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Ensaios-->A MEDIDA DO PERSONAGEM -- 20/06/2003 - 23:46 (Wilson Coêlho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


“Tais obras são como espelhos;se um
macaco olhar para dentro delas,
nunca poderá ver um apóstolo.”
Lichtenberg

Se é que se faz necessário estabelecer um gênero, pode-se afirmar, sem medo de errar que A MEDIDA DE TODAS AS COISAS, de Marco Berger, é um livro de contos, pois – conforme especialistas, o conto tem uma narrativa curta e pode-se dizer que tem início, meio e fim. Mas e se eu quiser que seja um romance? Entre outras coisas, o romance – ainda de acordo com os alfarrábios – apresenta uma pluralidade de conflitos, ações, episódios e personagens para representar o horizonte da condição humana. Assim vejo a obra de Berger. Talvez seja a influência da filosofia entendida pela sua característica de se colocar diante das coisas levando em conta o conjunto. O tema cabe bem neste argumento, considerando que a filosofia – apesar de vivermos numa sociedade repleta de servos – não serve para nada.
Assim devem ser lidos os contos de Berger: não servem para nada! Mas não servir para nada é não ser tomado como algo utilitário, como um objeto a serviço de alguma coisa, ou seja, é estar à paisana, ao contrário do servus, um exercício do líber. (Só estou esnobando o latim, apesar da consulta apressada e de roda-pé). Voltando a vaca fria, não significa que o autor manuseie a superficialidade, muito pelo contrário, ele toma a palavra como um oleiro lida com a argila. Algum escritor esperto afirmou um dia que o homem diante do barro tem duas possibilidades: fazer um deus ou uma vasilha. Berger optou pela primeira, mas trata-se de um deus que se dá para ser desmitificado. Não é por acaso que seu primeiro conto se intitula “SALMO 58”. A bíblia dos servos também serve para isso: a dissimulação. Apesar de ter me lembrado do Poema em Linha Reta, de Fernando Pessoa, de certa forma este conto denuncia a rotineira prática do cristão em justificar as suas ações a partir do não-ser. É como o carrasco no momento da tortura dizendo: - “não tenho nada contra você, aliás, até lhe admiro, mas infelizmente você caiu no meu plantão”. Mas não se resume numa doutrina, pois – ao mesmo tempo – podemos nos recordar de Marquês de Sade que, ao se defender da acusação de que sua escrita é responsável pela sacanagem do mundo, afirma que não se pode culpar a bíblia pelos que – na tentativa de andar sobre as águas e, principalmente, por não saberem o caminho das pedras – morrem afogados.
No caso de “A BALADA DO IRON MAN”, alguma coisa muda de figura. É dizer que – mesmo na inspiração protagórica de que “todos os nossos conhecimentos se originam das sensações” – há que se rever o significado do que é a sensação, considerando a qualidade daquilo que é sentido. Daí o autor coloca a angústia quase nua, numa passarela. Mas não se trata de um desfile com a mera finalidade de exposição de órgãos. É um corredor da morte que vai se estreitando e destila pelas laterais a fina ironia, a crítica. A trajetória do personagem é um projeto existencialista, como uma finalidade, não com a idéia de um fim em si mesmo, mas como um artifício ou mentira para justificar o meio. Embora esteja coçando os dedos para me adentrar em cada um dos contos, não quero me ater a esses detalhes, primeiro, porque não teria espaço nesse pequeno texto e, depois, porque agora me interesso pela unidade que o trabalho representa.
Voltando à irrelevante dúvida sobre o gênero de A MEDIDA DE TODAS AS COISAS, insisto em fazer algumas observações. Não quero provar nada, mas me simpatizo com a idéia do romance. Até porque necessito de um pretexto para seguir escrevendo sem dar muita bandeira. Vamos nessa! Primeiramente, podemos observar que o livro se divide em 13 contos, aparentemente, todos distintos e independentes. Distintos pelos temas abordados e independentes porque nenhum deles necessita do outro para ganhar um significado ou garantir uma continuação. Mas o que quero apontar é que em meio a essa diversidade há algo que – mesmo às vezes quase invisível – estabelece uma unidade. Esse algo a que me refiro é um personagem, embora nem sempre ele protagonize a história. Esse “bom canalha ético” só representa o papel principal quando lhe convém, em prol da obra como um todo, para compor uma idéia porque o livro diz respeito à MEDIDA de todas as coisas e não às MEDIDAS de todas as coisas, ou seja, as coisas são tantas, mas todas determinadas por um instrumento de medição, uma forma de olhar. Quanto ao personagem em questão, quase sempre é o protagonista, exceto, em “O MULTIMÍDIA”, quando interpreta o empregado de Bob Draxon; “AMOR À PRIMEIRA VISTA”, encarnando o dublê de jogador e objeto “vítima” do homossexual; “HISTÓRIAS INÚTEIS: OS KUNSTHANDWERKER”, representando o filho Hans e, enfim , em “ARQUEOLOGIA”, na pele do atencioso garçom. É dizer que, tal qual Leopold Bloom, do texto ULISSES de James Joyce, percorre toda a Dublin em busca de sua integridade perdida, o personagem de Berger vasculha o universo da angústia em busca de si mesmo. Esse universo da angústia só varia na exterioridade, ou seja, pode ser uma roda de capoeira, uma cama, um pasto, um restaurante, o interior de um veículo, etc. E como eu dizia, esse personagem permanece, mesmo que não seja o protagonista, mesmo que apareça apenas como uma testemunha, feito um mero conviva no banquete dos angustiados e, talvez, como um agente secreto espionando por cima dos ombros do autor.
Mas ele também tem vida própria, além das aparências, como sugere “CARMEM E O LEÃO” (já vou eu me escorregando e quase me envolvendo com os detalhes). Num certo sentido, existe aí uma passagem pelo absurdo, ou seja, o uso excessivo da palavra para dizer que a palavra não diz nada. Essa linguagem, embora com outra roupagem e fria como o aço da navalha, continua em “HISTÓRIAS INÚTEIS: OS KUNSTHANDWERKER”. Nesse momento, a palavra cumpre apenas com o seu papel simbólico, quase caindo no precipício da psicologia das necessidades e das emoções, mas por detrás da palavra existe o que é, onde a própria medida experimenta o gosto do incomensurável. A princípio, uma divagação provocada pelo título “LADO B”, me lembrou o maluco Big Boy, abrindo seu antigo programa na madrugada da Rádio Mundial: - “Esse é o lado A do disco, não, é o B, ah!, sei lá!” Um título sugestivo para a dialética, ou seja, o lado A pode ser diferente do lado B, mas eles somente se contradizem porque são lados da mesma coisa. Daí, o homem lado A e o homem lado B se digladiam como presas frágeis nas armadilhas da aporia. E ainda podemos pegar uma carona em como Hamlet, personagem de Shakespeare: - “Ser ou não ser, eis a questão! Será mais nobre para o espírito sofrer dardos e setas com que o destino enfurecido nos alveja, ou insurgir-nos contra um mar de calamidades e nelas pôr-lhes fim, resistindo?”
Também acredito que o título veio a calhar: A MEDIDA DE TODAS AS COISAS. Os contos de Berger – no que tange a forma e o domínio da técnica – desdobram a medida como precisão de todas as coisas e todas as coisas se medem, se mensuram, a partir daquilo que é valorado, no seu estado cru e, mesmo onde existe a representação, fica bem claro que se trata de uma metáfora, ou seja, uma alegoria para dizer daquilo que entendemos simplesmente porque inventamos uma forma de tentarmos entender o que dizemos. Por outro lado, a medida se torna referência para afirmar a impossibilidade de medir o que não se mede: a poesia. Nesse sentido, a importância dessa obra se dá justamente na capacidade do autor em colocar diante de nós o que é comum para que possamos perceber o quanto existe de inusitado nas entranhas do que é meramente aceito como o cotidiano. Contrariando o proverbial e bon vivant Salomão, o autor quer dizer que, além da idéia de que o mesmo sol nasce todos os dias, a forma de o sol nascer é muito mais viva e presente a partir daquele que vê e interpreta o nascimento. O olhar é a verdade em perspectiva e... sob medida.
Wilson Coêlho é escritor, dramaturgo, poeta e professor de Filosofia e Ciência Política
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