" Imperceptivelmente "
Parafraseando o escritor Mário de Andrade: "Tanto andam agora preocupados em definir o conto que não sei bem se o que vou contar é conto ou não..."
Fulano sempre bebeu, sempre fumou, nunca se apaixonou, nunca chorou, nunca orou.
Sempre foi incapaz de protagonizar grandes tragédias, de transmitir algum sentimento carinhoso ou rancoroso.
Leu os livros precários, viu os filmes banais, ouviu as músicas da moda...
A fulano era impossível escolher algo que envolvesse tomar uma decisão e, por isso, aceitava passivamente as sugestões de pastas de dente e de candidatos a cargos públicos.
Jamais levantou a voz ou os olhos. Gestos contundentes não os fez, usou óculos redondinhos a vida inteira e fugiu do uso das gravatas.
Não sonhou, não ousou, não se exasperou e nem se decepcionou. Comemorou Natal com champanha (palavra brasileira) popular, vestiu roupa branca no Ano Novo , acendeu velas na praia e cultivou tolas superstições .
Conservou sua fleuma até a hora de morrer. E ela foi fria, insípida, sem dor, sem saudade, comum e sem sofrer, tal como fulano. Só teve uma capacidade fulano: a de atravessar a vida desde seu intróito até a peroração imperceptivelmente, não deixando amores, nem saudade e nem qualquer sensação de vitória ou de perda!
* Crónica que integra o próximo livro do jornalista, escritor e poeta, João Ribeiro Neto, intitulado "A Vida é Bela - Para Quem? "
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