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Artigos-->O óbvio ululante -- 29/07/2000 - 03:22 (felipe lenhart) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Um dia, sem mais nem menos, vou poder provar que a sociedade brasileira é tão decrepta como mal informada. É chover no molhado apontar as causas disso, eu acho. Em verdade, é um verdadeiro dilúvio na represa. Mas em breve, quem sabe. Aliás, algo me diz que falta pouco...

Bem, a rotina me chama, vou ao morro. Sim, à favela: escalo, escalo e chego ao mais fundo dos buracos da vida. Lá onde o samba nasce e os tambores rufam. Vou à miséria e a entrevisto, gravador em mãos:

_ Seu Zé-Ninguém, me diz cá uma coisa. Existe democracia por estes pagos? O Brasil é uma legítima democracia???

_ Meu filho, diz o humilde Zé, você devia se informar melhor. O Brasil... é claro que é uma democracia: temos eleições de quatro em quatro anos e todos podem votar. Até eu, que não sei nem ler nem escrever posso votar! A televisão serve p ra isso, p ra ajudar a quem não sabe votar, nem ler nem escrever. Ainda mais agora, com a tal de urna eletrônica, que impede a roubalheira...

Me arrepio com a oratória do seu Zé, sabe das coisas.

Continuo. Escalo, então, degraus mais íngremes: pretendo, agora, ir ao topo da escada, na dita classe A. Mas, súbito, paro no meio do caminho. Tenho sede e vou beber de minhas fontes. Vou à entrevista do Zé-do-Meio, da dita classe média:

_ Seu Zé-do-Meio, diz cá uma coisa. Existe democracia por estes pagos? O Brasil é uma legítima democracia???

_ Mas é claro que existe: podemos votar para presidente e isso é a verdadeira democracia, disse o seu Zé-do-Meio, nostálgico ainda dos tempos das Diretas Já. E eu sou esquerda, pode publicar.

Me arrepio mais ainda, devido à falta de oratória e o tom ríspido e prepotente com que fui respondido. Achei graça, dei risadas e me despedi. Ainda conservo a humildade dos Zés-Ninguém.

A subida é longa e não posso ficar aqui parado. Vou à elite, como diz a classe média; vou à classe dominante, como diriam os "entendidos"; enfim, vou à burguesia, como se refere a classe Zé-Ninguém aos ricos e famosos. E, chato como sempre, como bom repórter que sou, a entrevisto:

_ Seu Zé-Burguês, membro da classe dominante, privilegiado da elite, diz cá uma coisa. Existe democracia por estes pagos? O Brasil é uma legítima democracia???

_ Caro jornalistinha de merda, bem o sabemos que o Brasil é uma legítima democracia. Se temos como Democracia um conceito grego, dos tempos de Péricles, é óbvio que vivemos numa bela e bem sucedida democracia. Naquele tempo, só podiam votar os homens, os letrados e os ricos; as mulheres e os escravos não. Sabendo, com dados de um tal de Eduardo Galeano, que as mulheres eram metade da população ateniense e que os escravos eram a esmagadora maioria, conclui-se que apenas 1/5 da população é quem escolhia e tomava alguma decisão. Ora, comparando ao Brasil, somos mais democráticos que eles, insensíveis: damos a todos o direito de votar mas somos nós, a elite, que escolhemos a dedo quem nos governa. É simples, como pode ver. Somos o país mais democrático de toda América, senão do mundo.

A esta altura estou petrificado, o seu Zé-Burguês é um poço sem fundo de conhecimentos. Estou estarrecido com sua oratória, suas palavras corretas, sua pouca humildade. Só não me foi novidade a prepotência com que tratou-me como jornalista. De resto, abismei-me.

Já em casa, no aconchego de meu "quitinete", decupo minhas fitas. Passo de novo por cada momento, ouço cada palavra, me emociono. E chego a uma conclusão! Não me espanta mais a humildade e ingenuidade do Zé-Ninguém, um pobre diabo trabalhador de salário mínimo, de uma das favelas da vida. Tampouco a arrogância do Zé-do-Meio, que, a essa hora, deve estar absorto na frente da telinha, mas que se julga um fiel homem de esquerda. Me espanta, e muito, descobrir o óbvio urrante, digo ululante:

A elite, a temida classe dominante, o rico e famoso "burguês de direita", é muito mais inteligente e perspicaz do que o resto. Afinal, a Direita vê na frente, está anos além. O resto, como diria o Zé-Burguês, é o resto. O óbvio, como agora posso ver, é sempre ululante. Logo: sou um profeta. Deito a cabeça em meu travesseiro de esponjas velhas, com um leve sorriso nos lábios, e adormeço contente com minha "bela e bem-sucedida democracia".



obs: que merda é essa???



Felipe Lenhart











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