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Ensaios-->O PAPEL DA LINGUAGEM NA ANÁLISE DE PAULO HONÓRIO E MADALENA -- 23/01/2004 - 04:56 (Eustáquio Mário Ribeiro Braga) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O PAPEL DA LINGUAGEM NA ANÁLISE DOS PONTOS DE VISTAS DAS PERSONAGENS PAULO HONÓRIO E MADALENA NO ROMANCE SÃO BERNARDO

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem o objetivo de caracterizar o papel da linguagem na análise dos pontos de vistas das personagens Madalena e Paulo Honório na obra São Bernardo, de Graciliano Ramos.

ANÁLISE

No romance São Bernardo, de Graciliano Ramos, observa-se o conflito psicológico entre o “ter”, simbolizado pela personagem Paulo Honório, e o “ser”, representado por Madalena. A linguagem de um nega a do outro, ou seja, um é o negativo do outro nessa relação conflituosa. O protagonista de São Bernardo, Paulo Honório, decide narrar sua história como tentativa de entendimento e até de humanização, uma vez que se vê fracassado no casamento e termina a vida solitário e cheio de remorsos, embora tenha dito que se tivesse que viver aquela situação achava que faria a mesma coisa.
Na obra São Bernardo, Graciliano Ramos fez uso de uma linguagem objetiva, direta, seca e em perfeita sincronia com o meio bruto que se propõe a retratar. A narrativa é conduzida através de um trabalho lúcido, equilibrado e beirando a perfeição. Ele consegue aliar a análise do interior caótico da personagem nessa obra que pode ser considerada como um romance psicológico da literatura moderna brasileira. As marcas da linguagem estão relacionadas ao campo ideológico, sócio-cultural, sócio-econômico, etc.
O narrador-personagem Paulo Honório escreve sua história em primeira pessoa. A obra traz a visão doentia de um homem marcado pela vontade louca de obter o poder. Um jogo temporal, dirigido pelo narrador, permite ao leitor o conhecimento do meio bruto que lhe impregnou e solidificou a alma, pois a personagem conhece desde cedo a mais dura realidade da vida. De guia de cego e trabalhador rural a dono de fazenda, na constante luta pela sobrevivência, vai sendo construída a mente doentia e possessiva do protagonista. Sentindo necessidade de ter e preparar um herdeiro para a fazenda, casa-se com a professora Madalena, mulher de boa índole e idéias humanitárias, mas por ser pobre acaba por fazer do casamento um subterfúgio para escapar na miséria a causa estava condenada. Surge da diversidade de caráter o ciúme doentio do narrador, que, não podendo dominar a mulher, acua-a, oprime-a, levando-a ao suicídio. Voltando ao presente, Paulo Honório repassa sua vida a partir da constatação do seu primeiro grande fracasso: seu casamento para depois a sua total ruína.
Caracterizar o papel da linguagem ao analisar os pontos de vista das personagens Paulo Honório e Madalena é uma tarefa aparentemente fácil, porém a dificuldade maior seria em identificar qual linguagem de Paulo Honório devemos observar, a narrativa rápida no tempo passado, ou a narrativa lenta do tempo presente. Ou seja, estão representados dois tempos: o tempo do enunciado, os acontecimentos que ocorreram na vida de Paulo Honório, e, o tempo da enunciação, o momento em que se escreve o livro.
Não obstante, pode-se dizer que estamos diante do confronto entre o Brasil rural e o Brasil urbano, visível no choque entre Paulo Honório e Madalena. A obra sintetiza o descompasso entre a mentalidade patriarcal-latifundiária e a urbana modernizada. O conflito ideológico e sócio-cultural-econômico é a tônica da narrativa que, nos conduz no caminho sinuoso da linguagem numa via de mão dupla em que ambos não se encontram. Tanto Paulo Honório quanto Madalena têm a mesma origem, porém estão em trajetória diferente. Ela é a favor da albabetização, ele é contra a idéia de instruir as pessoas, principalmente, os seus trabalhadores, pois tal fato pode trazer prejuízo aos negócios . Ela é a favor do socialismo, embora não se declare, e, ele é um capitalista que só pensa em acumular bens adquirir prestígio e poder. Ela não se declara atéia, mas ele lamenta a idéia dela não ser religioso, pois a religião põe freio e centra a mulher para a casa e as obrigações doméstica, bem como ela não teria tempo para pensar e agir em prol de justiça social, como é apresentado no romance. Enfim, existem uma série de fatores que evidenciam a negação dos pontos de vistas dessas duas personagens que podem até ser qualificadas como protagonista e antagonista.
Segundo Leônidas Câmara , Paulo Honório é o resultado do meio em que se criou e fincou a sua propriedade, mas ele é, também, uma projeção viva dos impulsos psíquicos que lhe sobrecarregavam a consciência enrijecida pelo hostil sistema de vida. Madalena está na obra na figura de uma contrapartida e de uma vítima, tanto do meio, quanto do individuo nas características vivenciais mais íntimas. Assim é que ela aspira à liberdade, que luta por não se vergar à servidão, que quer falar livre e até revolucionariamente.
Como há um predomínio da linguagem do protagonista, é salutar que seja falado um pouco da linguagem da personagem Madalena, que funciona como uma espécie de antagonista, tanto em vida, quanto depois de sua morte. Madalena é a expressão extrema das possibilidades contidas em uma facção da classe média urbana, que tinha como ideologia um humanismo sincero, mas abstrato, e que, por sua própria condição de classe média e pelas condições do atraso brasileiro, permanecia isolada e desconhecia os meios de levar à prática os seus ideais de solidariedade e de fraternidade.
Pode se dizer que existem dois conflitos dialetais inter-relacionados: o primeiro conflito é entre Paulo Honório e Madalena; o segundo conflito é entre as forças da reação e do progresso tal como se apresentavam em nossa realidade formam o núcleo da ação de São Bernardo. O desenvolvimento desigual e duplamente contraditório do nosso capitalismo, determinando uma especificidade nas contradições humanas e sociais, leva o autor à criação de uma estrutura romanesca bastante original, onde – em orgânica síntese dialética – coexistem elementos de dois níveis diversos da evolução da forma romanesca: o “herói problemático” individualista e o que busca valores comunitários, ainda que de forma tão superficial e solitária.
Também é nítida a interferência de Madalena sobre Paulo Honório que reflete-se na própria enunciação textual; surgem os diminutivos, a voz pausada, uma atenuação do ritmo narrativo e um juízo de valor positivo. A forma como Paulo Honório se refere a Madalena abranda-se desde as primeiras menções, fato que se pode destacar pelo uso do diminutivo e de adjetivos e pela atenção que lhe dirige, no tocante ao gestual. João Luiz Lafetá , no seu ensaio 'O Mundo à Revelia', aponta para esse aspecto:
A diferença de linguagem quando se refere a Madalena e quando a dona Marcela é significativa. O mais importante, entretanto, é que Madalena passa a ocupar, a partir deste instante, o lugar central dos acontecimentos: ‘como o silêncio se prolongasse, repliquei ao Nogueira quase me dirigindo a lourinha (...)’ E depois: ‘Percorri a cidade, bestando, impressionado com os olhos da mocinha loura e esperando um acaso que me fizesse saber o nome dela! (Lafetá, 1978:184).
Ignorando o nome de Madalena, Paulo Honório refere-se a ela como a loura, a lourinha ou a mocinha loura. Seu olhar vigilante observa quando ela faz um movimento para se levantar, a inclinação da cabeça, as mãos cruzadas e os grandes olhos azuis voltados para o grupo de homens. A construção das frases revela o que Paulo Honório confessa em seguida:
De repente conheci que estava querendo bem à pequena. Precisamente o contrário da mulher que eu andava imaginando – mas agradava-me, com os diabos. Miudinha, fraquinha. Dona Marcela era bichão. Uma peitaria, um pé de rabo, um toutiço!(op. cit. 62).
Madalena significa pessoa originária de antiga cidade da Palestina, atual aldeia Medjel. Deriva do hebraico Migdal — e é igual a torre de Deus, cidade de Josué (Larrousse). Esta explicação é contestada pela Vulgata que atribui para a palavra Madalena o adjetivo magnífica e Saraiva dá a seguinte acepção: 'a dos cabelos penteados'. Já Paulo, do latim Paullus derivado de pouco, era termo que indicava pessoa de baixa estatura. Honório designaria 'o que irá receber honras'. Madalena, a professora de São Bernardo, de magnífico tinha o saber, os grandes olhos claros que impressionaram Paulo Honório, a cabecinha loura, as lindas mãos e os sentimentos humanitários que Paulo Honório desconhecia.
Salienta-se, aqui, a relevância da escolha do nome da personagem Madalena, a pecadora que ungiu os pés do Cristo e foi perdoada e redimida de suas falhas pelo Homem-Deus no Evangelho. Em São Bernardo dá-se o oposto: o criminoso atira-lhe as pedras, condena-a e empurra-a para a auto-imolação. Morta, Madalena ressurge com força total para conduzir Paulo Honório a um caminho mais humano, onde descobriu o amor.
A filosofia do ter endureceu Paulo Honório. Ao pensar, por exemplo, em relacionamento entre homem e mulher, vê-os como 'machos e fêmeas' (p.65). Por isso, no casamento, buscará, inicialmente, o 'herdeiro para São Bernardo', alguém capaz de herdar sua obsessão pelo ter. Madalena parece adequada. Cogitando a possibilidade de casar-se com ela, imagina, de imediato, a reprodução dos 'bons espécimes'; reproduzir filhos não é diferente de reproduzir animais:
'Se o casal for bom, os filhos saem bons; se for ruim, os filhos não prestam. A vontade dos pais não tira nem põe. Conheço o meu manual de zootecnia.' ( p. 87).
Sendo assim, também acredita que atrairá Madalena, mostrando-lhe o que há em São Bernardo, desde as aves até a extensão das terras. Chega a, inclusive, colocar a Madalena o casamento como uma espécie de negócio, como algo que lhe possa 'garantir o futuro':
“- O seu oferecimento é vantajoso para mim, seu Paulo Honório, murmurou Madalena. Muito vantajoso. Mas é preciso refletir. De qualquer maneira, estou agradecida ao senhor, ouviu? A verdade é que sou pobre como Job, entende?“
“- Não fale assim, menina. E a instrução, a sua pessoa, isso não vale nada? Quer que lhe diga? Se chegarmos a um acordo, quem faz negócio supimpa sou eu.' (p. 90).
O foco narrativo de Paulo Honório gera uma visão parcial da história. O próprio narrador dará subsídios para este tipo de enfoque; vejamos, por exemplo, os comentários dele sobre a transcrição de um de seus diálogos com D. Glória:
'Essa conversa, é claro, não saiu de cabo a rabo como está no papel. Houve suspensões, repetições, mal entendidos, incongruências, naturais quando a gente fala sem pensar que aquilo vai ser lido. Reproduzo o que julgo interessante. Suprimi diversas passagens, modifiquei outras. O discurso que atirei ao mocinho do rubi, por exemplo, foi mais enérgico e mais extenso que as linhas chochas que aqui estão. A parte referente à enxaqueca de d. Glória (a enxaqueca ocupou, sem exagero, metade da viagem) virou fumaça. Cortei igualmente, na cópia, numerosas tolices ditas por mim e por d. Glória. Ficaram muitas, as que as minhas luzes não alcançaram e as que me pareceram úteis. É o processo que adoto; extraio dos acontecimentos algumas parcelas; o resto é bagaço. ' (p. 77 e 78).
Se ele suprimiu seu diálogo com ela, por que não faria o mesmo em sua conversa com Madalena, ou mesmo contaria tudo como lhe conviesse.
E, Madalena, também não se revela como alguém que se harmonize, em nada, com Paulo Honório; para ele, ela tem defeitos irremediáveis, como, por exemplo, ser culta, instruída, altruísta, ou pior, escreve artigos:
'- Mulher superior. Só os artigos que publica no Cruzeiro! Desanimei:
- Ah! Faz artigos!
- Sim, muito instruída. Que negócio tem o senhor com ela?
- Eu sei lá! Tinha um projeto, mas a colaboração no Cruzeiro me esfriou. Julguei que fosse uma criatura sensata.' (p. 85).
Porém, ele a escolheu. A justificativa que parece mais lógica é o fato de ela ser exatamente aquilo que ele não é. Paulo Honório - como já anteriormente citado - busca o respeito alheio, busca estabilizar-se e ser reconhecido. Uma esposa professora seria mais respeitável do que qualquer cabocla comum.
De início, ele imaginou-a como uma menina fácil de dominar, mas Madalena tem iniciativa, trabalha, ajuda aos outros sem pedir autorização:
'Tive, durante uma semana, o cuidado de procurar afinar a minha sintaxe pela dela, mas não consegui evitar numerosos solecismos. Mudei de rumo. Tolice. Madalena não se incomodava com essas coisas. Imaginei-a uma boneca da escola normal. Engano.' (p.95).
Conclui-se que a obra tem dois propósitos: um seria a do narrador quando esse utiliza da linguagem coloquial, tosca, seca, bruta e objetiva para construir a narrativa das dicotomias psicológicas das relações humanas, o outro seria do escritor que poderia estar disseminando uma ideologia humanitária e includente, fazendo crítica ao sistema, ás elites e/ou ao poder pelo poder. Engana-se a pessoa se imagina encontrar um texto desconexo, escrito por alguém que se diz semi-analfabeto; ao contrário, deparamo-nos com um texto, que, em termos de linguagem, poderia, inclusive, ser classificado como clássico: a linguagem é 'enxuta', sem preocupação descritiva ou abuso de linguagem figurada; é a nítida preferência pelo substantivo, pela informação direta, aproximando-se de uma linguagem referencial, bastante afastada daquilo que chamaríamos de poético. Poderia fazer uma comparação com Machado de Assis, pois é a mesma preferência pela análise psicológica.

BIBLIOGRAFIA

CÂMARA, Leônidas. “A Técnica Narrativa na Ficção de Graciliano Ramos”. IN: ______ . GRACILIANO RAMOS: Seleção de textos; coletânea organizada por Sônia Brayner. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira; Brasília, INL, 1997. 315p. (Coleção FORTUNA CRÍTICA 2)

RAMOS, Graciliano. São Bernardo; Rio de Janeiro, Record, 68ª ed., 1999.
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