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Ensaios-->Mundo Uno (sem notas) -- 03/04/2003 - 22:21 (Francisco Nazareth) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

“Mundo Uno”: Algumas Notas Sobre o Imperialismo Corrente
 
O espaço de análise e a estereotipia discursiva – a nível dos artigos de opinião – que se manifesta na imprensa europeia sobre os motivos, valores e crenças escondidos por trás da actual administracão Americana, demonstram que, de facto, existe uma enorme separação e um grande desentendimento em termos de opções entre os dois grandes blocos do actual mundo ocidental. Este aspecto poderá ser tanto mais significativo se tivermos em conta que, após a tecnológica e arrogante vitória sobre o Iraque, - algo que parece certo (embora menos certo hoje do que há três dias atrás) – um realinhamento de forças terá forçosamente que acontecer, de um modo que – culturalmente – poderá demonstrar que, entre o fascínio alguma direita e a rejeicão total de uma certa esquerda (ambas europeias), está uma outra América por descobrir, na qual se esconde – por razões óbvias de propaganda – uma tradição crítica há muito negligenciada, mas fundamental para entender os debates internos que forjaram a nação. Embora essa tradicão crítica, em si, não seja o objecto desta reflexão, parece-me importante mencionar que alguns traços formativos da cultura norte-americana não ajudam a colocá-la dentro dos tradicionais quadros da direita e da esquerda europeias, assim como podem contribuir para a sua reformulação  (bem como, por outro lado, o pensamento europeu – contemporâneo e não só - contribuiu para a reformulação do norte-americano). Por outro lado esses traços também servem para o entendimento das razões pelas quais a actual administração se situa num plano “avançado” de mentalidade imperial e colonial.
Assim:
1 – Existe na América uma tradição intelectual e cultural profundamente ligada ao espírito da “declaração de independência” e uma outra extremamente marcada pela “constituição”.
2 – A adicionar à anterior questão, há uma tradição política bastante ligada aos direitos dos estados e outra que se estabelece em nome do federalismo.
3 – Mais ainda, outro factor importante é aquele cujo discurso ideológico reflecte uma nostalgia das raízes europeias e outro que se afirma como sendo essencialmente “neo-continental” e fazedor de um destino.
4 – Tendo em conta estes aspectos, não se pode esquecer que a formação dos Estados Unidos é um passo avançado da modernidade ocidental. Não corresponde por isso aos valores introspectivos de uma Europa capaz de se questionar reflexivamente sobre os seus próprios princípios fundadores. Nesse sentido, poderíamos dizer que a “pós-modernidade”, num sentido “re-analítico”, tomou na Europa um pendor profundamente ideológico, enquanto que a sua exportação – como multiplicidade narrativa – para o outro lado do Atlântico acabou por, no plano da recepção, ganhar um carácter mais lúdico e eminentemente estético e artístico.
5 – É preciso dizer ainda outra coisa: o modo como os jogos de valores e crenças se dá a perceber no nosso mundo televisionado não pode esquecer que a reprodução do fascínio pelo optimismo – vendido para a Europa – se faz mediante o uso primordial da língua inglesa, espaço no qual se dá a transferência de um conjunto de valores em que a maioria da Europa, embora não se reveja, consegue, mediante um excesso paradoxal de estranhamento e proximidade, um produção dispara(ta)da de fascínio. Nesse sentido, o imperialismo deste início de século é profundamente anglo-saxónico, apesar das idiossincrasias próprias dos três países principais, a saber, a Austrália, os Estados Unidos e a Inglaterra. Que estes três surjam apoiados por Portugal e Espanha não é estranho, dada a vocação marítima sub-consciente dos velhos impérios ibéricos, pouco voltados – raras vezes – para as questões continentais e ausentes – não o esqueçamos – da última guerra mundial.
Mas passemos a uma análise mais aclarada destes pontos, que me parece importante para o entendimento dos valores que se jogam na actual “administração Bush” e para que uma crítica a esta possa aceder a pontos fulcrais da sua actuação, não “coçando onde não há cócegas”, como diz o pensador norte-americano Richard Rorty.
 
1 – Destino
 
Por mais jocoso que isso possa parecer, não podemos esquecer que os Estados Unidos foram culturalmente iniciados por dissidentes religiosos. Passando aqui ao lado do velho debate sobre as suas capacidades construtivas, ou a sua tendência isolacionista e tirânica, o que na realidade importa destacar é que estas pessoas cabem na classificação de “Conservadores Revolucionários”. O seu abandono da Inglaterra – onde foram perseguidos – deve-se ao facto de que a sua relação com o texto sagrado era tomada pela igreja anglicana como demasiado literal. Tendo como fantasma cultural da sua actuação o calvinismo, os “Puritanos” acreditavam na possibilidade de um “contrato” directo com Deus, o chamado “covenant”. Nesse sentido, a “graça” – algo que no catolicismo tradicional passa pela noção de bem (a boa acção) e que no protestantismo de Lutero envolve a introspecção – é uma coisa à qual ou se acede literalmente ou não se acede. Em certo sentido, o puritanismo destes primeiros “pais fundadores” da nação Americana passa por uma relação com a fé que não tem mediações. Não é, assim, difícil ver a forma pela qual tal ideologia serve às mil maravilhas ao espírito do capitalismo: quem é empreendedor tem a “graça” de o ser; por outro lado, a pobreza material e física, isto é, a indigência, é facilmente associada à pobreza de espírito, ou seja, não se é pobre por falta de justiça mas é-se pobre porque não se tem “graça” (essa concessão divina) para não o ser (o “estado previdência” também se relaciona com isto de forma invertida através da criação de uma “mentalidade de vítima, eivada de má consciência).
É evidente que os excessos cometidos em nome destes princípios (aquilo a que poderíamos chamar “fundamentalismo cristão”) não tardaram: é multiplamente conhecida a história “inquisitória”, por exemplo, das “bruxas de Salem”. Por outro lado, o estado de asfixia económica provocado pelo poder colonial levanta na nação nascente dois tipos de tendências fulcrais: uma ligada ao isolacionismo religiososo e outra marcada pela necessidade de criar uma identidade  baseada no expansionismo da “letra” legal. As fronteiras entre as duas nunca serão muito nítidas, ao longo da história, para quem vê de fora. No entanto, elas marcam tão profundamente a tradição intelectual do país – e podem aparecer tão misturadas no discurso de uma só pessoa – que acabam por ser narrativas às quais se faz apelo em momentos de crise, de modos tão próprios que podem causar, à norma do discurso europeu, um enorme espanto perante a aparente contradição.
No sentido anteriormente mencionado, tornava-se claro para Thomas Jefferson e os outros “pais fundadores” (oficiais) que o essencial na fundação da nova terra, a nova “casa na colina”, era a “busca da felicidade”. A América é, desde cedo, vista como uma utopia e  nunca se deixou de conceber como tal (ou, no desespero, como o seu reverso). Ela é a extensão para ocidente de uma oportunidade anteriormente perdida. Para a nova nação, a independência é a realização de um “éden” (contrastável com o “paraíso perdido”) e – ao mesmo tempo – a evidência da marcha inabalável do progresso. Ora então, como se coaduna isto, por exemplo, com esse direito – salvaguardado pela constituição – a possuir armas? A partir do momento em que a nação se cria – legitimada pelo discurso da superioridade euro-ocidental (onde têm ponto assente critérios como o progresso, o evolucionismo selectivo e a finalidade racional, noções tão claras dentro de uma narrativa europeia que sai da “ilustração” e que se concebe como teleologia metódica) – o avanço para “Oeste” – marcado pela peculiaridade do espaço – é inevitável. A esse avanço para “Oeste” associa-se a arma: o uso da arma torna-se indissociável da propria independência e da noção de autonomia individual. Aliás, o uso da arma é, muitas vezes, a propria garantia do direito à liberdade e de um outro direito de origem profundamente europeia (e, não inocentemente, romana): o direito de propriedade. Onde não existe lei escrita, a arma é a lei. É ela que impõe o “destino manifesto” e é ela que transporta consigo o progresso – narrativa indissociável da tecnologia – ao “selvagem”, fazendo-o entender, na escrita que o seu próprio sangue traça ao correr pela sua pele mais escura, a “superioridade” do homem branco que o domina e a construção dele – o “selvagem” – como “inferior”: auto e hetero-destituído da noção de propriedade, desarmado, ineficiente, não produtivo e, portanto, um entrave ao progresso.
Neste sentido, no sentido ideológico de uma produção teórica de finalidade, a América é a consequência inevitável de uma expansão da ocidentalização. Produto do império, ela confunde-se com o proprio império. Mais tarde o cinema tratará de confirmar isto: não é por acaso que Hollywood fica na Califórnia e as letras estão escritas numa colina; para lá da Califórnia fica o mar e, enquanto não se avança para esse mar (o Pacífico como grande tendência da América), é em Hollywood qua a utopia se projecta, primeiro para que a América sonhe com o que pode vir a ser e – mais tarde – para que todo o mundo sonhe poder vir a ser como a América.
 
2 – Unidade e Pluralidade
 
O diferendo teórico entre a “declaração de independência” e a “constituição” transforma-se, mais tarde, num confronto ideológico entre os direitos dos estados e o direito da federação. O jogo político entre estes espaços de poder é, também, um jogo que nos ajuda a entender as diferenças entre esquerda e direita na América e a ambiguidade que existe numa associação forçada (ou absoluta) entre o partido democrático e a esquerda europeia e, por outro lado, o partido republicano e a direita europeia. Em certo sentido – e para especialistas em história da América isto pode parecer um simplismo – o “Partido Democrático” como o conhecemos hoje tem uma ligação maior com a defesa dos estados e o “Partido Republicano” com a defesa dos direitos da federação. É este jogo essencial de forças que faz com que os valores tradicionais da direita e da esquerda europeias se joguem em função de critérios de independência que só poderiam ser perfeitamente visíveis se, por exemplo, a União Europeia se tivesse construído (conforme se está a tentar entendê-la hoje) de acordo com critérios próprios de um “novo mundo “ de há duzentos anos atrás. Assim, não é inconcebível ver – por exemplo – um candidato democrata do sul argumentar em torno de valores de solidariedade e autonomia associados a um maior número de armas! O “jogo” da Guerra Civil teve nisto tudo, também, um peso importante . Sob o pretexto do fim da escravatura, ela serviu sobretudo para consolidar o princípio do federalismo, assente sobre uma basa comercial, empreendedora e industrial (dentro do jargão americano, “progressiva”). É com o fim da Guerra Civil que se assiste ao triunfo de uma América a caminho da industrialização, do empresariado e da unidade. Os “ex-escravos” (agora aparentemente “livres”) servem às mil maravilhas como mão de obra do Norte industrializado que, cada vez mais, vai condenar o Sul agrário ao isolacionismo (pelo menos até à década de setenta e à crise internacional do petróleo, altura na qual o Texas assume um protagonismo essencial na economia nacional). Não é por acaso que Detroit – a capital do automóvel – condensa uma das mais largas (e mais marginalizadas) populações negras do país.
É também com o fim da Guerra Civil que se assiste ao grande “boom” da Califórnia, na qual a indústria não joga tão forte, uma vez que o imperativo da grandeza do espaço transforma os princípios oportunistas: neste caso o ouro e a propriedade. A Califórnia transforma-se então no grande sonho, na nova – reinventada – versão da utopia. Ao ouro estará sempre associado o revólver e ao revólver a terra. Hollywood mostra-nos isto porque Hollywood cresce com isto: uma boa análise da história dos patrões da “Warner Brothers”, ou só de Darryll Zannuck, mostra como a passagem da especulação imobiliária – com a sua associação ao ouro – ao cinema transforma a Califórnia nesse deserto de sonhos (ou nesse “sonho deserto de …”) dourados, exportados para o país inteiro ( e depois para o mundo) sob a forma de imagem.
O discurso politico é, assim, construtor de transferências axiológicas e ideológicas que seriam inconcebíveis no contexto europeu. Só na América poderia surgir (com um sentido muito proprio), por exemplo, a ideia de um “conservador revolucionário” (pelo menos no mundo ocidental, uma vez que a visão literal do sagrado que existia entre os “Puritanos” pode ser comparada com a visão literal do corão que é dada nas “Madrassas” pelo fundamentalismo islâmico). A propósito, então do “conservador revolucionário”: é popssível ver por aqui, por exemplo, a imagem de Ronald Reagan; filho do cinema, onde foi actor, vende a imagem (ou, melhor, venderam-no como “imagem”) e a ideia de uma América forte, baseada num estado forte, e capaz de “expandir progressivamente” a SUA noção de democracia (imagem contrária, portanto, à de Jimmy Carter, agricultor do Sul, baseada numa noção quase religiosa de independência voltada para dentro). É que, para Reagan, a força não se podia voltar para dentro: uma América forte no seu espaço de “dentro” passaria, inevitavelmente, pela capacidade de exportação de uma imagem forte para “fora”. Este expansionismo tem uma tradição: no industrialismo de Lincoln e na exploração empreendedora e “progressiva” de Theodore Roosevelt. Faz parte da tradição americana que o republicanismo se tenha visto sempre no plano de um interesse nacional concebido como federal. Este reforço da nação em detrimento dos estados passou também, sempre, por um reforço de segurança. Não é por acaso que as épocas áureas da CIA correspondem a fortes administrações republicanas, como é o caso de Eisenhower. Por outro lado, as administrações democratas passaram sempre por uma maior distribuição estadual – o que foi sempre visto na Europa como um reforço de cidadania. A extensão do chamado “Welfare State” a partir de critérios envolvidos na chamada “Bill of Rights” – da federação para os estados (em certo sentido é possível, como já disse, conjecturar uma ligação permanente entre estas formas de esquerda e a vitimização) – faz parte da capacidade destes para a interpretarem à luz das suas próprias idiossincrasias, como foi o caso da Califórnia, onde a existência de um grande número de desmpregados (muitos deles fruto de migrações internas relacionadas com a Grande Depressão) provocaria sempre uma crise na indústria do cinema e na especulação imobiliária. É que a interpretação nacional desse mesmo “estado previdente” resulta das próprias circunstâncias inerentes à Grande Depressão. Ela transforma a segurança social numa questão nacional e só o “New Deal” – do democrata Franklin Roosevelt – permite a sua adaptação às peculiaridades dos estados, equilibradas pela circunstância internacional que uma Grande Guerra vai permitir resolver em termos económicos.
Assim, a tradição europeia de separação entre valores de direita e valores de esquerda (por exemplo, “solidariedade” e “igualdade” contra “tradição” e “privilégio”) não tem uma tradução absoluta no contexto americano. A igualdade, por exemplo, é um valor fundamental na formação dos Estados unidos. Contudo, ela significou sempre mais – na retórica política – igualdade perante a esperança na “graça” de Deus do que igualdade de oportunidades. O valor da liberdade, por exemplo, significa muitas vezes a liberdade para usar uma arma. Por outro lado, o valor da vontade – reclamado no contexto europeu como sendo tanto de direita como de esquerda (o papel do hegelianismo e do nietzscheanismo é aqui fulcral) – esteve intrinsecamente ligado ao aniquilamento das populações indígenas (embora na Europa ele também possa ser associado – por via, exactamente, de um interpretação nietzscheana forçada – ao holocausto). Finalmente, ser conservador nos Estados Unidos quer muitas vezes dizer ser capaz de preservar a independência individual e a propriedade (“good fences make good neighbours”, diz o ditado), o que se transforma amiúde numa espécie de autismo ontológico: não é um valor associável apenas à transferência de privilégios do passado (e quando o é, surge associado ao “esquecimento” de que esses privilégios não foram ganhos em justiça – a retéorica do espírito empreendedor que, por exemplo, na Austrália se cobre com a ideologia do “fair go” - mas por processos eminentemente inequalitários).
Contudo, nunca é demais afirmar que o modo como estes critérios se jogam é eminentemente ocidental. A associação surge feita, muitas vezes de forma rígida, com uma Europa nostálgica que já não existe. É próprio do pensamento – de algum pensamento – americano, conceber a Europa como uma entidade fixa, esbatida, localizada num tempo e num espaço que, ironicamente, misturam a Revolução Francesa com a Europa do pós-guerra e do plano Marshall. Por outras palavras, para a imagem estereotipada e rígida – vendida pelo turismo – que se cria da Europa nos Estados Unidos (e também, porque não dizê-lo, no resto do “novo mundo” anglo-saxónico), Paris, por exemplo, será sempre uma cidade em cujos numerosos cafés poderemos encontrar bandos de existencialistas de boina! É um pouco inconcebível para este mito pensar que em Paris também existem subúrbios e conflitos migratórios. Por via americana – sobretudo de Hollywood – esta é a mesma imagem que os australianos (nesta coligação anglófona sub-consciente) têm da Europa. Voltarei a este “colectivismo” anglófono. Apenas quis esclarecer que a diferença de valores (ou, melhor, de jogos de valores) não significa que, no plano das narrativas culturais subterrâneas, a América não funcione dentro dos critérios daquilo a que Heidegger chamou o “quadro mundial”. Mais: ela é uma extensão replicante disso mesmo.
 
3 – Regresso e Destino
 
Esta tensão entre a nostalgia da Europa e a criação expansiva de um destino próprio é outro nodo marcante dos valores políticos e ideológicos nos quais se joga o discurso apriorístico dos Estados Unidos enquanto “episteme” (no sentido que Foucault dá ao termo). Essa tensão não é frequente só na política (onde, em ambos os lados da divisão, encontramos discursos pró-europeus e anti-europeus), mas também na literatura. Por outro lado, nem sempre o anti-europeísmo é “de direita” (nem todos são Rumsfeld). Muitas vezes ele surge associado à capacidade de tentar pensar para além das fronteiras da tradição linguística ocidental. Pensemos, por exemplo, nessa viragem ao Pacífico e à Asia que é tão própria do chamado “Zen” californiano. Aliás, torno a dizer, esta caminhada para o Pacífico é, paradoxalmente, também uma tradição ocidental, uma vez que ela corresponde ao encontro do Oriente mediante o caminho – cada vez mais – para Ocidente (“Go West my boy.”).
No entanto, voltemos à literatura. Sem querer mencionar autores ou tendências, é possível traçar, nesse quadro muito próprio que se convencionou chamar “Literatura Americana”, tensões várias que multiplicam a tensão essencial, com a qual iniciei este pequeno capítulo, e que se intersecciona em combinatórias construtoras de uma especificidade própria (por isso dizemos que os Estados Unidos têm, de facto, uma Literatura): tendências solipsistas combinam-se com espaços abertos; longos monólogos, verdadeiros solilóquios de clausura, antecedem diálogos minimais; o fascínio da cidade combina-se, paradoxalmente, com a adoração do campo; o fechamento físico associa-se à velocidade; a adoração da familia não esconde a ambição da fuga; e – por último (poderíamos continuar) o pavor do silêncio – natural ou provocado – dá lugar à necessidade do mesmo (e `a ansiedade pela sua chegada). Sobretudo na escrita contemporânea passam pela minha memória essas personagens que se fecham em quartos para escrever, mas às quais só a velocidade de um carro na estrada consegue trazer alguma alegria; esses seres parados, isolados, que contemplam no voar de um corvo uma epifania de bondade; essas mulheres permanetemente à janela, esses homens em quartos de motéis, puras solidões em permanente trânsito exterior e interior; essas vivências pós-adolescentes que regressam a casa despedaçadas, apenas para verificar que a existência já não reside ali, embora também não o seja em lugar nenhum; essas existências de desespero, exiladas em Paris à procura de um lugar – real ou simbólico – que não existe. Nesta América – que algum cinema imortalizou – já não há lugar para a solidez; no entanto – paradoxalmente – também não há conforto na fluidez, muitas vezes o resíduo da paranóia. Permanetemente desesperados à beira de um oceano que fica do outro lado – antecedendo o lado “outro” – estes seres não se sentem confortáveis com um mundo que findou – que no pensamento europeu passa por um quase solene reequacionar ontológico – uma vez que os critérios pelos quais a própria nação em que se inserem se forma são aqueles que ela mesma trata ambiguamente de expandir. Por outro lado, o mundo que se constrói sobre os escombros desse no qual o toque de finados soou, não se liberta de uma noção de “casa” sobre a qual se ergue (como viver abrigado “dentro/fora” de um exílio permanente?). É por isso interessante o título que Gore Vidal dá a um dos seus últimos ensaios: “Guerra perpétua para uma paz perpétua”, ou seja, a náusea da ausência de sentido só pode ser superada pela permanência do acontecimento, pelo excesso de acontecimentos. “Keep on movin’” é um “moto” muito americano. A fuga para a frente impede-nos de nos confrontarmos connosco próprios e de contemplarmos balões vazios. É essa América que “foge para a frente” a mesma que olha para o Médio Oriente através da TV. Mas – muito importante – não o esqueçamos: esse olhar é feito pela via do Pacífico e não da Europa; exactamente porque é (profunda e paradoxalmente) europeu, isto é, filho das crenças e ideias da Europa “ilustrada” que a hoje tão intitulada “Velha Europa” passou a reequacionar.
 
4 – Modernidade
 
No sentido acabado de vislumbrar a América é – no plano conceptual – essencialmente moderna. Ela é a concretização de um paradigma historico-filosófico que deve ser traçado às bases do pensamento europeu, conforme o modo como este se seculariza (sem esquecer que a matriz permanece lá: sendo judaico-cristã e greco-latina ela constitui um permanente casamento entre a razão e a culpa).
A América corresponde ao culminar (geográfico mas não só) de um projecto com mais de quinhentos anos e, por isso, não pode deixar de se ver a si própria como estando no exercício do seu pleno direito. Ela corresponde ao estado adiantado do que o Professor Boaventura Sousa Santos chama a produção intelectual do “Selvagem”, da “Natureza” e do “Oriente”. Estes três espaços são radicalmente “outros” e, portanto, domináveis, no sentido em que a legitimidade que decorre da tecnologia os transforma em tal. A isto tudo, a América associa algo do qual a modernidade europeia se tentou dissociar: a legitimação religiosa. No fundo, esse compromisso não é novo e já se encontra, por exemplo, em Descartes: se a evidência do pensamento resulta de si mesmo, no entanto, a capacidade de o pensamento se relacionar com algo que é exterior a si exige confirmação divina. Assim, levemos mais “para trás” do que a colonização europeia – cuja responsabilidade inicial passa por Portugal – o processo formativo que a América faz agora permanecer vivo (e fá-lo tanto mais na auto-perpetuação da imagem cinematográfica e televisiva sobre si propria: lembremos o tema de “Star Trek”: “Space, the last frontier”). Tal processo formativo é, essencialmente, de cariz greco-latino e judaico-cristão. Em certo sentido – que usei como “jocosidade séria” – ele é de facto a associação entre a razão e a culpa, entre o cálculo e o pudor, entre a anealise e a devoção. Nesse sentido, à evidência cartesiana do “Cogito”, ao descentramento coperniciano-galilaico do “Cosmos” (que abre novas “fronteiras” de “conhecimento”), à universalização kantiana da razão e à sua transformação hegeliana em teleologia universal de progresso (suplementada pela “descoberta” darwiniana de que estamos no topo da cadeia “evolutiva”) associa-se a ideia de uma concessão divina de poder aos homens para, mediante o uso da razão, conjurarem o mundo de impiedades e limparem a humanidade de pecados e culpas. Tudo isto está presente no “destino manifesto” de uma nação que se concebe como a nova utopia da humanidade, a última fronteira a desbravar na marcha do conhecimento.
 A produção do “Selvagem” com inferior (também feita pelos impérios ibéricos), a domesticação do “outro” vindo do “Oriente” (feita por quase todas as culturas ocidentais) e a instrumentalização da “Natureza” (feita pela ciência moderna) – ou de uma noção de “Natureza”, embora isso fosse dificilmente pensável na altura, em termos de discurso dominante – ganham um novo ímpeto no “novo” continente (não esquecer também esse perpetuar da noção de “novo” que de tão “nova” se tornou “velha”). Nada pode ser comparável à nova utopia, exactamente no sentido em que esta produz os próprios instrumentos para ser espelhada com tal. Vendo-se como o mais racional dos desígnios de Deus, a narrativa – constantemente revitalizada pelo discurso político – que cria a legitimidade da acção é uma narrativa, na sua essência, imperial. Transformada em imagem pelo cinema, ela vende-se como direito de domínio. Transformada em poder político e económico pelo fim da Segunda Grande Guerra e, mais ainda, pelo fim da “Guerra Fria”, ela vende-se como direito bélico. Transformada, finalmente, em poder científico pela constante migração académica de uma Europa depauperada pela Guerra, ela vende-se como direito de conhecimento panopticizado, isto é, direito também de vigilância. Esta associação entre os três poderes que citei (a imagem, a economia política e a ciência – todos eles processos que passam pela manipulação de informação) permitiu a transformação, por parte dos Estados Unidos, do resto do mundo num imenso “écran” (como analogia ao tal “quadro mundial”) constantemente vigiado. Tal vigilância não pode ser interpretada como dependência, por exemplo, de um único ser humano (é ridículo, por exemplo, atribuí-la a G.W.Bush): ela é um sistema, isto é, a vigilância de um poder disseminado, uma ordem racional extensa que promove constantemente o abafar de qualquer forma de ruído, uma vez que um sistema solipsista alargado só pode, ou abafar ruído, ou aceitar ruído “reciclado”, isto é, ruído que provenha de si próprio, uma vez que se transformou num mecanismo de auto-regulação (uma das nossas formas de “esperança” – se é que faz sentido dizê-lo – é que a teoria dos sitemas possa ser confirmada no que diz respeito aos sistemas fechados!).
Decorre do anteriormente dito que as palavras de Wittgenstein se tornaram proféticas: os limites da linguagem tornaram-se os limites do mundo, uma vez que a ocidentalização dos processos - pelos quais se constituem as esferas mais íntimas da vida – não é separável do signo e esse signo é, por sua vez, endo-deslocamento de um código permanentemente auto-referente e só assim descodificável.
 
5 – Anglo-saxonicização
 
O alargamento do espaço, inerente ao signo unívoco, a uma escala global faz-se, como característica própria dos impérios, mediante a utilização de uma “língua franca”. Não é demais lembrar que, aquando do auge do império português, a “língua franca” em grandes áreas da Ásia era, de facto, o português. No entanto, assistimos hoje a algo inédito na escala global. De facto, com uma língua são sempre transferidos valores, crenças, ideias e “pré-conceitos” (no sentido gadameriano), isto é, modos de ver. Assim, a globalização – na sua forma dominante – transporta consigo um modo unívoco de visão, um único quadro mundial à escala global, promovendo por isso, e neste momento, uma enorme anglo-saxonicização do mundo (dadas as características do modo como ela se faz, os termos paralelos poderiam ser “hollywoodização” ou o sobejamente conhecido “macdonaldização”). Em certo sentido, não é demasiado mencionar que os três principais promotores da actual Guerra são, de facto, três países anglo-saxónicos: Estados unidos, Inglaterra e Austrália. A vasta disseminação cinematográfica de Hollywood faz com que, no entanto, exista também sobre os outros dois países um processo de colonização invertida. Nesse sentido, a Guerra é um espectáculo cinematográfico falado em inglês e para o qual todos os outros países – convidados para o espectáculo – precisam de tradução.
Ou será que necessitam? De facto, assistimos hoje, no plano da linguagem do sistema, a uma espécie de conversão monetária. Na falta de tradução credível, a maioria das culturas encontra-se hoje num processo ao qual conviria mais o nome de “conversão”. O que se passa, por exemplo, com o uso de computadores é sintomático. É mais fácil e mais “cool” (uso o termo de modo propositado para exemplificar o que digo) falar em “download” do que em “descarregar”. É mais fácil dizer “site” do que “sítio”. É mais fácil dizer “internet” do que rede electrónica”. A isto associa-se, no mundo do espectáculo, a fácil divisão (feita nos filmes de consumo múltiplo) maniqueísta do mundo entre “bons” e “maus”. Faz-se também a associação da beleza física à pele clara e ao cabelo louro ou - por racismo invertido e produção de exotismo, aos quais se associa normalmente a má conscência politicamente correcta – ao negro escultural [hoje somos todos multiculturalistas do espaço solipsista: queremos o negro ou a negra (o meu computador também é politicamente correcto pois está sempre a colocar “negro” com N grande!) no écran, mas quantos o assumirão como mistura? Por exemplo, nas sociedades de narrativa dominante homossexual, quantos são aqueles que aceitam o convívio entre identidades diferentes? Tenho também consciência que a inversão desta questão é a norma: apenas a coloquei assim para, subvertendo, mostrar, com isso, que o essencial não muda]. Ainda, no cinema e na TV, poderíamos falar do espectáculo dado à criação de estereóptipos acríticos: o gordo, o magro, o estúpido, a voluptuosa, a menina feia, etc. Na construção anglo-saxónica dos valores globais não há lugar para a ambiguidade, assim com não há lugar para a diversidade, nem dentro dos espaços nem dentro das próprias pessoas (ou seja, não há lugar para a “mestiçagem”). A vivência é feita de cálculo: segue a lógica do computador (“ou” e “ou”, 0 e 1) e não aceita ruído. Não há lugar para misturas mas, sim, para caixas bem fechadas.
Em consequência, é curioso que o próprio discurso da (auto-intitulada) esquerda (no mundo anglo-saxónico) viva disto. As questões da justiça, da igualdade e da solidariedade foram reinterpretadas – e, em certo sentido, deslocadas – no plano das questões de representação. Promovendo uma multiplicidade colorida mas profundamente autista, o discurso do multiculturalismo serve os desígnios de um poder que trabalha por divisões. Tal questão manifesta-se – como vimos dizendo – no imperialismo linguístico, que traz consigo o imperialismo dos valores. É difícil – senão impossível – traduzir para inglês certas palavras que envolvem mistura, ambiguidade e desordem nos sentidos que lhes são dados, por exemplo, pelas língua neo-latinas (é curioso que o mundo anglo-saxónico herde o direito romano mas não o lado lúdico da civilização latina).
Um tal espaço concentracionário, que tende a alargar-se à escala global, carrega consigo, também, a demissão de outras culturas como sendo sub-desenvolvidas (embora as incorpore em certos processos de exotização híbrida: pensemos na chamada – até o nome é significativo – “new age cuisine”). O neo-puritanismo das relações humanas é particularmente evidente no que toca à dimensão da sexualidade. Desprovida de erotismo, esta confunde-se com genitalidade e, a partir daí, com pornografia. Deste momento até à exaltação da castidade vai um passo, uma vez que a pornografia é facilmente isolável como nefasta, enquanto que o erotismo não (uma vez que envolve uma mistura ambígua de esferas simbólicas). A construção da demonização do “outro” (do “Selvagem”) passa também por aqui. As culturas menos “civilizadas” são, no plano subterrâneo, simbolizadas como culturas de sexo fácil: promoção paradoxal de um erotismo do exótico, melhor, de um “pornografismo” da alteridade, torna-se normal a visão, no subtexto da propaganda turística, do sexo visto como intervalo no trabalho da (re)produção do sistema. O “outro” é usado como brinquedo com o qual se retempera energias para voltar ao escritório quadrado (a “caixa”) da modernidade.
 Um tal processo passa, por outro lado, por curiosos mecanismos de retroacção. A súbita sobrevivência de algumas economias asiáticas pode ser vista, neste contexto, como um fenómeno de anglo-saxonicização; para além dos casos óbvios de países como a Coreia e o Japão, é curioso verificar que, por exemplo, nas universidades australianas, os melhores alunos são quase sempre os asiáticos: mais “focados”, mais racionalizados, menos ambíguos, mais rígidos. É engraçado que isto resulte, no entanto, da enorme e fluida capacidade adaptativa que as culturas (pelo menos as de vocação budista) parecem demonstrar (talvez aos meus olhos ocidentais). A fluidez serve-lhes assim, paradoxalmente, para uma adaptação fortíssima à rigidez (usamos, em português, um expressão que ilustra muito isto: “ser mais papista que o papa”).
No entanto, esse modelo de retroacção não é exclusivo de um desejo asiático de ocidentalização. Ele existe na Europa (onde, por exemplo, é norma que um grupo de música popular tenha de cantar em inglês para que o seu sucesso tenha expressão internacional) ou na América Latina (onde o fascínio pela iconografia americana foi sempre muito forte: um bom exemplo é a “relação amorosa” que o Brasil tem com a “Coca-Cola” desde a geração da minha mãe, ou seja, desde finais dos anos quarenta). Normalmente, os resistentes a este modelo pagam caro, quer pelo isolamento económico (o inglês é língua prioritária de acesso a qualquer instituição internacional de comércio), quer pelo isolamento político (o que está a acontecer com os países árabes que rejeitam o modelo linguístico anglo-saxónico na sua versão cultural americana). Em paralelo a este processo, assistimos ainda a dois outros que são sintomáticos: o crescente desaparecimento das línguas tradicionais (na Austrália desaparecem, por ano, cerca de trinta, além de que, em África, conheço pelo menos uma pessoa cuja língua nativa não conta os seus falantes para além de poucos milhares, sendo a tendência diminutiva) e a luta titânica de outras línguas internacionais – para além do inglês – por pequenos nichos de mercado (significativamente, o “Mac” acabou de me tentar corrigir mercado para letra grande!): é o que acontece com o espanhol, o português e o francês, conscientes de que a perda desta batalha constitui – consequentemente – a promoção da unidimensionalidade política, axiológica (que o “Mac” transformou, irritantemente em “axilogical”) e social do mundo. Por outras palavras, a batalha pela diversidade linguística é um acto de militância.
No caso da presente Guerra não é, por isso, de todo inocente a associação das antigas potências ibéricas ao mundo anglo-saxónico. Ela parte (para além de um certo cinismo franco-germânico relacionado com as vendas de material bélico) da consciência de uma necessária associação aos potenciais vencedores da globalização unívoca, de modo a assegurar – em termos performativos – pequenos “espaços de ar” que mantenham alguma diversidade (também ela bastante cínica ou, paradoxalmente, necessária).
 
Epílogo: A “Junta” Bush-Cheeney (expressão de Gore Vidal)
 
No contexto que acabo de traçar torna-se clara a proveniência das “marcas” colonialistas e imperialistas da actual administracão americana. Não sendo a Guerra no Iraque mais do que um pretexto sangrento de auto-perpetuação, é preciso perceber que G.W.Bush funciona apenas como uma imagem num écran. Vencedora de umas eleições deveras duvidosas – onde o processo democrático foi nada menos do que fraudulento – a sua “entourage”, aquela que promove os desígnios do poder, não é mais do que um misto de administrações anteriores, nomeadamente a de Nixon e a do seu pai , dos serviços secretos e da CIA e, ainda, de gente nova com enormes ambições de poder e reconhecimento (pensemos em gente como Cheeney, Powell, Rumsfeld ou Rice). É esta combinatória que assegura as tradicionais tendências republicanas de reforço do estado federativo e de vigilância e segurança constantes. Inspirada no “destino manifesto” de uma nação cuja noção de liberdade passa pelo poder de ter armas, a actual administração não pode deixar de conceber a América como sendo imperial. Reclamando-se de uma federação una, na verdadeira tradição republicana “muckracker” (literalmente “os torturadores da imundície”), ela afirma como verdadeiro destino da América o Oeste, o voltar-se para o Pacífico que, depois de Hiroshima e Nagasaki (com a consequente domesticação do Japão às leis do mercado imperial), tem como corolário o petróleo do Médio Oriente. A Coreia do Norte, em virtude do anterior falhanço (gerador de algum receio), pode esperar, uma vez que a do Sul e o Japão estão em completo alinhamento e controlo. Além de alinharem pelos Estados Unidos, exercem uma vigilância permanente e bem adestrada sobre o Norte e sobre a “silenciosa” China.
Assim, a tendência imperial dos Estados Unidos não é mais do que a extensão da sua modernidade, exactamente contemporânea do questionar político da modernidade a nível da Europa ocidental (a oriental não passou por este processo, uma vez que a saída do pacto de Varsóvia não significou ainda uma efectiva experiência democrática; estão “psicanaliticamente” (no sentido jungiano) órfãos e vêem na América uma nova paternidade). É interessante, por outro lado, que a versão do pós-modernismo vernáculo na América seja sobretudo vocacionada para as artes (creio ser difícil falar num pós-modernismo político de esquerda a nivel da intelectualidade americana). Os grandes críticos da administração na própria América – como Chomsky e Said – não o fazem, curiosamente, em nome do esgotamento do projecto moderno (como acontece na Europa), mas em nome de um ideal de justiça e solidariedade que, nos Estados Unidos, serviu também para legitimar o belicismo, ou seja, esse mesmo ideal de justiça que se deve fazer remontar aos clásicos.
Faz, ainda, parte desse projecto moderno o fascínio pelo optimismo que nos é constantemente vendido pela TV. “America will prevail”, é um texto constante nos discursos de Bush (o rapsodo do sistema). Não será demais retomar aqui que esta é uma característica própria de todos os fundamentalismos, ou seja, a promoção permanente da certeza e, consequentemente, a incapacidade para conviver com a dúvida.
Tal optimismo dogmático e rígido foi uma constante dos imperialismos europeus (com raras excepções, como Bartolomeu de Las Casas e o Padre António Vieira), ou, pelo menos, do seu discurso oficial. Subsiste, assim, como auto-legitimação narrativa que nos é oferecida, desta vez, na linguagem unívoca e nos valores unidimensionais de uma só e – arrogantemente - única língua: o inglês.
 
Francisco Nazareth, Sydney, Março de 2003 (versão não anotada)

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