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Contos-->Minha rua... e as donzelas -- 22/11/2002 - 11:57 (Ailton Sanches) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos






CONTO Nº 03



MINHA RUA… E AS DONZELAS



A minha rua ficava situada no bairro da Consolação. Era um lugar agradável, possuía quarenta e cinco casas, todas numeradas de cento e um a cento e quarenta e seis. Como toda rua começa no sentido do centro da cidade para o fim, o primeiro número ficava à esquerda de sua entrada; era de chão batido e graças ao pouco movimento não dava muita poeira. Fazia acentuadamente uma curva do modo que, de seu inicio não se visualizava seu fim. Seu término, deparava com um caudaloso rio que banhava toda a cidade. Neste ponto do rio, se formava uma correnteza muito forte e por época das chuvas inundava quase toda a cidade, preservando a nossa rua pelo fato de estar muito próximo da nascente do rio. Sempre que tínhamos uma folga - e, olha que a rapaziada folgava todos os dias -, nosso encontro era às margens do rio brindando as moças com os nossos fenomenais saltos e mergulhos; as quais, se deliciavam em admirar nossos corpos físicos. Não podíamos cantar como o Silvio Caldas – “na rua uma poça d’agua”, porque eram muitas as poças que nos sujavam os sapatos até que chegássemos ao nosso portão.
Nossa rua tinha uma peculiaridade. Muitas moças ali moravam e, pasmem, as mais bonitas da cidade. Todas, a exceção da Chiquinha, como se dizia: eram de fechar o comercio. Muito bonitas, a natureza não poupou charme e beleza igual para todas elas. A irmã do Cláudio, parecia-nos a mais bela. Morena dos olhos claros de uma meiguice de encantar a todos que para ela olhavam, isto é, quando conseguiam. Além da vigilância constante do Cláudio e seu irmão, que era um fuzileiro naval muito respeitado e temido, tinha a braveza do pai que não abria mão de sua tão bem feita e acabada donzela. Da mesma forma eram as que se comparavam com ela. Sempre vigiadas. Este comportamento se tornou código de honra na nossa rua. Todos vigiavam as moças, cada uma a sua: até eu tomava conta da minha irmã. Uma loirinha de olhos azuis que, até hoje não entendo o porque daqueles olhinhos azuis, os únicos na família. Nos outros, inclusive as moças, nascemos com olhos castanhos. As más línguas levantavam calunias, acerca de um padeiro de nacionalidade portuguesa que alem de vender fiado a minha mãe, mandava entregar em casa. Nunca ficamos sem o pãozinho em nossos lanches. Era muito legal.
O que importa é que todas eram muito bonitas, a exceção da Chiquinha, claro. Duas delas chegaram a ser eleitas miss Brasil; uma delas chegou a ser miss Universo. Modelos? Não tínhamos conta, desfilavam nas mais badaladas passarelas. Não posso deixar de dizer que umas desonraram a nossa rua, acabaram indo mesmo para a rua.
Francisca ou Francisquinha, ou tão somente Chiquinha era a que menos predicado tinha entre todas: de beleza, de corpo, de inteligência. Para piorar a sua falta de atrativos pessoais, tinha umas manchas pelo corpo e muitas pintas no rosto, nos braços e…, bem aonde podia se ver. Suas pernas eram bem torneadas, diria até, que de todas as moças, eram as mais bonitas. O problema é que eram peludas, fato que compensava o resto do corpo, um pouco curvado em razão da sua altura, um metro e setenta e quatro e meio. Era ela quem fazia questão do meio.
Apesar de tudo isso, não tinha como comparar às outras a sua beleza interior; o seu caráter; a sua bondade; e a sua meiguice.
Lembro-me que em uma tarde disputávamos corrida de bicicleta, cujos contendores, deveriam tomar impulso em uma descida e na velocidade que viesse atravessar uma ponte estreita que ficava sobre o rio. Aplausos geral para os que conseguiam e eram tidos como grandes campeões da coragem e da destreza. Chegou a minha vez. Confesso que tremia muito no momento em que no alto do morro montei a minha bicicleta. O meu medo era angustiante, quase me fazia desanimar: lá em baixo estava a irmã do Augusto torcendo por mim. Sentia-me valorizado porque ela a única que mencionava meu nome quase aos sussurros por medo da censura das outras moças.
Disparei a minha bicicleta, levado pelo encorajamento da Rute. Morro abaixo, e uma estreita ponte a me esperar. Mas conforme a proximidade daquela pontezinha, as minhas forças iam se acabando, a vista escurecia o temor era tão grande que a queda foi inevitável. Por muita sorte não cai dentro do rio, o que teria sido levado pela correnteza, porém, na queda rolei pelo barranco e a cada graveto que cercava as margens do rio, eram agulhas fincadas na minha carne.
Fiquei estatelado como um idiota. Ninguém me socorria, nem mesmo a Rute. De repente, recuperando ainda do susto da queda olhei para cima e pude ver aquele rosto piedoso e as mãos cheias de misericórdia cuidando das minhas feridas. Era um anjo, pensei. Mas anjo não tem sardas e nem pintas; só podia ser mesmo a Chiquinha. Cuidou de mim, afagou-me em seus braços, untou-me as feridas e alimentou a minha alma com a sua contagiante graça.
Mais da metade das moças eram solteironas. Nos a respeitávamos e jamais usamos a expressão encalhadas. Talvez, porque tivéssemos culpa de serem assim. Como diz o dito popular: “Nem pegávamos e nem largávamos”. O número de rapazes eram quase o equivalente ao número de moças; elas levavam um pouco de vantagem. Isso era bom; pelo menos nos dava uma margem de escolha.
Raramente, acontecia um casamento entre jovens de nossa rua.
A razão, é que nos conhecíamos uns aos outros e ninguém aceitava ser cunhado de ninguém. Brigávamos muito por essa questão. Quando um se arriscava a dizer que estava namorando a irmã do outro ou, outros, todos se reuniam contra este abusado e pretensioso que estava planejando aumentar o numero de miseráveis de nossa rua. Além do mais, não se permitiria que ficassem se chamando de cunhados, o que se tornara aviltante em todos os sentidos.
Instintivamente, havia entre nos rapazes um pacto moral de não permitirmos a entrada de estranhos em nossa rua. Quando uma de nossas moças se atreviam a arrumar um namorado, era quase impossível que ele fosse a nossa rua para vê-la; à casa dos pais dela só chegava se houvesse um pedido muito especial dos pais da moça. Quantos e quantos rapazes levaram carreira de nós e saiam desmoralizados de nossa rua. Alguns, abusados se faziam acompanhar de outro colega seu. Era o que de pior podia fazer, porque aí se iniciava uma guerra entre gangs.
Esta a razão por que as nossas moças não se casavam. Tínhamos de preservar a nossa dignidade e não era qualquer imbecil que se atrevia a conquistar nossas donzelas. Uma das estratégicas era fugir com o namorado ou mudar de rua para arrumar um casamento. Nossa rua era impenetrável para este tipo de pessoas.
Apesar de toda a nossa vigilância sempre uma se arrumava e começamos a descobrir que teríamos de ir às outras ruas procurar nossas pretendentes. Assim acontecia e meus colegas iam se casando e indo embora. As nossas forças iam enfraquecendo e as moças começaram a casar. Todas, uma a uma estava se arrumando. Chegou a época que cada mês acontecia um casamento. Fui ficando sozinho e a escolha se tornava cada vez mais difícil, porque as mais bonitas iam sendo levadas, mas, o que fazer?
Conseguimos eleger o Godofredo a prefeitura de nossa cidade, logo foi providenciado o calçamento de nossa rua com aqueles broquetes de pedra. Ficou muito bonita, iluminada com os postes de madeira. Agora, vivia cheia de crianças correndo para lá e para cá. Era uma nova geração que despontava. A algazarra era constante. Entre essa criançada toda, estão os filhos da Chiquinha, eram só quatro, todos pintadinhos e sardentos eu os conhecia muito bem, assim, como sabia que todo o corpo da Chiquinha tinha muitas pintas, mas continuava a mulher piedosa, carinhosa, charmosa e uma senhora dona de casa. Sei de tudo isso, pois, afinal de contas, casei-me com ela.
Nossa rua nos deixou muitas saudades e, agora com o calçamento posso completar a canção de Silvio Caldas:
“Na rua uma poça d’água
Espelho das minhas mágoas…”
Saudades… saudades…



Autor: Ailton Sanches

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