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Ensaios-->Uma Visão De Octávio Paz -- 05/11/2003 - 03:01 (Márcio Scheel) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Sobre o Primeiro Capítulo de O Arco e a Lira, de Octávio Paz.

Octávio Paz é mesmo um crítico literário insuperável. Já no primeiro parágrafo de seu O Arco e a Lira encontramos várias definições de poesia que se sobrepõem e que compreendem as tentativas de caracterizar a poesia desde a Antigüidade até os nossos dias. Impossível comentar esse parágrafo sem cairmos na paráfrase ao arriscar o mesmo tom poético do crítico, ou matar o texto a tentar comentá-lo tecnicamente. Tudo já foi dito pelo crítico mexicano.
Poesia é mesmo “conhecimento, salvação, poder, abandono”, é o rompimento, a explosão da vida e uma preparação para a morte. A redenção humana através dessa arte ancestral que busca a essência primeira das coisas: do homem, do mundo, da realidade concreta, do sonho diáfano e etéreo ou, se preferirmos, poesia é a arte de passar a vida à limpo, de conhecer-se para além dos próprios limites. E o poema é o meio pelo qual essa arte fixa-se no tempo, no espaço, no universo de coisas, pessoas e objetos. “Analogia: o poema é um caracol onde ressoa a música do mundo, e métricas e rimas são apenas correspondências, ecos, da harmonia universal”.
O mesmo Paz afirmou um dia que a Poesia é um jantar sozinho, justamente por ser um ato de criação que envolve um único sujeito e que não se encaixa às leis de mercado, de oferta e de procura. Poesia não é comercializável, não pode ser negociada, não dá lucro. Esse é o jantar sozinho. Paz sabe que o poeta é sempre uma espécie de renegado, que sua arte tem um grande poder de amplitude, mas contraria as leis mais básicas de mercado. O poeta não permite nunca ser objeto de qualquer negociação. Daí: “Voz do povo, língua dos escolhidos, palavra do solitário. Pura e impura, sagrada e maldita, popular e minoritária, coletiva e pessoal, nua e vestida, falada, pintada, escrita, ostenta todas as faces embora exista quem afirme que não tem nenhuma: o poema é uma máscara que oculta o vazio, bela prova da supérflua grandeza de toda a obra humana!”.
A poesia é indefinível. Paz não procura fixar limites precisos ou exatos para essa arte que remota aos épicos hindus do Mahabarata, à Ilíada e à Odisséia, de Homero, e que atravessa os séculos em revolução constante, assumindo de épocas em épocas a face mais condizente com seu tempo e com a imortalidade digna de toda a grande arte.
A poesia é a designação artística, o impulso, o desejo, a vontade, a definição genérica de uma arte de construir universos em versos, e o poema é a forma, o meio, o caminho como essa arte pode acontecer, pode chegar à superfície do homem, pode brotar-lhe à flor da pele: “O poema não é uma forma literária, mas o lugar de encontro entre a poesia e o homem. O poema é um organismo verbal que contém, suscita ou emite poesia. Forma e substância são a mesma coisa”.
Então, uma das questões centrais para Octávio Paz é: “Como nos apoderarmos da poesia se cada poema se mostra como algo diferente e irredutível?” E continua: “A ciência da literatura pretende reduzir a gêneros a vertiginosa pluralidade do poema”. E fala da insuficiência dessa pretensão, porque se a crítica e a teoria da literatura reduzem a poesia a umas tantas forma definitivas, deixam de fora algumas obras em prosa, por exemplo, que se aproximam mesmo da essência da poesia, mas se aceitam todas as exceções, acabam com uma infinita lista de categorias e tipos. Parece mesmo não haver solução, por isso o crítico afirma: “Classificar não é entender. E menos ainda compreender. Como todas as classificações, as nomenclaturas são instrumentos de trabalho. No entanto, são instrumentos que se tornam inúteis quando queremos empregá-los para tarefas mais sutis do que a simples ordenação externa. Grande parte da crítica consiste apenas nessa ingênua e abusiva aplicação das nomenclaturas tradicionais.”
Por isso o mexicano não faz caso em criar uma obra crítica que se fundamenta nos mesmos princípios de qualquer criação poética. Nos fundamentos mais íntimos da poesia. O discurso de Paz é altamente poético, metaforizado, ritmado e imagético, falando através de abstrações, como quem busca o cerne primeiro da essência poética, por isso não se fixa em correntes críticas, por isso não chega a ser formalista, estruturalista, desconstrucionista ou qualquer coisa que seja. Paz domina um tipo de discurso crítico que é cada uma das correntes da crítica e não é nenhuma, porque tem a ousadia de ser, em primeiro lugar, poeta. Daí a julgar ingênua e abusiva a aplicação das nomenclaturas tradicionais de que se vale a crítica.
As várias nomenclaturas, é preciso dizer, também não convencem o mexicano: “A dispersão da poesia em mil formas heterogêneas poderia nos levar a construir um tipo ideal de poema. O resultado seria um monstro ou um fantasma. A poesia não é a soma de todos os poemas. Por si mesma, cada criação poética é uma unidade auto-suficiente. A parte é o todo. Cada poema é único, irredutível e irrepetível”. E esse é mais um achado de Octávio Paz: impossível definir a poesia como a soma de todos os poemas, se cada poema depende das opções particulares de cada poeta. O poema é um universo de signos que estabelecem sempre uma determinada relação de sentido, ou seja, um poema depende sempre, em última análise, das escolhas mais íntimas de cada poeta: ”A única característica comum a todos os poemas consiste em serem obras, produtos humanos, como os quadros dos pintores e as cadeiras dos carpinteiros. No entanto, os poemas são obras de um feitio muito estranho: não há entre um e outro a relação de parentesco que de modo tão palpável se verifica com os instrumentos de trabalho.”
E se o poema depende das escolhas particulares do poeta, a poesia não poderia nunca chegar mesmo a ser a soma de todos os poemas. Enquanto escolhas particulares, o poema está sempre condicionado à estilos próprios, a determinadas técnicas poéticas. Não basta apenas escrever em versos, é preciso também aprender o duro ofício de poetizar os poemas: “A chamada ‘técnica poética’ não é transmissível porque não é feita de receitas, ma de invenções que só servem para seu criador. É verdade que o estilo - compreendido como maneira comum de um grupo de artistas ou de uma época - confina com a técnica, tanto no sentido de herança e transformação, quanto na questão de ser procedimento coletivo.”
Por isso Octávio Paz fala sobre o caráter irrepetível e único do poema. Cada estilo é um estilo, cada obra é uma obra e cada técnica é uma técnica. Depende sempre das escolhas do poeta, de seus conhecimentos, de sua capacidade de ser original, de se distinguir dos demais artistas de seu tempo, de lançar as bases de uma obra que se imortalize justamente pelo poder de transcender o seu tempo, a sua técnica e o seu estilo. Eis o ideal que cria as grandes obras: o desejo mais fundo de buscar a atemporalidade em tudo o que se faz, e “o caráter irrepetível e único do poema é compartilhado por outras obras: quadros, esculturas, sonatas, danças, monumentos. A todas elas é aplicável a distinção entre poema e utensílio, estilo e criação. (...) Uma tela, uma escultura, uma dança são, à sua maneira, poemas. E essa maneira não é muito diferente da do poema feito de palavras. A diversidade das artes não impede sua unidade, ao contrário, destaca-a .”
Fica bastante claro que Paz não defende uma igualdade entre todas as artes em relação à poesia. O que o crítico procura demonstrar é que a mesma força anímica que conduz o poeta opera também no íntimo de todo e qualquer artista, ou seja, há uma vontade de poema, de comunicação poética em toda a grande arte. A diferença fundamental entre a poesia e as demais formas artísticas liga-se única e exclusivamente ao material de se que fazem, do qual são constituídos. A poesia, como já dizemos, opera através dos signos, dos limites e deslimites da linguagem. E a linguagem é o mais diáfano e tênue de todos os materiais artísticos: “As diferenças entre palavra, som e cor fizeram duvidar da unidade essencial das artes. O poema é feito de palavras, seres equívocos que, se são cor e som, também são significado; o quadro e a sonata são compostos e elementos mais simples - formas, notas e cores que em si nada significam. As artes plásticas e sonoras partem da não-significação; o poema, organismo anfíbio, parte da palavra, ser significante.”
O próprio Paz trata de discutir essa diferença fundamental não sem antes reconhecer a sutileza dessa distinção. O crítico sabe que cores e sons também possuem sentidos, mas não sentidos convencionais ou imediatos como os que as palavras possuem. Sons e cores dependem sempre do modo como são organizados no conjunto, ou seja, só criam uma realidade expressiva a partir de associações, no caso da pintura, de cores, tonalidades, perspectivas, no caso da música, de notas, acordes, tempos. O poema também depende da organização do conjunto de palavras para criar uma realidade expressiva, só que cada palavra significa por si mesma, independentemente, do conjunto do qual faz parte e expressa. Essa é a grande diferença.
Quando Octávio Paz fala na unidade da arte, está procurando fixar a idéia de que “tudo é linguagem”. Linguagem expressiva, comunicação artística: “As diferenças entre o idioma falado ou escrito e os outros - plásticos ou musicais - são muito profundas; não tanto, porém, que nos façam esquecer que todos são, essencialmente, linguagem: sistemas expressivos dotados de poder significativo e comunicativo. Pintores, músicos, arquitetos, escultores e outros artistas não usam como materiais de composição elementos radicalmente distintos dos que emprega o poeta. Suas linguagem são diferente, mas são linguagem.”
E mesmo a linguagem tênue e sutil da poesia, a linguagem escrita ou falada, permite ao artista a plasticidade, a criação de imagens que quase que são capazes de figurativização. Basta pensarmos nos hai-kais japoneses, na plasticidade dos versos que figurativizam sempre, lingüisticamente, um tipo qualquer de imagem: desde o ambiente plácido de um lago com peixes até o homem em determinada situação de sua vida. E a tentativas de recuperar uma natureza primeira ou original. “Em suma, o artista não serve de seus instrumentos - pedra, som, cor ou palavra - como o artesão; ao contrário, serve-se deles para que recuperem sua natureza original. Servo da linguagem, qualquer que esta seja, transcende-a . Essa operação paradoxal e contraditória - que será analisada mais adiante - produz a imagem. O artista é criador de imagens: poeta.”
E a poesia é, antes de tudo, uma aventura e uma experiência. O poema, um meio: “Objeto magnético, secreto lugar de encontro de forças contrárias, graças ao poema podemos chegar à experiência poética. O poema é uma possibilidade aberta a todos os homens, qualquer que seja seu temperamento, seu ânimo ou sua disposição. No entanto, o poema não é senão isto: possibilidade, algo que só se anima ao contato de um leitor ou de um ouvinte.”
Assim, a experiência é fundamental para a criação poética, para a realização artística, para a constituição expressiva do poema. E a experiência é sempre um transcender da própria experiência, de formas e estilos, de técnicas: “A experiência pode adotar esta ou aquela forma, mas é sempre um ir além de si, um romper os muros temporais, para ser outro. Tal como a criação poética, a experiência do poema se dá na história, é história e, ao mesmo tempo, nega a história.”
A poesia é essa realidade pedagógica, como queria Mario Faustino, é esse universo mágico, incrível, maravilhoso e único como deseja Octávio Paz. A poesia é a descoberta de nós mesmos através do outro; o outro poético que vive nos limites do verso, que os rompe e nos atinge; que faz com que nós mesmos desejemos ser ou ter algo de essencialmente poético, algo de poesia e de poema: “Pois o poema é via de acesso ao tempo puro, imersão nas águas originais da existência. A poesia não é nada senão tempo, ritmo perpetuamente criador.”
É a consagração de todos os instantes!

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