A igreja inacabada dos escravos em Sabará é uma das verdades que o tempo registra. Na época era verdadeira a questão dos negros não terem alma, mas em todo o caso, para evitar que fizessem aqueles rituais africanos, tão esquisitos e recheados de mistérios, então alguém, num esforço de vontade, muita, diga-se de passagem, convenceu os importantes fidalgos que a Igreja Católica poderia receber a presença dos homens sem alma. Talvez trazendo os escravos para a igreja o criador tivesse compaixão e lhes permitisse um lugar no purgatório, lugar onde nada é definido, segundo a tradição.
Com uma chance dessas os comerciantes poderiam vender pedras, os escravos ficariam satisfeitos com a possibilidade de adotar a religião dos brancos e diminuir suas "culpas", o erário religioso ganharia alguns recursos e novamente haveria circulação de capitais, além, é claro, de evitar que um negro mais esperto resolvesse inventar uma revolução contra os brancos dominantes, tendo em vista que o número de escravos em Minas Gerais sempre foi consideravelmente grande. Grande idéia de quem teve a iniciativa.
Mas como a igreja era para os negros, acabou não acabando, ficando pelos degraus do tempo, tornando-se uma bela ruína arquitetónica, que atrai turistas e conta a história dos homens, que a cada era descobrem que são intolerantes e burros, e tentam compensar as pastranices dos ancestrais.
A igreja inacabada mostra a relatividade da verdade, que obedece a "dogmas", sandices e costumes, muitas vezes ligados apenas a questões económicas, e que a verdade é somente um conjunto de fatos que pode ou não ser contestado de tempos em tempos, para mostrar que os valores éticos e morais obedecem a modismos e hormónios.
A construção da igreja parou, o tempo atacou a obra, que por isto mesmo ficou majestosa, incrustrada na praça mais aconchegante da cidade. As outras igrejas, majestosas, construídas para atender aos pequenos burgueses- tem até ouro em algumas- ficaram um pouco mais distantes.
As almas dos homens sem alma podem ser vistas a passear pela solene ruína, sorrindo com a bobagem da verdade dominante, carregando o bom humor de quem um dia foi discriminado e soube esperar pela verdade do tempo, que desmente a grande mentira da verdade suprema.
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