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Contos-->Solidão. -- 09/11/2002 - 02:41 (João Paulo Souza Santos) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
E eram como pequenos cristais que grudavam na janela. Paravam, por um segundo, redondinhos e depois escorriam até a borda da janela, deixando uma listra. Uma listra cristalina que cortava o vidro embaçado pela chuva. Olhando além do que a vista mostrava, Carla bafejou na vidraça e depois passou o dedo sobre ela, desenhando um círculo. Estava tudo tão tedioso. Os carros passavam todos iguais e devagar para não derraparem na pista molhada e os galhos da árvore tinham suaves abalos a cada gota que caia sobre elas. E nenhum passarinho voava no céu. O raio caíra bem no poste de sua rua. Um barulho que quase a fez pular de susto, semelhante a um tiro. E estava sem luz. Sem luz e sozinha em casa em um dia de chuva. A situação era tão triste. Estava sem sono, mas ainda assim tentou cochilar. Deitou-se sobre o sofá e fitou o teto, tornado azul-marinho e negro em suas arestas, pela escuridão do ápice da tarde. E ela sentia que respirava. E ela fazia esforço para respirar. Era como se respirar fosse um ato que carecesse de toda sua atenção para continuar perfeito, como se fosse algo muito complexo e não o que era de fato, uma conseqüência de sua vida física. Isto normalmente era um ato quase involuntário; respirar. Mas estava tão entediada que até isto poderia ocupa-la. Respirar. Primeiro, tragou uma grande dose de ar. Cheiro de água. Cheiro de terra molhada que entrava pela frestinha da janela. Cheiro de vida querendo escapar dela. Cheiro de paredes molhadas. Barulhos de goteira. E não tinha sono. E de repente percebeu que sentia angústia. Levantou-se e sentou-se no sofá. Novamente foi para janela e ficou lá, longo tempo observando. Tão monótono. A água caia no asfalto negro. O asfalto negro permanecia inexorável, severo, previsível. Seguiria o mesmo caminho para o resto da eternidade. E mais água cairia. E seria sempre assim. E ela observava, com todo o interesse que poderia ter por algo tão previsível. Escapou mais um suspiro e decidiu que precisava ligar para alguém. Pegou o telefone e discou o número.
- Alô. – atendeu uma voz feminina.
- Por favor, o Vinícius.
- Quem gostaria?
- É a Carla.
- AH! – e empolgou-se a dona da voz. – Tudo bem, Carla? Saiba que você é muito citada por Vinícius, ele gosta muito de você. – deveria ser a mãe dele ao telefone.
- Que bom. – disse Carla impassível.
- Posso te fazer uma pergunta?
- Pergunte. – envergonhou-se do tom irônico usado no seu “pergunte”. Para sua sorte, a senhora parecia não ter entendido.
- Qual é o relacionamento de vocês? Quero dizer – disse tentando se explicar, mas só se engasgava-são namorados, só amigos, enfim, qual é a relação de vocês?
- Bom. – pensou um pouco antes de responder. – Vinícius é meu colega de sala. É meu amigo também. Gosto dele. Tenho uma estima por ele, estima esta que poucos conquistam. Eu gosto de conversar com ele. Às vezes, tento até me comunicar com ele. E eu tento, usando de todo o vocabulário que possuo, pensando ao máximo, e depois de esgotadas todas as palavras, há a sensação de que a mensagem ainda está lá, completa, escondida e comprimida no fundo do estômago, me tirando a paz e o bem-estar. Vinícius também, às vezes tenta se comunicar comigo, não sei se consegue. Acho que tem mais êxito que eu, pois depois consegue sorrir e se mostrar alegre. Então é isto. Eu tento me comunicar. Nós conversamos. Eu tento lhe dar meu grito, mas ele não se desaloja de dentro de mim. Esta é nossa relação.
- (silêncio do outro lado da linha, ao fundo ela escutou uma voz chamando por Vinícius).
- Alô. – voz de menino.
- Vini – disse a menina. – Pode vir aqui em casa? Não estou bem...Preciso de companhia, preciso...Conversar. (conteve-se para não usar comunicar. Nunca conseguiria faze-lo).
- (reclamou). Está chovendo a cântaros. Acho difícil...
- Por favor, venha...eu não vou agüentar passar sozinha e sem nada para fazer esta tarde.
- (pensando um pouco) Está bem, mas não sei que horas chego aí.
- Obrigada. – disse tentando pôr um pouco de açúcar na voz. – É um bom menino.
- Sem zoeiras, está bem? Só vou porque também estou de saco cheio.
- Saco cheio?
- Sim.
- Do quê?
- Minha velha. Fica de férias e não pára de aborrecer-me com a escola. Se preocupa mais do que eu com isto, enfim...
- Está bem, venha logo.
- Tchau.
- Tchau.
Desligou o telefone. O barulho do telefone no gancho assombrou seus ouvidos por mais alguns minutos. Por fim, novamente o silêncio. Que seria completo, não fosse a chuva. Ela pensava com palavras. Pensava com palavras. Pensava com palavras que nunca conseguiria tirar o grito de dentro dela. Nem se passasse por uma cirurgia. Mas isto não existia, infelizmente. Cirurgias espirituais. Infelizmente, nada do que ela precisava existia. Ficou olhando a porta, sem fazer nenhum gesto. Apenas esperando. Esperar era tudo o que a aproximava da humanidade naquele momento, embora não percebesse isto. Todos esperavam. A vizinha ao lado, esperava a chuva enfraquecer para poder ir ao supermercado. A filha dela esperava a ligação do namorado. A velhinha do outro lado da rua simplesmente esperava a morte e acreditava que esta lhe ligaria novamente a tudo que lhe fora caro em outros tempos. Todos esperavam. Ela não conteve a primeira lágrima. E a esta se seguiram outras. Era o grito, de novo, dentro dela. E sentiu raiva por nada poder fazer. Então tentou tira-lo de dentro dela com as próprias mãos. Sua mãe estivera costurando na sala, na noite anterior e deixara lá seus materiais. A tesoura, a agulha, os tecidos e a gilete. Armou-se com este último. Fez um corte do lado do braço. O arrepio da gilete passeou por toda a sua espinha e a fez erguer os ombros. Foi um alívio. A dor não a fazia sentir mais o grito. O grito sucedia a dor. Mas a dor do corte enfraqueceu um pouco e logo, além desta dor física que já estava em seus últimos momentos, voltava a sentir o grito, querendo explodir o corpo que lhe prendia, pois já estava quase o superando em volume, em poder, em força, enfim, em tudo. Cortou o outro braço, então. A mesma sensação. E as lágrimas caiam cada vez mais velozes de seus olhos. E novamente, a dor enfraquecendo. Passou a gilete por cima do corte, desta vez um pouco mais fundo. E não conteve um gemido alto, um gemido que era ao mesmo tempo lágrimas e grito. De dor e de raiva. E então a campainha tocou e, com os olhos marejados, em seus lábios nasceu espontâneo e sincero sorriso. Com os braços pingando sangue, que caiam por todo o carpete, pintando-o com bolinhas escarlates, correu a abrir a porta. Vinícius olhou-a espantado e indagou-lhe o que acontecera. Ela disse-lhe que não era de sua conta. Sentou-se, um em frente ao outro. Estavam em silêncio. Não precisava falar, disto Carla tinha consciência. Não conseguiria se comunicar. O grito permaneceria apenas dela, nem compartilhar o seu peso com alguém conseguiria. E o silêncio era apenas silêncio. Nada se transmitia nele. Apenas Vinícius olhava-a curioso e sorridente. E ela também, um sorriso estranho, sem vida, mas sincero, o olhava. E ficaram sozinhos juntos durante o resto da tarde. Incomunicáveis o resto da vida...
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