A raíz quadrada do ódio
Perdi o amor, algures entre as palavras,
na raíz quadrada do ódio, fantasma ancestral
que me persegue, vindo de onde não sei,
talvez do ventre úbere da minha mãe,
ou das ondas sísmicas do meu peito,
feito vinil, mas instável, insano e imperfeito.
Há coisas que são inexplicáveis como as madrugadas
no casino, onde a sorte nos acena e nos despede.
Ou como as tardes agonizantes no infinito róseo
laranja e roxo dos crepúsculos na minha terra,
a doce planície alentejana.
Ou como o vento que hoje me traz silenciosas ondas
de ódio cuja raíz quadrada já extraí: um vago fulgor
de fria apereza, como golpe de estômago,
fundo e breve, que ergue cúpulas de estranheza.
Depois a inexplicável raíz traingular do espanto,
um suspiro breve e lento e a certeza de que o ódio
é sinal de grã-frieza, insuficiência renal,
coronária ou de amor simplesmente.
Hoje perdi-me nos labirintos do amar e do ódio
e neles sou Ariana sem fio,
deambulando entre palavras, tantas e tão puras,
tantas e tão frias, sensatas, anónimas ou imaturas...
e delas extraí apenas a raíz quadrada do ódio,
na curvatura insolvente dos meus fins de tarde
longínquos, apocalípticos e tão saudosos...
onde a terra só destila, alecrim, estevas e vinho,
e o ódio é bicho resteiro e comezinho.
22:56 - 19/01/03
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