Estavamos a vinte dias do Natal. Eu desempregado. Sem dinheiro e sem perspectivas de o ter no bolso. Minha filha aproximou-se e abaixou um livro que eu lia sem cerimonia e solenemente apontou a TV.
-Je, eu quelo a boneca cosquinha!
-Filha o papai vai comprar, mas nao agora. - e para o cumulo da minha paciencia, ela arrematou:
-Je, eu quelo a boneca Cosquinha e o calinho da boneca.
Isto foi solicitado ja´ com lagrimas que tentei sustar, dizendo:
-Filha, o papai ja´ lhe falou que vai comprar uma boneca que nao ri, nem chora, mas e´ bonitinha igual a voce!
-Nao quelo - retrucou a pequerrucha - so´ quelo a Cosquinha e o Calinho da Boneca.
Aquilo me aborrecia porque a realidade projetava uma impossibilidade material de atender minha filha, embora segurasse nas maos uma outra realidade impalpavel e inadmissivel para mim, naqueles idos tempos: a materializaçao de tudo aquilo que necessitamos, atraves do poder da mente. Atraves do poder da fe´. E ja´ fazia algum tempo que a menina vinha me pedindo a tal boneca insistentemente, desde que iniciaram os festivais de comerciais natalinos pela TV.
De repente e pela primeira vez na minha vida tive a ideia de usar os conhecimentos ate´ entao adquiridos atraves do livro que relia pela terceira ou quarta vez, numa experiencia com minha filha. Eu nao acreditava muito, mas queria acreditar. Precisava acreditar. E para isso precisava testar. Necessitava de uma prova experimental para me dar ao luxo de ter fe´, o velho problema da humanidade.
-Por que nao? - pensei e sem muita delonga chamei a chiquitita, minha filha, que ja´ se afastava chorosa. E entao lhe disse com todas as palavras absorvidas daquele conhecimento:
-Filha, voce quer so´ a boneca Cosquinha e o Carrinho da Boneca, ne´?
-E´. - respondeu meio desconfiada e quase sorrindo.
-Entao voce vai ganhar no Natal do Papai do ceu. - disse-lhe num tom convincente.
A menina bateu palmas em alegria incontida, sorrindo satisfeita.
-Mas, tem uma coisa - fui dizendo, tomando-a nos braços e aconchegando-a no colo, - voce devera´ todos os dias ate´ o natal dizer para o Papai do ceu tres vezes quando for dormir `a noite e mais tres vezes quando levantar-se pela manha: "O PAPAI DO CEU VAI ME DAR A BONECA COSQUINHA E O CARRINHO DA BONECA NO NATAL. MUITO OBRIGADA PAPAI DO CEU".
A instruçao partiu de chofre e tive o cuidado de ser o mais simples possivel. Nao que eu sabia dessas coisas, mas porque tratava-se de uma criança de tres anos e eu nao podia complicar tanto a pequena oraçao. Havia tambem a esperança de que ela esquecesse com o tempo da tal boneca, iludida provavelmente por outros brinquedos ao alcance do meu parco bolso.
O inevitavel, no entanto, foi acontecendo. Minha filha passou a dizer a pequena oraçao tres vezes antes de dormir e tres vezes ao acordar pela manha. Fiquei assustado. Mas, acabei por levar aquilo como brincadeira. Ainda moço, nos meus trinta anos, nao podia compreender os misterios que envolvem a presença do homem na Terra e fora dela.
Uma noite, minha filha acordou a mim e a minha esposa, para nos lembrar de que nao havia dito a oraçao antes de dormir. E, (jamais me esquecerei daquela cena), ajoelhada dentro do berço, pos as maos justapostas e recitou tres vezes a prece petitoria, numa emoçao que me calou fundo.
Daquele dia em diante a preocupaçao apossou-se de mim. Ja´ havia realizado alguns negocios. Porem, o Natal se aproximava numa reta final avassaladora. Nao havia mercadoria tao vendavel como as apregoadas pelo comercio estabelecido. E um simples camelo como eu nao tinha muita opçao de ganho.
...continua amanha com o titulo de "SURGE UMA OPORTUNIDADE".