Hamilton Lima
O veículo parou bruscamente. Metade dos passageiros caiu sobre o piso sujo do ónibus, transformado em lixo por uma multidão de farofeiros empregados na fábrica de uniformes.
A culpa foi de uma vaca, que sem instrução nas escolinhas do Detran, desafiou o trànsito da Régis Bittencourt(rodovia que liga Curitiba a São Paulo).
O bicho com cara de besta continuou a ruminar na pista após o susto do motorista, que teve seu raibã novo de cameló quebrado, além de pequeno ferimento sobre o nariz, mas sem risco.
No meio do ónibus um casal entusiasmado caiu seminu, para delírio dos companheiros de viagem.
Entre feridos e bêbados sujos de farofa, um teve destaque, por que começou a passar mal.
Foi o véio Cráudio, vigia da fábrica, que engoliu a dentadura no susto. O nome era Cráudio mesmo, culpa do homem do cartório, que não sabia escrever sem ser fiel ao vocabulário no interior de Minas Gerais, lá em Paraopeba.
Cráudio engasgou e ficou roxo, quase matando os colegas com o acidente. Para sorte do homem, uma estagiária de odontologia estava de flerte com o encarregado de almoxarifado e socorreu o pobre, tirando a peça da garganta a tempo de evitar o pior.
A jovem tirou a peça e ganhou um beijo de agradecimento do homem, que ainda elogiou a presença da moça graças à sua santa protetora, Nossa Senhora de Lourdes.
Beijou a jovem e sentou na poltrona, para tomar um ar. Todos suspiraram, decidiram carnear a vaca bisonha e fizeram um churrasco farto numa clareira de mata atlàntica que oferecia espaço para abrigar o ónibus de farofeiros.
O responsável pelo almorarifado bebeu demais e esqueceu da dentista, que foi ter com o velho Cráudio a fim de saber se estava tudo bem.
Pegou o véio a escovar a peça, uma reluzente dentadura pré-fabricada de Santa Catarina, e puxou conversa mais tempo. Muito tempo, suficiente para se interessar pelo gajo.
Cráudio sapecou mais um beijo no rosto da moça para agradecer. Ela retribuiu na boca e a história ganhou corpo, terminando numa agradável tarde de amor.
Cráudio ficou com a namorada do amigo, que mais tarde eliminou a dentadura modelo 56, trocando-a por uma prótese de porcelana, presente da moça para melhorar o sorriso do amante. A vaca foi digerida para felicidade geral da nação, menos o almoxarife-chefe, que ficou com a cabeça galhada.
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