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Contos-->O JOGADOR -- 28/11/2002 - 10:54 (Wellington Macêdo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Audálio, homem de hábitos simples, pouco instruído, vivia maritalmente com Marieta filha de um parente distante. Mulher que, apesar das dificuldades impostas pelas circunstâncias da vida, demonstrava uma certa alegria de viver. Desempenhava seus papéis de esposa, mãe e dona de casa com inusitada dedicação, muito embora não descartasse o firme desejo de uma vida melhor, mais confortável. Não que lhe faltasse o essencial para a sua modesta sobrevivência; longe disso.
Por seu turno, Audálio era daquele tipo de homem trabalhador, dedicado ao ofício de ajudante de torneiro numa indústria de laticínios. Lá se iam quase vinte anos de trabalho ininterruptos sem uma falta sequer. Respeitado e ao mesmo tempo querido na comunidade a que pertencia, Audálio parecia na sua simplicidade ser um homem até certo ponto feliz. Mesmo diante das dificuldades financeiras inerentes à sua condição de operário, parecia satisfeito.
Residia numa modesta casa de alvenaria composta de sala, dois quartos,cozinha, banheiro e, na parte fronteiriça, um exíguo alpendre. Tudo isso inserido num diminuto lote de terreno que herdara de um falecido tio. À noite, após o jantar, tinha por hábito sentar-se, juntamente com Marieta, no referido alpendre onde passavam horas remoendo os acontecidos do dia. Vez por outra eran surpreendidos por um cochilo, interrompido por algum vizinho a cumprimentá-los. Rotina essa que os acompanhava desde basstante tempo. Em seguida, recolhiam-se alimentados por uma forte esperança de dias melhores.
Os filhos, duas meninas e um menino, nas idades de dez, nove e sete anos respectivamente, estudavam numa escola pública próxima à sua residência. Pela manhã, logo cedo, Marieta se dirigia à cozinha a fim de preparar o café. Em seguida, inspecionava as roupas das crianças acordando-as com um beijo afetuoso. Após o café, como sempre revestido de costumeira frugalidade, as crianças despediam-se da mãe, ocasião em que eram repetidas as mesmas recomendações. Assim, iam alegres como pássaros em chilreio no despontar de um novo dia, sob os cuidados infantís da mais velha.
A essa altura da manhã Audálio já partira em direção à fábrica, tendo antes como por hábito beijado afetuosamente a mulher. Ritual que que se repetia toda a manhã aompanhado das recomendações costumeiras. Dentre outras, revestia-se de grande importância quando asseverava: Marieta minha querida, no dia em que eu voltar prá casa num táxi, antes de abrir a porta não hesite em destruir todos esses móveis velhos; toda essa quinquilharia que nós temostemos em casa, pois seu marido acertou no jogo do bicho. Tal afirmação se fazia acompanhar por um indescritível brilhos nos olhos. Havia mesmo com que uma certeza na concretização de tão almejado sonho. Marieta, por sua vez,recomeçava a labuta diária. Assim, passaram-se anos e mais anos, enquanto a rotina não sofria a menor solução de continuidade.
Audálio já no interior do ônilbus superlotado e, sobremaneira, desconfortável, seguia alheio ao que se desenrolava lá fora durante o trajeto. Buscava, com renovada ansiedade, decifrar os sonhos que porventura tivera na noite precedente. À medida que as lembranças iam se fazendo presentes, procurava estabelecer sua correlação com o jogo de bicho, pois, na verdade, ela representava um assíduo e perseverante apostador. Vale ressaltar que uma das primeiras providências após o recebimento do minguado salário, consistia em destinar uma pequena quantia para as apostas diárias. Enorme era o sacrifício uma vez que o salário recebido em troca de exaustiva jornada de trabalho mensal deixava muito a desejar pois, a exemplo da maioria dos trabalhadores, o seu acabava mesmo antes do término do mês.
Assim, no fundo da sua sabedoria, procurava relacionar os acontecimentos, pessoas, etc., emergidos na lembrança dos sonhos com os bichos inseridos na roleta. Exultava de contentamento quando por ocasião da coincidência dos seus sonhos com evidências ligadas a cachorro, cabra, carneiro, camelo, cobra, coelho e cavalo, todos iniciados com a letra "C", seus favoritos, sem dúvida.
Decorreram anos sem a menor alteração, tudo permanecendo no mesmo como na fato da troca de seis por meia dúzia.
Um belo dia, já nas proximidades do Natal, Audálio ao saltar do ônibus nas cercanias do seu local de trabalho, lhe acontecera o inesperado. Ao tentar atravessar a rua naquela hora da manhã, quando intenso era o fluxo de veículos se deparou com um caminhão que avançava em sua direção apesar de desenvolver uma velocidade regular. Debalde foram os esforços desprendidos pelo infeliz no sentido de livrar-se do iminente impacto. Não houvera mesmo chance de evitar o infausto acontecimento. Consumado o imprevisto, Audálio foi atirado abruptamente a um considerável distância. A exemplo de ocorridos semelhantes, imediatamente se formou um aglomerado de pessoas em torno daquele corpo inerte, sendo que uns poucos, de pronto, providenciaram sua remoção para o hospital mais próximo a fim de que lhe fossem dispensados os socorros que se faziam necessários. Para a sua sorte, apesar do trauma sofrido, apenas algumas escoriações se fizeram presentes ao longo do corpo, além de uma fratura no fêmur da perna esquerda, lesão constatada após a realização dos exames radiológicos rotineiros.
Realizado o atendimento de urgêngia requerido pelo acidente em apreço, Audálio teve a perna engessada, seguindo-se das recomendações pertinentes ao caso feitas pelo facultativo que lhe atendera. Repousoi absoluto nos primeiros trinta dias, decorridos os quais, aproximadamente entre sessenta e noventa dias, deveria retornar ao hospital para a remoção do gesso que lhe imobilizara a paerna.
Decorridas algumas horas do inusitado acontecimento, Audálio foi acomodado num táxi e, em seguida, conduzido à sua residência. Durante o percurso que medeiava entre o nosocômio e sua residência, o pobre homem não pensava nada mais além das obstinadas recomendações diárias que fazia à Marieta. Isto posto, de imediado sentira-se invadido por insólita preocupação; o suor banhava-lhe o rosto; suas mãos se faziam trêmulas; acometera-lhe profundo empalidecimento. Acreditava, sem a menor sombra de dúvida, que sua mulher cumpriria à risca tudo que ao longo dos anos ele lhe recomendara. Antevia, com plena convicção, que Marieta ao deparar-se com ele chegando em casa transportado por um táxi, não titubearia diante dos fatos. Imbuído de profunda humildade implorou a Santo Expedito, com inusitada devoção, que o poupasse da tragédia que estaria prestes a acontecer. Robustecido pela esperança de que o Santo das causas impossíveis lhe atenderia naquele momento de inominável aflição, deixara-se envolver de profunda emoção.
No exato momento em que o táxi estacionou fronteiriço à sua casa já era grande o aglomerado de vizinhos. Todos impelidos por uma curiosidade sem limites procuravam se inteirar da realidade dos fatos. Marieta a se defrontar com o marido ainda no interior do táxi e, sem esquecer dos mínimos detalhes das repetidas recomendações, não poupou esforços em concretizá-las. Sem demora, armou-se de um porrete começando a destruir aqueles móveis velhos; louças, panelas, eletrodomésticos, tudo em consonância com o recomendado. Foi um estardalhaço dos diabos.
Nessa altura dos acontecimentos, os vizinhos visivelmente perplexos, julgavam que a pobre da Marieta havia enlouquecido. Estava mesmo possuída pela "pomba gira" no entender de Mãe Avelina, respeitada mão de santo da comunidade. Concluída a destruição dos modestos pertences do casal, Marieta surge à porta com ares de profunda felicidade estampada no rosto. Para a sua surpresa, se depara com Audálio sendo retirado do interior do táxi com a ajuda dos vizinhos tendo a perna engessada. Assim, toda aquela felicidade contida em Marieta dera lugar a uma profunda decepção, como se fora mum passe de mágica.
Ainda não fora desta feita que a tão almeja sorte lhe batera à porta.
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