Para Peter Bichsel, Robert Walser é um autor que clama por ser descoberto. Ele, que tão ciosamente soube se esconder do grand monde literário e dizia querer desaparecer, para sempre, no meio da gente simples.
Cada leitor que o descobre, tende a considerá-lo uma descoberta só sua. O leitor típico de Walser se transforma em co-autor e divulgador de uma lenda, que se revela, parcimoniosamente, em elementos apaixonantes.
A leitura de Walser deixa o leitor com vontade de contar adiante, diz Bichsel, que afirma ter saturado todos os que estavam à sua volta enquanto lia 'Geschwister Tanner' [Os Irmãos Tanner].
Walter Weidell conta ter descoberto Walser justamente através da leitura de 'Der Gehülfe' [O Ajudante], dez anos antes de tê-lo traduzido para o francês como 'L’Homme à tout faire' [O faz-tudo]. Para Weidell, traduzir produz uma espécie de 'miopia', tanto o tradutor se aproxima do texto traduzido, que infinitamente também dele se vê distanciado, a ponto de quase não conseguir dizer mais nada a respeito.
Costumo dizer que traduzir produz efeitos colaterais irreversíveis. Um tradutor nunca mais volta a ser um leitor normal, se é que isso existe. O vício das revisões toma conta até das leituras mais amenas, o que, lamentavelmente, não significa que o ponha a salvo dos tantos lapsos.
Minha descoberta de Walser se deu por algumas narrativas curtas. Algum tempo depois, li e reli muitas vezes, com avidez, o romance 'Geschwister Tanner', no fundo já acalentando o sonho de um dia vir a traduzi-lo, como li e reli também muitas vezes o posfácio de Peter Bichsel, que a Suhrkamp anuncia com destaque na capa da edição de 1990.
Nesse ensaio magnífico, insuperável, Bichsel faz o relato de sua descoberta de Robert Walser. Foi num sebo, em Zurique, em 1954, sendo obrigado a quase soletrar esse nome, sem saber se mais alguém o conheceria. Nem suspeitava que fosse um seu conterrâneo e que ainda estivesse vivo.
Dez anos depois, veio a saber de sua morte, nas circunstâncias que o leitor já conhece, e de que fora enterrado num cemitério não muito longe de Solothurn, onde ele próprio, Bichsel, vivia e ainda vive. Quis visitar o túmulo, encontrou um monumento. Nisso as pessoas costumam ser rápidas, ele observa.
Ao morrer, além da obra publicada e de manuscritos desaparecidos em mãos de editores, Walser deixou um legado misterioso: os microgramas. Por muito tempo, pensou-se numa linguagem cifrada, como mais uma dentre as manifestações de sua enfermidade psíquica.
Dez anos depois de sua morte, Jochen Greven e Martin Jürgens dão início à decifração daquela escrita minúscula, que por muito tempo era julgada ilegível, mas que não passava da caligrafia de Walser incrivelmente reduzida. Em 1972, surgem os primeiros resultados, o romance 'Räuber' [Ladrões] e as cenas teatrais de 'Felix'.
Em 1976, Bernhard Echte e Werner Morlang puderam finalmente dar início, no Arquivo Robert Walser em Zurique, à decifração sistemática do convoluto de 526 páginas. O trabalho só se tornou possível graças a um aparelho empregado na indústria têxtil para contagem dos fios, que aumenta na proporção de 6 para 1. Entre 1985 e o ano 2000, seis volumes vieram a público, incluindo inúmeras narrativas curtas e mais um romance, 'Theodor'. A edição é considerada uma obra-prima da moderna filologia editorial.
|