eu tenho um grito cultivado
mudo; não fala, não canta
nem pode ser chorado
o grito de amor velado
feito todo traição
espeta punhal afiado
coração que covarde espanta
e abandona a sua sorte
o grito que condenado
não merece pena de morte
sua, sofre e se contorce
na masmorra eterna da garganta
Eu percebi que estava escorrendo pelas lágrimas dela quando a dúvida inundou suas palavras já tremulas. Por causa daquela voz semicortada por soluços, perdi a firmeza da minha que sem formulas previamente deduzidas e incapaz de supor alternativas razoáveis que esclarecessem aquela situação constrangedora fui resumindo minhas atitudes e atirei meu corpo em frangalhos no sofá da sala. Eu suava, sentia um pouco de taquicardia, e tinha uma profunda angústia que aos poucos foi aprofundando meu silêncio; enquanto ela falava, chorava e ao mesmo tempo me olhava aguardando impaciente algum gesto ou frase que ocupasse aquele nosso vazio sufocante; no entanto, ela sabia improvável, não, improvável não, ela estava completamente convencida de que aquele ato ou palavra nunca iria acontecer. Simplesmente continuava esperando e preenchendo o tempo com os seus e as suas. Era uma madrugada fria e eu acabava de chegar em casa com a roupa úmida, cansado e exalando um perfume miserável que ao aguçado faro de mulher resumia um ato fatídico de indubitável covardia e traição. Eu a amava. Ela me amava. Puxa vida ! Pensei comigo: será possível compatibilizar um dia emoção e sensibilidade !