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Artigos-->ÁBACO: COINCIDÊNCIA OU PLÁGIO -- 19/10/2011 - 09:22 (LUIZ CARLOS LESSA VINHOLES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


ÁBACO: COINCIDÊNCIA OU PLÁGIO



L. C. Vinholes



 



Tinha o hábito ler pela manhã os jornais de Toronto e Ottawa. O Ottawa Journal trazia mais notícia da capital canadense o que satisfazia meus interesses não só como morador mas, também, como responsável por acompanhar as atividades culturais na sede política do país.



 



Era um sábado, 20 de outubro de 1979, com frio típico do início do inverno e faziam dois anos e dois meses que estava no Canadá.



 



Naquele dia, na seção Business (Negócio) da página 21 do referido jornal, encontrei a entrevista da jornalista Pauline O´Connor (foto 1) com o professor Howard Bertram (foto 2), com foto e rodapé que, além do seu nome, dizia “and his musical slide rule”. A entrevista tinha como título “Musical ’albatross’” e como subtítulo “Ottawa inventor´s music-teaching slide rule is finally patented, but it was far from easy” que em português seria: “A régua de cálculo do inventor professor de música de Ottawa foi finalmente patenteada, mas isto não foi nada fácil”.



 



Na íntegra, a entrevista que trata não só do trabalho do professor Bertram mas, principalmente, de todo o processo de patenteamento no Canadá e nos EUA, na tradução para o português diz o seguinte:



 



 “Quando Howard Bertram, há cinco anos, primeiro concebeu uma régua de cálculo ele não sonhava que logo a apelidaria de “albatros”.



 



O trabalho duro e os custos finalmente foram gratificados nesse Outono quando Bertram recebeu patente do Canadá e EUA pela sua invenção.



 



Mas, considerando quanto isto custou para ele em termos de tempo e energia, representante local de negócios diz que ele deve pensar duas vezes antes de fazer novamente qualquer coisa como isto.



 



Um simples instrumento



 



A régua de cálculo de Bertram é simples, mas engenhosa, um instrumento manual que ele espera levará a esses canadenses não-musicais que gostam de murmurar e cantar no chuveiro a aprender de ouvido.



 



Operando no mesmo princípio que as réguas de cálculo matemática, o disco de plástico, sobreposto por menores discos rotativos transparentes, podem calcular acordes básicos e outras estruturas de música por uma simples rotação do mostrador.



 



Bertram espera que a régua de cálculo se torne uma alternativa ao tradicional método de ensino musical.



 



Instrumento para ensinar



 



“É simplesmente um instrumento para ensinar”, diz ele. “Por exemplo, se alguém deseja conhecer a estrutura de um acorde de uma escala, ele pode calcular isto. Com minha invenção ele tem, à sua disposição, elementos de harmonia e pode calcular a modalidade.



 



“É a única do seu tipo e o mais completo destes instrumentos no mundo”.



 



Um musicista realizado, Bertram primeiro concebeu a régua de cálculo em 1974. No ano novo ele já tinha candidatado para aprovação com base nos padrões provisórios britânicos e iniciou uma novelesca busca nos EUA.



 



Um ano mais tarde, depois que a novelesca busca não encontrou nenhuma invenção parecida patenteada, ele formalizou pedido de patentes nos EUA e no Canadá.



 



Os três anos que se seguiram foram cheios de complexos questionamentos em idas e vindas quando fiscais de ambos os lados da fronteira apresentavam questionamentos às suas pretensões.



 



“Isto exigiu mais cartas e argumentos”, diz Bertram. “e em cada etapa você olha os gastos legais e diz: “Será que conseguirei isto enterrando outras poucas centenas de dólares?”



 



“Você está pensando que vai ter um sim e nenhuma resposta para isto, mas isto não é bem assim. É um processo absorvente”.



 



Assim como a maioria dos chamados inventores, Bertram tinha a assistência de um profissional agente de patentes, Robert Hirons, da Hirons, Rogerns e Scoot com base em Toronto. Hirons fez a novelesca pesquisa – nos EUA por ter os melhores arquivos – depois preparou o pedido de patente e negociou todos os questionamentos com os fiscais do Escritório de Patentes.



 



Necessidade de um agente



 



Hirons afirma que muitos inventores individuais devem procurar um agente de patentes se eles desejam que suas invenções tenham a melhor oportunidade de serem patenteadas.



 



“Se você prepara por você mesmo e o fiscal rejeita, talvez você não seja capaz de recorrer”, diz ele. “Você não pode acrescentar qualquer outra informação ao pedido original, por isto se o seu for rejeitado por causa da insuficiência de informação, você está perdido”.



 



Hirons diz que quatro anos não é assim mais demorado do que o normal para qualquer processo de patente – comumente nos EUA isto leva dois anos depois de apresentar o pedido e conceder e dois anos e meio a três anos para o mesmo no Canadá, segundo ele.



 



$100 por questionamento



 



Para isto Hirons ganhará cerca de $110 a $150 dólares no Canadá para cada questionamento que ele tem que resolver com o escritório de patentes. (São $300 nos EUA). Isto em cima de mais de $600 que certamente ele pagará para preparar a pasta, e os $300 que receberá pela novelesca busca.



 



“Você pode calcular ter que pagar cerca de $1.000 para uma invenção normal para tê-la patenteada nos EUA”, diz Hirons. “Cem dólares vão para o arquivamento pelo governo.



 



“Depois de tudo isto você paga outros $300 no Canadá e, em média, $150 nos EUA para as custas de impressão e expedição uma vez concedida a patente”.



 



Da mesma forma, Bertram estima que lhe custou $200 para desenhar e produzir o modelo e $300 para fazer trinta protótipos do instrumento.



 



Uma vez expedida, a patente é válida para 17 anos no Canadá. A maioria dos inventores também patenteia nos EUA para garantir as chances de mercado para seus produtos.



 



Se eles colocarem seus produtos no mercado sem patenteá-los, qualquer um pode copiar suas idéias e vendê-las como quiser.



 



Hirons diz: os inventores em potencial têm 90% de possibilidade de receber suas patentes se eles passarem pela novelesca busca. Mas só a metade passa nas pesquisas.



 



“Os inventores particulares surgindo do nada.... suas oportunidades de terem algo realmente novo não são boas”, ele diz.



 



20.000 patentes



 



O escritório de patentes do Canadá aprova cerca de 20.000 patentes por ano, embora a maior parte seja inscrita pelos departamentos de pesquisas e desenvolvimento de corporações.



 



Bertram é um dos sortudos indivíduos que também tem os documentos para provarem sua criatividade.



 



“São tantas as dificuldades para chegar lá”, ele diz. “Mas aqueles pedaços de papel, estão lá, tem alguma coisas tangível para justificar. Seria uma decisão muito mais difícil de tomar se eu fosse tentar fazer isto novamente, mas acredito, eu faria, eu realmente faria”.



 



“É parte do meu modo de pensar – que o sangue vital de qualquer economia moderna é inovação”.



 



Até o momento ele não conseguiu um comprador no ou fora do Canadá, mas Bertram diz que apenas começou a procura. Com cartas de apresentação da Universidade de Waterloo, Ontário, que mantém um programa de factibilidade de mercado para inventores, e a impressão de um livro de ensino para música nos EUA com os princípios da sua régua de cálculo, Bertram está confiante que alguém vai se interessar.



 



“Eu gostaria de vender isto a uma firma canadense” diz ele, “mas tenho a impressão de que tenho que ir aos EUA e farei isto se tiver que fazer.”



 



Na reportagemda jornalista O´Connorchama a atenção o fato de, na maior parte do texto, ocupar-se das etapas e dos custos de um processo de patenteamento, deixando de lado maiores esclarecimentos relativos às características da “régua de cálculo” de Bertram e registrando sua preocupação com aspectos comerciais.



 



O que me surpreendeu na entrevista foi ver a foto da “régua de cálculo” do professor Bertram em tudo gêmea daquela criada pelo engenheiro-músico Brasil Eugenio da Rocha Brito e patenteada em São Paulo em 17 de novembro de 1955, intitulada “Ábaco circular musical”.



 



Em poucos dias levei o assunto ao conhecimento de Rocha Brito de quem, em 12 de novembro de 1979, recebi carta, cujo conteúdo é o seguinte:



 



“Como eu estou de mudança, custei para encontrar os dados. Enfim ontem os achei. Estou enviando: a) xerox autenticada do Registro de Patente no Ministério do Trabalho, datada de 17.11.1955. Não houve concessão da patente mas por já ser patente requerida, ela está oficialmente válida e garantida. b) Exemplar do Diário de São Paulo tendo seu artigo (foi dividido na publicação em 2 dias). Pode ficar com esses jornais pois eu os possuo em duplicata (ou triplicata).



 



Agora resta o principal que eu queria e devo lhe esclarecer: quando fiz o registro da patente tomei tal atitude movido por uma espécie de compulsão de isso fazer para ver no que resultaria a coisa. Não me movia, como você bem o sabe, interesse de exploração comercial, mesmo porquanto não achava e não acho que seria um empreendimento rentável, ainda mais no Brasil. O dr. Fileto, da firma Timoneiro, que foi quem cuidou da patente para mim, na época tentou me convencer - havia interesse dele em ‘vender seus serviços’ - a obter registro em alguns outros países além do Brasil: Est. Unidos, Alemanha, França (se não me engano na Europa o registro pode se feito para um grupo de países onde vigora um convênio), etc. Em razão de ficar isto muito dispendioso e por não ver maior necessidade, não aceitei o conselho do dr. Fileto. Não me arrependo de ter agido assim. Sabia que a patente que eu pleiteava era apenas estendida a todo o território nacional, pelo que poderia ser copiada (por exemplo) tranquilamente fora do Brasil.



 



Isto tudo que falei faz parte do campo das digressões, muito genéricas. Falando do caso concreto do ‘albatross’ eu diria que: a) acredito que pudesse ter surgido invenção parecida à minha inclusive sem que o sr. Bertram tivesse conhecimento do meu ábaco. Pelo recorte do jornal dá para enxergar na figura um dispositivo circular com o uso das quintas entremeadas pelas terças, bastante similar ao meu. Porém, não dá para dizer, assim examinando, qual o grau de similaridade. b) pelas razões já expostas, não caberia nenhuma medida de caráter acautelador na área jurídica, etc. c) acho, entretanto, que como você mesmo diz em sua carta “para que se restabeleça a verdade’ seria oportuno escrever ao ‘Ottawa Journal”. Se você aceitar isso (não digo incumbência mas sim ‘trabalho’) creio que, inclusive por você ter participado da divulgação inicial do trabalho publicando o artigo de 1957 no jornal teria condição de esclarecer ao ‘Ottawa Journal’ o fato  de que em 1955 já havia no Brasil o ábaco, com patente requerida oficialmente, com o registro jornalístico de sua existência, etc. Não sei se você sabe que desde 1956 o prof. Koellreutter levou exemplares aos Festivais de Teresópolis e na Europa. Inclusive em 1962, desde a Alemanha, de 1963 a 1967 desde New Dehli, de 1968 em diante de Tokyo, por várias vezes ele me escreveu pedindo enviasse cópias do ábaco para ele e assim eu o fiz, atendendo seu pedido. Assim, não há dúvida de que, sem convencimento de minha parte, há músicos brasileiros, de outros países americanos, europeus, asiáticos (de vários países) que possivelmente não só lidaram com meu ábaco como terão cópias do mesmo. Finalmente, não vejo o caso pelo lado de eu-inventor, na vontade de aproveitar o caso para reclamar glórias. Impessoalmente, fosse o inventor em 1955, Antonio, Pedro ou João, creio que, sem que haja nisso desejo de desmerecer o sr. Bertram que, inclusive pode ter chegado com extrema  lisura à invenção do ‘albatross’, deve ser registrado que já há 24 anos atrás no Brasil alguém fez algo, não sei se menos ou mais elaborado, mas de qualquer modo um dispositivo que ao que me parece é bastante semelhante ao agora surgido.”



 



Como se vê, pelos termos da carta acima, Rocha Brito criou o Ábaco sem preocupações de ordem econômica, forneceu graciosamente exemplares a quem solicitasse mas, mesmo mantendo sua habitual modéstia, não deixou de mencionar a eventual possibilidade de seu invento ter chegado às mãos de músicos de diversos países, inclusive do Canadá.



 



Assim que recebi a correspondência de Rocha Brito, em 28/02/1980 - em aditamento à minha carta de 15 de janeiro anterior -, escrevi outra (foto 5) ao mesmo Redator Chefe do Ottawa Journal, que no primeiro parágrafo encaminhava, em anexo, cópia do artigo Ábaco de Harmonia publicado em São Paulo, em 13 e 14/02/1957, sobre a invenção de Rocha Brito, e cópia do seu Ábaco, uma “régua musical” (fotos 3 e 4), usando a expressão do canadense, na forma de dois discos rotatórios concêntricos. No segundo parágrafo manifestei a esperança de que minha carta anterior fosse publicada – mesmo que parafraseada -, para dar informação exata aos leitores canadenses quanto ao invento de Rocha Brito ser anterior ao de Bertram e para que o ábaco do brasileiro passasse a ser útil - sem custo algum - a professores e alunos de música, interessados em harmonia funcional, o que sempre foi o desejo de Rocha Brito.



 



Com data de 26 de março de 1980 recebi correspondência assinada por John W. Grace, vice-presidente editor-chefe, nos seguintes termos (foto 6):



 



“Você nos esclareceu sobre uma área muito esotérica. Não estou seguro, entretanto, que agora servirá a qualquer propósito fazer referência a um artigo original que apareceu no jornal de outubro passado. O prazo entre o artigo e sua primeira carta_edn1" name="_ednref1" title="">[i]foi a principal razão porque mesmo no interesse da exatidão nós fomos incapazes de superar nossa hesitação em reabrir o assunto. Nossos leitores simplesmente não lembrariam.



 



Estou, naturalmente, passando toda sua contribuição à Pauline O´Connor que escreveu o artigo original”.



 



Deixei o Canadá em 1987 e no período que lá passei não tomei conhecimento de publicação do “albatross” do professor Bertram quer no Canadá quer nos EUA ou em outro país no qual tenha sido providenciada a patente. Em contrapartida, o Ábaco de Rocha Brito, depois de transcorridos 25 anos desde a sua criação, passou a figurar como anexo ao livro Harmonia Funcional – Introdução à Teoria das Funções Harmônicas, de H. J. Koellreutter_edn2" name="_ednref2" title="">[ii], publicado em 1980 pela Ricordi Brasileira, onde as seis páginas e meia finais (65 a 71) são dedicadas ao capítulo Modo de Operar o Ábaco, texto do próprio Rocha Brito. É indispensável registrar que a editora brasileira detinha os direitos sobre o Ábaco de Rocha Brito, desde 1978, conforme consta do verso do mesmo: “Copyright 1978 by Ricordi Brasileira S.A.E. C. São Paulo. All rights reserved - International copyright secured - Printed in Brazil”. Esta providência já era realidade um ano antes de terminadas as tratativas entre Bertram e a agência Hirons, Rogerns & Scoot, de Toronto e a entrevista da jornalista Paulina O´Connor afirmar que “o agente de patentes Robert Hirons” na sua “novelesca busca” não ter encontrado “nenhuma invenção parecida patenteada”.



 



Rocha Britosempre considerou um prêmio ser convidado por seu mestre e amigo H. J. Koelrreuter a incluir seu ábaco no livro Harmonia Funcional, no qual foi também colaborador. Quando a editora Recordi Brasileira publicou esta obra e chamou a si os direitos autorais a patente requerida por Rocha Brito continuava em vigor; a editora não lhe fez qualquer oferta de pagamento e ele tão pouco fez alguma reclamação. Rocha Brito sempre deixou as portas abertas ao uso do seu ábaco e sentiu-se honrado ao ver sua invenção ser divulgada no exterior por seu mestre. Em recente mensagem_edn3" name="_ednref3" title="">[iii] Rocha Brito declara: “Apenas ocorre que sempre me voltei para a música como uma paixão, enquanto via na profissão de engenheiro, graduado em dezembro de 1953 na Poli/USP_edn4" name="_ednref4" title="">[iv], também uma paixão mas necessariamente também meu ‘ganha-pão’, sempre exercendo minha profissão de um modo ético.”   



 



Cumpre ainda observar que na foto na qual Bertram aparece exibindo seu invento não é possível ver com clareza o que dele consta, ao passo que no primeiro dos dois artigos que publiquei em 1957, Rocha Brito permitiu a ilustração do mesmo com reprodução clara do seu ábaco. No Canadá o assunto foi acolhido na seção Bussines do Ottawa Journal, ao passo que no Brasil mereceu espaço na coluna Música do jornal Diário de São Paulo.



 



Finalmente,algo que sempre chamou minha atenção foi o fato do vice-presidente editor-chefedo Ottawa Journal considerar “esotérico” o assunto objeto da reportagem e de minha correspondência, assunto que certamente não constava da pauta de seus conhecimentos.



 



 




 






_ednref1" name="_edn1" title="">[i]Nos anos 1980 a correspondência na ida e volta nos trajetos Ottawa-São Paulo-Ottawa, era muito demorada, pois a entrega em Ottawa dependia do centro de triagem em Toronto onde era notório o acúmulo de correspondência e encomendas.





_ednref2" name="_edn2" title="">[ii]Compositor, regente, flautista e diretor da Escola Livre de Música da Pró-Arte, em São Paulo, professor de gerações de músicos brasileiros.





_ednref3" name="_edn3" title="">[iii]Mensagem por e-mail de 06/10/2011.





_ednref4" name="_edn4" title="">[iv]Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.




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