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Artigos-->A IMAGEM E A SEMELHANÇA -- 19/02/2002 - 01:51 (Wilson Coêlho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Pode parecer um tipo de esnobismo, mas depois de viajar por diversos estados no Brasil e alguns países, torna-se muito difícil falar do que não existe, principalmente, quando muita gente acredita, pois faz-se extremamente necessário desdobrar uma série de argumentos para que – mesmo na incapacidade de convencer a alguém – seja possível estabelecer uma lógica interna e um percurso capazes de justificar as considerações gerais ou causas finais. Assim, em caráter de provocação ou pretexto para desenvolver um raciocínio, ouso afirmar a inexistência do teatro capixaba, apesar dos falsos xenófobos apregoando a moqueca, a panela de barro e o congo for export (sic).

Capixaba é um tipo de teatro? É possível um teatro tipicamente capixaba? Num primeiro momento, não me parece muito consistente a idéia de um teatro que se sustente do adjetivo. Acredito no teatro substantivo que se nutre e se alimenta da substância, bem como, naquele que visa nutrir e alimentar de sua essência, os espectadores.

Não tenho a menor pretensão de ser um idealista do qual sempre combato, mas, é claro, eu não poderia negar a existência dos teatros kabuki, nô, balinense e outros, mas o adjetivo aí trata-se apenas de um aspecto formal e de superfície, quando alguns elementos culturais contribuem para que eles se distingam daquilo que se entende ou convencionou-se por "teatro", apenas na sua forma, pois na perspectiva de sua materialidade – entendida como o conflito, as relações, etc – o que está em questão é a questão do homem, a própria humanidade e, por isso, é universal.

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Lembro-me muito bem de que em janeiro de 1997, quando estava a bordo de uma avião, no percurso Vitória-Rio, a caminho de Santiago de Chile, juntamente com outros companheiros do Grupo Tarahumaras, indo para o ENTEPOLA (Encuentro de Teatro Popular Latino-Americano, a aeromoça me entregou um exemplar de A Gazeta. Neste dia, sem nenhum motivo aparente ou plausível para quem se interessa por uma notícia inteligente, Tônia Carrero ocupava toda a primeira página do Caderno Dois. Ora uma foto, ora um texto (de alguém falando sobre ela, é claro).

Ao desembarcar no aeroporto de Pudahuel, em Santiago de Chile, tivemos a agradável surpresa encontrar nossos compañeros de "La Carreta", a companhia organizadora do evento, nos esperando, pois éramos convidados para apresentar o espetáculo "Para acabar con el juício de diós", uma adaptação e tradução que fiz de um texto radiofônico de Antonin Artaud, gravado e imediatamente proibido em 1948, dois meses antes de sua morte. Enquanto estes companheiros nos ajudavam carregando a bagagem da ala de desembarque até o ônibus que nos aguardava no estacionamento, um dos integrantes da comissão do Encuentro apanhou o dito exemplar do jornal. Em poucos minutos, ao olhar a primeira página do Caderno Dois, me perguntou:

- Esta es la vaca sagrada del teatro capixaba?

- No, por supuesto nosotros no necesitamos de eso. No tenemos una vaca

sagrada. – respondi numa mistura de orgulho e vergonha.

Sin embargo, num momento como este o meu orgulho se dá porque acredito no teatro que não pode e não deve viver de bonecas de plástico e padronizadas pelas fofocas de magazines e shoppings centers. Mas a minha vergonha se revela pela consciência de que o que se diz de teatro capixaba é – na maioria dos casos – uma réplica mal feita do que eu abomino nos grandes centros, a chamada cultura do eixo, compromissada com o lucro fácil e a manutenção de "carismas" e outras idolatriazinhas em prol de artistas que alimentam a superestrutura de uma sociedade falida e, ao mesmo tempo, composta por um monte de "espertos".

Na falta de um senso crítico, entendido como exercício da capacidade de estabelecer uma prática autônoma e uma reflexão teórica mais consistente sobre o teatro, não é por acaso que nestes grandes centros chamados eixo-rio-sãopaulo se estabeleçam juízos de valor eurocêntricos e/ou estadosunidenses. Evitando qualquer deslize na tentativa de demonstrar uma verdade em perspectiva e ser ao mesmo tempo demasiado didático, limito-me apenas a lembrar que Oscar Wilde (1854 - 1900) – irlandês como o IRA (favor não confundir com um grupo de rock) e, ainda, dublinense como James Joyce e Samuel Beckett – já dizia que a mediocridade dos ingleses se deve ao fato dos mesmos lerem somente Shakespeare e a Bíblia.

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É claro que, ao falar do suposto teatro capixaba , muita gente vai falar grosso (outros muito fino) e bater no peito citando José de Anchieta, Aristides Freire, Amâncio Pereira, Ernesto Guimarães e outros outros, mas e daí? Apesar de não se poder negar a dramaturgia e alguma tentativa de criatividade destes, também não se pode negar que em nada contribuíram para marcar uma identidade capixaba que, aliás, não sei se é o mais importante para o teatro, mas falo da identidade do ponto de vista do que é idem, daquilo que apesar da diversidade forma uma idéia de unidade. Reside então uma tendência praticamente mais pertinente em acreditar na impossibilidade de uma identidade cultural numa sociedade dividida em classes, considerando que independente do objeto em questão ser o mesmo, cada sujeito se apropriará e representará a partir do olhar e do sentido de seu grupo. Percorrendo mais ou tentando aprofundar essa postura na terrinha, podemos ainda fazer uma referência ao movimento de teatro que se organizou (novamente o adjetivo) como amador no Estado do Espírito Santo. E este foi seu momento mais fecundo, considerando que quantitativa e qualificativamente acabamos inseridos num contexto nacional no melhor sentido, ou seja, não através do besteirol e do comercial que virou figurinha comum, mas pela pesquisa de linguagem e, diga-se de passagem, um pouco além de nossos próprios umbigos. No final dos anos oitenta, por exemplo, tínhamos o universo de mais de 5.000 grupos ligados à CONFENATA (Confederação Nacional de Teatro Amador) e, no Espírito Santo, aproximadamente 90 grupos entre os da capital e do interior filiados à FECATA (Federação Capixaba de Teatro Amador).

Fomos o Estado da Federação que mais angariou assinaturas e contribuiu com palestras e debates no tema da "regionalização e democratização dos meios de comunicação" em prol da constituinte. E não falo isso baseado em pesquisas e informações do arquivo público , inclusive, creio que o mesmo nem tenha esse registro, levando em conta que a atividade cultural/teatral, num sistema como o nosso, somente é reconhecida quando contribui para legitimar e embelezar a mediocridade vigente ou, no máximo, quando se tratar de um bom investimento. Mas falo amparado pela trajetória de quem esteve organicamente envolvido no problema. Fui diretor da FECATA e da CONFENATA por diversos anos. É claro que, juntamente com diversos companheiros ao longo do país com a proposta de trabalho de pesquisa de grupos, nossa tentativa de fortalecer um movimento independente dos apadrinhados, bem como, nossa proposta de ocupação dos conselhos de cultura do Espírito Santo e do Brasil e nossa ousadia em não considerar o apoio do Estado como uma esmola, mas buscando mecanismos de enfrentamento para que o poder público nos apoiasse consciente de que estava apenas cumprindo com o mínimo de suas obrigações, criamos inimigos. Inimigos estes que (escusado citar seus anonimados nomes), amparados na fraudulenta e oportunista mentalidade stalinista de "minar" o poder, estão até hoje no poder. Digo até hoje porque a "estratégia" é atávica. Vide a composição e ocupação do Ministério da Educação e Cultura, depois, Ministério da Cultura e seus desdobramentos já mumificados como SNT (Serviço Nacional de Teatro), INACEN (Instituto Nacional de Artes Cênicas), FUNDACEN (Fundação Nacional de Artes Cênicas), IBAC (Instituto Brasileiro de Arte e Cultura) e a atual FUNARTE (Fundação Nacional de Arte). Nas devidas proporções, o mesmo aconteceu e acontece no Espírito Santo, embora com outros nomes: ex-DEC (Departamento Estadual de Cultura), Secretaria Estadual, Secretaria Municipal de Cultura e devidos Departamentos, além de outros tentáculos espalhados na imprensa, uma fundação aqui, outra ali, outra acolá. Isto não quer dizer que estavam e ainda estão no poder como uma possibilidade, mas apenas amparados pelos liames da burocracia e da hipocrisia em prol de garantirem os privilégios de seus próprios projetos de subsistência. Uma subsistência miseravelmente financeira e de seus exibicionismos egóicos. Não quero entrar no âmbito da desonestidade e, conforme Jean-Paul Sartre, da má-fé que estas posturas acarretam, mas apenas demonstrar elementos que possam possibilitar uma radiografia do movimento para, ao mesmo tempo, propiciar um questionamento sobre a relação de causa e efeito da atual conjuntura.

A partir de muitos encontros com o movimento local, bem como, congressos regionais e nacionais, debatemos, elaboramos e desenvolvemos projetos. O projeto do "Seminário Permanente", por exemplo, aconteceu em diversos municípios de nosso Estado, paralelo ao projeto de circulação "Pé na Estrada" (nome que gerou plágio do governo), além de nossos intercâmbios nacionais e internacionais. Lutamos muito e discutimos com afinco diversos outros projetos que o espaço aqui não comportaria seus desdobramentos. Fizemos propostas para mudar o mundo. Reivindicamos conselhos de cultura, de comunicação, etc. É claro que incomodamos muita gente, principalmente, aqueles que se utilizaram do movimento para se ajeitarem nos governos, nas assessorias, nos gabinetes. Entre outras coisas, como a participação efetiva em movimentos sociais, greve geral e luta pela Casa da Cultura, nossos festivais não eram mais competitivos, pois nos interessava muito mais avaliarmos nossa produção e discutirmos as nossas carências de infra-estrutura e recursos materiais para a sua realização.

E por falar em festivais de teatro, realizamos alguns, inclusive, um com participação de grupos convidados de nossa regional (São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro) e o internacional Papaya Partía (Colômbia), oriundo do mais antigo grupo e escola da América Latina, La Candelária, dirigido por Santiago García e jurado de morte pelo Cartel de Medelín, além de perseguido pelo governo de direita.

Mas creio que de todos estes intercâmbios e contatos, o mais expressivo e abrangente enquanto uma discussão do nosso fazer-teatral foi o evento que realizamos a partir de uma discussão com o peruano Lino Rojas, durante um festival em Santiago de Chile no ano de 1994. Este evento, foi um festival ao qual batizamos VIRA QUE EU VI – 2000 (Encuentro Latino-Americano de Teatro), produzido juntamente com a Prefeitura Municipal de Nova Venécia, de 7 a 16 de setembro de 1995, quando reunimos – durante 10 longos e proveitosos dias que (pelo menos para nós mesmos) abalaram o Espírito Santo – os seguintes grupos brasileiros: Grupo Tarahumaras (Vitória-ES), com o espetáculo VAN GOGH, texto e direção de Wilson Coêlho; GTNV – Grupo Teatro Nova Venécia (Nova Venécia-ES), com O PALÁCIO DOS URUBUS, texto de Ricardo Meireles Vieira e direção de Oscar Ferreira; Núcleo de Produção Kiri-Keré (São Mateus-ES), com CRICARÉ, UMA INSÓLITA VIAGEM NA HISTÓRIA, texto de Jonas Bonomo e direção de Oscar Ferreira; Cia Artística Pombas Urbanas (São Paulo-SP), com os espetáculos OS TRONCONENSES e "FUNÂMBULO, textos e direção de Lino Rojas; Grupo Opinião (Goiânia-GO), com OS CAMINHOS DE DEMÉ, texto e direção de Wertemberg Nunes; Grupo Fora do Sério (Ribeirão Preto-SP), com A CHAVE E A FECHADURA, criação coletiva; Grupo de Teatro Monte Azul (São Paulo-SP), com ISCOLA, roteiro e direção de Amauri Falseti; Grupo de Pesquisa Teatro Novo (Florianópolis-SC), com DE AÇORES A DESTERRO – UMA VIAGEM BRUXÓLICA, texto e direção de Carmem Lúcia Fossari; além da participação com oficinas e espetáculos dos grupos Sociedad Cultural La Carreta y Cia (Santiago de Chile), com EL PODEROSO CABALLERO ES MISTER MONEY, texto de Sérgio Guzman e direção de Jorge Gajardo; Teatro Poquelín (Bahía Blanca-Argentina), com SITUACIÓN BAJO CONTROL, texto e direção de Héctor Rodriguez Brussa; e Huerequeque Teatro Vivo de Chiclayo (Chiclayo-Peru), com LA SOMBRERA, criação coletiva e direção de José Tello Mestanza e, ainda, UNA HISTORIA PARA JUGAR, criação coletiva e direção de Jorge Adhemar Vasquez. Além dos teatrais, ainda participaram os musicais América 4 (Vila Velha-ES), Moxuara (Cariacica-ES) e Maratimbas (Vitória-ES). Participando das oficinas, debates e assistindo aos espetáculos, estiveram presentes diversos atores de outros grupos do Estado como, por exemplo, Mulher Macho, Motim e outros. Não poderia deixar de mencionar as oficinas LA TEATRALIDAD EN EL COTIDIANO (Héctor Rodrigues Brussa), ELEMENTOS DEL APOIO TÉCNICO PARA EL DESAROLLO DEL ACTOR (Victor Sotto e David Mussa), ENTRENAMIENTO PARA EL ACTOR (Jorge Adhemar Vasquez) e ELABORACIÓN DE MÁSCARAS Y OBJETOS TEATRALES (Pedro Alfonso Uribe). A festa foi maravilhosa, contando ainda com a presença e participação honrosa da jornalista e produtora francesa Cathérine Faudry, o atual crítico de arte e jornalista da Folha de São Paulo Valmir Santos que, na época, fez cobertura especial do festival para o Diário de Mogi (das Cruzes), o maestro paulista Duda que criou o grupo Moleque de Rua, voltando de uma gravação na Bélgica e tourné pela Europa... Enfim, não dá para falar de todo mundo. Eu teria que pesquisar em meus recordes, cartas e bilhetes. A festa foi bonita e, nestes 10 dias, numa cidade com uma população de 40 mil habitantes, pudemos contar com aproximadamente 12 mil pessoas participando, ora como espectadores, ora como oficinandos e/ou debatedores, nas atividades que aconteciam paralela e simultaneamente num teatro no centro e num circo armado na periferia. E para chamá-los às atividades, todos os dias, realizávamos uma murga passando pelos bairros mais carentes, contando com a presença de dezenas de atores de diversos grupos, caracterizados com seus figurinos e maquiados.

Ainda tem a Mostra Latino-Americana de Teatro na UFES que, logo em seguida, realizamos de 18 a 21 de setembro do mesmo ano, no Centro de Artes, juntamente com o NIAC – Núcleo Integrado de Artes Cênicas, mas... e daí?

Outro fato que também muito nos impressionou foi esbarrarmos com 30 policiais armados até os dentes, em Pinheiros, tentando impedir que realizássemos um festival. Dai, foi um corre-corre desgraçado encontrar o juiz que estava em Linhares e convencê-lo a reverter o quadro, contatar o Ministério da Cultura para intervir no caso de maiores problemas, tentar acalmar os ânimos tanto dos atores quanto do povo. Bem, mas não dá para ficarmos aqui somente contando a historinha na perspectiva dos derrotados, considerando que estes fatos não representam qualquer valor para aquilo que muitos pretendem entender como um movimento de teatro "capixaba".

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Andam dizendo por aí que Heráclito desembarca em breve e que a coisa vai mudar. Podemos constatar que existem algumas pessoas e grupos com a pretensão de estabelecerem novas diretrizes para seus trabalhos, visando uma espécie de reaglutinação de propostas e/ou reorganização do movimento em prol de um projeto capaz de fortalecer a atividade teatral, não somente quanto a possibilidade de produção/criação, mas também como delineador de uma política que seja capaz de propiciar mecanismos para que a cultura se desenvolva, descentralizada e descartelizada, para que possa estabelecer um intercâmbio com a garantia de que cada montagem possa usufruir um mínimo de vida útil. Primeiramente, é quase hegemônica a idéia de que sem um plano de discussão para a política cultural não se pode funcionar. Mas não se trata de um plano elaborado pelos ocupantes de cargos comissionados e tampouco dos convivas no banquete da cultura oficial de resultados.

Faz-se necessário que o movimento se movimente em direção a uma reflexão teórica consistente, não do ponto de vista da didática esvaziada em si mesma, mas no sentido de uma teoria resultante da sistematização de uma experiência teatral e existencial concreta que se dá na pesquisa da linguagem, pois é público e notório (desculpem o formalismo, mas é pura pausa retórica) que o ator-mercadoria, este novo ser inventado no excremento do neocolonialismo globalizante não sabe ao que veio. A trajetória deste ator-pacote – não fosse uma aberração do ponto de vista da criatividade – seria bem mais engraçada e ridícula.

Sem entrar no mérito do caráter alienado e alienante que a postura acarreta. Pois bem, o tal sujeito faz uma oficina qualquer, preferencialmente, com alguém que apesar de mundialmente desconhecido tenha feito uma pontinha em alguma novela, mesmo que tenha pago caro. Depois, ao ser consultado sobre a possibilidade de participar de um determinado trabalho, a primeira coisa que indaga é quanto vai ganhar. Não importando aquilo que vai ser montado, não tendo qualquer interesse de participar na elaboração de um projeto, mas na condição de alguém que deve ser contratado quase que na condição de mocinho ou "mocinha". Por um lado, asfixiado pela sua subjetiva pós-modernidade, supõe rompendo com os "clássicos", dos quais nada conhece e, por outro, cai na extremidade do "performático demais". Existem aqueles que arranjaram uma forma pedir esmola. Inventaram de manguear, ou seja, enganar artificiosamente se pintando de palhaço e tomando dinheiro dos outros, ora nos ônibus em nome dos doentes, ora nas praças, juntamente com aqueles que se pintam de chumbo ou prata, movendo-se apenas quando alguém lhes mete uma moeda no cofrinho. Ainda os do teatro-educativo (sic) da qualidade total, das campanhas do salve-se-quem-puder, os reclamadores de poesia, os que fazem um trabalhinho de bolso e de última hora para participarem de algum festival de monótonos monólogos, os experimentalóides do eterno retorno e, põe etc nisso.

Creio que – para os que são sérios – tudo isso pode contribuir para uma reflexão e suas devidas providências. Mas e quanto esses produtores que não passam de gerentes e manuseadores de verbas públicas? Vinte por cento! Quem dá mais? Mas também não creio que aqui seja o caso de falar em leis de incentivo. Afinal, a gente veio aqui para beber ou para conversar? Abdiquemos de entrar em detalhes, aliás, tal iniciativa renderia um livro volumoso, principalmente para quem quisesse propiciar a alegria do palhaço, ou seja, fazê-lo ver o circo pegar fogo.

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Tenho um grande amigo que odeia o teatro capixaba e talvez seja este o sustentáculo de nossa amizade. Ele faz questão de dizer isso toda vez que me vê. Por um lado, tenho até uma certa satisfação em saber desta sua determinação que, alias, é o que falta em muita gente, pois na maioria das vezes é mais digno ter consciência e assumir um preconceito que representar com uma pose politicamente correta aos olhos dos políticos incorretos. Mas quero me fazer entender de que quando digo preconceito empresto-lhe o significado de uma pré-compreensão, considerando que para apreender algo faz-se necessário ter em mãos alguns elementos, mesmo para que sejam posteriormente desprezados. Tudo isso para dizer que quem tem um preconceito, entendido como uma pré-compreensão, é passível de uma relação dialogal, pois isso indica que há um referencial, uma radicalidade, um fundamento a ser questionado e mesmo respeitado ou superado. Os piores são os que dissimulam, inclusive, por se considerarem politicamente corretos e se esconderem por detrás da hipocrisia. O que é mais desagradável é que tenho, somente em Vitória e com o Grupo Tarahumaras, desde 1987 quando estreei com Antonin Artaud – Atos de Crueldade, 17 espetáculos montados e o miserável do meu amigo nunca assistiu nenhum. Mas há o lado agradável também, ele não assistiu a nenhum dos outros. Imagina se ele chegasse numa mesa de bar para contar o enredo do espetáculo? E se ele viesse ainda me dizer que os atores acreditam "viver o personagem"? Seria altamente desprezível. Mas é claro que o fato de sua recusa em assistir o teatro "capixaba" também gera uma tremenda polêmica entre nós, pois o responsabilizo em grande parte pela qualidade do chamado teatro capixaba, considerando que não existe teatro sem público. E se é verdade que o teatro faz o seu público, o público também determina o seu teatro. Um público idiotizado alimenta o teatro a sua imagem e semelhança. Mas um público inteligente e convicto de suas necessidades e direitos, exige um teatro inteligente – mesmo que uma diversão – mas que se divirta por conhecer e se conhecer e colocar em xeque a si mesmo e ao outro.

Enfim, não quis estabelecer aqui um confronto, mas apenas mostrar que tanto os modismos e os vanguardismos, bem como, os seus congêneres até então apresentados não caracterizam nenhuma espécie de "capixabalidade" do teatro no Espírito Santo.

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Wilson Coêlho, natural de Baixo Guandu-ES, é dramaturgo, escritor com 12 livros publicados, tradutor e graduado em Filosofia pela UFES.

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