Um vento gelado vindo dos pampas argentinos subiu a serra e chicoteou o rosto dos viventes. A pele foi cortada, puxando lágrimas instintivas de dor. Somaram-se as lágrimas do vento às lágrimas da vida, naquele rincão ermo, perdido no meio dos morros.
O homem olhou para a senhora, ajoelhada sobre a sepultura, segurando algumas flores, pensativa, talvez totalmente ausente do mundo.
Pensamentos varreram a colina como os ventos, gélidos e agressivos. Folhas de outono acompanharam os olhos. Fugiam das árvores como os olhos fugiam do vento. Cerrados, oprimidos pela força da natureza, da natureza humana, tão cruel com os viventes.
A senhora chorava, muda, talvez arrependida de algo. Seu olhar vazio contemplava a pequena pedra que cobria a sepultura. Achava que tinha participação naquela morte.
Sua alma maculada de remorsos não permitia que levantasse. O frio do vento estimulava a permanecer na posição.
Ao longo de um pequeno caminho marcado pelas pedras outras pessoas se aproximavam para fugir da força do vento, gelado e cruel, que teimava em assobiar e derrubar ornamentos.
O vento era como uma lembrança dos fatos da vida vazia deixada no túmulo. Até as flores o vento levou, tomado de um ímpeto maior.
Num céu nublado e cinzento, triste por si, algumas nuvens mais escuras ameaçavam vomitar sua ira sobre a terra, com alguns clarões ao longe.
Os viventes pouco falavam diante da terra gelada. Não havia o que falar mesmo. Um ou outro chacoalhava a cabeça, esperando que houvesse um movimento único de retirada.
A vida tinha fechado mais um ciclo, devolvendo à terra mais um dos seus personagens passageiros.
Todos foram se retirando, menos a senhora, que ficou empedrada sobre a pequena pedra, talvez esperando um milagre, uma segunda chance.
O homem seguiu o rastro do vento e foi embora, sem querer olhar para trás. A mulher velha ficou sobre a lápide, e virou pedra, se incorporando a paisagem fria daquele dia de vento argentino.
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