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cronicas-->As abotoaduras do Conde -- 22/08/2002 - 21:43 (Athos Ronaldo Miralha da Cunha) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A temperatura ambiente estava insuportável e o ar condicionado da agência funcionava precariamente.
Dona Carlota, no guichê do penhor, revirava sua bolsa em busca das jóias a serem penhoradas. O seu ventilador portátil fazia muito barulho e pouco vento. O suor corria-lhe pelo rosto.
- Bolsa de mulher o senhor sabe como é... finalmente! Aqui estão elas. Moço eu preciso levar R$ 350.00. Tenho que pagar a matrícula da minha neta na faculdade.
- Vai precisar de um pouco mais de peso. Aproximadamente uns 35g.- responde o caixa avalidor.
- Então, vão-se as abotoaduras do Conde.
- Abotoaduras do Conde? - surpreende-se o funcionário.
- Sim, possuo essas jóias há muito tempo, são bens de família. Essas coroas gravadas nas abotoaduras combinam com as coroas gravadas no anel e nos brincos da Condessa. São muito lindas. Vou contar-lhe a história. O meu marido era bisneto do Conde de Jacarandá e essas jóias vieram passando, de geração em geração, desde os tempos do Império e acabaram em minhas mãos... e nos penhores da Caixa. Ah! Se o Conde soubesse!
- Conde de Jacarandá?
- Ou será que era Conde de Guapuruvu? Não, era Conde de Jacarandá.
- E os brincos da Condessa? Eles não estão aqui. - indaga o avaliador.
- Bem, o Conde e a Condessa não tiveram filhas, somente filhos. Por casualidade do destino os brincos acabaram ficando comigo, estão guardados lá em casa, como também não tenho filhas, certamente acabarão nos penhores da Caixa. - E soltou uma gostosa gargalhada.
- Conde de Jacarandá não é o nome da biblioteca da faculdade de Direito?
- Bem lembrado, a biblioteca homenageia João Maria Manoel de Souza e Silva dos Santos, o Conde de Jacarandá, porque o neto do Conde, pai do meu marido, era muito amigo de um antigo Diretor do Centro de Ciências Humanas. Eu trabalhei naquele prédio, veja que coincidência, arrumei e organizei toda a documentação histórica da biblioteca. A foto do Conde fui eu quem colocou na parede e a minha mesa de trabalho era defronte ao quadro do Conde, olhando e fiscalizando o nosso serviço. Não gostava daquele olhar penetrante da foto e daquela pose de almofadinha. Tinha uma costeleta que o Menem copiou e uma calvície igual a do Serra. Depois que casei com o bisneto dele até comecei a simpatizar com a foto no quadro. Hoje não tem mais aquela sala. O quadro do Conde não está mais lá. O senhor não imagina o que funciona hoje lá na sala que tinha a foto do Conde?
- Não faço a menor idéia. - responde o caixa avaliador.
- O posto de atendimento da Caixa Económica Federal. Para o senhor ver.. muita coincidência.
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