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Ensaios-->Sobre "Os Fuzis Da Senhora Carrar". -- 05/11/2003 - 02:50 (Márcio Scheel) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Há quem acredite que para se apreciar a oba de determinados autores, o público tem de, necessariamente, participar intelectualmente dessa mesma obra, ainda mais quando se trata da produção artística de autores que se deixaram marcar profundamente por preocupações não só de ordem estética, mas também político-ideológica, como é o caso da obra do dramaturgo alemão Bertolt Brecht, que entraria para a história como o dramaturgo que buscou, por meio de todas as forças criativas da estética dramática, concebe um teatro épico, grandioso, em que os conflitos humanos transparecessem sob a luz perturbadora dos conflitos de classes.
Mas antes de qualquer coisa, talvez seja necessário contextualizar a vida desse que foi o maior e mais conhecido dramaturgo alemão do século XX, isso se quisermos compreender sua obra e sua proposta artística, seu ideário estético, seu teatro épico-didático, feito para a conscientização das massas, para o despertar do povo. Brecht faz parte da nova literatura que se inaugurara com a proclamação da República de Weimar. Formou sua Weltanschauung, sua visão de mundo, a partir dos anos decisivos do início do século XX, entre 1914 e 1918. E os anos de guerra marcaram decisivamente sua obra.
Bertolt Brecht tem uma história peculiar e um tanto comum se considerarmos que fez parte de um grupo de autores, como Ernest Hemingway, Erich Maria Remarque e Louis Ferdinand Céline, marcados pela dura experiência da guerra, de estar no olho do furacão, no centro do conflito. Brecht nasceu no ano de 1898 e, com menos de vinte anos, alistou-se como voluntário na 1ª Guerra Mundial, deixando os estudos de medicina para servir como enfermeiro no conflito. E esse período significou dez milhões de vidas, cinco anos de conflito, nações em crise econômica, política e social, desestabilização, famílias destruídas, um longo processo de reconstrução. Além de proibições, interdições e, principalmente, a urgência em reconquistar os ideais, os valores e a humanidade perdida com a guerra. Anos depois da ascensão de Hitler ao poder, em 1933, e da consolidação do regime nazista, Brecht exila-se em países europeus antinazistas e nos Estados Unidos.
Mas para o dramaturgo alemão, de formação marxista, a vida nos E.U.A. não seria nada simples também: acusado de atividades antiamericanas durante o macarthismo, foi obrigado a voltar à Alemanha, onde fundou, em Berlim Oriental, o teatro Berliner Ensemble. Isso tudo porque Brecht imaginava que o teatro deveria servir como instrumento de transformação social e de reflexão crítica do espectador, daí sua teoria do teatro épico opor-se tão drasticamente às práticas do teatro dramático.
Brecht preocupou-se muito com a guerra e fez dela pano de fundo de muitas de suas obras, ainda que nunca se referindo diretamente aos conflitos que viveram. Deixou-se marcar por ela profundamente em obras como Os fuzis da Sra. Carrar (1937), por exemplo, que trata da guerra civil espanhola, do conflito entre pacifistas e soldados, entre homens comuns e revolucionários anti-franquistas.
Assim, Brecht, marxista, preocupa-se com a dimensão social do homem, com a criação de um teatro capaz de infundir no público uma forte reação crítica, reação despertada por meio da tomada de consciência da realidade histórica, da relação que o homem estabelece com o processo histórico - é o materialismo dialético a ganhar importância e destaque no projeto artístico-ideológico do dramaturgo alemão. Albert Bettex, no livro História da Literatura Alemã, afirma:

Depois de 1924, começou Brecht a devotar-se ao marxismo. A partir de então, consagrou-se à tarefa de contribuir para a transformação revolucionária do mundo com o instrumento de seu drama, magistralmente manejado, de caráter antiiluminista, a derrubar tradições tanto clássicas quanto naturalistas. Suas peças tornaram-se parábolas dramáticas, destinadas a discutir teses morais no sentido marxista, e a arrancar o espectador de sua indolência de pensamento e consciência (teatro épico), graças aos chamados ‘efeitos de estranhamento’, i.e., com perguntas diretas do palco para o público, com frases fundamentais escritas sobre cartazes, e mudanças de cenário em cena aberta. (p.440)

A proposta de Brecht com relação ao seu teatro é a de criar uma obra essencialmente didática, mas não no sentido pedagógico. Uma obra capaz de educar as massas, mas uma educação, é justo pensar, ideológica, política, sociológica e histórica. As peças de Brecht, das quais Os fuzis da Senhora Carrar são um exemplo, não exigem, necessariamente, do espectador uma participação intelectual definida. Ao contrário, a proposta do teatro brechtiano é justamente a de contribuir para a formação intelectual desse mesmo espectador, demonstrando-lhe a realidade de acordo com os processos, conceitos e formas de abordagem tomadas pelo autor à sociologia, ao marxismo, à economia e ao materialismo histórico.
As atrocidades e os terrores da guerra, o sacrifício humano, a barbárie de toda uma geração entregue à miséria e à morte nos campos de batalha, ou na vida mesma, diária e cotidiana, uma geração que sequer é capaz de compreender a realidade grotesca da qual faz parte, em que está inserida e sobre a qual, não percebe, atua diretamente ou serve de forma subserviente, tudo isso é descrito com um realismo invejável na obra dramática de Brecht, obra que assume, muitas vezes, um tom de denúncia e agravo contra os desmandos e os absurdos amorais de que se revestem os conflitos descritos, sejam eles bélicos ou sociais.
Não há romantismo ou heroísmo em Os fuzis da Senhora Carrar. Há uma espécie de asco, de nojo calculado, de raiva cega contra a estupidez do homem no mundo, uma visão mordaz e clínica dos exageros da guerra, dos traumas ocasionados por ela, das dificuldades em tomar partido, em participar de uma realidade desgastante e corrosiva, angustiante mesma. É o mundo que se desintegra lentamente. É o homem que já não pode fazer frente a si mesmo, entregue, abandonado, miserável e patético: a impotência sempre rediviva.
A peça de Brecht tem como preocupação maior demonstrar que situações de conflito coletivo, como foi a guerra civil espanhola, como foi a Primeira Guerra Mundial, desumanizam as pessoas, minam a capacidade humana de transcender sua desigualdade, de vencer suas diferenças, de ensaiar um mundo justo, que nenhum véu encubra, levando os homens a um abismo moral sem precedentes ou justificativas, como o mesmo Brecht demonstraria, anos mais tarde, com uma outra peça determinante em sua carreira: Mãe Coragem.
Dessa forma, o público de Brecht não precisa ser um leitor dedicado e atencioso de todas as teorias sociológicas ou filosóficas da época para compreender o mundo e a sociedade em que vivia, bastava direcionar-se a um espetáculo do autor e se deparar, clara e precisamente, com sua auto-imagem projetada sobre os palcos, com a realidade transfigurada em motivos cênicos, ainda que, na maioria dos casos, Brecht não deixasse transparecer, graças ao recurso do distanciamento narrativo, que se referia ao mesmo público ali presente, à mesma realidade de todos os dias, aos mesmos dramas, misérias, desesperos e frustrações de que se compõem mesmo o mais inocente de todos os públicos.
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