O primeiro beijo de Fátima foi bobo. Bateu o lábio num prato de feijão quente.
Queimou os beiços, carregando bolhas durante uma semana pelo menos.
Depois saiu beijando as paredes, que eram geladinhas mesmo no verão, pois sua casa era toda cheia de cerâmica.
O primeiro beijo em gente quem ganhou foi o velho Aparício, que no caixão recebeu beijos de todos os netos. Na boca.
Diziam que era tradição e não se discutia uma coisa dessas.
Fátima sentiu um desejo estranho e lambeu os lábios do presunto, enojando o próximo da fila, que pensou que o defunto babava, causando certa confusão.
Beijou todos os santos do altar da igreja matriz, os cachorros da casa da tia Helena, e finalmente um primo recém-nascido, escondida dos adultos.
Foi quando encontrou um guri bobo, de uns 12 anos, e sapecou-lhe um beijo relâmpago.
O piá gostou e ficaram horas no ósculo infantil.
Fátima depois beijou todos os garotos do quarteirão, do bairro, do quartel, de quase toda a cidade.
Faziam filas para beijá-la. Mas só beijos, já que não era assanhada suficiente para passar dos amassos.
Um dia conheceu um rapaz que queria mais, e por ele caiu de paixão.
Deitou e rolou com ele noite inteira.
No dia seguinte o homem foi embora.
Fátima não assimilou o golpe.
Procurou o desafeto até encontrar o dito cujo bebendo cerveja num bolicho e contando vantagem.
Deu-lhe um tiro no peito e com uma faca churrasqueira cortou os lábios do infeliz ainda vivo.
Foi presa andando pelas ruas da pequena cidade enquanto mostrava para todos os beiços do jaguara.
Tá presa na penitenciária feminina.
Ninguém rala com ela, nem pensa em pedir beijo.