Manhãs de Bruma Traiçoeira 12:46 18/01/2003
Manhãs de bruma, de brisa fria traiçoeira,
desertas de gente, plenas de mistério...
Hoje acordei num céu de algodão esparso
por entre o espanto das flores de Março
que hã-de nascer, entre tufos de sargaço.
Da minha janela recolho em lufadas
o sabor acre da geada, a volumetria una
da humidade e o cheiro azul da serra em lágrimas.
Da minha janela perscuto a bruma
e desfaço horizontes de frio intenso
na gaivota das manhãs de temporal que
já chegou ao meu beiral e me trouxe
as novas breves do mar.
E eu que a vejo vaga e vil, no seu frio
de velhinha encurvada,
roubo-lhe a beleza das planuras,
quando voa a pique, ao sol vago
dos dias plenos de brandura. Gaivota que sou,
nela me deixo erguer e do alto voo
vislumbro, anelante, o poeta que erra
pela bruma, inquieto e errante, volátil
como o pensamento. Vejo-o sorrindo
numa praia de linha infinda,
arrastando à sua frente a dor do mar,
o arrepio do vento forte e frio,
perante a anacrónica sucessão dos
atávicos, breves, loucos momentos,
de poesia, embriaguêz ou de paixão.
E de novo da intempérie me recolho,
e rasgo e desfaço, rompo e refaço,
a dor de amar-te sempre assim,
em tempos de bruma intensa,
perfil de suave, serena melancolia,
veneno que em mim se espalha,
no leito de flores frias e penas de ave,
em que repousa, ardente a tua imagem.
Manhã de
18 de Janeiro de 2003
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