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Ensaios-->A MARGINALIZAÇÃO DA POESIA -- 08/01/2003 - 14:12 (joão manuel vilela rasteiro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A sobrevivência da linguagem na subversão dos extremos

Alienada entre vida e linguagem, a poesia estabelece a possibilidade de uma experiência
que visa a criação de um espaço e/ou mundo transparente, mas como refere Michael
Palmer, tem a responsabilidade de obrigatoriamente considerar o leitor (mesmo que só
um) como participante activo na construção ou desconstrução do significado.(1)
Quando se pensa para um mundo (não para o mundo),como refere ainda Michael
Palmer, dever-se-á questionar as estruturas consideradas de significado e/ou
representação, de forma que o irrepresentado possa e deva ser trazido ao jogo do claro e
do escuro, ao 'mar amargo de invisibilidades'.(2).No entanto e talvez daí, é hoje em dia
que se nos depara com mais intensidade, que a poesia tanto é o espaço onde se verifica o
desaire como a libertação.
O problema fundamental da poesia e da escrita de forma geral, é que a linguagem ainda
(provavelmente nunca o conseguirá), não consegue acompanhar a complexidade do real
e como a linguagem 'mostra' o real, de que real estamos a falar? O que é a sociedade e
a sua cultura? Que e quais são as culturas? Que identidades podem ser absorvidas pela
linguagem e poesia? A poesia tal como o homem e/ou linguagem deve tentar impor uma
ordem sobre o caos ou deve abrir-se ao radicalmente outro,num permanente esforço de
extática exteriorização? Porque como afirmava William Bronk:'é sempre um mundo e
não o mundo'.(3)Assim a poesia só deverá ou deveria surgir de afrontas, desvios,
rupturas, num processo de marginalização, mas simultaneamente num discurso para o
exterior e para o interior de si mesmo.A marginalização poética, como marginalização
do absoluto, o questionar permanente do poder da linguagem e/ou o poder da justiça
poética.Quando Bob Perelmen,questiona(4)alguns princípios e/ou ideias pré-concebidas
e estabelecidas, seja ao nível do que é a literatura, poesia, linguagem, cânone,centro,
margens, etc, num absoluto contexto de relatividade, implica no entanto uma clara pro-
pensão para se optar, para quais as margens (embora sempre artificiais, em função do con-
texto) estamos dispostos a saltar, a ir e/ou negociar.
Se a função da poesia e/ou do poeta é ou deveria ser, produzir sistematicamente possibi-
litando que a poesia e/ou linguagem possa ser encarada como o polo central, o valor má-
ximo para o qual convergem no sentido da máxima expansão das suas infinitas possibilidades,
desconstruindo, descentralizando, num desejo permanente do irreal, já que o importante
é sempre o que não existe, num processo que é processo, desconstruindo ou seja construindo
o irracional, num apelo à criação e ao acto, será linear a convicção, de que a poesia e/ou
poeta terá hipótese de não entrar no 'jogo', nessa estrátégia de quem define o centro e as
margens, ou nessa teia que as próprias margens tecem, já que quase sempre, são elas que de-
terminam o centro. Como explicar ou a quem atribuir a culpa, quando dependendo do contexto,
as margens se tornam centros? Como conceber a poesia num processo de superação e marginali-
zação, quando o centro ou a margem, é sempre um 'outro lugar' ou um 'nenhum lugar' que é -
também sempre 'agora-aqui', numa dialéctica contextual? Será legítimo ou justiça poética -
afirmar que a poesia é a margem dentro de outra margem (ou será centro) e é melhor ou pior
na caracterização do labirinto que é a representação de um real pela linguagem. No entanto,
tal como Bob Perelmen tem a noção, o simples facto de se ironizar (de ele ironizar) com o
centro (poesia como sinónimo de repetição e/ou representação do passado) não é uma forma em
si mesmo de poder e/ou centro, mesmo que assente em variação, num impulso sideral de margina-
lização? A poesia tem a responsabilidade de a linguagem transcender as palavras, de corromper
os conceitos, daí por vezes assustar, ao ponto de a maior parte dos ensaios, recenções ou li-
vros a respeito de poesia 'serem espantosamente acríticos, quase só explicativos', com os crí-
ticos 'louvando ou atacando os autores, sem diálogo real ou debate'(5), como defende Marjorie
Perloff.Mas se a pesia no seu interior, também é centro e margem e como já referi o centro não
é uno, mas móbil, isso depende de múltiplas variáveis, inclusive da forma da palavra, texto e
livro, num processo activo, tentando subverter pela invenção, numa dupla emblemática: palavra-
imagem, em permanente desconstrução. Como descreve Mike Basinski(6),'As gOtas cadentes da sede
prOvOcatÓria cascateiam para fOra da página em pOntas de pés sOltandO-se desta fria flOresta de
sentidO desprOvida'. Nesta globalização material, em que dialogam as indústrias do livro e as
indústrias culturais, as indústrias académicas e onde até os Prémios Nóveis se 'centram' na dia-
léctica literatura e ideologia ou ainda quase obrigatoriamente a obra ter sido traduzida em in-
glês, é urgente (embora 'eu' seja a ponta da margem, afirmo altivamente como 'centro')aumentar
as co-edições e as trocas formais e se possível escrever mais em Mirandês. É necessário impedir
que o texto se submeta às regras, logo que seja definido pelas suas próprias margens com e atra-
vés da poesia, é urgente 'sermos nós próprios, estarmos permanentemente a devorar-nos',sabendo
que através dp poema e tal como este, só há o momento, não há prolongamento e/ou eternidade,
porque não somos mais do que isto,como imagens breves. O mais irónico, quer seja na poesia ou
literatura em geral, é o facto de as próprias margens por vezes se tornarem (ou serem arrastadas)
centros, quase por si só, sem intervenção directa do cânone, mas sim pelos 'discípulos' dessas
margens,(com tudo o que de negativo os discípulos e/ou imitadores podem configurar à poesia),
tornando-a banal e indiscriminada.
A poesia terá forçosamente que representar as múltiplas vozes que buscam um debate aberto, que
transcenda a mera reiteração de ecos e contribua de forma efectiva e lúcida, para a 'negociação'
e a partilha de significações, mas numa dialéctica de xeque ao significado, já que o próprio poeta
faz parte de uma sociedade que institui, como valores a perseguir,o lucro, o êxito, o triunfo so-
bre o outro e todas as coisas 'democráticas', onde esta sociedade coloca as pessoas numa situação
em que acabam por pensar (se é que o dizem e não se limitam a agir) que todos os meios são bons
para se alcançar aquilo que se quer, é isto que a poesia terá que combater, mesmo que para isso
utilize as palavras num processo de 'guerrilha'. Como refere o poeta brasileiro Régis Bonvicino,
no poema 'Voz'(7):

Uma voz
que se
levante
contra
*
que se levante
buraco
no azul
pálido contra
*
magnólia oca
muda
só-
entre chamas.

Hoje, num mundo e num contexto social em que ninguém parece interessado em ouvir o 'mundo', a arte
em geral e a poesia em especial, será necessário e urgente (não implicando necessariamente torná-la
panfletária)fazer com que a poesia não fale sobre,mas fale com, numa dialéctica transgressora, entre
vida e linguagem, tentando que ela não seja consumida como um signo vazio e que resista o mais possí-
vel (seja ao cânone e os seus interesses ou até pelos eixos em que se estruturam as relaçoes entre
centro e margens) a tornar-se centro.É certo que para a poesia e poeta marginal dos centros que ainda
são margens de outros centros de forma sucessiva, o risco é grande, no fundo a velha norma, 'produza
e/ou publique ou pereça', poderá ser substituída por, 'produza e/ou publique e pereça'. Mas para que
eventualmente este 'novo corpo de trabalho' muitas vezes, eternamente marginal, não só para o exterior,
como e fundamentalmente no interior da poesia, possa despertar algo num mundo (não o mundo) que nos
sufoca numa constante legitimação de existência programada é necessário continuar a tentar transgredir
o futuro do passado.
Como diz a poeta Ana Hatherly(8),'Era uma vez uma pessoa que andava sempre com uma palavra debaixo da
língua.Quando a tinha na ponta falava, dando pequenos estalos de prazer.Depois lambia os beiços gulosa-
mente.Estamos aqui à espera de quê? Imagina-acção.'Podemo-nos questionar se as sociedades futuras pode-
rão renunciar à poesia e à linguagem marginal ou em que medida a revolução científica e tecnológica que
vivemos, desenvolverá outrs formas de 'raciocinar e sentir' e necessariamente outras estruturas mentais
de que a arte em geral e principalmente a poesia deverá dar conta. Mas o problema essencial será sempre
perspectivar em que medida o poeta e a poesia continuarão a ser fieis (premiados quase sempre com vitó-
rias morais) a valores contestados com tanta frequência e em que medida se preocuparão eles sempre com
essas 'coisas' não palpáveis que fazem a poesia. Em que medida, sobretudo nesta sociedade cada vez mais
cercada, pelas tenazes da globalização, para qual todo o interessa e reconhecimento passa pelo dinheiro
e/ou sucesso (nume espécie de calvinismo globalizado) e que tende a recusar (até conseguir apropriar-se,
tornando-o centro) qualquer sinal de marginalização, se reconhecerá a necessidade de esta mesma sociedade
se 'auto-marginalizar', como forma de sobrevivência. Pelo menos a história ensina-nos e lembra que os ver-
dadeiros intelectuais e/ou poetas, se encontram com mais frequência nas fileiras da marginalização e como
refere Henri Jean Martin(9), 'podemos esperar sempre, todavia, que haverá sempre alguém como 'Stendhal',
para prosseguir a sua obra no isolamento, esperando que os 'happy few' se tornem uma verdadeira comunidade
de leitores', e afirmo eu, uma verdadeira comunidade de 'marginais'. Naturalmente a poesia actual, trabalha
numa dialéctica com a poesia do passado e a poesia de cada um se faz também com a poesia dos outros no per-
manente confronto da criação é evidente, aliás as palavras já foram inventadas (apesar da poesia poder in-
ventar algumas), e é nesse jogo, nesta globalização do ser humano que, Michael Palmer defende que a boa poe-
sia, terá que ser um instrumento de resistência, mas não 'jogando à defesa' antes, explorando sempre um novo
território, que terá imediatamente num processo ascendente de ser reexplorado. Citando o poeta japonês Kawa-
bata Bósha(10):Ali nada senão/O torvelinho de um feto:/Este mundo flutuante.
Concluindo, como diria a poeta Ana Hatherly, 'inovar é sempre relativo e tanto se pode inovar com o 'novo',
como inovar com o antigo, porque a invenção é uma forma de reinvenção', mas o 'obrigatório' é a poesia trans-
gredir, desconstruindo numa sucessiva construção (para o exterior e simultaneamente para o interior), como
forma de sonhar que os homens acordarão algum dia no outro lado da manhã, satisfeitos com a sua própria incoe-
rência. A poesia como uma experiência na criação do homem. Como afirma a polaca Ewa Lipska(11), tudo depende
do 'testamento':

'Testamento'

Após a morte de Deus
abriremos o testamento
para saber
a quem pertence o mundo
e aquela grande armadilha
de homens.

A poesia tal como a linguagem, numa permanente luta de sobrevivência, citando a coordenadora da 'Oficina de
Poesia' da Universidade de Coimbra, Dra. Graça Capinha, (12)'lutando contra o corpo da linguagem que há-de por
força ser outro corpo(...) o corpo da linguagem que se constitui como ruptura epistemológica a exigir novos pa-
radigmas, novas racionalidades ainda impossíveis de conceber'.
A poesia vê, ouve, sente, pensa, imagina e depois recria mundos (não o mundo). Mas as palavras reproduzidas
quando saídas do anonimato e da solidão, criam a sua própria realidade e daí o sonho que a poesia consiga dizer.
Se não for assim, nada mais valerá a pena.

(1)/(2): Bonvicino,Régis;Palmer,Michael:'Cadenciando-um-Ning,Um samba para o outro',1ªEd.,2001,Ateliê Editorial,S.Paulo-Brasil

(3): ATLAS das Literaturas;Página Editora,Porto 2000

(4) 'Revista Crítica de Ciências Sociais' nº47; 'Os Poetas e o Social',1997,Coimbra

(5) SIBILA,Revista de Poesia e Cultura nº1,2001,Ateliê eDITORIAL,S. Paulo,Brasil

(6) Poesia do Mundo/2, Org. Maria Irene Ramalho, Ed.Poesia Afrontamento, 1998,Sta. Maria da Feira

(7) Bonvicino,Régis; 'LinderoNuevoVedado',Ed. Quasi,2002,Vila Nova Famalicão

(8) Hatherly,Ana: 'A Casa das Musas',1ªEd.1995,Editorial Estampa,Lisboa

(9) ATLAS das Literaturas; Página Editora,Porto,2000

(10)/(11) 'Rosa do Mundo 2001 Poemas para o Futuro',2ªEd.,2001,Assírio&Alvim,Lisboa

(12)'Recenção ao livro Respiração das Vértebras',in Revista 'Oficina de Poesia',nº0 II-Série,2002,Coimbra


in; INÉDITO - 2002






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