Júlio Paternostro, dentro da famosa coleção Brasiliana, volume 248, foi encontrá-lo num único sebo de São Paulo. Ao visitar Moura Lima, para dar notícia do eureka (achei) e da pequena fortuna que paguei em São Paulo, lá estava o livro em sua biblioteca.
Observe-se que do Médico Sanitarista Júlio Paternostro, ex-funcionário do Ministério da Saúde, em convênio com a Fundação Rockfeller, dos Estados Unidos, não dá notícia nenhuma das enciclopédias nacionais, nem Delta, nem a Barsa, nem a Mirador, nem a Abril ou qualquer outra, o que é um esquecimento imperdoável, pela sua importância na questão do estudo do problema da febre amarela.
Moura Lima dá notícia de tudo e de todos. Esta visão cosmopolita do autor do imortal Serra dos Pilões é impressionante. Não há coisa melhor do que um papo com o Moura. Sua visão do mundo, do homem e da vida é algo salutar. E é exatamente isto que ele passa para os seus livros.
Ler Moura Lima é sentir o pulsar da vida. É andar pelos grotões do sertão tocantinense, acompanhado de figuras lendárias, de caboclos, de homens rudes e de sábios formados pela universidade da vida.
Sou um homem saído do sertão bruto da Bahia (Ipupiara), para os grandes centros, entre os quais, Londres, Paris, Madrid (onde estudei em 1973), há quanto tempo não ouvia falar em Mucunã! Eis que Moura Lima me traz de volta Mucunã! E exatamente no título de um de seus mais belos livros!
Mucunã não é apenas o negro de confiança do Coronel Josino Candiru. Mucunã é tudo. É o retorno ao passado. É o reencontro com o grande mestre maranhense, oriundo de Riachão, em 1860, Parsondas de Carvalho, que foi esquecido pela sua irmã Carlota de Carvalho, em seu livro O Sertão, publicado em 1924. Mas o grande mestre sertanejo, que varou o sertão maranhense e penetrou na região do Jalapão, até as nascentes do rio do Sono, estudando a flora, fauna, e a geografia física, foi lembrado por Rui Barbosa quando assumiu o Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, em 1893, como um de seus redatores, mas que terminou por morrer nos sertões de Montes Altos, no torrão maranhense, em 1926.
Parsondas de Carvalho, certa ocasião, encontrando-se de férias, em Conceição do Araguaia, em 1900, viu a Professora Leolinda Daltro conduzir para o Rio de Janeiro, sem armas e sem ordem de prisão, o famoso e brabo Coronel José Dias, tão procurado pela Polícia do Norte de Goiás e Sul do Maranhão, conforme narrativa de Dunshee de Abranches, em A Esfinge de Grajaú.
E agora, mais de cem anos depois, Parsondas de Carvalho foi magnificamente redescoberto por Moura Lima em seu conto Um Mestre do Sertão, dentro deste extraordinário livro Mucunã!
E o conto Assombração? É uma obra-prima, que nos faz lembrar do grande escritor Luis Borges, no seu vislumbre da eternidade:
- “Nenhuma doutrina filosófica (ou religiosa) detém a palavra final do ser...”.
Assim são os méritos de Mucunã. Lê-lo é conhecer Maria Pequetita, O Cavalo Canga (mito exclusivo do Tocantins, resgatado pelo autor para o folclore brasileiro), O Salto da Onça Pintada, A Tapera da Caveira e tantos outros contos fabulosos. Este é Moura Lima, um talento multiforme, em que as vogais e as consoantes, reunidas, se transformaram magicamente em ornamentos coloridos para produzir Mucunã.
Não se pode deixar de falar no livro Negro d’Água, outra preciosidade, onde o escritor Moura Lima reuniu os fantásticos contos da mundologia dos mitos e lendas do Tocantins.É uma obra de grande importância para a cultura popular, que de certa forma corrobora a assertiva do folclorista brasileiro Mário Souto Maior, ao referir-se à obra do escritor tocantinense:
- “... É uma riqueza exuberante, em se tratando de costumes, folclore e linguagem regional. É uma obra que se projeta para o futuro, como relíquia e marco pioneiro da cultura popular do Estado do Tocantins”.
Como se não bastasse, surge agora do escritor Moura Lima o romance Chão das Carabinas-Coronéis-Peões e Boiadas, inspirado no morticínio dos Barbosa, ocorrido na Vila do Peixe, outrora Norte de Goiás, hoje Tocantins, na década de 1930. Trata-se de um romance vigoroso, que traz à luz do século XXI e da literatura brasileira o terrível massacre, e fecha o circulo do jaguncismo no Vale Araguaia-Tocantins. Era o livro que faltava para completar a história do jaguncismo e dos bárbaros coronéis das comunas do sertão do Norte de Goiás, tão bem iniciada por Bernardo Elis, com o Tronco, depois Eli Brasiliense, com Uma Sombra no Fundo do Rio, e agora terminada por Moura Lima, com Serra dos Pilões e Chão das Carabinas.
Assim é a grandeza da obra de Moura Lima, que atravessou fronteira e foi saudada com entusiasmos pela crítica e os leitores. E o escritor e estudioso do regionalismo Enéas Athanázio, de Santa Catarina, dá o seu testemunho histórico do pioneirismo da literatura Mouriana:
- “A obra literária de Moura Lima, de repente, lançou o Estado do Tocantins, no mapa da literatura ficcional brasileira”.



Mário Ribeiro Martins

Autor do Dicionário Biobibliográfico de Goiás e
Dicionário Biobibliográfico do Tocantins.Professor Universitário, Crítico Literário, Procurador de Justiça, membro da Academia Tocantinense de Letras e Academia Goiana de Letras.










SÍNTESE BIOGRÁFICA DA AUTORA


MOEMA DE CASTRO E SILVA OLIVAL, Goiana, de Goiás Velho, 12.05.l932, escreveu, entre outros, “REALIZAÇÕES E PROJETOS DE COLEMAR NATAL E SILVA NO CAMPO DA CULTURA EM GOIÁS”(1992), 'O PROCESSO SINTAGMÁTICO NA OBRA LITERÁRIA'(Tese de Doutorado-1976), sem dados biográficos nos livros, este, com apresentação de Rolando Morel Pinto e prefácio de Alfredo Bosi. Escreveu também “EURYDICE NATAL E SILVA-FIGURA LUMINAR DA CULTURA DE GOIÁS” e “ESPAÇO DA CRÍTICA-PANORAMA ATUAL” (1998). Filha de Colemar Natal e Silva e Genezy de Castro Silva. Neta de Eurídice Natal e Silva. Bisneta de Joaquim Xavier Guimarães Natal. Aliás, único goiano até hoje(1998), Ministro do Supremo Tribunal Federal e nome de Rua em Copacabana, no Rio de Janeiro. Seu bisavô recebeu o sobrenome NATAL, em virtude de ter nascido no dia 25 de dezembro. Quanto a Moema, após os estudos primários em sua terra natal, fez o secundário no Colégio Sacre Coeur de Jesus, do Rio de Janeiro. Na Faculdade Santa Úrsula, também do Rio, cursou Filosofia. Moema é Escritora, Ensaísta, Pesquisadora. Memorialista, Intelectual, Conferencista. Cronista, Contista, Produtora Cultural. Ativista, Pensadora, Literata. Adminstradora, Educador, Ficcionista. Mestre em Literatura pela Universidade Federal de Goiás(UFG). Seu esposo, Louvercy Olival, foi Professor de Matemática no Liceu de Goiás e Docente de Filologia Românica na Faculdade de Filosofia, em Goiânia. Ela, Moema, Doutora em Letras Clássicas e Vernáculas pela Universidade de São Paulo(USP), defendendo a sua tese em cima da obra de Bernardo Élis, no ano de 1976. Professora Aposentada do Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal de Goiás, de que seu pai foi Reitor e Fundador. Titular da Academia Goiana de Letras, Cadeira 04, cujo Patrono é Antônio Félix de Bulhões Jardim, na vaga de seu pai, Colemar Natal e Silva que foi o fundador da Cadeira e da Academia. Membro da União Brasileira de Escritores de Goiás, da Associação Goiana de Imprensa, da Associação dos Docentes da UFG. Presente na ESTANTE DO ESCRITOR GOIANO, do Serviço Social do Comércio, em vários textos de estudos literários e lingüísticos e na PEQUENA HISTÓRIA DA LITERATURA GOIANA, de Alaor Barbosa. Inserida nos livros ESTUDOS LITERÁRIOS DE AUTORES GOIANOS e ESCRITORES DE GOIÁS, de Mário Ribeiro Martins. Fundadora e Coordenadora do Centro de Estudos Portugueses, da Universidade Federal de Goiás. Comendadora da Ordem do Mérito, distinção concedida pelo Governo de Portugal, via Presidente Mário Soares. Vinculada ao Conselho Estadual de Cultura. Descrita no livro ENSAÍSTAS BRASILEIRAS, de Heloísa Buarque de Hollanda e Lúcia Nascimento Araújo. Biografada no DICIONÁRIO BIOBIBLIOGRÁFICO DE GOIÁS, de Mário Ribeiro Martins, MASTER, Rio de Janeiro, 1999.

MOISÉS ABRÃO NETO, de Cumari, Goiás, 11.11.1945, escreveu, entre outros, “MANUAL DO VEREADOR”, sem dados biográficos no livro e sem qualquer outra informação ao alcance da pesquisa, via texto publicado. SENADOR DA REPÚBLICA, pelo Estado do Tocantins, em 1989MOEMA DE CASTRO E SILVA OLIVAL, Goiana, de Goiás Velho, 12.05.l932, escreveu, entre outros, “REALIZAÇÕES E PROJETOS DE COLEMAR NATAL E SILVA NO CAMPO DA CULTURA EM GOIÁS”(1992), 'O PROCESSO SINTAGMÁTICO NA OBRA LITERÁRIA'(Tese de Doutorado-1976), sem dados biográficos nos livros, este, com apresentação de Rolando Morel Pinto e prefácio de Alfredo Bosi. Escreveu também “EURYDICE NATAL E SILVA-FIGURA LUMINAR DA CULTURA DE GOIÁS” e “ESPAÇO DA CRÍTICA-PANORAMA ATUAL” (1998). Filha de Colemar Natal e Silva e Genezy de Castro Silva. Neta de Eurídice Natal e Silva. Bisneta de Joaquim Xavier Guimarães Natal. Aliás, único goiano até hoje(1998), Ministro do Supremo Tribunal Federal e nome de Rua em Copacabana, no Rio de Janeiro. Seu bisavô recebeu o sobrenome NATAL, em virtude de ter nascido no dia 25 de dezembro. Quanto a Moema, após os estudos primários em sua terra natal, fez o secundário no Colégio Sacre Coeur de Jesus, do Rio de Janeiro. Na Faculdade Santa Úrsula, também do Rio, cursou Filosofia. Moema é Escritora, Ensaísta, Pesquisadora. Memorialista, Intelectual, Conferencista. Cronista, Contista, Produtora Cultural. Ativista, Pensadora, Literata. Adminstradora, Educador, Ficcionista. Mestre em Literatura pela Universidade Federal de Goiás(UFG). Seu esposo, Louvercy Olival, foi Professor de Matemática no Liceu de Goiás e Docente de Filologia Românica na Faculdade de Filosofia, em Goiânia. Ela, Moema, Doutora em Letras Clássicas e Vernáculas pela Universidade de São Paulo(USP), defendendo a sua tese em cima da obra de Bernardo Élis, no ano de 1976. Professora Aposentada do Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal de Goiás, de que seu pai foi Reitor e Fundador. Titular da Academia Goiana de Letras, Cadeira 04, cujo Patrono é Antônio Félix de Bulhões Jardim, na vaga de seu pai, Colemar Natal e Silva que foi o fundador da Cadeira e da Academia. Membro da União Brasileira de Escritores de Goiás, da Associação Goiana de Imprensa, da Associação dos Docentes da UFG. Presente na ESTANTE DO ESCRITOR GOIANO, do Serviço Social do Comércio, em vários textos de estudos literários e lingüísticos e na PEQUENA HISTÓRIA DA LITERATURA GOIANA, de Alaor Barbosa. Inserida nos livros ESTUDOS LITERÁRIOS DE AUTORES GOIANOS e ESCRITORES DE GOIÁS, de Mário Ribeiro Martins. Fundadora e Coordenadora do Centro de Estudos Portugueses, da Universidade Federal de Goiás. Comendadora da Ordem do Mérito, distinção concedida pelo Governo de Portugal, via Presidente Mário Soares. Vinculada ao Conselho Estadual de Cultura. Descrita no livro ENSAÍSTAS BRASILEIRAS, de Heloísa Buarque de Hollanda e Lúcia Nascimento Araújo. Biografada no DICIONÁRIO BIOBIBLIOGRÁFICO DE GOIÁS, de Mário Ribeiro Martins, MASTER, Rio de Janeiro, 1999.






























































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