Um contista, Conscientemente Regional
Eduardo Campos
A imaginação exuberante e talentosa do escritor de vocação telúrica, que escreveu este livro , faz com que o leitor transite quase sempre por um vigoroso texto literário de inegável invenção ficcional, onde em tudo , afortunadamente , esplendem as manifestações do nosso folclore mais vivenciados pelo povo humilde, simples, supersticioso e humano, marca inconfundível de nossa brasilidade.
O próprio desenho das histórias, sob inspirada caracterização regional, aponta para o folclorista que está em Moura Lima, e em decorrência dessa circunstância ganha o autor, e muito mais ganha o leitor que, por esses dias infelizmente instado a desafeiçoar-se de seu lastro cívico pelos meios de comunicação (de permanente insolidarismo ao passado), vê-se ao longo dessas páginas contemplado com narrações que resgatam o que verdadeiramente somos no sentido mais puro de nossos recursos ambientais (para não dizer regionais) e de memória tradicional.
Em Veredão , livro de histórias contadas com acerto literário, descobrimos um narrador de estilo muito pessoal (e agradável ) , com marca própria de se transmitir aos outros , não de raro a criar frases realmente saborosas qual neste exemplo:
Noite de orações e de cheiros de velas queimando, na magia do debulhar das contas dos rosários . E também: Os cascos da mulona batiam em batuques profundos , na estrada encharcada das derradeiras chuvas, jogando barro pra cima.
E em outra passagem - para não mencionar tantas -, não menor a maneira elegante para descrever a presença da natureza de sítios que lhe são caros: No rebordo da serra do Sino , que se ergue a enrodilhar a espessura fechada da mata, crescendo em ruídos, fragoejando sempre, nasce o ribeirão Caveira.
Nesse teatro de cenas inesperadas , e muitas vezes - por que não dizer? - insólitas, nas quais a paisagem é fundamental para o curso das histórias , dão ingresso ora para apaziguar, ora para desesperar , os verdadeiros donos do ecúmeno circundante , personagens que surgem a um repente de rumorosas águas, ou andam à noite, às escondidas , como convém a duendes , sob o agasalho da mata; assim e assim o Romãozinho , o Caipora, o Pé-de-Garrafa, e mais ainda o Curupira. Desses o de embaixada especial de proteção aos animais ; outro, ou outros, de acudirem às árvores inseridas numa paisagem tão bem rememorada, que é convite para nos metermos nela, ainda que o Romãozinho esteja à nossa espreita...
Contista à sua maneira, conscientemente regional , num país onde cada vez mais ficamos distantes do que é nosso.
Assumidamente regional, e por isso mesmo merecedor de meus mais sinceros aplausos.
*Eduardo Campos, festejado escritor brasileiro e folclorista , autor das obras: Folclore do Nordeste , Medicina Popular, Gustavo Barroso: sol, mar e sertão (estudos literários). No conto, alguns trabalhos de sua autoria foram, inserido em antologias internacionais , sendo uma delas em alemão .
Ex-presidente da Academia Cearense de Letras.
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