Observando à minha volta sou forçado a concluir que deve existir uma estranha e perversa associação entre barba e barriga. Digo perversa porque aparentemente há o que poder-se-ia chamar de Maldição da Barba. De acordo com ela, qualquer um que use barba comprida, mais cedo ou mais tarde terá o que poderíamos chamar de "barriga comprida", ou seja aquela barriga que persiste mesmo alguns anos depois de se parar de beber cerveja.
Não posso imaginar o motivo, mas procuro na rua alguém magro que use barba e encontro um que outro, muito poucos frente ao número de barbudos barrigudos. Naturalmente, são todos jovens, de modo que a maldição não é desmentida, simplesmente ainda não gerou seus efeitos. Concluo portanto que ninguém está livre.
O curioso é que a maioria deixa a barba crescer quando ainda não tem barriga e, considerando que Che Guevara já saiu de moda há um bom tempo, não posso imaginar o motivo. Talvez a carestia, talvez a preguiça. Os mais velhos a gente sabe, apenas um ato disfarçado de protesto. O fato é que hoje em dia ninguém mais deixa a barba crescer. A rebeldia da juventude se dá pela ausência de cabelo, com o estilo Ronaldinho. Ronaldinho agora, mas na realidade a inspiração para o estilo deve estar em alguma unidade da FEBEM, ou em todas.
Se a barriga sinaliza o amadurecimento, em alguns casos a prosperidade, a barba se mantém como uma reserva de juventude. Ninguém comenta, mas todos sabem que sempre é possível raspar e remoçar uns dez anos com facilidade. Claro que paralelamente há que malhar um pouco para amenizar o efeito da maldição. Infelizmente não há elementos que permitam afirmar que a maldição opera também no sentido inverso. Ainda não vi nenhum caso em que, tendo raspado a barba, tenha sido "raspada" também a barriga. De qualquer forma a aparência com dez anos a menos nunca é desprezível, mesmo que fique por algum tempo o que chamaríamos de barriga residual. Mas há que ter cuidado, a barba costuma disfarçar a papada e aí há que estudar custos e benefícios.
Outro dia eu avisei aqui em casa que nas minhas próximas férias eu iria raspar a cabeça, a barba e o bigode. Não chegaram a vaiar, mas rapidamente ficou definido que eu deveria tirar férias sozinho e que só deveria voltar depois que todos os pelos públicos estivessem de volta ao seu lugar. Resta saber se os cabelos, já tão raros, voltariam. Quem sabe não voltam fortificados e abundantes? Não parece muito provável. Considerando que minhas próximas férias ainda devem demorar muitos e muitos meses, há tempo para uma reflexão mais cuidadosa sobre as razões de uma reação tão drástica.
Talvez seja o medo do desconhecido uma vez que aqui em casa ninguém jamais me viu sem barba e sem bigode. Na realidade Inajá me viu sem barba uma única vez e só guardou a lembrança de que não gostou muito. Já me viram com cabelo, mas já faz tanto tempo que esqueceram. Talvez estejam querendo me dizer que o prognóstico sobre a minha imagem sem barba não é dos melhores. As mulheres sempre tem um jeito especial de dizer as coisas que não queremos ouvir.
Não sei, vou refletir durante este tempo que ainda falta para as férias.