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Ensaios-->ZÊNITE A LINGUAGEM DOS TRÓPICOS-LIVRO -- 15/08/2005 - 08:43 (Moura Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
MOURA LIMA


ZÊNITE
A Linguagem dos Trópicos


ENSAIOS



Ilustração:
Leocádio

Revisão, Editoração Eletrônica e Capa :
MOURA LIMA

Reservados os direitos de reprodução
para todos os países.
Copyright by
JORGE LIMA DE MOURA
Impresso no Brasil
Printed in Brazil

FICHA CATALOGRÁFICA
Moura Lima, 1950-
M929s Engenho Corredor - Santuário de José Lins do Rego, por Moura Lima,
Gurupi, Gráfica e Editora Cometa
P. 100 - 1ª Edição - 2005
1. Literatura Brasileira - Ensaio.
2. Século 21: Ensaio: Literatura
I. Título
CDU: 82-31(817.32)
ISBN-95-02-00854-2

Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou processo,sem permissão expressa do autor. A violação dos direitos autorais é crime(Lei n9.610/98).

E-mail - j.mouralima@zipmail.com.br
Rua Adelmo Aires Negri, 1271 - Centro - Fone: (63)3312-1459
CEP 77470-130 - Gurupi - Tocantins – Brasil






Sumário

ENTREVISTA COM O ESCRITOR MOURA LIMA........8
Engenho corredor-Santuário de J.Lins do Rego...........13 Recordaçães da Casa dos Mortos...............................18
Pelos Sertões do Piaui.................................................... 23
Dom Xicote-Oralidade e Imagem Cronotópica...........33
Gurupi, uma Palavra Tupi...............................................38
O Sertão de Alvina Gameiro..........................................42
Chapada Diamantina.....................................................51
O Mago da Pena de Ouro de Caracol..........................61
Fundação Casa de José Américo................................67
Antonio José de Oliveira-Seu Tóto...............................71
O Marechal do Império...................................................74
Cripta dos Nove .............................................................77
Retrato da Academiia Tocantinense de Letras
FAMILIA MOURA ALENCAR
AcademiaParaibana de Letras.....................................80
MEU POVO, MINHA TERRA
DadosBiográficosdoAutor.............................................83






ENTREVISTA COM O ESCRITOR MOURA LIMA
(Transcrita do Jornal Folha da Cidade, Gurupi-TO, Edição n.248,Setembro de 2001.)




“...polissemia e universalidade é que vão
determinar a grandeza de uma obra literária e,
conseqüentemente, a sua permanência diante do
tempo.”





F.C. – MOURA LIMA, ao ser abordado por nossa reportagem quando recebia essa honrosa premiação, isto é, o prêmio “Malba Tahan” de Literatura /2000, da UBE/RJ, assim se expressou:
– Vou receber a premiação com grande emoção e em nome do Tocantins, de Gurupi, e de todos os segmentos culturais do Estado.
F.C. – O seu reconhecimento literário, por sinal bem merecido, pela grandeza da sua obra literária, fora e dentro do Tocantins, não tem provocado ciumeiras e inveja?
– Creio que não, pois o nosso trabalho é independente e regional. E tem um só objetivo: resgatar e contribuir para a independência cultural do Tocantins, em relação aos outros estados. Mas é prudente lembrar o escritor GIUSEPPI FUMAGALLI, que, na sua obra Chil’há detto, cita a frase de Ugo Foscolo, que assim definiu os apedeutas literários: – “Não há animal mais invejoso do que o falso literato”. E parafraseando o escritor Francisco Virgílio, acrescentaríamos: – se o pretenso literato não tiver uma boa formação cultural, não passará de uma gralha empavonada e, lamentavelmente, integrará a turma do foguete.
F.C. – Qual a sua visão da literatura tocantinense?
– É bastante otimista. Embora estejamos no pórtico do umbral para a luz, isto é, na fase embrionária. Mas devemos proclamar de viva voz: o Estado do Tocantins é um imenso laboratório que aguarda ansioso os pesquisadores, estudiosos de todos os campos do saber. No fundo, o Tocantins foi feito com suas belezas naturais para acabar num belo livro. É só aguardar.
F.C. – É gratificante ser imortal, em termos de ingresso em uma Academia de Letras?
– A questão da imortalidade é relativa, como o eternizar-se na memória dos homens. A ânsia de imortalidade é um desejo oculto ou inconsciente do coração humano. Eu, pessoalmente, não a desejo, a não ser para a minha obra. Mas é de bom alvitre ouvirmos Schopenhauer: – “O número dos livros escritos numa língua pode estar para aqueles que se tornarão parte de sua literatura verdadeira e duradoura, mais ou menos na proporção de cem mil para um”. Assim sendo, a relatividade está presente, e o livro é o passaporte único para a imortalidade. Imortalidade sem livro é imortalidade sepultada. E uma Academia de Letras, quer sim, quer não, é uma elite cultural.
Portanto, bater nas portas de uma Academia de Letras em busca da imortalidade, sem livro publicado, é como mendigo a pedir esmola. E, por último, eu direi: todo escritor é um imortal mortal!
F.C. – Fale um pouco mais sobre a técnica e o mundo do regionalismo e suas variantes.
– O regionalismo brasileiro é marcado pelo amor à terra, edificado no homem, sua organização social; é também historicista, memorialista e profundamente cheio de reminiscência do paraíso perdido de uma época e determinadas ações, de elevação, do construir e reconstruir da vida. É a leitura do horizonte particular em relação ao universal, mas sempre marcado pelas raízes populares.
F.C. – O escritor regionalista, pelo que se percebe, tem uma liberdade gramatical enorme, até mesma inovadora, o que de certa forma irrita os clássicos, os gramatiqueiros. É verdade esse posicionamento?
– É verdade. Os clássicos, os ortodoxos da gramática correm do regionalismo como o diabo ,da cruz! Mas vamos buscar a resposta na opinião abalizada da escritora, filóloga e crítica literária, de renome nacional, a professora Nelly Alves de Almeida, que assevera na sua monumental obra, Estudos Sobre Quatro Regionalistas: – “Outra face interessante no escritor regionalista é o personalismo evidente que revela e que não o prende ao formalismo gramatical. A filologia, modernamente, situa a língua falada acima da língua escrita”. Por isso é que se conclui que um dos melhores métodos de se estudar português arcaico é enveredar-se nos rumos ditados pelo regionalismo. E, na obra Caatingas e Chapadões, de 1913, vamos encontrar o escritor Assis Iglesias andando no lombo de burro, pelos altos sertões do Piauí, registrando o falar sertanejo e comparando-o ao português arcaico, herança do colonizador, como, por exemplo, a palavra “esprito”, que vamos encontrar desta forma, grafada em Camões. E para se entender em profundidade o regionalismo, é necessário voltar-se aos cânones da língua, ou seja, o português deixado pelo colonizador na memória do mato.
F.C. – Temos conhecimento que você possui a melhor biblioteca do Tocantins, especialmente em livros raros sobre a nossa região, e como fica o empréstimo destas obras?
– Realmente possuímos obras raras, que nos custaram 20 anos de procura, no Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Maranhão e Piauí. Agora, quanto ao empréstimo, fico com a opinião do Marquês de Maricá: – “No Brasil não se podem emprestar livros: os que os recebem, consideram-nos dados e não emprestados”.
F.C. – Qual a sua opinião sobre os livros editados, na atualidade, no Brasil e no Tocantins?
– No momento podemos dividi-los em duas classes: os passageiros e os permanentes. Os primeiros são escritos pelos praticantes da literatice, da vaidade pessoal. E o próprio tempo se encarrega de sepultá-los na cova do anonimato. Os segundos são escritos com alma, seriedade e amor à cultura. E têm um destino certo: a posteridade!
F.C. – E o que vem a ser na acepção da palavra o escritor?
– Recorrendo a Maximo Gorki, que é considerado o maior escritor do século XX, eu diria: – o escritor é o porta-voz emocional de seu país e de sua classe; é seu ouvido, seu olho e seu coração: é a voz de sua época. Deve saber tanto quanto seja possível, e quanto melhor conheça o passado melhor entenderá seu próprio tempo, com mais força e profundidade entenderá universalmente o caráter da nossa época.
F.C. – O que é necessário para que uma obra literária seja considerada boa, do ponto de visita do leitor e da crítica literária?
– De acordo com os estudiosos, dois pontos são fundamentais na elaboração de um texto literário: a universalidade e a multissignificação. Portanto, o leitor munido de sua bagagem cultural pode mergulhar nos espaços ocultos do texto e colher as emoções análogas às que habitam o seu mundo psicológico. Resumindo: polissemia e universalidade é que vão determinar a grandeza de uma obra literária e, conseqüentemente, a sua permanência diante do temempo.



ENGENHO CORREDOR SANTUÁRIO de JOSÉ LINS DO REGO

— O meu avô era um santo plantador de cana!...

Com o solão arregalado das 6 horas da manhã, de
céu claro e de brisa mansa soprando do mar, deixo, acompanhado de minha esposa Alvininha, o apartamento do meu filho Leonardo, no bairro Manaira, em João Pessoa, a cidade mais verde do mundo, depois de Paris, e dirijo-me à BR-101; logo entro na BR-230, sentido Campina Grande e, a poucos minutos de percurso, adentro-me à várzea do Rio Paraíba, cenário natural da vasta obra literária de José Lins do Rego. Aí, o coração dispara, e aflora-me uma emoção grande, pois sinto-me integrado na paisagem que me é tão familiar. E dos meandros subterrâneos da mente, ao compasso da busca investigativa, saltam-me os livros Menino de Engenho, Bangüê e Fogo Morto, que me vão conduzindo, aos pinotes, de surpresa em surpresa, pela paisagem deslumbrante. Ato continuo, reduzo a marcha do meu carro e vou saboreando o verde da várzea, quando avisto a placa indicativa da cidade de Pilar, terra de Zé Lins. Faço a manobra convencional e pego a estrada da antiga Vila do Pilar; a 10km de marcha, eis que me surge, na extensa baixada, a bela Pilar!A mesma dos livros de Zé Lins, com a torre da igreja do Carmo apontando para o céu!O carro desliza suave pelo asfalto, e devagar vou entrando na vila, para não profanar o santuário eterno de Zé Lins; pego a avenida Grande, que traz o nome de seu avô - coronel José Lins Cavalcanti de Albuquerque -, o velho Zé Paulino, de Menino de Engenho. No final da avenida, deparo-me com o prédio centenário da câmara municipal, que abrigava na parte de baixo a cadeia, aonde Zé Lins, quando ainda menino, levava alimentos para os presos, ou acompanhava o velho Paulino nas sessões do júri, conforme narra em Menino de Engenho. Estaciono o meu carro em frente ao prédio, hoje, Fundação Menino de Engenho, e sou recebido de forma acolhedora pela diretora da instituição, Maria José Alves Mathias, que, gentilmente, vai-me mostrando as dependências do prédio. Na parte de cima, informa-me que funcionava, ali, no passado distante a Câmara Municipal da Intendência; aí me bordeja à mente a cena de Dom Pedro II, atirando naquele mesmo soalho antigo o seu grande chapéu - do - chile, e, em razão do cansaço, deitando-se na rede encardida do pedreiro que fazia os reparos para a visita de sua majestade ao Pilar. Mas que, por urgência dos compromissos públicos, adiantara a chegada, para o desespero das autoridades do burgo que não foram recepcioná-lo. O presidente da província mandou prender o vereador responsável pela cerimônia, aliás, tio de Zé Lins, pelo desastre.
Portanto, lá fora, rumores de vozes, vindos da rua, chegavam-me pelo janelão antigo: era o povo, a gente boa do Pilar, que entrava no prédio para conhecer o escritor do Tocantins. Desço os degraus vetustos do pavimento superior e vou para a sala de recepção, onde autografo os meus romances: Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros, Chão das Carabinas-Coronéis, Peões e Boiadas, e Negro d’Àgua-Mitos e Lendas do Tocantins, e, também, aproveitando a oportunidade, repasso para o acervo da instituição o livro Moura Lima: A voz Pontual da Alma Tocantinense, da professora e notável critica brasileira de Goiás, Moema de Castro e Silva Olival. Agradeci as pessoas presentes e externei-lhes a imensa satisfação da visita ao Pilar, à terra de Zé Lins! Fiz também um breve comentário sobre a cultura goiano-tocantinense não esquecendo, é claro, de divulgar a minha cidade de Gurupi, a capital universitária do Sul do Estado do Tocantins.
E assim, cercado de hospitalidade, deixo a Fundação Menino de Engenho, e dirijo-me para o Engenho Corredor (o Santa Rosa), berço de nascimento do festejado escritor brasileiro.
A distância do Engenho à vila do Pilar é de 2km, e a estrada poeirenta é cercada de ambos os lados por arame farpado, formando um retilíneo corredor, daí o nome do Engenho. Pela estrada encontro um negro velho, de bengala, no passo trôpego, arrastando as alpercatas de rabicho, e logo me lembro dos personagens de Zé Lins, e de que, por aquela antiga estrada, já passaram o capitão cangaceiro Antonio Silvino e seus cabras, bem como o cabriolé tilintando de seu Lula de Holanda, do Santa – Fé; o desbocado fogoió Vitorino Carneiro da Cunha, o Papa-Rabo, e o recalcado mestre José Amaro, de Fogo Morto, e tantos outros vultos fantásticos da obra do escritor paraibano.As lembranças fervilhavam numa fulgência estupenda, quando dei fé, estava no Engenho Corredor. O susto foi grande, de verdadeiro pânico e decepção, pois não encontrei mais a aconchegante Casa-Grande dos livros de Zé Lins; mas, sim, um taperão de melão-de-são - caetano e de morada de marimbondo cavalo-do-cão. A senzala, os currais, os barracões de bezerros, tudo em ruínas, desabados, um fogo morto. A grandeza do Santa Rosa agora era uma terra arrasada, um cemitério abandonado.
E ali, no meio dos escombros e ruínas, fiquei a me questionar, em sinal de protesto, pela negligência das autoridades para com a memória histórica do patrimônio cultural do país. E perguntava-me, num diálogo mudo, por que o governo da Paraíba não tomava providências, juntamente com o Prefeito de Pilar, para recuperar o Engenho Corredor e transformá-lo em uma Fundação, onde abrigaria o acervo e as relíquias pessoais de José Lins do Rego, tão relegadas a segundo plano, num pequeno museu de João Pessoa? E esse gesto grandioso seria interpretado como de respeito para com o maior vulto da literatura brasileira e da própria Paraíba!Não encontrando resposta para tamanho menosprezo, repeti o velho bordão dos conformistas:
— O Brasil é assim mesmo, tem memória curta!
Um bando de pássaros, em estridente alarido, após circunvoluções pelo espaço, pousa suave nos arvoredos e nas cajazeiras da tapera, chamando-me a atenção e despertando-me das minhas reflexões; olho à direita e vejo, no alto das ondulações da várzea do rio Paraíba, as ruínas do Engenho Santa –Fé, do velho e decadente senhor de engenho, Lula de Holanda Chacon. E, em profunda introspecção, num átimo, vejo os fantasmas dos personagens de Zé Lins, saltando e povoando a Casa-Grande; os gritos do velho Zé Paulino com os negros de sua mansa escravidão, nos eitos ásperos dos canaviais; as traquinagens do menino Carlinhos, com os moleques da bagaceira, e suas safadezas com a quenga Zefa Cajá e a negra Luíza; o cheiro bom do mel-de-furo; a fumaça do bueiro do Santa Rosa melando o céu; o apito do trem do Pilar, passando. E outra vez ouço a voz do velho coronel Zé Paulino, contando a grandeza de sua riqueza, dos seus nove engenhos, das partidas de cana, do imenso rebanho de gado. E, no silêncio modorrento da tarde que descambava pras bandas de Itabaiana, quedei-me em postura de monge rezando, naqueles ermos de paz de cemitério, e ouvi, sutilmente, nas paragens da alma, a voz da eternidade:
— Veja aí, nessas ruínas, a marca da estupidez e da fragilidade humana; tudo é ilusão! Tudo é vaidade das vaidades! É correr atrás do vento!...
E o próprio Zé Lins tivera essa premonição de que tudo viria abaixo, seria condenado a morrer, a apodrecer, diante da marcha implacável do tempo. E numa visão gloriosa ergueu para o futuro, no meio dos escombros, das ruínas, um monumento perpétuo, com o cheiro da terra e da energia de seu povo, que é a sua obra, onde registrou com letras de fogo a decadência do patriarcalismo dos senhores de engenho, com suas tragédias e misérias humanas, de um mundo perdido, que se foi para sempre.
Sem delonga, entro no meu carro, e, mais uma vez, volta-me a imagem fantasmagórica do enterro do velho coronel Paulino, que foi acompanhado por mais de mil pessoas, que desciam do Itaipu, do Riachão, para o cemitério de São Miguel. E o mais interessante é que o caixão soberbo do velho patriarca, fundador da aristocracia rural, disseminada no vale do rio Paraíba, foi carregado debaixo da mais pura emoção, pelos negros de sua mansa escravidão, no dizer de Zé Lins:
— O meu avô era um santo plantador de cana!...
Atordoado pelo poder imagético das cenas surrealistas que me dominavam, de forma tirânica, não espero mais, e, lépido, dou partida no meu carro, e deixo para trás aquelas ruínas fúnebres, palco de tantas tragédias e testemunha secular da decadência aristocrática rural dos arrogantes senhores de engenho do vale do rio Paraíba. Dirijo-me para o Engenho Oiteiro, localizado no município de São Miguel de Itaipu.
De todos os engenhos relatados por José Lins do Rego, o Oiteiro destaca-se como um dos mais belos da Várzea Paraibana, pela beleza arquitetônica da Casa-Grande, pelo conforto e a nobreza da decoração de suas dependências. A Casa-Grande encontra-se em perfeito estado de conservação, sendo depositária de verdadeiras preciosidades de valor artístico e histórico, inclusive a famosa “caixa de música”, tão apreciada por José Lins do Rego, em Menino de Engenho.
Os outros engenhos, citados por Zé Lins, como Maravalha, Itapuá, Massagana, estão em ruínas.
Ao cair da tarde, deixo o Vale do rio Paraíba e retorno a João Pessoa, e fico pensando na grandeza da obra literária de José Lins do Rego, que rompeu os grilhões do prosear extraído da gramática, para revelar a alma e a genuína linguagem do povo brasileiro, numa obra eterna, para a glória da literatura universal.




Recordações da Casa dos Mortos

“O segredo da existência humana consiste não somente em viver,mas de encontrar um objetivo para viver.”

A noite era de ar abafado e úmido, sob um céu cinzento de São Petersburgo; corria o ano de 1849; Dostoievski, na sua generalizada introspecção, sem fazer parte do grupo rebelde, assistia a uma reunião de intelectuais revoltados, que pretendiam mudar a alma dos povos e derrubar o Czar da Rússia e, em seu lugar, estabeleceriam uma nova ordem política, ou seja, uma república de homens livres, que sonhavam com a liberdade.
Portanto, sem ser revolucionário na acepção do termo, como prova a sua obra, que é de um reacionário , isto é, não fez parte da conspirada, no sentido político e social, como muitos pensavam no Brasil. Dostoievski, mesmo assim, foi injustamente preso, com os intelectuais radicais do círculo de Petrachévski, e enviados para a fortaleza de Pedro e Paulo.
No meio de uma madrugada fria, de céu tenebroso, onde a neve caía, Dostoievski acordou sobressaltado, após a sua condenação; toques de alerta ressoavam pelo ar pesado; as autoridades, cumprindo o ritual de execução penal, metem-no em uma carruagem, juntamente com os companheiros de infortúnio e levam-nos para o famoso campo de instrução, na praça Semenovski. Os carrilhões badalavam a chegada do natal. O ar era gélido e áspero . O movimento dos militares era de nervosismo. Outras carruagens chegavam trazendo mais presos políticos. Pelotões de soldados mantêm-se estáticos, aguardando a ordem para a execução da sentença que fora exarada do tribunal militar. Um padre, de balandrau negro como uma ave agoureira, com um grande crucifixo de ouro às mãos , no passo tardo, marcha à frente dos condenados, até as imediações de um tablado coberto de pano preto. Os prisioneiros são levados em pequenos grupos e amarrados em estacas, na frente do pelotão de fuzilamento. Dostoievski faz parte do terceiro grupo. Na lucidez de sua mente, imagina que lhe restam uns cinco minutos de vida e o que viria depois seria o desconhecido.
O comandante, no uniforme impecável, mas de acentuada arrogância, com gesto brusco e autoritário, ergue o braço e dá a esperada ordem de execução. Os tambores rufam e, quando os soldados levantam os fuzis, um mensageiro a galope surge riscando a praça e, brandindo a mão, uma ordem do Czar, de suspensão da sentença . A pena de morte fora comutada para prisão forçada na fria Sibéria. Tudo não passou de uma farsa, era uma execução simulada, com o intuito de causar tortura mental nos condenados. Mais tarde, Dostoievski narraria, no livro O Idiota, suas emoções desta terrível cena, onde acreditava ter apenas cinco minutos de vida antes do fuzilamento.
Em 23 de janeiro de 1850, Dostoievski, após uma penosa viagem debaixo dos rigores de um terrível inverno siberiano, chega à prisão de Omsk . E, ali, na Casa dos Mortos, explodem-lhe de forma violenta as suas maiores crises epilépticas. O Evangelho é o único livro permitido na prisão. E da sua leitura constante, passou a aceitar o seu sofrimento, e varreu da sua alma a idéia de injustiça,pois o verdadeiro cristão nunca julgará injusto o seu destino, que lhe vem para a expiação, purificação e regeneração do seu ser.
E desta forma começaram a delinear nos recônditos da alma atormentada de Dostoievski as suas futuras memórias – Recordações da Casa dos Mortos.
De um ponto de vista extremamente pessoal, venho há anos lendo e meditando sobre a obra de Dostoievski, a partir de Crime e Castigo, Os Irmãos Karamázov, Os Demônios e O Idiota. Mas devo confessar, independentemente dos estudiosos, a que realmente me marcou foi Recordações da Casa dos Mortos, por ser o livro mais incomum na produção do grande romancista, onde o autor registra as memórias de sua prisão no presídio siberiano de Omsk. A obra, também do ponto de vista analítico , é uma síntese premonitória da sua futura obra literária superior; é como se fosse uma célula-tronco, que se multiplicou nos livros: Crime e Castigo, Os irmãos Karamázov, Os Demônios e O Idiota. E todas essas obras trazem uma característica peculiar: são livros de criminosos e pecadores, que crêem em Deus, e que também o negam.
Dostoievski, além de escritor, foi pensador e vidente profundo, que fez fulgir com a iluminação de sua mente a literatura do século XIX. A sua obra literária oferece duas vertentes: uma da angústia do homem de seu tempo, a outra do homem universal que almeja a libertação dos grilhões terrenos, num vislumbre de eternidade.
Pode parecer, ao leitor desavisado, à primeira vista, que Recordações da Casa dos Mortos é uma obra literária sem estrutura técnica e que seja tão-somente um frio relato, um tanto desleixado, para não chamar a atenção dos censores, com relação ao que não devia ser contado dos anos que o autor passou na prisão.
A obra em si revela um escritor terra-terra, sem a análise minuciosa dos estudos profundos da mente, que tanto o consagrou, mas registra, uma outra faceta do romancista, a de um arguto observador do mundo exterior, com suas causas e realidades.
Essas qualidades surpreendentes, ora apontadas, de Recordações da Casa dos Mortos são, de fato, uma das explicações plausíveis do enorme sucesso da obra entre os seus contemporâneos, em detrimento das outras.
A cena dantesca do banho dos forçados, em Recordações da Casa dos Mortos, mostra a grandeza de Dostoievski em retratar com pinceladas artísticas o quadro. Vejamos o sabor de algumas das passagens :
-“ Não havia um palmo de chão onde não houvesse um preso de cócoras, jogando sobre si a água de um balde. [...] Via de regra, nas costas fumegantes dos presos ressaltavam, claramente, as cicatrizes dos golpes ou chicotadas recebidos no passado, de maneira que as costas pareciam ter sido flageladas há poucos instantes. Cicatrizes horríveis ! Eles derramavam mais águas ferventes nos tijolos quentes e nuvens de vapor denso e quente enchiam toda a casa de banho; todos riam e gritavam. Por entre as nuvens de vapor vislumbravam-se costas cheias de cicatrizes, cabeças rapadas, braços e pernas dobrados [...] Cheguei a pensar que, se um dia estivéssemos todos juntos no inferno, havia de ser muito parecido com esse lugar.”
Recordações da Casa dos Mortos é um testemunho vivo da desumanidade do sistema penitenciário,que ressoa, hoje, no século XXI, para nós brasileiros, como denúncia do fracasso do sistema prisional dos dias atuais, que é marcado pelas rebeliões e fugas de prisioneiros, ou, como uma verdadeira universidade do crime,que não educa nem regenera o criminoso.. Assim sendo, vejamos a opinião do clarividente romancista, que sentiu na carne essa dura realidade, conforme narrada em suas memórias:
- “ Jamais constatei entre os prisioneiros o menor remorso, o menor rebate de consciência ; no seu foro íntimo, a maioria deles considerava que agira bem.[...] O presídio, os trabalhos forçados, não melhoram o criminoso; apenas castigam, e garantem a sociedade contra os atentados que ele ainda poderia cometer. O presídio, os trabalhos forçados, desenvolvem no criminoso apenas o ódio , a sede dos prazeres proibidos, e uma terrível indiferença espiritual. Por outro lado, estou convencido de que o famoso sistema celular consegue atingir apenas um resultado enganador, aparente. Suga a seiva vital do preso, enerva-lhe a alma, enfraquece-o, assusta-o, e depois nos apresenta como um modelo de regeneração, de arrependimento, o que é apenas uma múmia ressequida e meio louca.”
Não obstante , o humanismo generoso que pervaga o livro, Dostoievski mostrou com simpatia os criminosos e proscritos, com suas histórias e psicologia individual, dando a eles a oportunidade de contar de viva voz a sua própria tragédia existencial. E, assim, ao longo da narrativa, o autor soube iluminá-la com uma intensa luz humana de grande poder humanístico, procurando ver em cada criminoso o ser humano escondido na sua latente exclusão social, como parte da humanidade sofredora.




PELOS SERTÕES DO PIAUÍ

“Falar assim é que é falar com a natureza. Não conheço povo como o nosso do sertão, que por palavras de mais realce ao seu sentir, tenha mais energia do dizer. . .”
Euclides da Cunha.

O meu avô, Pedro de Moura Alencar, piauiense da gema, alpercatona de couro, chapéu de sirigoba, de boa cepa, da árvore genealógica dos “Moura”, filho de Joaquim de Moura Alencar e de Maria de Moura Alencar, ambos das regiões de Oeiras, Picos e chapada do Corisco. Ao quebrar das barras, do ano de 1911, botou a tropa, batendo as bruacas e caçuás, ao som dos cincerros, de rota batida pro Nortão de Goiás, e não titubeou, foi dar com os costados à margem do rio do Ouro, em Descoberto, hoje Porangatu, onde situou a sua fazenda de gado.
Portanto, com essa bagagem genética piauiense, oriunda de meus avós paternos, pulsando no meu corpo, regada à carne de bode, farinha e rapadura. Não deu outra. Veio a furo, e levou-me a estudar, prazerosamente, a literatura do Piauí. E o primeiro livro que me cai às mãos foi Caatingas e Chapadões, do escritor Francisco de Assis Iglésias. Empolgado com a leitura, não vacilei, dei corda ao pensamento, arreei o meu tordilho, ajaezado a capricho, sem esquecer de agasalhar no lombilho o alforje de couro de mateiro, fornido com munição de boca, e no arção atravessado o rifle papo-amarelo.
Assim, preparado para o que desse e viesse, segui de peito lavado o doutor Iglésias, pelos Chapadões, brejais tabuleiros e as longas veredas de buritis. Passamos por Bom Jesus da Gurguéia e toramos no mundo. Os carreiros eram um emaranhado e se bifurcavam assustadoramente. O sol estava a pino, no momento em que cruzamos uma mata rala de angicos, jatobás; quando saímos na chapada, sob verdejantes cajueiros, vislumbramos um rancho. Zé Cartucheira, como pagem, gritou:
-Ò de casa!
- Ó de fora! - respondeu uma voz feminina - podem chegar. Aí o doutor Iglésias foi logo perguntando:
- Como se chama esta morada?
- Flor do Tempo – respondeu a graciosa morena de olhos verdes. O doutor Iglésias, com a resposta se desmanchou todo, no seu jeitão, de alma poética, e, em introspecção exclamou:
- Flor do Tempo é flor que nasce por aí, ao deus dará, sem que olhos humanos contemplem sua beleza peregrina. Flor do Tempo. . . Milagre da natureza, que esbanja prodigamente seu aroma delicioso em ambiente calcinado pelos raios solares, ao lado de vegetais rasteiros e insignificantes. Flor do Tempo. . . é flor que os anjos, brincando de jardinagem, semearam e o capricho da fecundidade fez nascer em outeiro desolado. Flor do Tempo. . . é um lírio do campo que suplica ao viandante que o leve, antes que as rudes patas da alimária o esmaguem. . .
Daí, após o pernoite, riscamos trilheiros e fomos bater em Santa Filomena, onde o doutor Iglésias comprou uma balsa de talos de buritis, e lá fomos nós rio Parnaíba abaixo. Passamos pelas terríveis cachoeiras, Molha-Fundo e Apertada-hora. Após um percurso de dez léguas, na barra do Riachão, deixei o doutor Iglésias estabelecendo o seu projeto agropecuário, que batizou de “Vila Eng.º. Dodt”, em homenagem ao grande explorador do rio Parnaíba e Gurupi.
A tarde descambava nos horizontes maranhenses, e numa guinada brusca, voltei-me para o Piauí a toda brida, e saltei carregado de emoções, nos sertões bravios de “CURRAL DE SERRAS”, de Alvina Gameiro.
Sertão bruto, mas cheio de vida, em pleno esplendor selvagem. Cenário rico do agreste, que me levou a percorrer a imensidão dos chapadões. A canícula tremia ao longe, na aba dos morros, e nestas horas procurei um capuão sombrio. E o estilo mágico desta Rachel de Queiroz do Piauí foi levando-me pela verdejante pradaria; quando dei fé, eis-me às margens do rio Sapão, pedra de Amolar, as três águas divisoras dos Estados da Bahia, Maranhão e Tocantins. E lá naquele altiplano arrebatador despontava, na linha do horizonte, a “SERRA DO JALAPÃO”, já no meu Estado.
Assim sendo, deliciei-me com o linguajar vigoroso do sertanejo, a estrutura frasal e, também, dialetal, de “CURRAL DE SERRAS”, que desperta de forma sutil estudo acurado, no campo lingüístico - filológico - semântico. Obra prima da literatura piauiense, que pode ser colocada ao lado de “GRANDE SERTÃO: VEREDAS, de Guimarães Rosa, com elegância e garbo, sem medo de sombra. O próprio tempo se encarregará do reconhecimento desta grande obra literária. E neste dia, de verdadeira justiça, as elites culturais, os medalhões se lamentarão da omissão imperdoável. Que trouxe, afinal, Alvina Gameiro, essa dama conceituada da literatura do Piauí? Trouxe muito, encantou a todos com sua arte,( inclusive, agora, nós tocantinenses), e deliberou o juízo crítico sobre a sua obra romanesca, bem estruturada e disciplinada. Mesmo somando a sua produção literária, que veio revelar o tamanho e a força da sua capacidade criadora. E “O VALE DAS AÇUCENAS”? “OS CONTOS DOS SERTÕES DO PIAUÍ”? E, a “VELA E O TEMPORAL”?, Aqui, sim. É um romance magnífico, que nos induz o amor à terra, ali, na fazenda Santa Quitéria, onde se ilumina no epicentro do enredo, a meiga e corajosa Rousária. E a lição do capurreiro Fulgêncio sobre a utilidade da folha de buriti? Cena bem arquitetada, que deslumbrou José Lins do Rêgo, digna de antologia, conforme recomendou o grande escritor regionalista.
Porém, neste ponto sou forçado a interromper os meus pensamentos, que fluíam como um riacho fogoso, ali, na Fazenda Santa Quitéria, pois uma voz telepática projetada de Caracol ferreteava-me a razão:
- Vamos adiante. Pra frente é que as bruacas batem!
Num átimo pulo da rede de tucum, monto no meu tordilho e ganho estrada, no rumo de Picos, ao lado do consagrado escritor regionalista, FONTES IBIAPINA, com sua cabeleira de espeta-caju, no dizer de Wall Ferraz, e fomos de rota batida pro “TOMBADOR”. Ave-Maria! Meu bom Jesus do Canindé! Quando percebo estou em plena era feudal e escravocrata. O manguá estala bonito o pai-nosso, no lombo da negrada. Tronco, vira-mundo, peias, bacalhau, umbigo-de-boi, e lá se vão os instrumentos de suplício da escravidão. Fontes IBIAPINA viajou no tempo, como um arrojado sociólogo e historiador, que se inspirou no fato histórico e o transportou para o campo ficcional, dando-lhe beleza e arte. Não fugiu a sua predestinação literária, pelo contrário, instrumentou-a com a carocha do linguajar regional. Levantou o conflito social das almas peregrinas. Mostrou a tragédia humana no seu quadro horripilante em pleno sertão bruto.
Fontes IBIAPINA, com maestria trabalhou o espaço geográfico por onde andam os seus personagens, ou seja, o sertão bruto, os cafundões longínquos, os brocotós, os socobós, o oco do mundo, desasistidos, desamparados a que se entregam pelo flagelo as condições do meio, que passa a ser a tônica exasperante a criar-lhes, no âmago do ser, o sentido da injustiça social a que vivem relegados.
Em termos conteudísticos e de linguagem, IBIAPINA, na sua vasta obra, torna-a atraente, original, fiel ao meio, comunicativa, aliás, a aspiração de todos os escritores - do passado e do presente.
O linguajar regional não consta nos contos e romances como peça exótica. A oralidade, constante nos diálogos e, muitas vezes, na intuição do escritor-narrador, projeta e comunica com autoridade minúcias do traço psicológico do campônio, provocando meditações sobre as condicionantes históricas.
A temática, os enredos, as intrigas, o perfil psicológico, a estrutura, enfim, de sua obra literária são tirados da dura realidade social, da angústia do homem desprotegido, dos gemidos das terras escarambadas, do rebentão, como em “VIDA GEMIDA EM SAMBAMBAIA”.
Surpreendentemente, Fontes IBIAPINA realizou uma literatura regional, riquíssima, ligada ao tempo e ao espaço geográfico pré-determinados, constituindo assim uma bela literatura universal, que arranca das almas suas emoções básicas.
O regionalismo em Fontes IBIAPINA encontrou terreno fértil, a fala, os costumes e a sabedoria do povo; com isto, podemos afirmar:
- O regionalismo é a maior escola literária do mundo, pois registra o falar bonito do Sertão, fixa os costumes, a fala e a sabedoria do povo, na memória do mato.
Os galos amiudavam, ali, em “Tombador”, a mãe-da-lua, lá nos cafundós da mata, garganteava a toada triste e penosa. Da parede do açude velho vinham-me murmúrios de vozes apaixonadas; eram Bernardino e Justina, entrelaçados pelo destino que os uniam na Loucura.
Um caburé errante, num galho seco, chama-me a atenção, e lembro-me de William Palha Dias, e identifico a sua voz telepática projetada de Caracol:
- Vamos adiante. É pra frente que as bruacas batem!
Não perco tempo. Tomo rápido o meu café-de-isca, coloco no alforje o frito, e dou adeus à Fazenda “TOMBADOR”. E num piscar de olhos entro de peito estufado em “VILA DE JUREMA”. Do alto da sela do meu tordilho, fico espiando o mundão da jagunçada dos coronéis desalmados, e o repicar da papo-amarelo, de cano oitavado.
De credo na boca, entre a espada e a água benta, viro-me à direita e surge-me a imagem de João Situba fazendo papel funambulesco de irmão-das-almas. A sua voz cavernosa reboa:
- Irmãos das almas penadas! Irmão das almas penadas, que vagueiam pelas profundezas do abismo, deixa passar livremente as almas dos irmãos - Adriano e Mariana para que ambos subam felizes ao Reino da Glória, na paz do Senhor!
Ainda com a cara pra cima, que só jumento nas várzeas, viro-me à esquerda e deparo-me com a cablocada no barracão da canastra.
A voz inconfundível, outra vez:
- Vamos adiante. Pra frente é que as bruacas batem!
Monto no meu tordilho e trovejo nas abas do mundo, na direção de Oeiras. A canícula é tremenda, logo avisto um jatobá frondoso. E ali, sento-me naquela sombra hospitaleira, e tiro da patrona a mortalha. Vou picando o fumo. Pacientemente, enrolo o pau-ronca, risco o papa-fogo. Ato contínuo, puxo uma tragada, e solto a fumaça para espantar os bisogôs e muriçocas. Nisso se aproxima, saindo da boca da mata, um velho de barbas brancas, vestido à bambalhona, fogoió, chapéu de couro, rosário de contas de mulungu no pescoço, laporte à mão direita, alpercata de rabicho nos pés, ao ombro um bisaco, contendo suas trapizongas. Vai dizendo, sem trelho nem trebelho, na sua maneira destabocada:
- Deus seja louvado! Não me leve a mal, seu deputado, me dê uma rodela de fumo, estou mais liso que bacia de alma.
Acho graça da esperteza do capurreiro, e respondo-lhe:
- Não sou deputado, pois político é como feijão n’água, só sobem os podres.
Com minha resposta, o velho se abre todo, numa gaitada de fole velho, e retruca:
- Mas seu doutor, político é como merda de gado, por cima seca e por baixo aquela porcaria.
Dou-lhe um pedaço de fumo, e ele, em sinal de despedida, dá-me um fruto de araticum. E prossegue a marcha, digamos assim, à matroca, a trouxe-mouxe, rindo e falando ao vento:
- Político. . . só sobem os podres! E vendo-o sumir na baixada, com o cacaio às costas, recordo dos excelentes contos regionais de Magalhães da Costa, especialmente daquele do velho do livro da capa preta – Lunário Perpétuo; e por sinal, esta raridade, juntamente com o Chernoviz, Missão Abreviada, edição, 1874, usada nas prédicas de Antônio Conselheiro, em Canudos, estão na minha biblioteca, guardados a sete chaves.
O tempo começa a fechar, e quando vejo estou dentro de “Um Rio Subterrâneo”. Assusto-me, dando-me um sobrosso, pois sou regionalista e não clássico. Ouço a voz de um moribundo gemendo. Tempestade caindo. A solidão do mocho. Vozes nervosas. Ferrolho emperrado, correndo nas janelas. Tranca descendo. Almas sofrendo. Traições passionais. Conflitos humanos. Neurose. Loucura. É o pulsar ogerreguiano no campo realista, interligado no psicossocial. Tudo isso me leva aos mestres: Flaubert, Machado de Assim, Graciliano, Rolland, Guy Maupassante e Dostoievski.
A voz embutida no tempo acossa-me, peremptoriamente:
- É pra frente que as bruacas batem!
Não conto nada, não. O meu tordilho começa a passarinhar. Como sou neto, e bisneto, de piauiense, criado com pirão escaldado num cozidão de bode, não penso duas vezes, chamo o bruto na manguara, corro-lhe no vazio e na tala do bucho as esporas, aí sai garboso pelo trilheiro. Mas o munganguento começa com treta, dou uma quebrada de freio, meto-lhe na fuça o calabrote, e o bicho troveja nas asas do vento; e fomos bater na beira do Parnaíba, em Amarante. O céu fecha e a chuva cai copiosamente. Uma ambiência espiritual se estabelece na margem do rio. O banzeiro eleva-se. Do meio do rio forma-se um nevoeiro diáfano e misterioso; da penumbra à roda à roda, surge uma canoa ao lume da água, vogando brandamente de bubuia. E no centro da tosca embarcação, resplandece a figura de um homem, envolto numa aura brilhante, que emana vibrações de estrelas superiores. A sua tez é morena, olhos tristes, magro e um pouco curvo. Assim que a canoa se aproxima, beira-rio, do meu ângulo de visão, eu reconheço aquela figura luminosa e grave. Era o grande poeta Da Costa e Silva, que descia o velho monge recitando o imortal poema- “Saudades”. A sua voz melodiosa fazia estremecer as bordas do rio:

Saudade! Olhar de minha mãe rezando,
E o pranto lento deslizando em fio. . .
Saudade! Amor de minha terra . . . O rio
Cantigas de águas claras soluçando.

Noites de junho. . . o caburé com frio,
Ao luar, sobre o arvoredo, piando, piando. . .
E, ao vento, as folhas lívidas cantando
A Saudade imortal de um Sol de estio.

Saudade! Asa de dor do pensamento!
Gemidos vãos de canaviais ao vento,
As mortalhas de névoa sobre a Serra. . .

Saudade! O Parnaíba – velho monge
As barbas brancas alongando. . . E, ao longe,
O mugido dos bois da minha terra. . .
A visão fantasmagórica se desfaz e ouço aquela voz de comando:
- Vamos adiante. Pra frente é que as bruacas batem!
Salto no meu tordilho e abro o pala no mundo. Cruzo a Chapada das Mangabeiras, e quando vou descendo a Serra do Jalapão, vem-me à mente a obra de Elmar Carvalho “Rosa dos Ventos Gerais”. E do Leste os ventos gerais sopram para o Tocantins, no mês de junho, preparando a chegada do verão. Ao longe desenha o morro Mandacaru, já em território tocantinese. Pedra da Baliza, testemunha saecula saeculorun da passagem das boiadas, das tropas, no rumo da Bahia. Cenário agreste do meu romance – Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros. O meu tordilho vai vencendo os estirões, na areia frouxa. Bandos de ema correm em ziguezague, balançando os gordos peitoris. Quando entro no Brejão de Areião, uma luz desce do céu em forma de cone e puxa-me aos rodopios para dentro do túnel.Um leve tremor desperta-me, e voltando às minhas faculdades, vejo-me no meu escritório. Ao lado do computador está o dicionário:“Escritores Piauienses de Todos os Tempos”, de Adrião Neto. Compêndio monumental, repositório da memória literária do Piauí, que não pode faltar na estante do escritor, do pesquisador, do estudante, enfim, do amante da literatura. Obra bastante popular nos meios acadêmicos do Tocantins, e responsável por esta viagem mágica ao mundo encantado da Literatura piauiense.
Levanto-me da cadeira, abro a janela, fito o céu de brigadeiro, e declaro a mim, em reflexão: -A Literatura do Piauí existe e está a caminho do terceiro milênio!


DOM XICOTE – ORALIDADE E IMAGEM CRONOTÓPICA




“O escritor se firma e permanece na lembrança de seus contemporâneos especialmente em função de sua inventiva, de sua técnica, de sua linguagem e/ou de seu poder renovador”. Almeida Fischer

Francisco Miguel de Moura é romancista, poeta, contista e crítico literário dos mais atuantes hoje, entre os laureados de maior destaque no cenário das letras do país, graças ao seu talento, e à seriedade na elaboração de sua vasta obra. O seu sucesso, como escritor, é marcado por vários prêmios, inclusive de âmbito nacional, figurando também em antologias editadas no Brasil e exterior.
Como crítico literário, de acentuada militância na imprensa, notadamente em seu estado, já publicou, com sucesso editorial, dois livros de ensaios: “Moura Lima – Do Romance ao Conto-Travessia Fecunda pelos Sertões de Goiás e Tocantins”, e “Linguagem e Comunicação em O. G. Rego de Carvalho”. A sua crítica é refletida, impressionista, simples, sem o vazio inibidor, que camufla a linguagem erudita de muitas publicações.
Porém o novíssimo romance Dom Xicote, de Francisco Miguel de Moura, é o registro da síntese literária de toda a sua obra; é como se o víssemos percorrendo uma extensa planície e, no final, o divisássemos bem no topo de uma montanha, estático, de gesto sereno, de quem não tem pressa; com o rosto voltado para o poente, mas pleno de satisfação, e contemplando, de forma definitiva, o resultado de sua vitoriosa carreira de escritor bem-sucedido, na ficção brasileira.
O novo romance do festejado escritor piauiense já nasceu predestinado ao sucesso, foi ungido no nascedouro com o prêmio nacional Fontes Ibiapina de Literatura, da Fundação Cultura do Estado do Piauí.
Mas é bom que se diga: o que garante o sucesso de uma obra literária é o conteúdo artístico – nada se altera ou se acrescenta, se o autor é rico, pobre, político, feio, bonito, nobre, plebeu. Graças ao soberano dos mundos, é um jogo de inteligência e competência, onde não entra o domínio corrompido do poder material - temporal da sociedade.
De fato, o que garante, em literatura, a imortalidade da obra de arte são os requisitos da técnica de construção, o estilo, o enfoque profundo, a competência de movimentar personagens como seres vivos, de carne e osso!
Se, no romance “Laços do Poder”, o romancista maior do Piauí atingiu a plenitude de sua obra ficcional, com uma narrativa fragmentada, dialógica, em que as vozes das personagens vão-se interligando, numa atmosfera de denúncia e conflitos existenciais, e, agora com o novo romance, qual foi o caminho palmilhado pelo notável escritor? Responderão, naturalmente, os Senhores da escrita: - Foi o caminho da maturidade e da experiência com o texto acabado!
Da nossa parte, creio eu que o escritor Francisco Miguel de Moura, simplesmente, deu uma pausa na sua já consagrada obra literária, para atender o apelo secular de Tolstói:
- Volta para a tua aldeia, e serás Universal!
E, assim, o fez o brilhante escritor, para cantar e decantar em Dom Xicote a região de Curral Novo, fazenda Jenipapo, reduto de seu nascimento, no sertão agreste do Piauí.
O romance é bem estruturado, com diálogos bem elaborados, frases melodiosas, que, no dizer de Gilberto Freyre, dá vida ao estilo do escritor. E tem personalidade própria, pois uma obra sem personalidade é uma obra morta. O romance, sem embargo, resiste de forma convicta a qualquer desmontagem ou análise de texto que se lhe faça.Os elementos de literariedade, que lhe assinalam toda arquitetura, respondem com vitalidade os questionamentos que lhe sejam feitos. A visão da sociedade sertaneja que comunica é a da vivência do autor. O personagem central, Dom Xicote com X, que não é Dom Quixote, de Cervantes, mas que foi alcunhado pela namorada Amanda, no fundo, não passa do alter-ego do autor, que, num processo de assunção psíquica, volta a sua infância sofrida, naquele chão bruto, onde campeava a fome e a negra pobreza. E a única alegria do menino Xicote (CHICO), de aspecto magricelo, verdadeiro cipó de dar em alma, era quando a mãe dirigia-se para a casa da rica tia, a tia Rosa, que na verdade não passava de uma unha-de-fome, uma muquirana, pois, na hora de o pobre Xicote matar a fome, de pronto advertia:
- Zefa, este menino seu come demais. Eu não suporto.
Portanto, em Dom Xicote encontram-se duas vertentes da ficção de Francisco Miguel de Moura. A primeira é a do romancista voltado para o drama psicológico das personagens. A segunda é a do escritor preocupado com os problemas sociais do seu tempo. E essas projeções introspectivas devem ter assinalado ao autor, como orientação de suas premonições artísticas. Afinal, seus personagens – tipo predominante ao longo do romance, e também de sua produção literária podem ser rotulados como “pacatos”, “predadores”, “oprimidos”, e estão cheios da timidez e da compunção moral, como fator de uma mentalidade atormentada pelo agravante do meio, aliás, extremamente corrupto, degenerado e cruel.
A arquitetura social do romance se reveste de superioridade, em razão da unidade alcançada, bem como do cronotopo delineado, e enquadra-se com uma série de esquetes, memória pessoal, documental e constituindo, assim, uma forma mista. Com efeito, o autor misturou o erudito, o burlesco e o popular. Com isto, dentro de sua intuição artística, criou uma acentuada sátira menipéia dos sertões brasileiros.
No romance está presente o discurso polifônico, que o torna uma manifestação multívoca, em que as mais diversas vozes sociais encontram espaço de emissão. O autor no seu processo criativo usou o enobrecimento da linguagem através de recursos estilísticos, consagrados pela língua culta, isto é, a literaturidade.
Não pense, porém, que este é um romance picaresco. Pelo contrário, Dom Xicote é, sobretudo, um romance de ritmo, de clima, de ambiente e de uma atmosfera carregada, onde a morte é uma presença constante, como também a morte espiritual, simbolizada pelo estiolamento psicológico dos personagens. È uma narrativa sombria, pesada, que envolve os personagens numa solidão asfixiante.
Assim sendo, nada melhor do que ilustrarmos o presente ensaio com subsídios do próprio texto do autor. Vejamos, porém, a seguir uma passagem do autor de grande poder imagético, que nos faz lembrar de Dostoievski, no seu romance “Recordação da Casa dos Mortos”; a cena soberba da expulsão da águia ferida, que estava impossibilitada de voar por causa de uma asa quebrada. A ave recusa-se a ser amansada, negando-se até mesmo a comer. Os forçados (prisioneiros), logo se cansaram da novidade, em razão do espírito indomável da águia que os levou a libertá-la:
-“ Que morra, mas não na prisão! ”
E um forçado a soltou para a liberdade, naquele dia frio, de final de outono, na tenebrosa paisagem da Sibéria, que no fundo simbolizava o sonho de liberdade de todos os prisioneiros. Os forçados observavam, curiosos, sua cabeça esvoaçando por cima da grama.
-Olhem para ela!- disse um deles sonhador.
- ... Ela está voando!
- Ah, é certamente a liberdade. È a liberdade que ela está farejando.
Vejamos, agora, um recorte do texto de Francisco Miguel de Moura:...
- “Só tenho raiva de Zé Bila porque roubou meu canário. Estava resolvido a soltá-lo, queria, sim, vê-lo tirando um vôo grande de liberdade!”
E esse “ vôo grande de liberdade” é a voz subjetiva do narrador, que tenta, de forma sutil, a libertação dos grilhões sufocantes que o prendem ainda, inconscientemente, na masmorra da pobre infância e do círculo dos excluídos sociais.
Vejamos outro fragmento revelador dessa atmosfera densa e opressiva:
- “ Os ricos... Eles não trabalham. Só comem, são o esmeril da humanidade”.
E, assim, o autor vai marcando o tempo psicológico com unidades de recordações e criando personagens marcantes como a do falso médico doutor Crucifon, que enganava aquela sociedade sertaneja, no dizer do narrador – a terra dos condenados -“Era um lugar carente de tudo, de dentista, de padre, de médico...”
E, concluindo, devemos ressaltar que a oralidade está presente na transposição lingüística e na irradiação semântica, que marca a ação combinatória ou sintagmática do torneio frasal, e cria efeitos de grande poder expressivo, talvez reflexo do que lhe ficou dos autores que o marcaram, como William Faulkner e Thomas Hardy. Não há dúvida de que o romance é marcado pela dor, a angústia, o ceticismo, mas aponta para a posteridade como obra profunda e de exuberante riqueza estilística, que certamente conduzirá o autor para o panteão da moderna literatura brasileira.




Gurupi, uma palavra originária do Tupi
ESTUDO LINGÜÍSTICO HISTÓRICO

“Gurupi é palavra Tupi, e não Xerente. Jamais significou diamante puro, mas sim, o rio das roças”.




De maneira geral todos nós brasileiros temos a sensação de viver num país monolíngüe; mas de fato, o Brasil é, na acepção da verdade, uma nação multilíngüe, pois, no território pátrio, são faladas atualmente 180 línguas, sendo que o Português é a majoritária e as demais minoritárias.
Já no descobrimento do Brasil, existiam no nosso território mais de mil línguas, e hoje se resumem a 15% no país.
Outro ponto a ressaltar é o estudo dos nossos lingüistas brasileiros, que vêm tentando reconstruir a história filogenética das línguas sobreviventes.
No horizonte das línguas indígenas brasileiras, destaca-se a língua tupi, ou nheengatu, o tupi vivo – a língua bela!
E, parafraseando o general Couto de Magalhães: “ Nenhuma língua primitiva do mundo, nem mesmo o sânscrito, ocupou tão grande extensão geográfica como o tupi e seus dialetos”.
Assim, é só olhar ao nosso redor: estão, aí, as palavras tupis nos nomes dos lugares, das cidades, das plantas, dos rios e das tribos indígenas, que ainda erram pela Amazônia e vão levando os vestígios dessa poderosa língua. Vejamos alguns exemplos: Itapuranga, itá - pedra, puranga – bonita - A Pedra Bonita; Itaipu, itá - pedra, ypú – fonte - A Fonte das Pedras; Itajubá, itá - pedra, yubá - amarelo - A Pedra Amarela, o ouro.
Por conseguinte, se os nossos pioneiros fossem um pouco mais esclarecidos na toponímia indígena, não teriam colocado o topônimo Gurupi, mas sim, ITAÚNA, itá-pedra, una-preta – A pedra preta, que estaria em consonância com a história da colonização do município, que teve inicio na fazenda Pedra Preta, primeiro núcleo humano a adentra o território do futuro município de Gurupi, na década de 1920, capitaneado por Zé Vaqueiro, Bião, Rufino Ciel, Zé Praxedes e outros.Mas é uma outra história, que abordo em profundidade no meu livro inédito “A Conquista do Sertão de Gurupi”.
A palavra gurupi, topônimo da cidade de Gurupi, estado do Tocantins, é de origem tupi, e não xerente, como querem os apedeutas.
E de acordo com os tupinólogos Teodoro Sampaio, Pe. Lemos Barbosa, e Couto de Magalhães, a sinonímia da palavra gurupi, é “o rio das roças”; jamais diamante puro.
Para ser “diamante puro” teria que ser outra palavra do tupi, como, por exemplo: ITABERABETÊ, que quer dizer, o cristal verdadeiro, o diamante puro.
Assim sendo, vejamos a decomposição do sintagma gurupi, que é uma frase adverbial.
Gu= líquido, água; rupi= preposição pelo + caminho da roça, ou seja, gramaticalmente o caminho da roça. E fazendo aglutinação do termo determinante e determinado, isto é, por sintonia semântica de elementos componentes, rio + roça, dá o sinônimo – o rio das roças.
Recentemente, lendo o livro “Descrição dos rios Parnaíba e Gurupi”, edição 1873, do cientista alemão, depois naturalizado brasileiro, Engº Gustavo Dodt, que realizou uma expedição exploratória e científica no rio Gurupi, divisor natural do Pará e Maranhão, chegamos à conclusão de que, em razão de os índios Timbira (tronco tupi) plantarem à margem do rio as suas roças, passaram a denominá-lo de Gurupi, que significa na língua Tupi “O Rio das Roças”.
Mas, de acordo com estudiosos lingüistas da Amazônia, a oralidade está presente, nos dias que correm, notadamente, nos costumes, nas tradições da margem do rio Gurupi, do Maranhão, desde a sua formação, na cabeceira do rio Itinga e Cajuapara; e em todo o seu percurso, até a desembocadura no Atlântico, os nativos da região, de maneira geral, consideram o significado da palavra gurupi como “Caminho de água”, de certa forma, vem corrobora lexicamente o presente estudo etimológico e semântico.
Por conseguinte, nessa linha de raciocínio e, tão-somente, para uma ilustração geográfica dos leitores, o rio Gurupi separa o Maranhão do Pará, nascendo na base setentrional da serra conhecida pelo nome de “Serra de Gurupi”, ou seja, um prolongamento da serra da Desordem, paralela ao rio Tocantins. E o desbravador dos sertões de outrora, naturalmente, passando pela nossa região (Gurupi-Tocantins), talvez observando a fertilidade das margens do nosso rio, batizou-o de rio Gurupi, em homenagem ao Rio Gurupi no Pará, o “Rio das Roças!”. E o responsável por este transporte semântico da palavra gurupi foi um dos pioneiros da fundação de Gurupi, Moisés Britto, que, voando no seu teco-teco por cima da mata da bacia do Sto. Antonio, no inicio da década de 1950, dizia, na sua fala fluente, aonde chegava, desde Porto Nacional até Goiânia:
-É uma beleza de mata, parece a mata do Gurupi, lá do Maranhão!
E essa repetição constante, análoga a um bordão fraseológico, se espalhou pelo setentrião de Goiás, hoje Tocantins, e daí a pouco, a mata da bacia do rio Sto. Antonio era batizada de “Mata do Gurupi”, e, por analogia, estendeu ao rio Gurupi e ao povoado em formação.
A palavra gurupi, ou melhor, a patuscada do nosso primeiro historiador Adauto Cordeiro Cavalcante, no seu livro “Gurupi”, edição UFG, 1968, faz um cipoal semântico medonho, sem base filológica (pois, o autor não citou referências bibliográficas) para a definição, criando assim um mistifório ou engrimanço soberbo, de verdadeira maçarocada lingüística; por aglutinação prefixal imagética, corajosamente definiu gurupi como “Diamante puro”, numa afronta de contraste aos estudiosos da língua tupi e, no que tange ao aspecto geológico do solo de nossa cidade, que é, na sua maior parte, de pedra-canga, isto é, a ultima fase da decomposição da rocha. Grande paparrotada!
Portanto, esse crasso equívoco, que se generalizou, na repetição constante, de um significado falso, sem consistência filológica, criou uma questiúncula, que nos levou a pesquisar o sentido etimológico da palavra gurupi.
Porém, observando-se a palavra gurupi pelo ângulo da cultura popular, ou pelo regionalismo, ou pela carnavalização dialógica, no dizer de Mikhail Bakhtin, a mesma se autodefine, na linguagem espirituosa de nossos matutos, como “confusão”, em razão dos tendepás, das velhacarias, dos atos desonestos, dos qüiproquós, rusgas e do disse-que-disse dos linguarudos matraqueiros, tão comuns nas regiões pioneiras das currutelas e dos pequenos lugarejos, em função do fluxo migratório dos aventureiros na busca de melhores dias, ou dos prazeres ilusórios da caminhada terrena.
Por isso que ainda se diz, no linguajar popular ou dialetal de nossa região, no cochicho de velhos sertanejos:
- Veja lá, meu compadre, aquele cabra é um gurupi à-toa! Quer dizer, velhaco, desonesto, intrometido, traiçoeiro e cheio de artimanhas escusas. Estribado em tal conceito popular, cremos que o mesmo ocorreu em razão da deturpação do significado da palavra gurupi, no Tupi-Guarani, que quer dizer, ” por debaixo”, às oculta. E o timbre malicioso do nosso sertanejo não perdeu tempo, e estendeu-o à pessoa de má índole, isto é, aos velhacos, embusteiros e desonestos.
Assim, neste breve bosquejo, não pretendemos esgotar o assunto, mas sim, abri-lo para novas pesquisas, que venham consolidar e legitimar as bases verdadeiras da história de Gurupi, - a capital universitária do sul do Estado do Tocantins.

*Texto publicado na Internet, site: www.usina de letras.com.br










O SERTÃO DE ALVINA GAMEIRO
- DO REGIONAL AO UNIVERSAL –

“O talento de Alvina Gameiro faz com que o linguajar matuto de Curral de Serras, por vezes tão pitoresco, de repente se ilumine em função de símiles, símbolos e alegorias, alçando-se a um nível de grande expressividade.”
Almeida Fischer


Sumário:
- Quem é Alvina Gameiro
- A Professora
- A Artista Plástica
- A Ficcionista e o Sertão Bruto
- A Obra
- Curral de Serras, obra-prima de Alvina Gameiro, uma breve cosmovisão.

- Quem é Alvina Gameiro

Alvina Fernandes Gameiro é piauiense de Oeiras, onde nasceu a 10 de novembro de 1917, e faleceu em Brasília, a 13 de agosto de 1999. Fez seus primeiros estudos em Teresina-PI, seguindo, mais tarde, para o Rio de Janeiro, onde se formou em Artes Plásticas pela Escola Nacional de Belas Artes, e, posteriormente, graduando-se pela Universidade de Colúmbia, NY – USA. Professora, romancista, contista, poetisa e pintora. Pertenceu à Academia Piauiense de Letras, cadeira nº 14-patrono: Cônego Raimundo Alves da Fonseca, grande tribuno sacro e brilhante latinista.
Os pais da escritora piauiense se chamavam Antônio Pedro Fernandes e Vitória Fernandes.
Alvina Gameiro teve quatro irmãs: Maria, Luciana, Glória e Maura.
O funileiro português Antônio Pedro Fernandes foi uma pessoa estimada no seu meio, que veio para o Brasil antes da 1ª Grande Guerra, e fixou-se em Belém, e depois foi contratado pelo governo do Piauí, para montar máquinas de fabricação de laticínios. E escolheu a Chapada do Corisco, Teresina, em 1922, para fixar a sua residência, em caráter definitivo. E, na Cidade Verde, no dizer de Coelho Neto, viveu trinta e um anos, trabalhando com afinco e amando os necessitados, a quem socorria com dinheiro e refeição. Sua morte, ocorrida no ano de 1953, é uma prova eloqüente do seu amor ao próximo, pois o povo humilde, mendigos e velhos choraram copiosamente pelas ruas de Teresina a sua morte!
A indústria e o comércio de Antônio Pedro Fernandes situavam-se numa casa do centro de Teresina, esquina com o antigo Banco do Brasil, na rua Eliseu Martins, próximo da praça Rio Branco. Era um prédio rústico, mas arejado e limpo, onde o coração generoso de Antônio Pedro Fernandes o transformava, ao cair das tardes, num templo acolhedor de saber e fraternidade. E assim, sem tardança, iam chegando os homens cultos e os grandes da terra, para a prosa animada: Esmaragdo de Freitas, Cromwell Carvalho, Mário Baptista, Higino Cunha, Celso Pinheiro, Martins Napoleão, Pedro Britto, Cristino Castelo Branco, Luiz Mendes Ribeiro Gonçalves, Simplício Mendes, Benjamim Baptista, Àlvaro Ferreira, Arimathéa Tito, Artur Passos e outros. E ali, naquele templo improvisado, reuniam-se escritores, juristas, historiadores, médicos, poetas, políticos e magistrados, como assevera A. Tito Filho:
— “Fizesse sol ou deixasse de chover, não dispensavam o bate-papo com o culto funileiro!”.
E foi assim que viveu, cresceu, e desabrochou para a vida Alvina Gameiro, num lar cheio de amor e de busca de tudo que promanasse da inteligência e do saber.
Casou-se, por força da predestinação, que não abandona as almas superiores, com o engenheiro arquiteto Argemiro Gameiro, homem culto e de alma bondosa. Da feliz união nasceram os filhos: Guttemberg, Elizabeth e Argemiro.
Partindo desses pressupostos de ordem maior, que engrandecem, sobretudo, a alma humana, foi que nasceu para a glória da Literatura piauiense e do Brasil a escritora do imortal Curral de Serras!
Alvina Gameiro foi uma escritora de sólida formação humanística e cultora excelsa da Língua Portuguesa, senhora de profunda obra publicada, entre romances, poesia e contos.

- A PROFESSORA

ALVINA GAMEIRO foi professora de português e de Inglês de vários colégios do Piauí, Ceará, e do Maranhão, tendo lecionado também na Faculdade de Filosofia de São Luis. E não fez mais que justificar o conceito de Spencer: preparar os indivíduos para os deveres da vida. Mas espalhou, acima de tudo, o fulgor de sua cultura refinada e de sua alma boníssima e superior, na missão redentora de seu sublime apostolado de professora e de guia zelosa das gerações. Era uma estudiosa da “última flor do Lácio”, basta dizer que a sua vasta obra literária é um imenso laboratório para o estudo dos cânones da língua e da legítima gramática histórica, do português primevo, deixado no solo brasileiro pelos colonizadores e bandeirantes. E na sua imortal obra Curral de Serras, ela incorpora no final, em forma de glossário, um estudo acurado de evolução semântica das palavras, num desbastar do ouro velho do idioma de Camões.

- A ARTISTA PLÁSTICA

Alvina Gameiro tinha uma alma extremamente evoluída, além-fronteiras da mediocridade humana, e esses traços dimensionais de sua personalidade iluminada também materializaram-se no campo das artes plásticas. Quem teve a sorte de visitar o seu lar acolhedor, em Brasília, pôde testemunhar a grandeza de sua arte como pintora, pois, na sala de visita, na parede frontal do ângulo de entrada, para o deslumbramento das visitas, eis que surgia em cores vibrantes um quadro representativo do julgamento do Mestre Nazareno, com a célebre cena de Pilatos lavando as mãos, em cores arrebatadoras, como se as pessoas fossem vivas!
Assim sendo, é uma particularidade de sua vida de artista, que urge vir a público numa exposição futura, talvez organizada pela Academia Piauiense de Letras.

- A FICCIONISTA E O SERTÃO BRUTO
Os chapadões, campos, matas, veredas e os gigantescos espaços abertos, a perder de vista na linha do horizonte, numa magia de sonho sempre deslumbraram a mente humana, que, fascinada pelo desconhecido, não titubeava com a possibilidade de uma travessia cheia de riscos e aventuras emocionantes.
No dardejar do século XVI, eram os mares a exercer o fascínio do desconhecido, e no final do século passado, e começo do fluente século, é o espaço sideral!
O sertão inteiro se mescla, também, como um desafio a ser vencido pelo homem, e a literatura regionalista utiliza-o como cenário, na criação e recriação da memória do mato. E assim o foram, como exemplo, as obras de Euclides da Cunha, Afonso Arinos, Hugo de Carvalho Ramos,Valdomiro Silveira, Simão Lopes, Alvina Gameiro e Fontes Ibiapina.
O sertão, do ponto de vista sociológico, representa uma visão contraditória e latente. De um lado, é a mais pura realidade brasileira, tanto social como estética, isto é o reflexo do que somos, como povo e nacionalidade. De outro lado, na expressão abalizada de Tristão de Athayde-“a encarnação dos males contra os quais devemos combater a miséria, a exploração do trabalho, os latifúndios feudais, a desnutrição, a violência, o analfabetismo, as moléstias endêmicas, a politicagem, em suma, o colonialismo interno, no que tem de mais retrógrado. Uma imagem bifronte, ao mesmo tempo luminosa e sombria”.
Älvina Gameiro, em Curral de Serras, com talento e mestria se apossa desse cenário agreste, dando-lhe um tom de gesta sertaneja e de nativismo arraigado. Vejamos:
— “ Na beira da corrente, matutava, espiando o viço do capinzal, bebedor daqueles frescos de orilha de riacho, inda com uma chave d’água já no fim de setembro, mês danado de seco.
... Desne que mundo é mundo, capim é cabelo da terra, cobertor do chão, esperança dos vivos, quando cai chuva e ele verdece, é nem ver um bilhete da saudade...
Esse é o sertão nostálgico de Alvina Gameiro, e de todos nós regionalistas, que se acabou com o avanço da civilização destruidora, e que está ameaçado de desaparecer para sempre. É quase uma saudade que vai desaparecendo, sumindo, já não se ouve mais o tilintar dos cincerros das tropas vencendo espigões, as notas graves dos berrantes, nas marchas ronceiras das boiadas varando as campinas, e o gargalhar da seriema nas veredas de buritis. Os descampados, as matas, os cerradões foram escarificados pelo risco betuminoso dos asfaltos. E é aí que reside o valor intrínseco de Curral de Serras, como obra de resistência, de defesa do que é nosso, num mundo em pandarecos e de inversão de valores. É um legado supremo para as gerações futuras, para os estudiosos do campo lingüístico.
Alvina Gameiro é uma piauiense amorosa de sua terra. E toda a sua obra literária é um hino de amor e devoção ao Piauí.
- A OBRA
A nossa história literária é calcada na verticalidade, com uma visão monomaníaca, unilateral e caolha, pois tem a estreiteza de resumir toda a nossa cultura literária em meia dúzia de nomes. E essa falta de um conhecimento horizontal da nossa história literária leva a uma injusta avaliação das obras que padecem na vala comum do esquecimento, como alma penada a vagar pela eternidade do silêncio.
A obra literária da escritora Alvina Gameiro, lamentavelmente, ainda não foi descoberta e colocada no lugar que merece, entre os nomes laureados da cultura nacional.
A sua estréia na literatura se deu com o lançamento do romance “A VELA E O TEMPORAL”, em 1957, seguido de “O VALE DAS AÇUCENAS”, também romance, de 1960. Depois editou um livro de poesia, “ORFEÃO DE SONHO”-1967. E 1970, estréia no conto com o livro – “15 CONTOS QUE O DESTINO ESCREVEU”. E prosseguindo na sua carreira vitoriosa, lança em 1971 – “CHICO VAQUEIRO DO MEU PIAUÍ”, romance versificado, que levou Martins Napoleão a exclamar, arrebatado:
—“Não vou mais esquecer este verso: “Quebrantado ao quebrar das quebradas.”
E 1980, já mestra de sua arte, lança o festejado romance “CURRAL DE SERRAS”, que foi recebido com louvor pela crítica autorizada.
E no piscar das luzes de 1988, dando sequência ao ciclo do sertão, publica o seu último livro – “CONTOS DOS SERTÕES DO PIAUÍ”.

6. CURRAL DE SERRAS, a obra-prima de Alvina Gameiro, uma breve cosmovisão.
O romance começa com o personagem central apeando da montaria à beira de um córrego para matar a sede numa “isca de riacho de uma chave de água”; aparece-lhe um homem, pensando talvez surpreendê-lo. Puro engano. Há muito o avistara de longe ao lado puxando um cavalo, castanho claro, pelo cabresto. E descreve o personagem com as minúcias decorrentes da observação penetrante do sertanejo:
— “ O homem era fogoió, sardento: cearense, judeu por inteiro ou cruzado com cristengo; tinha os olhos de cavalo gazo : confirmação de gringo; pestanas roídas, sapiranga antiga ou tracoma adiantado; beiços esfolados: lida com o sol, cachaça ou morrinha de fígado. Da cabeça desci. O pescoço dele era grosso, enterrado: sujeito de fôlego curto; o tronco alongado mas de muito pouca altura: sinal de alguma força; as pernas e braços espichados à moda de aranha...”

A ESTILÍSTICA GAMEIRIANA

A estilística gameriana balança entre três pilares da sua arquitetura verbal: a literatizante,a dialógica e a integrada. Exemplificando: a literatizante em Curral de Serras, é a manifestação lingüística predominante no que chamaríamos de regionalistas finisseculares; a dialógica é a que outorga na expressividade psíquica da narradora a fala do matuto; a integrada é a que nota as minudências da região no seu rico vocabulário, muitas vezes estilizado nas criações verbais, nas imagens, nas analogias e, notadamente, na projeção visualizada da composição do solo, dos campos, dos chapadões e ermos distantes.
A POETIZAÇÃO DA PROSA

Curral de Serras é escrito na linguagem viva e pitoresca do nosso sertanejo. A autora prima pela autenticidade da linguagem colhida no sertão. A obra se desenrola numa fala cronológica, medida pela cadência e pelo ritmo. Há na estrutura frasal um halo poético, que pontilha a ação e robustece a afirmativa de que a fala nordestina é cantada. E a arquitetura da frase gameiriana sinaliza em seu eixo uma acentuada queda para as formas regulares, que denuncia um fator intencional de materializar as sonoridades métricas e estróficas. E o ilustre crítico literário piauiense M. Paulo Nunes, com competência assinala: -“Curral de Serras” é um poema em prosa, inclusive porque composto todo ele em versos de redondilha maior, métrica multissecular da língua portuguesa”. E essa assertiva do clarividente crítico corrobora o nosso entendimento, de que a obra é intrinsecamente marcada pela sonoridade compassada e precisa, que estimula um universo de densidade poética cadenciada pela melodia, o ritmo, a homofonia, que ecoa num sertão-mundo de intensa beleza lírica e estilística.

O UNIVERSO NATIVISTA DE CURRAL DE SERRAS

O sertão-mundo é um repositório do português clássico-arcaico onde nosso capurreiro o conservou, em razão do distanciamento da evolução da língua que acontecia fora de seu domínio, e com isso manteve o vocabulário dos colonizadores.
E Guimarães Rosa, poliglota e estudioso das raízes lingüísticas de outros povos, usou esse conhecimento para criar e inventar a sua linguagem artificial, rica em neologismo, e que jamais fora falada nos sertões mineiros e além - Rio São Francisco, para compor a sua grande obra. E já nossa Alvina Gameiro seguiu o caminho inverso, o da fidelidade da linguagem do nosso sertão, em Curral de Serras, e por isso, ao meu ver, realizou sem sombra de dúvida obra superior. E é bom que se diga: em Alvina Gameiro nós enxergamos o sertão do Piauí no contexto da divisão geolinguística do Brasil, bem brasileiro, tanto no falar como nos costumes e nos matizes da cultura espontânea.

6. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto, comungamos com a afirmativa do escritor e crítico literário Luís Mendes Ribeiro Gonçalves:
— “ Curral de Serras, a obra da escritora piauiense Alvina Gameiro, desperta estudo meticuloso e sério. Disse antes e confirmo agora, convicto de que a tenho como um marco na literatura do Nordeste. Lembrará no presente a língua que os camponeses herdaram e conservaram; servirá no futuro, com o desenvolvimento cultural, de termo da comparação de uma fase passada. E, ao mesmo tempo, com substância, como romance, ainda como louvável demonstração de capacidade de observar, conhecer, coordenar e dar vida ao mundo imaginado.”
E por último, a nós que tivemos o privilégio do convívio com a autora, na fase final de sua passagem pela Terra, ficamos a vislumbrar numa projeção psíquica as suas andanças pelos altos sertões, Chapada das Mangabeiras, Águas-emendadas, Rio Preto e Sapão, munida de gravador ia colhendo, aqui e acolá, a fala dos nossos matutos, numa cuidadosa pesquisa lingüistica de campo, para a composição do monumental romance, que ficará para sempre, porque foi escrito com argamassa de arte verdadeira, com o cheiro da terra, e colhido no coração do sertão!


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Bastos, Cláudio de Albuquerque - - Dicionário Histórico e Geográfico do Piauí. Fundação Monsenhor Chaves – 1994.
Fischer, Almeida-Áspero Ofício-Editora Cátedra/Inst. Nac. DP Livro, Brasília, 1983;
Gameiro, Alvina - - A Vela e o Temporal-Romance, edições “O Cruzeiro”-Rio-1957.
- O vale das Açucenas-romance-Artes Gráficas da Escola Técnica Nacional, Rio, 1983;
- Orfeão de Sonhos-poesias-Tipografia Minerva, Fortaleza, Ceará, 1970;
- 15 Contos que o Destino Escreveu - Gráfica da Universidade do Ceará, Fortaleza, 1970;
- Chico Vaqueiro do meu Piauí, romance – versificado – Editora H. Galeno, Fortaleza/CE, 1979.
- Curral de Serras, romance – Edição Comepi – APL, Teresina/PI, 1980;
- Contos dos Sertões do Piauí – Edição/APL, Projeto Petrônio Portella, Teresina/PI, 1988.
Neto, Adrião - - Dicionário Biográfico de Escritores Piauienses - - Halley Editora S/A, Teresina, PI, 1995;
Moraes, Herculano - - Visão Histórica da Literatura PiauienSe – COMEPI, Teresina/PI, l997;
Nunes, Manoel Paulo - Tradição e Invenção – Discursos Acadêmicos – FUNDEC, Teresina/PI, 1998.







CHAPADA DIAMANTINA, UM
PARAÍSO PERTO DO CÉU

(Morada Eterna de Afrânio Peixoto)
“O vento frio da manhã açoita-me os cabelos, e, estático, do meu mirante de rocha, estendo o último olhar para aquele cenário deslumbrante, onde os nevoeiros escuros seguem rentes, por cima dos serrotes e morros, parecendo que uniam a Chapada ao firmamento”.
Moura Lima

A Chapada Diamantina, quer o diga, quer o não diga, ostenta a fama de ser a região mais encantadora do Brasil. Do painel do meu carro, que rola pelo asfalto da BR 242, sentido Salvador, vou concentrado e em velocidade moderada para melhor observar a beleza da paisagem, que se prodigaliza ao longe. Assim que entro no coração da Chapada, ora subindo, ora descendo, mas sempre serpenteando os morros, e bem no alto de uma curva sinuosa que me oferece uma visão ampla, posso constatar essa verdade, de que a Chapada é realmente o lugar mais bonito do meu país. E onde os meus olhos alcançam na linha do horizonte, só avisto panoramas arrebatadores, como os verdes boqueirões; o perfil azulado das serranias, que nos desenham a silhueta da cordilheira; dos gigantescos monólitos; dos nevoeiros que passam por cima dos montes, inspirando-nos mansidão e bordejando, no espaço mágico, sonhos e esperanças de eternidade.
Não obstante, a observação inicial, além, projeta-me no espaço visualizado, blocos imensos de granito, em geral cinzento-ardósia, que desafiam a gravidade das alturas; são todos esculpidos em paredões talhados a prumo, que parecem catedrais góticas, e insinuam-me forma invisível de uma procissão de monges rezando. E todas essas formas geométricas da natureza se proliferam na multiplicidade das gargantas, desfiladeiros, depressões, precipícios e abismos profundos.
Deslumbrado com a paisagem arrebatadora que se estende pelos grotões e a imensidade do vale do Pati, Gerais do Vieira, Capão, Morro do Castelo, Cachoeira da Fumaça e Cachoeirão, entro, de forma decidida, no trevo de Lençóis. A 12km de percurso, por uma estrada asfaltada, cheia de curvas e bastante perigosa, muito das vezes cortada na própria rocha, chego à histórica cidade de Lençóis. A outrora capital das lavras diamantinas, a Vila Rica da Bahia, o portal obrigatório de entrada da Chapada Diamantina, chegou a ser um dia produtor mundial de diamantes, posição hoje ocupada por Angola.
A cidade de Lençóis, segundo a versão dos antigos, surgiu por volta de 1844, quando, então, o senhor Casusa Prado, um pioneiro destemido, vindo de Mucugê à procura de diamantes, depois de muita luta, descobriu-os na região, e, enchendo os seus piquás com os carbonatos, que dariam para suprir as despesas iniciais, mandou o seu escravo Pedro Ferreira vendê-los na Chapada Velha. Mas o pobre escravo, com uma riqueza daquela às mãos, foi preso por suspeita de assalto nas estradas e ajoujado ao tronco. O povo, conhecendo a história, partiu á procura da nova lavra. E dentro de pouco tempo, quem chegava do alto da serra podia ver, lá embaixo, os tetos brancos das barracas estendidas, parecendo uma “cidade de lençóis”. E desse fato curioso, adveio o nome da cidade.
Mas há uma outra versão que diz que não foi assim, e é baseada na correnteza do rio, que desce, correndo e espumando como se desenrolasse, serra abaixo, um pano branco imenso, no trecho da cidade, ao longe, que parecia lençóis. Daí o nome do rio, e, finalmente, da vila.
No apogeu de sua grandeza, no século XIX, Lençóis teve, também, a sua arrogante aristocracia, que se dava ao luxo de passear e educar os seus filhos na Europa e adotava as mais recentes modas provenientes de Paris.Era a força dos diamantes, do ouro, que jorravam do seu rico solo e regiões.
Lençóis, neste período de sua realeza, teve também o seu príncipe afro – baiano – Dom Obá II D’África, que nasceu na vila, no ano de 1845; era filho de africanos forros e neto do rei africano Alaáfim Abiodum, do império Oyo.Lutou na guerra do Paraguaio e, pelas suas bravuras, foi declarado oficial honorário do exército brasileiro.Era amigo e protegido de D.Pedro II. Viveu no Rio entre 1875 e 1890, onde se tornou uma figura folclórica, pois andava pelas ruas, no seu porte agigantado, de mais de 2 metros de altura, que impressionava, e como mandava o estilo da nobreza da época, de cartola, fraque, luvas brancas, bengala luxuosa e de óculos com aro de ouro reluzente. E uma de suas manias exóticas era fazer discursos públicos, numa linguagem misturada com latim, brasileirismos e o dialeto africano Ioruba, que causava boas gargalhadas no povo.
Com esses pensamentos, que me transbordavam da mente, adentro-me pela cidade, através de uma avenida irregular, a Senhor dos Passos; logo viro à esquerda e atravesso a ponte do rio Lençóis, que corta longitudinalmente o centro; saindo na Praça dos Nagôs, subo pela avenida principal, que é calçada de pedras, aliás, toda a cidade, e vou observando o casario colonial, herança da arquitetura portuguesa, um pouco desleixado, reclamando pintura e investimento público. E chego à conclusão de que todas as cidades históricas do Brasil são semelhantes, em razão dessa linhagem arquitetônica. Por exemplo, a cidade de Goiás, antiga capital do Estado de Goiás, tem uma semelhança enorme com Lençóis, inclusive na localização topográfica, entre morros, com o rio Vermelho cortando o centro da cidade.
Não obstante as comparações de ordem histórica, que me levam a respirar história e mais história, volvo à esquerda por uma rua estreita, chamada de Baderna, e saio na praça do Rosário, onde está edificada a igreja Senhor dos Passos, que dá nome à praça. É um templo pobre, sem o luxo das igrejas de Salvador, que me faz pensar que, na época da riqueza dos diamantes, os grandes da terra – os abastados -, não deram a mínima para as coisas do céu. Do lado direito encontra-se a Fundação Cultural Afrânio Peixoto.Paro o meu carro e entro na fundação, onde sou bem recebido pela diretora. Faço as apresentações de praxe e deixo patente a satisfação da minha visita cultural a Lençóis, e passo a autografar a minha obra literária, começando pelo romance Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros, depois Chão das Carabinas e Negro-d’Àgua-Mitos e Lendas do Tocantins.No final, repasso, juntamente com a minha obra, para o acervo, o livro de ensaio, Moura Lima: A Voz Pontual da Alma Tocantinense, da renomada crítica literária brasileira, Moema de Castro e Silva Olival, hoje uma das maiores vozes da cultura do Brasil mediterrâneo;deixo, também , o livro Moura Lima – Do Romance ao Conto – Travessia Fecunda pelos Sertões de Goiás e Tocantins, do critico literário piauiense Francisco Miguel..
A gentil diretora agradece-me as doações e, entusiasticamente, vai mostrando-me a biblioteca, onde encontro os livros dos escritores da Chapada, que, por força da vocação, tornaram-se grandes nomes da Literatura Brasileira, como o de Afrânio Peixoto, filho de Lençóis. Foi professor, ensaísta, romancista, orador, cientista, possuindo uma cultura polimorfa. Dono de um estilo castiço, de fulgurante imaginação criadora, traz em sua obra os costumes sertanejos de sua terra natal, naquilo que tem de mais original. Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, ocupou a sua presidência e, durante a sua gestão, obteve a atual sede da casa de Machado de Assis. Autor de Bugrinha, Maria Bonita, Fruta do Mato e outros.
Mário Ribeiro Martins, de Ipupiara, antigo Jordão ou Fundão de Brotas. Foi alfabetizado em sua terra natal, e peregrinou estudando por Morpará, Xique-Xique, Bom Jesus da Lapa e, finalmente, no Recife, onde se licenciou em Filosofia Pura pela Universidade Federal de Pernambuco; depois se formou em Ciências Sociais pela mesma universidade, e, não satisfeito, ganhou o mundo, fez viagens culturais a Portugal, França e Inglaterra. Na Espanha especializou-se em Educação Moderna, Sociologia, e Administração em Madrid e Alcalá de Henares.
Retornando ao Brasil, tornou-se brilhante professor universitário, formando-se logo depois em Direito e ingressando no Ministério Público Estadual de Goiás, onde se aposentou como Procurador de Justiça. Mário Martins é membro de várias agremiações culturais pelo Brasil afora, e também do exterior; ficou bastante conhecido como um dos mais notáveis dicionaristas do país. Autor de vasta obra literária, que o coloca na galeria dos grandes vultos da literatura brasileira, notadamente no campo da sociologia, da filosofia e da história, destacando, dentre elas, Coronelismo no Antigo Fundão de Brotas(Ensaio), Gilberto Freyre, O Ex-Protestante, o Dicionário Biobibliográfico de Goiás,Dicionário Biobibliográfico do Tocantins e o grande Dicionário Regional do Brasil, lançado recentemente via-internet, site www.usina de letras .
Herbert Sales, de Andaraí, autor do imortal romance Cascalho, que retrata os tipos regionais das lavras e o horripilante quadro social dos garimpos. Herbert Sales cursou o ginásio em Salvador, no internato do Colégio Antonio Vieira. E, ao declarar ao professor, ter nascido em Andaraí, este perguntou-lhe – De Andaraí? Quantos você já matou?
O livro Cascalho, apesar do sucesso e dos aplausos de Mário de Andrade, causou aborrecimentos em Andaraí, pois as pessoas se sentiram retratadas. Houve ameaças dos moradores, que, segundo se afirma, pretendiam matar o autor. Herbert Sales, diante do perigo, então resolveu mudar-se para o Rio de Janeiro, e a decisão foi acertada, pois se tornou um grande vulto da literatura brasileira e membro da Academia Brasileira de Letras.
Américo Chagas, de Palmeiras, autor dos livros Cangaceiro Montalvão e O Chefe Horácio de Matos. Era médico, historiador e ensaísta de largos recursos, no campo da pesquisa regional das lavras.
Porém, após a visita à biblioteca, subo para o pavimento superior, que é dedicado ao patrono da instituição, e, ali, encontro todo o acervo e relíquias pessoais de Afrânio Peixoto, como a sua correspondência, o fardão de posse na Academia Brasileira de Letras e o espadim.Vejo que tudo está em ordem e preservado, mas o prédio, em razão da notória importância da obra literária de Afrânio Peixoto - para a cultura nacional -, está a exigir uma boa reforma e adequação às modernas técnicas bibliotecárias.
Retorno ao pavimento térreo, agradeço à simpática diretora pela acolhida e prossigo a minha visita pela cidade.
Já no meu carro, desço pela rua principal e, na praça do comércio, vejo na esquina uma negra bojuda, retinta, vestida de branco, nos trajes de uma baiana típica, vendendo acarajé. Aqueles bolinhos sedutores da culinária afro-baiana, feitos de massa de feijão-fradinho, fritos no óleo – de – dendê, e que se servem com molho de pimenta malagueta, cebola e camarão seco. Paro o meu veículo e peço-lhe um acarajé, e ela abre-se num sorriso de alegria e pergunta-me:
- Com emoção ou frio?
Não entendo o linguajar baiano, mas não dou o braço a torcer, e digo-lhe com firmeza:
- Com emoção!
Num piscar de olhos, a alegre baiana serve-me, e, com vontade, vou-me ao acarajé; daí a pouco as lágrimas saem-me pelos cantos dos olhos, acompanhadas de fogo pelas ventas, como se eu fosse um dragão!
A lição baiana foi-me amarga, mas compreendi que, com emoção, quer dizer – com muita pimenta malagueta; já o frio é o acarajé sem pimenta. E com a boca afogueada, ainda ouvindo a gargalhada zombeteira da baiana, vou para o casarão que pertenceu ao poderoso senhor feudal sertanejo, coronel Horácio de Matos, e de lá, daquela fortaleza, fico a observar a beleza da cidade serrana e o movimento pacífico da boa gente lençoense pelas ruas, com a chegada do Ministro da Cultura, o cantor baiano Gilberto Gil. De longe me chega aos ouvidos o canto afro- nostálgico de uma mãe negra, que acalenta nos braços o filho, na porta de um casebre:

Mucurututu,
Da beira do telhado,
Leva este menino,
Que não quer ficar calado!...

Na praça adjacente, vejo um grupo animado de baloeiro inflando um balão, que logo sobe majestoso e colorido para o céu. Aí, num átimo histórico, projeto-me para o ano tenebroso de 1892, e vejo essa bela região se transformar num sangrento palco de guerra sertaneja, na terra do coronelato, dos jagunços, dos mocozeiros, mandioqueiros, bocas-vermelhas e sebanceiros, onde se destacaram os violentos chefes sertanejos, coronel Augusto Felisberto de Sá, chefão de Lençóis; Militão Rodrigues Coelho, de Fundão de Brotas,hoje Ipupiara, que passou a dominar a região de Ipupiara até Barra do Mendes,como feroz adversário do Coronel Horácio de Matos; Heliodoro de Paula Ribeiro, de Cochó do Malheiro, a duas léguas de Palmeiras; Clementino de Matos, de Chapada Velha, que foi mais tarde sucedido pelo seu sobrinho, o coronel Horácio de Matos, que fez tremer a Chapada, no comando de mais de cinco mil jagunços; e tamanho era o seu poder, que chegou a obrigar o presidente Epitácio Pessoa a propor-lhe um acordo de paz para a região conflagrada.
Horácio de Matos, em 1926, foi convocado pelo Presidente Artur Bernardes, ao lado dos coronéis Franklin Lins de Albuquerque, de Pilão Arcado, e de Abílio Wolney, de São José do Duro, hoje Dianópolis, no Tocantins, para combater a Coluna Prestes pelos sertões do Brasil. E assim o fez, até a internação da coluna invicta na Bolívia. De retorno a Lençóis, foi nomeado intendente. Com o advento da Revolução de 1930, foi preso e conduzido para Salvador. Era um homem poderoso que, mesmo na desgraça, conseguiu se livrar da cadeia. E numa manhã de céu claro, em Salvador, no largo Acioli, quando passeava com sua filha Horacina, foi assassinato à traição, com três tiros de revólver pelas costas.
O coronel Heliodoro de Paula, do Cochó do Malheiro, era o homem mais rico da Chapada Diamantina, e, quando passava por Lençóis, exibia a grandeza de sua riqueza com uma grande cavalhada, composta dos melhores animais da região. No meio das centenas de animais iam sempre dois burros chucros, bravos, para serem montados pelos melhores peões da cavalhada, que os açoitavam a rabo de tatu e a esporadas; assim, iam à frente do cortejo, aos saltos, corcorveios e gritos da peonada, a fim de chamar a atenção do povo para a passagem do rico, riquíssimo nababo das lavras diamantinas.
Mas essa epopéia do feudalismo sertanejo, feroz, teve também os seus monstros sanguinários, que atuavam nos pequenos povoados. Eram os chefetes comandados pelos poderosos chefões de Lençóis. Vejamos um exemplo dos atos desses cascas - grosssas.
Na Vila da Estiva, hoje Afrânio Peixoto, o chefe patriarcal era Pedro Mariano, que representava com mão-de-ferro os três poderes: legislativo, executivo e judiciário. Pedro Mariano era analfabeto e tinha sob o seu comando um grupo de jagunços, que lhe obedecia e defendia o seu feudo – o seu matadouro humano - como cão de guarda.
A justiça desse alforjado dos coronéis era sumária – simplesmente pertencia ao primeiro que apresentasse a queixa - e a sentença condenatória, o fuzilamento do acusado.
Pedro Mariano mandava os seus cacundeiros executarem a vítima, normalmente à traição, e tinha um prazer sádico de ver o cadáver e de contar, às gargalhadas, com toda calma, os orifícios das balas.
E no meio dessa barafunda infernal, marcada pelo ódio e as trevas, onde o sangue das vitimas corria a céu aberto, surgiu o herói da Chapada – o valente Montalvão – um filho do Norte de Goiás, hoje Tocantins, da Vila de Conceição, que, fugindo de perseguições, por ter matado o delegado de policia de Natividade, Major Delfino, como vingança pela morte de seu padrinho Joaquim Lino Pereira Póvoa, que fora enforcado no ato de sua prisão, com uma toalha, dando como causa mortis colapso cardíaco, adotou de coração o sertão da Bahia. Era um mulato de caráter nobre e de muita coragem, que fez os desafetos de seu patrão, coronel Heliodoro de Paula, tremerem com a simples menção de sua presença. E um de seus maiores feitos foi a sua entrada secreta em Lençóis, que estava guarnecida por mais de mil jagunços, com um pequeno grupo de cabras, destacando-se entre eles Manoel Afro, José Cunegundes e João Baio, com a missão de arrasar a casa do coronel Felisberto Augusto de Sá, e, até mesmo, se possível, matá-lo, como vingança pela destruição do reduto do coronel Heliodoro – o Cochó do Malheiro.
E, numa noite fechada de breu, Montalvão entrou sorrateiramente na vila, pelo Tomba-Surrão, e foi direto para a casa do chefão de Lençóis, onde quebrou tudo e cortou os móveis a facão, e matou alguns jagunços. O coronel Felisberto Augusto de Sá só não foi morto, graças à artimanha do coronel Doca Medrado, hóspede da casa, que entreteve Montalvão com prosa, dando, assim, tempo para o coronel Felisberto fugir, todo borrado nos cueiros.
Montalvão, depois de terminar a sua missão, saiu tranqüilo da vila, sem ser importunado, pela estrada do Capão.
O herói da Chapada foi morto à traição, numa armadilha planejada pelo chefe de Quemadinho, João Sapucaia, com o tenente Alcides José de Lima, que simulavam amizade com Montalvão, e o convidaram para um jogo de baralho em Machado Portela.
A empregada da pensão onde se realizava o jogo trouxe-lhe uma garrafa de vinho, já preparada com uma droga sonífera. Assim que Montalvão tomou a segunda dose, tombou para o chão em sono pesado. E o tenente, sem demora, a mando de João Sapucaia, descarregou o revólver à queima – roupa em seu corpo.
Montalvão, no estertor da morte, com os estampidos dos tiros, levantou-se e disse, na sua voz cavernosa, de cabra macho:
-Não é assim que se mata homem, seus cabras cornudos!
Não ficou ninguém na sala macabra. Os seus assassinos abriram as barbas no mundo, numa correria de doidos, de mais de três léguas paridas, e foram bater em Quemadinho, sem olhar para trás, julgando haverem perdido os tiros.
E, ali, do casarão assombrado, contemplo a hoje pacífica Lençóis, que já foi uma terra violenta de mineradores, que se disciplinou na miséria aceita, e não passa de um mundo decadente e esgotado, que só tem a oferecer a beleza de sua paisagem e o coração alegre de sua boa gente.
No outro dia, com o sol brilhando por cima dos montes, despeço-me da hospitaleira Lençóis, e prossigo viagem para Andaraí, Mucugê, Igatu e Rio de Contas – a terra do Barão de Macaúbas.
Já em Rio de Contas, fico impressionado com o centro histórico, é como se viajasse no túnel do tempo três séculos, pois o ciclo do ouro deixou um legado de casarões, igrejas e prédios públicos. E o que chama a atenção é a tranqüilidade de suas ruas coloniais, são largas e floridas; as belezas de suas cachoeiras impressionam o visitante, como a do Fraga, a ponte do Coronel, a Estrada Real, e também, o Pico das Almas – terceira maior elevação do Nordeste -, que oferece uma vista espetacular da Chapada Diamantina, e é circulado pela única estrada asfaltada, que é uma atração, pois é pintada de verde!
Ao amanhecer, já com o sol dourando o Pico das Almas e a imensidão da Chapada, com a alma leve e a paz dos justos, naquele clima agradável de montanha, dou um adeus à cidade de Rio de Contas e prossigo a minha viagem com destino a Salvador – terra de Jorge Amado. Mas, antes de seguir de rota batida, assim que chego ao Morro do Pai Inácio, marco de referência da Chapada, paro, para os registros fotográficos. E, lá do alto, vislumbro mais uma vez a imensidão da Chapada, que é um verdadeiro museu de rocha, que levou mais de um bilhão de anos para se formar; antes era tudo mar, praia, mangues e dunas.De lá para cá, desde então, o vento, as chuvas torrenciais, as águas dos rios e cachoeiras têm contribuído, de forma mágica, para esculpir as belezas da paisagem.
O vento frio da manhã açoita-me os cabelos, e, estático, do meu mirante de rocha, estendo o último olhar para aquele cenário deslumbrante, onde os nevoeiros escuros seguem rentes, por cima dos serrotes e morros, parecendo que uniam a Chapada ao firmamento. E, em sinal de despedida, digo a mim mesmo:
A Chapada Diamantina é um paraíso perto do céu!




O MAGO DA PENA DE OURO DE CARACOL



“Surra de pinhão-roxo não dá vingança, cabra apanha até ficar mole, apancha até rinchar e ficar zoró.”
William Palha Dias



No dia de hoje, 17 de setembro de 1998, exatamente a dois anos e três meses do término do século, e início do terceiro milênio, um dos maiores romancistas do Piauí, William Palha Dias, para alegria de todos nós, lúcido, e, em pleno vigor da criação literária, completa oitenta anos de idade.
Da sua pena de ouro saiu um mundo telúrico, cheio de vida e paixões. Assinalou com a pena de mestre os conflitos das almas peregrinas, a salpicar nos descampados e chapadões da existência humana, uma página de sonho e esperança. Uma ode dos grandes sopros épicos, da alma sertaneja, que constitui a verdadeira criação literária. Com mais de doze obras publicadas, entre romances, ensaios históricos e didáticos. E nesta data de justas homenagens, onde o mundo cultural, os amigos, os familiares se curvam respeitosamente diante do guerreiro intelectual, que, do alto de suas oito décadas de existência, dá uma pausa e volve o olhar pela imensidão dos sertões adustos, dos caminhos esbrugados percorridos. E eis que lhe surge numa cosmovisão de raro fulgor, nas bruacas da saudade, a imagem de um jovem cavaleiro, à escoteira, às voltas com um cavalo trôpego, aguado, na estrada de Nova Lapa. Apesar do chá de casca de boi, na garupa e dos acochados de esporas no bucho, o animal não se animou, beiçorolou e quedou-se estropiado. E o jovem acabou ficando de a pé, naqueles ermos de chão bruto. E a fome foi arrochando, vozes inconscientes da infância campesina, sovelando:
Está com fome? Coma um boi!
Quer mais? Coma uma vaca!
É pouco? Coma um fuboca!
É muito? Coma então uma onça!

E no outro dia ao clarão da madrugada, no tropear molengo da brisa sertaneja, rompeu a pé estrada afora, vencendo os estirões. E posteriormente no correr do ano de 1948, já funcionário da Comissão de Estrada de Rodagem (CER), padecia sozinho, na região do Vale da Gurguéia numa barraca de lona, de beira-de-estrada, rilhando os dentes em batuque de terçã maligna. O sol se havia ocultado por trás das colinas longínquas, em apoteose de luzes ignotas. Mas a mão piedosa da divina providência que não desampara as almas sinceras, encaminha para a região um prático para atender o chamado de um capurreiro doente, e por coincidência esbarra no biango improvisado. E para o espanto do jovem, o estudioso prático do Chernoviz era o seu pai! Aí começa pra valer o bom combate, que fortalece as almas turunas que vieram ao mundo pra vencer e servir a evolução da humanidade! E no santuário de sua alma, as chamas do ideal de estudar cresciam em farfalhantes labaredas de esperanças. Sonhou em ser médico. Mas a roda do destino o levou para as Ciências Sociais e Jurídicas. E, introspectivamente tornou-o médico das almas e terapeuta das dores sociais. E aos poucos, nos vergéis da longa caminhada, foi derramando a beleza de seu mundo interior nas páginas imorredouras da literatura piauiense. E de uma magistratura honrada, calcada no exemplo da retidão moral, em pleno mundo das oligarquias vorazes e dos coronéis desalmados, nos seus redutos de mando e prepotência avassaladora.
E daqui dos fundões da região Norte,no estado caçula da federação, na capital da amizade, Gurupi, tenho por este mestre do romance binário piauiense, que hoje festeja os seus oitenta anos, bem vividos, a mais profunda admiração. Prezo-o, pela grandeza de sua monumental obra literária, que renovou a estrutura romanesca de seu estado, fugindo do surrado tema: o rio Parnaíba e o boi. E realizou no tapete mágico de sua produção uma obra de mestre, que dignifica a literatura brasileira. E essa maestria atingiu o ponto máximo no romance, onde aflora a pujança de seu estilo fluente.
De acordo com os cânones da teoria literária, e segundo Henry Thomas, o romance, em seu ápice, não é apenas um epítome de filosofia aplicada à vida; é uma forma de literatura que abrange as outras formas — poesia, cenário, espaço, tempo, drama, história, biografia, ciência, sociologia, costumes, aventuras, religião e arte. E isso se aplica ao romance de qualquer época. É o retrato interpretativo da existência, da vida coletiva ou isolada, que mostra seu corpo, sua alma e sua mente. Em suas expressões mais altas é uma exposição do pensamento filosófico apresentado em forma dramática.
Uma verdadeira obra literária tem que se estribar na sua característica ontológica, fugindo da singularidade repetitiva, e se firmando na linha mestra da comunicação, do conteúdo, da linguagem e, acima de tudo, da temática.
A produção literária williandiana apossa-se, na sua grandeza, de todos esses predicativos, que a elevam num caráter permanente para a posteridade. É uma fonte inesgotável para o pesquisador, do campo linguístico-filológico e semântico.
Portanto, o romance é o gênero literário mais difícil de ser elaborado, pois exige do escritor cultura ampla, visão sólida do universo plasmado no espaço geográfico, a ser trabalhado dentro do nascimento vibrátil dos personagens. É uma caixa de Pandora, a explodir no linguajar limado e brunido da riqueza estilística do artesão da pena. Ser romancista é carregar na alma uma paixão tremenda pelas dores e alegrias do mundo!
Porém, parece-nos, então, que é no âmago da consciência jurídico-campesina de William Palha Dias que devemos localizar a matriz dos seus pressupostos regional-político-sociais, determinantes da sua firme postura literária, no romance e na crônica. Como homem de Direito, ama os princípios de legalidade e se opõe a contradição horripilante da sociedade-governo de seu universo literário.
Assim sendo, podemos asseverar: fazer um romance é tarefa de poucos privilegiados. E William Palha Dias, na fecundidade de seu estilo, realizou essa tarefa, dando ao mundo cinco romances de fôlego, que robustecem, ao lado de outros ilustres escritores da terra, a projeção piauiense no mapa literário do Brasil.
William Palha Dias, na sua vasta obra, revela a estrutura frasal, bem elaborada, pelo ritmo, pelas expressões e pelas preciosidades sem par da fala do povo, do tapiocano, que passa ao campo dos estudos dialetológicos, com as peculiaridades da linguagem regional recolhida no sertão, e revestida de límpido conteúdo poético. Notam-se, nas aguilhoadas eruditivas de seu discurso que parece cachoando em sublimidade pela natureza bucólica, as marcas indelével do preciosismo léxico, morfológico e sintático. Como exemplo, vejamos as pérolas extraídas de seus romances:

“O velho pároco era ávido pelas broas e petas gostosas que tão bem sabia preparar a zeladora.”

“Chovia muito. Chuva fina, mas prolongada. Chuvinha insistente dessas de molhar os bestas...”

Podemos citar outros exemplos, notadamente na esfera dos atributos, cuja cadência dual revela uma atenção burilada de arquiteto zeloso da palavra, na busca intensa de integração lírico-afetiva com a cultura dialetal, que se apropia do léxico regional, matizes de suas origens:

“Cuidou cedo de dar sebo nas botas. Capou o gato. Largou-se mundo a fora, sem destino. Refugou o pau-da-porteira...”

“ Ali mesmo, sem preocupações, foi servindo a cada um, pessoalmente, o prato gostoso de carne- de-sol assada no braseiro, acrescida da dourada rapadura. “

William Palha Dias incorpora magistralmente, no sentido euclidiano, a imagem da gente sofrida à memória de seu tempo:
“Vamos ter seca e, com esse mundão de gente só para comer e explorar maniçoba, vamos ter rebentão!”

“... a terra de tão quente parecia uma chapa de ferro ignescente à torreira de lenha em combustão ... escaldava os cascos dos animais que viajavam, fazendo-os estropiar.”

Que belo espetáculo de luminosidade, arte e cultura espontânea não jorram de seus romances!
E a profunda lição de vida, de “Um Memorial de um Lutador Obstinado”? — É uma comovedora e sacrossanta lição, da experiência realizadora, para a geração perdida do final do século!
O que direi do homem-escritor, William Palha Dias, a quem tenho a honra de desfrutar de sua amizade, na distância?
— Que os embates travados ao longo de sua existência jamais embruteceram a sua têmpera de homem de bronze! Que o vinho da alegria, que sempre conduziu no alforje da existência, pelos brocotós, penhascos e verdes campinas do viver, não deixou azedar. E é com ele que vem, ao longo dos caminhos, rezando e celebrando o cântico milagroso da vida! O jequitibá está aí, turuna e saudável, na sua longevidade produtiva que assinala nesta data festiva de merecidas homenagens, o lançamento de mais um livro! De mais um sonho materializado, do Mago da Pena de Ouro de Caracol!.
E na minha patrona, de neto e bisneto de piauiense, trago-lhe, em respeito e admiração, o abraço fraterno da Academia Tocantinense de Letras, e de seus leitores do Estado do Tocantins, que já o imortalizaram nestas paragens da região Norte.
E por último, o grande escritor regionalista, José Lins do Rego, ao fechar o seu brilhante ciclo romanesco, deu ao Brasil o “Cangaceiro”, e agora William Palha Dias, para o deleite de todos nós, trará a lume uma epopéia sertaneja, de jagunços, coronéis, peões e boiadas, ao troar da carabina oitavada, nos sertões do barulho de Corrente. É só aguardarmos para aplaudirmos:
— Papo-amarelo!



A Fundação Casa de José Américo


A Fundação Casa de José Américo está localizada de frente para a praia de Cabo Branco, numa das regiões mais bonitas da grande João Pessoa, próxima ao ponto mais oriental das Américas – a Ponta do Seixas – passagem obrigatória para os turistas que procuram o aconchego das praias do litoral sul da cidade verde.
A Fundação é um espaço cultural com personalidade própria no ordenamento político-administrativo da Paraíba, que abriga a obra do renomado escritor brasileiro José Américo, que foi também um homem público.
José Américo de Almeida, escritor brasileiro, nasceu em Areia, na Paraíba, no ano de 1887, e faleceu em João Pessoa-PB, em 1980. Foi romancista, cronista, ensaísta, promotor público, senador, governador da Paraíba, Ministro de Estado, candidato à presidência da Republica, Ministro do Tribunal de Contas, Reitor da UPB e membro da Academia Brasileira de Letras. Além de homem público de grande atuação no cenário brasileiro, na literatura ocupa lugar de destaque, graças à publicação, em 1928, do romance A Bagaceira, que inaugurou o importante ciclo regionalista nordestino do modernismo, na ficção. É autor das seguintes obras: A Bagaceira, O Boqueirão, Coiteiros, Reflexão de uma Cabra, A Paraíba e Seus Problemas e outros.
De antemão, deixo de lado essas reflexões de ordem cronológica e biobibliográfica, e preparo-me para uma visita ao casarão, ou melhor, ao santuário de José Américo – um dos vultos maiores da Paraíba -, marco referencial da literatura brasileira.
A manhã é convidativa para a busca das coisas do espírito, o céu é claro na tonalidade azul, e do mar sopra uma brisa agradável, e, com essa atitude de paz com o mundo, entro na Fundação José Américo.
Do portão de entrada, a poucos metros, leio, num pedestal de concreto, uma placa que contém uma mensagem edificante dos objetivos da fundação:
- “Missão: - Preservar, pesquisar e divulgar a vida e obra de José Américo de Almeida e a Cultura Paraibana, para engrandecimento da sociedade”.
De cara percebo que a instituição é bem administrada, pelo zelo das instalações. Sou recebido pelo Presidente da instituição, por sinal, meu colega, advogado Flavio Sátiro, que, com competência e visão profunda, administra a Casa, hoje uma instituição nacional, em razão da importância da obra literária de José Américo para a cultura do país.
O presidente, na sua hospitalidade, conduz-me ao salão nobre e, na sua fala fluente, vai-me apresentando a grandeza da cultura paraibana; no final, presenteia - me com a obra da notável crítica literária paraibana, Adylla Rocha Rabello – José Américo de Almeida nos Bastidores . Da minha parte divulgo-lhe a cultura do meu estado, da minha cidade, de Gurupi, como a capital universitária do Sul do Tocantins. Em seguida passo a autografar a minha obra literária, começando pelo romance Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros, depois por Chão das Carabinas – Coronéis, Peões e Boiadas e Negro d’Água – Mitos e Lendas do Tocantins, bem como repasso também, para o acervo da instituição, o livro da critica literária brasileira, professora Moema de Castro e Silva Olival - Moura Lima: A Voz Pontual da Alma Tocantinense.
Não obstante, a proveitosa conversa cultural com o senhor presidente, a diretora do departamento de Documentação e Arquivo, professora e escritora Ana Isabel de Souza Leão Andrade, autora do fascinante livro José Américo – Visto pelos Caricaturistas, gentilmente conduz-me pelo interior da casa de José Américo e, na sua expressiva comunicação, vai-me mostrando os departamentos, os arquivos, a biblioteca, e chama-me a atenção quanto ao aspecto bucólico da localização dos prédios no meio dos arvoredos e pomar, que foi tão apreciado no passado por José Lins do Rego, nas suas visitas ao ministro. Logo percebo que a fundação é um espaço-cultura aberto ao público, em razão do movimento dos visitantes. E, assim, vivamente compenetrado, vou percorrendo as instalações, por sinal, amplamente modernas e informatizadas. Outro ponto importante da administração, que me chama a atenção, é a importante obra documental: o arquivo dos Governadores da Paraíba. O acervo contém mais de 300 mil documentos, e está disponibilizado aos pesquisadores, de forma organizada e de fácil manuseio.
No final da visita, a professora Ana Isabel reserva-me a parte emocional, levando-me ao Mausoléu, onde jazem os restos mortais de José Américo e de sua esposa Alice Mello de Almeida. Ao lado, e na área do pomar, há pelas paredes várias placas com poemas saídos da pena criadora de José Américo. E nesta antologia ao ar livre, há um poema que homenageia o famoso pé de fruta-pão, plantado pelo patrono da casa, que me faz lembrar de Humberto de Campos e seu festejado pé de caju.
E, ali, aos pés do mausoléu, vem-me do santuário da alma uma projeção psíquica, e vejo a imagem de José Américo no final de sua velhice, na sua solidão, andando pelo casarão e o pomar; aí me lembro das ponderações de Goethe e de outros pensadores, com relação à periodicidade cíclica da existência, e assim, podemos afirmar:
-A punição mais rigorosa que o soberano dos mundos pode aplicar a um homem de fama, que viveu pela força do verbo e exerceu uma influência marcante na sociedade do seu tempo, é deixá-lo no cárcere da vida até o final de uma longa velhice, onde os seus amigos, os contemporâneos já se foram do mundo, e os novos, que lhes ocuparam o lugar, consideram-no um intruso, que quer, ainda, participar da festa dos outros. Mas uma outra voz surge-me dos subterrâneos do eu interior, e contesta essa sutil digressão:
- Com o autor de A Bagaceira, não ocorreu essa tragédia, pelo contrário, apesar de a imprensa tê-lo batizado de o solitário de Tambaú, continuou contribuindo com os frutos de sua inteligência, no silêncio de seu ostracismo construtivo e de livre escolha. E é bom que se diga, de viva voz: Ele sempre foi, na acepção da palavra e na grandeza de sua alma, quer como homem público, quer como literato – um evangelizador social ; e assim passou a ser, no ocaso de sua vida , uma espécie de conselheiro da República , inclusive, recebendo a visita de presidentes e de potentados. E a prova aí está, com a solidez da Fundação Casa de José Américo, que se projeta no século XXI, como um modelo de esperança para a cultura agonizante nacional.
Na parte dos fundos do mausoléu, edificou-se a administração, e o confortável auditório para os eventos culturais, onde também se abriga um bem organizado museu.
Agradeço, comovido, aos meus anfitriões pela fraternal acolhida, e despeço-me, lembrando-lhes a frase lapidar de Gibran Khalil Gibran: - O homem, para ser homem, é preciso que plante uma árvore, gere um filho e escreva um livro. E acrescento-lhes, por último: - Mas o escritor José Américo fez muito mais, deixou-nos um exemplo de vida e legou ao país um patrimônio cultural imenso!
Do mar vinha um vento frio, o firmamento era uma apoteose de luzes, e, em silêncio, retiro-me por entre os coqueirais da praia de Cabo Branco, para não profanar a morada eterna de José Américo.





Antônio José de Oliveira
- o seu Totó -

“Cavalheiro de fino trato, sóbrio, honesto, inteligente, trabalhador e metódico. Um homem notável entre os notáveis, pela retidão moral e o zelo da coisa pública. Não deixava ninguém com rédea no chão, e não usava a esperteza dos políticos desonestos e cavilosos” — ouvi este depoimento de um culto ancião octogenário, ao lhe traçar o perfil. E com esta assertiva não fez mais do que repetir o que sempre se afirmou por todo o Norte de Goiás, hoje Estado do Tocantins, do seu Totó. Exemplo de dignidade entre os seus pares, numa sociedade marcada pela politicalha dos politiqueiros sem brilho e apedeutas contumazes. Mas, na sua missão de homem bondoso, conseguiu se impor pelo caráter limpo e moral inatacável, porque, em tese de grandeza humanística, ele foi uma alma vocacionada para o bem, numa época de prepotência e de mando dos coronéis. Aliava a essas qualidades de homem probo, íntegro, uma modéstia e simplicidade marcante, que lhe era apanágio de um caráter irrepreensível, de uma conduta exemplar, de uma altivez inexcedível. Os sertões tocantinenses, desde as barrancas dos rios Araguaia e Tocantins, sempre lhe souberam admirar essas qualidades que promanavam de sua alma e lhe cultuam nos dias de hoje a sua memória insigne, que serve de paradigma aos contemporâneos de um mundo em decadência, profundamente marcado pela corrupção, o crime organizado e o descalabro dos figurões da república agonizante.
Nasceu Antônio José de Oliveira a 13 de junho de 1902, no antigo Distrito de Chapéu, hoje Monte Alegre de Goiás, onde ocupou o primeiro cargo público de vereador, e dali transferiu-se no lombo de burro para Porto Nacional, vindo a casar-se com Dona Dulce Ayres da Silva, filha do respeitável líder político do Norte Goiano, Francisco Ayres da Silva. Foi prefeito de Porto Nacional por duas vezes, de 1947 a 1951, e também deputado Estadual por duas vezes. Desempenhou ainda atividades diversas, como inspetor de renda, Secretário da Fazenda do Município de Goiânia, SubPromotor Público, agente fiscal e membro por vários anos do Conselho Estadual de Educação de Goiás.
O governador de Goiás, Irapuan Costa Júnior, reconhecendo seus méritos e assinalados serviços prestados por ele à Sociedade Goiana, deliberou fazer-lhe a outorga da medalha do Mérito Anhangüera, a mais alta condecoração oficial do Estado de Goiás. E a cerimônia realizou-se defronte ao Palácio das Esmeraldas, na Praça Cívica, com a presença das mais importantes autoridades civis e militares. Era o reconhecimento público de um homem de bem!
Portanto, Antônio José de Oliveira — o seu Totó — para os amigos e familiares, foi um vulto extraordinário, que marcou a sua trajetória terrena, pela honradeza e a retidão moral.
O Estado do Tocantins, na sua caminhada progressista, de rota batida para o terceiro milênio, deve-lhe uma homenagem, pois foi um dos lutadores pela sua criação, que não ostentavam o manto da basófia e do oportunismo, como também o foram em 1821 no movimento separatista da comarca do Norte, o valente, destemido e corajoso brigadeiro Filipe Antônio Cardoso, um filho legítimo do chão tocantinense, Lyssias Rodrigues, Francisco Ayres da Silva, o bravo juiz Feliciano Machado Braga, Darcy Marinho, Walfredo Maya, comandante Jacinto Nunes da Silva, de Gurupi, e muitos outros.
E o brilhante escritor Luiz Bittencourt, seu colega no Conselho Estadual de Educação, nos dá o seu testemunho:
— ”Foi Antônio José de Oliveira um filho eminente da região, que nunca a deslustrou no exercício da vida pública. Ele foi um homem que não transigia quando escutado na lei e na própria consciência de prudente cidadão. E de sua individualidade pode-se dizer que foi um monumento moral de altiva, excepcional, nobre e grande dignidade”.
Das bimbocas, dos brocotós do Distrito de Chapéu, na região que deslumbrou o jovem naturalista inglês George Gardiner, no século XVIII, lá pras bandas de Arraias veio o seu Totó, e foi ungido pelas águas do rio Tocantins, para ser, mais tarde, o porta-voz do povo sofrido e desprezado do antigo Norte de Goiás, em pleno centro do poder da Capital Goiana.
Faleceu Antônio José de Oliveira, sem os ouropéis ilusórios como um justo, no seu reduto de paz chamado Tavolândia, em Goiânia, a 18 de janeiro de 1983, deixando, sobretudo, um exemplo de luz viva ao redor de sua existência, cujo reflexo serve de farol para as almas peregrinas que desejam triunfar pelo trabalho, pela honestidade e pela fé.
E parafraseando Voltaire, é como se ouvíssemos a mansidão de sua voz, no Oriente Eterno:
—“Fiz um pouco de bem: E foi a minha melhor obra!”.
Assim sendo, como fundador e primeiro ocupante da cadeira nº 15 da Academia Tocantinense de Letras, sinto-me honrado e engrandecido em tê-lo como patrono; é a minha homenagem e o meu tributo à memória deste vulto extraordinário do Tocantins!








MARECHAL DO IMPÉRIO



Noite festiva ao som do foguetório. Era a manifestação do povo, em louvor à Nossa Senhora dos Remédios!
Ali reunidos, em fraterno bate-papo, à porta do Hotel Tropical, encontravam-se os escritores: senador Maya, Desembargador Liberato Póvoa, Moura Lima,Osvaldo Póvoa, Messias Tavares, Fidêncio Bogo ,todos membros fundadores da Academia Tocantinense de Letras , e o Capitão Malaquias, que confraternizava com o grupo.
Àquela plêiade de intelectuais representava a cultura tocantinense. Para a gente simples da terra, eram espantosas as vestes daqueles ilustres homens, que se apresentavam, elegantemente vestidos, com o fardão azul-marinho da Academia, reluzindo, ao brilho da luz, os arabescos dourados do spencer e o distintivo folheado a ouro.
O Historiador Osvaldo Póvoa externava a sua preocupação:
- Olhem, confrades, aqui é uma cidade do interior, e será que as pessoas não vão confundir as nossas
indumentária com a dos Paquitos?
O senador Maya, rindo, juntamente com o grupo, acrescenta:
- De fato, corremos o risco, é verdade, pois não deixa de ser novidade. Mas vamos andando, que daqui até a Unitins, é um bom pedaço. E estamos em cima da hora para a reunião. Infelizmente, o ônibus não poderá nos conduzir, devido à multidão pelas ruas, em comemoração aos festejos.
- Estou de acordo,- ponderou Messias Tavares, levantando-se com os demais confrades.
E o grupo irrompeu altaneiro, pelas ruas e praças centenárias de Arraias. À frente da coluna de intelectuais, sobressaía o respeitável senador Maya, ao lado do Capitão Malaquias, que ostentava no peito várias medalhas, balançando ao ritmo da cadência da marcha. A coluna, ao dobrar a primeira esquina, deparou com a procissão de Nossa Senhora dos Remédios. O professor Fidêncio Bogo e o senador Maya resolveram cruzar a procissão, respeitosamente. Aí ocorreu o primeiro comentário, de duas beatas, que dedilhavam o rosário ao cheiro de vela queimando. Ambas cochichavam:
- Virgem Maria! Espia lá, Ducarmo! ...Esses foliões não são daqui!
A outra respondeu:
- Cruz credo, que roupa esquisita!
E seguiam os intelectuais, indiferentes aos comentários. Os cochichos se multiplicavam no percurso. Ao descerem na rua do Coco, eis que surge, para espanto do grupo, no meio da multidão, um crioulo de metro e oitenta, cambaleando e fazendo ziguezague com as pernas. Pode-se dizer que era um verdadeiro capacete de alambique! O grupo recua, mas o crioulo avança na direção do senador Maya, e, num reflexo instantâneo, percebe as medalhas do Capitão Malaquias, e muda de opinião. O Capitão recua tardiamente, e recebe em cheio um caloroso amplexo do crioulo, que emite um retumbante e emocionado grito:
- Viva o Marechal do Império!
Do outro lado da calçada, um barraqueiro nordestino completa:
- São os marechais, gente!
E prosseguia o grupo de intelectuais, rumo à Unitins. Os comentários, à medida do percurso, vão se proliferando. Ao chegarem ao prédio da Unitins, novos comentários aguardavam o grupo. O senador Maya, ao pisar o primeiro degrau da escada do prédio, é interrogado carinhosamente, por um senhor de cabelos grisalhos, que se encontrava no alto da escada:
- Vocês são músicos de primeira classe?
- Sim, meu senhor, talvez de uma orquestra sinfônica!
Lá fora a noite prorrompia-se em festa, com o estrondo dos foguetes e os vivas à Nossa Senhora dos Remédios! _______________________________________

( Publicada no Jornal do Tocantins,





CRIPTA DOS NOVE



A Serra Geral risca o firmamento, num tom azulado, caminhando na direção da Bahia, e derrama sobre Dianópolis beleza e poesia, ofertando espetáculo deslumbrante.
E foi com essa visão magnífica da paisagem variada, os rasgões multicolores da natureza, na sua eterna transformação, que pisei pela primeira vez o solo abençoado do antigo São José do Duro, hoje progressista cidade de Dianópolis, que se encontra na Mesorregião Oriental do Tocantins.
Ali, na pracinha da Capela dos Nove e no local onde se encontrava outrora o famigerado tronco, fomos brindados a céu aberto com uma brilhante aula de história in loco, ministrada pelo renomado historiador Osvaldo Rodrigues Póvoa, que, sob olhar atento dos membros fundadores da Academia Tocantinense de Letras , ia discorrendo com maestria sobre toda a tragédia do assalto à Vila do “Duro”, e o suplício da morte de nove inocentes ajoujados ao tronco. Este fato foi relatado em profundidade dentro dos parâmetros metodológicos, em sua monumental obra, QUINTA-FEIRA SANGRENTA. Como tragédia, no campo literário, pelo imortal Bernardo Élis, no livro O TRONCO.
Após aquela brilhante aula, onde o historiador, no seu estilo mágico, palmilhava todas as minudências da carnificina, sem se esquecer de situar o fato histórico nos meandros sociológicos da época, fomos deslocados para a Capela dos Nove.
Local sagrado, com nicho cravado nas paredes, onde se encontravam os restos mortais das vítimas inocentes daquela chacina hedionda, ali, no interior sacrossanto daquele templo, em projeção psíquica foi-nos permitido vislumbrar as sucessivas ondas de violência, que se abateram sobre o antigo Norte de Goiás, hoje base territorial do Estado do Tocantins, entre os anos de 1906 e 1936.
A primeira onda ocorreu na cidade de Bela Vista, onde destacou José Dias, apelidado de General Sertanejo, pela sua destreza no comando dos sertanejos, na defesa da cidade contra os jagunços Joaquim Bala e Chico Curto, que, quando pegavam suas vítimas, furavam-lhes os braços e pernas, passando-lhes pelo orifício aberto o relho de couro cru, e dependuravam-nas nas árvores e mourões de aroeira, para terem morte lenta e dolorida. A segunda onda aportou na cidade de Pedro Afonso, em 1914, e foi desencadeada pelo bandoleiro Abílio Batata, que comandava vários jagunços, entre eles Dioclécio e Aroeira. Esse bando saqueou a cidade de Pedro Afonso, incendiando-a e deixando-a arrasada, fumegando. Para completar o saque roubaram mais de 6 mil cabeças de gado, levando-as da região para a Bahia. Pedro Afonso, também teve seu herói, CIPRIANO, que enfrentou o terrível Abílio Batata e seu sanguinário bando. É interessante ressaltar, que a esposa de Cipriano, no seu nono mês de gravidez, foi morta pelos seus detratores, tendo sido o seu ventre aberto a facão. Arrancaram-lhe a criança e, lançando-a ao ar, apararam-na com as pontas dos punhais. A terceira onda, ocorrida em 1919, caiu impiedosamente sobre o vetusto “São José do Duro”, culminou com a horripilante tragédia, descrita ao vivo pelo insigne historiador Osvaldo Rodrigues Póvoa.
A quarta e última sangrenta onda espocou violentamente na cidade de Peixe, com o massacre dos Barbosas, em 1936 que no dizer expressivo do nosso respeitável amigo, Vitorino Ramalho, na época garoto esperto dos Gerais, assim descreveu a cena final do massacre:
- Após o tiroteio, o cadáver do velho Barbosa foi sepultado em cova rasa, numa grota, e os cães arrancavam-lhe pedaços do corpo.
A onda sucessiva de violência se abateu na imensidão do nosso território, especialmente em São José do Duro; parafraseando o sapientíssimo desembargador Maximiano da Matta Teixeira, acrescentaria: O que houve realmente foi o estender de maneira implacável do braço do caiadismo, da longínqua Vila Boa, até o “Duro”, no encaminhamento de jagunços fardados com a missão de exterminar o Clã dos Wolney. Pois o Leão do Norte, Abílio Wolney, foi deputado Estadual, Presidente da Mesa de Renda do Norte, advogado-Rábula, que citava com competência as teorias do jurisconsulto alemão Ihering. Pode-se dizer que era uma mente evoluída para sua época, e uma ameaça constante para os seus inimigos políticos de Vila Boa. Aliás, o espírito progressista dos Wolney era patente; basta dizer que, no ano de 1915, já havia água encanada, em cano galvanizado, na casa do Coronel Joaquim Ayres Cavalcante Wolney.
Todavia, não poderíamos deixar de citar, também, outro filho ilustre do antigo São José do Duro, na época do barulho: o médico Alexandre Leal Costa, que, quando estudante, assombrou o colégio Antônio Vieira, da Bahia, com sua inteligência e mais tarde, tornando-se professor emérito da FACULDADE DE MEDICINA daquele Estado. Esse vulto extraordinário do Tocantins está a merecer um estudo biográfico acurado, para conhecimento da geração atual.
Finalizando este breve bosquejo e pedindo vênia ao ilustre historiador Osvaldo Rodrigues Póvoa, para reiterar que toda tragédia, em qualquer latitude, se estriba na busca insana e ilusória da fama, da posse e do poder.E assim, todas as grandes obsessões materialistas passam inexorávelmente por esta trilogia.
A tarde descambava no horizonte e ali, no silêncio mortuário da Capela dos Nove, depositei, no Santuário da eternidade, uma prece para os mártires que se foram, mas deixaram o respeito da veneração das gerações futuras, como uma perpétua acusação contra os seus algozes:
-Eterno tribunal a condená-los pelos séculos afora.







ACADEMIA PARAIBANA DE LETRAS
SANTUÁRIO DE AUGUSTO DOS ANJOS





Na manhã convidativa, de céu claro, que se estendia sobre a hhospitaleira João Pessoa, depois de um agradável passeio pela praia de Areia Vermelha e um rejuvenescido banho de mar, desloco-me da Manaíra para o centro da cidade, e misturo-me à mmultidão,que circulava pela praça Sólon de Lucena, ora nervosa, ora apática, mas sempre apressada, e dirijo-me para o centro histórico, passo pelo mosteiro de São Bento, entro na rua Duque de Caxias, famosa pelos vultos ilustres, vou olhando os belos casarões coloniais, o sobradão onde residiu o marechal Floriano Peixoto,quando esteve a serviço do exército na Paraíba, e eis que me surge na esquina, quase defronte a igreja de São Francisco de Assis - o casarão secular da Academia Paraibana de Letras – soberbo e imponente. Diriam os nostálgicos que fora, no passado longínquo, residência de Augusto dos Anjos, mas, para comprovação histórica, falta a prova documental.
A Academia Paraibana de Letras foi fundada em 14 de setembro de 1941, por Coriolano de Medeiros, e tem como distintivo um sol nascente com a legenda “Decus et Opus”, significando “Estética e Trabalho”.
No pórtico da casa de Coriolano de Medeiros, sou recebido pela historiadora Tânia, que amavelmente me conduz para o interior do casarão, e vai-me mostrando as instalações; logo percebo a competência administrativa do presidente Joacil Pereira de Britto, como ele próprio assevera : - “É preciso gostar do encargo e não do cargo”.
A professora Tânia mostra-me o jardim Academus, onde estão perpetuados no bronze os bustos das personalidades ilustres da história cultural paraibana, que contribuíram para a grandeza do estado.
Já no salão nobre, vejo um quadro em tamanho grande, em cores vibrantes, mas representativo, na visão criadora do artista, de cenas do livro de Ariano Suassuna “A Pedra do Reino”, onde o autor recria o patriarcalismo rural, em que Ariano transforma vaqueiros, matutos em fidalgos e reis, e cria o personagem Quaderna, uma espécie de Dom Quixote às avessas, plotado nos sertões brasileiros, de Serra Talhada e Pedra Bonita.
Ato seguido, ainda no salão nobre, passo a autografar a minha obra literária, começando pelo romance Serra dos Pilões-Jagunços e Tropeiros, Chão das Carabinas, Veredão e Negro d’Água, e, no final, repasso para o acervo o livro de ensaio da critica brasileira de Goiás, professora Moema de Castro e Silva Olival “Moura Lima – A Voz Pontual da Alma Tocantinense, assim como, também, o livro do crítico literário piauiense Francisco Miguel “Moura Lima – Do Romance ao Conto – Travessia Fecunda pelos Sertões de Goiás e Tocantins.
Do salão nobre, vou para a sala onde está instalado o memorial Augusto dos Anjos, e, ali, vejo à mostra o livro EU, correspondência do poeta do século, e fico pensando como a providência é rica em mistérios e dádivas , pois colocou numa mesma região uma plêiade de grandes escritores para a glória da literatura brasileira. Vejamos: no Pilar, no engenho Corredor, veio ao mundo José Lins do Rego; no vizinho município de Sapé, no engenho Pau d’Arco, nasceu Augusto dos Anjos e, em Areia, o autor de A Bagaceira – José Américo.
Augusto dos Anjos foi o poeta da dor, da melancolia e da morte, que soube usar com mestria as metáforas e os adjetivos delicados no meio das terríveis frases fúnebres.. Mas, fora do cenário cadavérico, dos vermes, da bacteriologia inventariante, era de uma santidade artística invejável, pontilhada de um lirismo espantoso.
O sol se aproxima do zênite no céu azul paraibano, quando deixo a casa de pensamento Coriolano de Medeiros, e dirijo-me para Cabedelo para conhecer a Fortaleza de Santa Catarina, e, ainda, no final do dia, pretendo ver e assistir, ao som de Ravel, o pôr-do-sol na praia fluvial do Rio Paraíba – Jacaré.






O CRONOTOPO BIOGRÁFICO E A PROSIFICAÇÃO DA VAIDADE
RETRATO DA ACADEMIA TOCANTINENSE DE LETRAS
DE MÁRIO MARTINS
Moura Lima



“Os vinte e seis membros efetivos, que assinaram a ata de Fundação da ATL, são Membros fundadores”. (Estatuto da ATL, Tit. II Caput. I, art.4º, §3º.).

“A historiografia deve proceder sem cólera nem parcialidade”
Tácito

Retrato da Academia Tocantinense de Letras, 1ª edição, é o novo livro de Mário Martins, que foi lançado recentemente, em 26-5-2005, às 15h49min, no sistema de comunicação mundial – internet, no site www. usina de Letras.com. br, para o conhecimento global do que se fez e faz presente no campo das letras tocantinenses. Agora, neste festivo 12 de julho de 2005, vem a público a robusta 2ª edição, de 490 páginas, revista e ampliada. E, assim, em primeira
mão, eu tenho a honra de compulsá-la. É obra pioneira e de fôlego, que reúne no seu bojo um acurado estudo de pesquisa analítica das obras literárias e vida dos Acadêmicos. Como também dos patronos das respectivas cadeiras, que de certa forma contribuíram com suas atuações na vida pública, ou privada, para a grandeza e consolidação do novo Estado da Federação.
Não tenho dúvida em afirmar que a obra, em si, é um estudo crítico avançado, de grande alcance sociológico e histórico. Também pudera, o autor é um escritor de currículo invejável, (para a glória das letras tocantinenses e do país), bom baiano, do fundão de Brotas, oriundo do tronco dos coronéis da Chapada Diamantina, o que lhe explica o ânimo combativo e o temperamento independente às curvaturas hipócritas. É um templário da pena, que não tolera a injustiça literária e o anonimato preconcebido. E assim vem palmilhando com denodo e competência, os caminhos do saber, ao longo dos anos; ora na tribuna jurídica, ora no magistério superior, onde tive a honra de ser seu aluno na saudosa Universidade Evangélica de Anápolis-GO, nas disciplinas de sociologia e filosofia, sendo as obras adotadas de sua própria autoria. Mário Martins é senhor de seu ofício, percuciente, cioso da verdade histórica, sempre empenhado em extrair dos fatos e das pessoas uma visão social profunda, no binômio: - responsabilidade e ética literária.
Com esta postura de estirpe superior, o escritor Mário Martins, como homem de letras e ação, vem, através dos anos, construindo e organizando titanicamente, sem apoio público, um painel vasto da Literatura Brasileira, no resgate de valores esquecidos do mundo cultural. Com isto, acaba praticando justiça social no campo das letras. É um trabalho gigantesco e farto para os estudiosos, pesquisadores e professores. De tão minucioso que é, se não fosse a sua força de vontade incansável de pesquisador, dificilmente se acreditaria que foi realizado por uma só pessoa. Por isso merece o aplauso oceânico das multidões. E aí está para comprovar a grandeza deste trabalho, o DICIONÁRIO BIOBIBLIOGRÁFICO DE GOIÁS, com 1230 páginas, DICIONÁRIO BIOBIBLIOGRÁFICO DO TOCANTINS, com 924 páginas; e o DICIONÁRIO BIOBIBLIOGRÁFICO REGIONAL DO BRASIL, com mais de dez mil biografias, encontra-se na internet, no site http://www.usinadeletras.com.br.
Retrato da Academia Tocantinense de Letras é obra planejada de escritor para escritores, de professor para professores, de pesquisador para pesquisadores, com um objetivo maior, ou seja, alcançar o ensino médio e as comunidades universitárias do Tocantins e do país. É um livro bem elaborado, suculento, de agradável leitura e de fácil consulta, em razão do índice onomástico. E riquíssimo em dados históricos relevantes, onde podemos viajar no tempo, e que certamente o professor, o pesquisador, o bibliotecário, o amante da cultura em geral guardarão com imenso prazer na sua estante.
Um outro ponto interessante, que Mário Martins usou para elaborar a magistral obra, foi o critério sistematizado da contextualização. Todo o seu trabalho girou em torno de observações iluminadoras, associadas a uma afinada percepção de perspectiva, num exame rigoroso dos dados biográficos. Com isso salvou do esquecimento contribuições de suma importância. Não mutilou o perfil dos biografados, com omissões intencionais de deslustrar o sucesso de cada um, em proveito próprio. Mas, pelo contrário, procurou exaustivamente valorizar a obra de cada escritor, suas vitórias e grandezas, advindas com sacrifício do áspero caminho da escrita. Com isso fez uma obra de humanismo vivo! E escapou com altivez da indignação secular de Balzac, que, preterido por um biógrafo medíocre, exclamou:
- “É tão natural destruir o que não se pode possuir, negar o que não se compreende, insultar o que se inveja!”.
Já no livro Perfil da Academia Tocantinense de Letras, do escritor Juarez Moreira Filho, que nos faz lembrar uma velha passagem do Talmude – “É melhor pecar com boas intenções do que praticar uma boa ação com más intenções;” o autor, na página 112, numa omissão gritante, de erros de composição e estilização, deixou de citar a obra completa do autor destas linhas, apesar de tratar-se de obra popularíssima no Tocantins, com várias passagens em vestibulares; como os romances SERRA DOS PILÕES - Jagunços e Tropeiros, CHÃO DAS CARABINAS-Coronéis, peões e Boiadas, (Que retrata o massacre dos Barbosa, ocorrido no Peixe) SARGENTÃO DO BECO (peça teatral) e MUCUNÃ - Contos e Lendas do Sertão. Com os outros biografados esse lapso intencional não ocorreu. Não citou também, nominalmente, os prêmios nacionais que o autor conseguiu para a cultura do Estado, como Malba Tthan de literatura, outorgado pela Academia Carioca de Letras e União Brasileira de Escritores, em solenidade ocorrida na Academia Brasileira de Letras, e outros. Também não registrou o título de “Cidadão Piauiense”, que foi outorgado ao autor pela Assembléia Legislativa do Estado do Piauí, por força do Decreto Legislativo nº188, de 17/12/2004, numa justa homenagem à produção literária tocantinense do homenageado. E não citou o livro de ensaio “Moura Lima – A Voz Pontual da Alma Tocantinense”, da renomada crítica literária brasileira de Goiás, Moema de Castro e Silva Olival, doutora em Letras Clássicas e Vernáculas pela USP, titular da Academia Brasileira de Filologia, professor emérita e fundadora do curso de mestrado da UFG; bem como o livro de ensaio do crítico brasileiro Francisco Miguel “Moura Lima – Do Romance ao Conto - Travessia Fecunda pelos Sertões de Goiás e Tocantins”. Informação não faltou ao autor, pois os dados biográficos ora questionados estão devidamente registrados nas próprias obras e no DICIONÁRIO BIOBIBLIOGRÁFICO DO TOCANTINS, DE Mário MARTINS, ENCICLOPÉDIA DA LITERATURA BRASILEIRA, 2ª EDIÇÃO, de Afrânio Coutinho, Biblioteca Nacional, acervo da Academia Tocantinense de Letras e na internet, site www.usinadeletras.com.br. Tudo isso, é claro, sem citarmos o nosso endereço postal, e-mail e telefônico, que sempre esteve à disposição do autor.
Uma biografia com intenções de metodologia cientifica não pode conter sinete, sinalização do biógrafo, como se fossem marcas do dono na anca de bois. Revelando assim, um outro lado da mente – a insegurança e a pretensão arrogante de auto-afirmação. Uma biografia deve abarcar tudo, isto é, de formula expressa. – nascimento, formação escolar, profissional, obras publicadas, estudos ensaísticos, prêmios, títulos e honrarias conquistadas com o histórico literário. Em caso contrário não será biografia, mas, sim, uma maçorocada com disfarces estilísticos desta natureza: - “figura como verbete em dicionários, enciclopédias; é citado com abundância em muitos estudos literários”. Com isso, furta, oculta e camufla os dados informativos de suma importância a outros pesquisadores, e esconde as atitudes não confessadas.
Portanto, não há espaço para o inacabamento composicional de uma biografia, quando se trata de citação imperativa nominal da obra do biografado e outros dados de domínio público. No romance, segundo Bakhtin, é permitido o inacabamento, como também o plurilinguismo, a plurivocalidade e da pluridade de estilos. Mas isto é para o romance, jamais para pesquisas biográficas!
Voltando ao livro Retrato da Academia Tocantinense de Letras, de Mário Martins, observamos então que, de fato, o autor se esmerou proficuamente no estudo cuidadoso dos traços biográficos dos 26 membros fundadores da Academia Tocantinense de Letras e respectivas cadeiras. Digo assim, porque o são, de fato e de direito, num ato jurídico perfeito e acabado, os eternos fundadores da Academia Tocantinense de Letras; sem eles não existiria a Academia. E o Estatuto da ATL, juntamente com o testemunho presencial do autor destas linhas, corrobora essa assertiva. Vejamos:
- “Os vinte e seis membros efetivos, que assinaram a ata de Fundação da ATL, são Membros fundadores”. (Estatuto da ATL, Tit. II Caput. I, art.4º, §3º.).
Todavia, quanto a este despretensioso ensaísta, (conforme cópia no meu arquivo), foi convidado para a fundação da ATL, pela historiadora Ana Braga, organizadora da reunião preliminar, que contou com a colaboração dos 26 membros fundadores. E todos compareceram com a alma transbordando de intenções superiores, para colaborar com a formação da identidade cultural do novo Estado, visando à integração com a constelação maior da cultura nacional. E não com a intenção de render culto a personalidades, numa auto-ilusão de egos fragmentados. Mas isso são questiúnculas, catilinária, que não somam nem subtrai o mérito de ninguém. Uma academia não tem dono, está a serviço da evolução do homem, da sociedade, e, conseqüentemente, torna-se um patrimônio da humanidade. O mais importante de tudo foi a fundação da Academia Tocantinense de Letras pelos 26 membros, e a sua consolidação na brilhante e histórica gestão do primeiro presidente, desembargador Liberato Póvoa, para a glória da cultura tocantinense e brasileira.
Com efeito, pensar o contrário é erguer monumento à vaidade e ao personalismo arrogante. E é de bom alvitre parafrasear as palavras do historiador Monsenhor Chaves: - “A história que temos é da classe dominante, a classe que produz os documentos e organiza os arquivos.” Assim sendo, a verdadeira história não se pode confundir com culto à vaidade, que muitas das vezes é usada para justificar o status quo e santificar os erros de perspectiva do personalismo. Notoriamente, sepultado nas areias gordas do horripilante inferno concêntrico de Dante, através da marcha das civilizações e dos séculos. Ressuscitá-lo em pleno século XXI é erguer templo à vaidade! Um pouco de humildade não faz mal a ninguém, só engrandece a dimensão cósmica da alma.
Da sua cátedra, que foi moldada na tradicional escola do Recife, que deu tantas glórias ao Brasil, como Tobias Barreto, Gilberto Freyre e outros; Mário Martins conhece que “não há ciência social, mas ciências sociais, direito, política, economia, religião, moral, e que todos esses domínios se penetram multiplamente.” Com essa visão sociológica expressiva, o autor da monumental obra dá aos mais obscuros textos históricos dos patronos uma luminosidade esclarecedora; como da vida trágica e tumultuada de Teotônio Segurado, até o seu assassinato na vila da Palma e dos demais. Sempre numa seqüência cronológica espantosa e didática. Um outro registro que não escapou ao autor, e, até inovador, foi de catalogar a biografia dos candidatos que concorreram à ATL. Com a palavra o próprio autor:
- “Mas o Retrato da Academia Tocantinense de Letras é um livro SUI GENERIS porque ele faz justiça aos que foram candidatos nas diferentes cadeiras e não conseguiram se eleger. E como estes candidatos tiveram votos de vários confrades, nada mais justo do que homenageá-los, incluindo suas biografias neste livro.”.
Aí está a grandeza de Mário Martins, nesta obra vingadora, que intrinsecamente restaura, corrige os erros, as omissões intencionais e oferece ao pesquisador sério, ao professor, ao estudante uma fonte segura e rica em dados históricos.
No confronto da obra de Mário Martins com outras do mesmo gênero, notadamente com a de seu predecessor, a dele é sem sombra de dúvida, a mais completa, a mais abrangente e a mais precisa, no que tange à verdade dos fatos históricos e da vida e obra dos imortais da Academia Tocantinense de Letras. É uma obra que veio para ficar e vai atravessar gerações. A sua contribuição é imensa para a formação da identidade cultural do Estado.




MEU POVO, MINHA TERRA





Manhã de céu límpido, com imenso fardos de nuvens, esparramados aqui e acolá, na imensidão daquele céu de cor azulada que se estendia além. Era o mês de setembro; a primavera havia chegado galopando no dorso das profundas transformações que se processavam em toda a natureza. As árvores trocavam de roupa, com vistosas folhas verdejantes, deixando-nos uma mensagem de renovação na ordem natural do universo. Era a vida se renovando milagrosamente na magnífica dimensão imperial da natureza! Com estes pensamentos, que brotavam do fundo d’alma, encostei no parapeito da janela de cedro do meu quarto, que dava de cheio, numa visão gloriosa para as bandas de Itapuranga. Lá na baixada, viam-se os viçosos capinzais de jaraguá balançando ao vento, que se prodigalizava até às margens do Rio Uru. Do outro lado do rio, avistavam-se as verdejantes serranias que naquela manhã, metamorfoseavam-se em uma cor de basalto-azulada, que se perdia no horizonte na direção do Queroba.
Ali debruçado no parapeito da janela, encontrava-me embriagado com aquele poder vibratório que emanava da vida, interligada aos fios mágicos da natureza. Puxado por estas vibrações sutis, dei assas ao pensamento, que foram saindo marchetados de cenas viva, de um passado distante. Parecia-me que via nitidamente o movimento dos pioneiros povoando aquela região. As beatificadas imagens foram aflorando-se, corporificando-se e gritando ao vivo na prodigiosa materialização das palavras de dona Alvina, do senhor Joaquim Heitor e de outros anciões da terra, que aportavam à povoação daquelas paragens:
— “Isso aqui foi povoado pelos portugueses que vieram de Goiás velho, em 1899, os Guedes Amorim. E se instalaram do outro lado do Rio Uru, onde é a fazendo do senhor Joaquim Crisótomo. Aquele alambique enorme, grandão, que está lá, foi adquirido na Alemanha, e trazido para Anhangüera e depois, de carretão, puxado a boi até aqui. Aquele lugar já produziu muita cachaça e açúcar. Os padres vinham montados em burros de Goiás velha, para celebrar a missa na capelinha, ao lado do engenho.”
Ao memorizar aquelas cenas, fiquei em reflexão silenciosa, protestando contra as autoridades da minha terra e do país, que não tinham o mínimo de respeito pelo nosso patrimônio histórico. E essas reflexões tinham fundamento, pois o último fazendeiro que havia comprado do senhor Joaquim Crisóstomo, por nome de Juca Davi, detentor de uma inhaca terrível, havia vendido aquelas engrenagens e o Alambique gigantesco para um ferro velho, de Goiânia por uma ninharia. E lá se foi um pedaço valioso da história de minha terra.
Os pensamentos continuavam voando no tempo, abrindo-se fendas no passado, distante e remoto. E neste vislumbre vi chegar na região, margem direita do Rio Uru, os Heitores, os Crisóstomos, os Limas, estes procedentes de Franca e Buritizal, São Paulo. A odisséia foi titânica e perigosa, atravessando rios e ribeirões, matas virgens; as picadas eram feitas a machado, ao som dos carros de bois e da coragem daqueles pioneiros de alma de bronze! Os meses rolaram no calendário do tempo, até que chegaram na antiga fazenda Capim-Puba. O mais religioso do grupo, o senhor Joaquim Heitor, mandou logo, assim que se apossou de suas terras, que se edificasse na planície, no alto, uma capelinha em homenagem a Nossa Senhora Aparecida. Com o passar do tempo, as pessoas foram-se agregando em torno da capelinha, e formando-se uma pequena vila. Os moradores circunvizinhos deslocavam-se para assistirem às missas e festas religiosas. Ao saírem das fazendas, diziam:
— Vou para capelinha! E o povoado que se erguia, em volta da igrejinha, ficou conhecido como Capelinha.
Hoje, é o próspero município de Heitoraí. Mais tarde, ao lado da outrora igrejinha, foi erguida a atual matriz. Lembro-me do animado mutirão que foi feito para edificar a matriz. Ainda menino, recordo-me dos vários carros de bois subindo a ladeira que margiava a nossa fazenda, carregados de tijolos e pedras. Na frente ia o meu tio Paulo de Lima, com seus bois afamados na região. Os carros de bois subiam a ladeira, com aquela cantoria gostosa, que ecoava ao longe, quebrando a monotonia das manhãs e das tardes calorentas. Era o mutirão da fé! Quanta fé nos corações daqueles homens! Anos mais tarde, o meu tio Paulo de Lima foi brutalmente assassinado por motivo fútil, da politicalha dos politiqueiros, pelo temível Galdino Lúcio, e o criminoso de muitas mortes, seu sobrinho, “Pretinho”. Crime bárbaro e covarde! Mataram um homem honrado e trabalhador, que morreu sonhando com o progresso da minha terra. Os assassinos ficaram impunes, pois eram protegidos na época pelo governo Mauro Borges. Os homens de bem da terra ficaram revoltados muitos se mudaram. Foi uma perda irreparável para o progresso da cidade. Vale ressaltar que aqueles assassinos praticaram vários outros homicídios, mas foram alcançadas pelas balas da polícia, anos depois em Rubiataba. Cumprindo assim o que ensina a majestosa lição do filósofo: “Diga-me, se um homem violento (criminoso) teve um bom fim, e eu o tomarei por mestre.”
E, na beleza daquela manhã, os turbilhões de pensamentos me teletransportavam para o passado, como se eu estivesse realizando uma projeção psíquica. E olhando para aquela ladeira, que fora palco de tantas alegrias e tristezas, vejo ainda, balançando ao vento, os bangüês das vítimas de um terrível esfaqueamento, ocorrido na fazenda Jenipapo, em baile de multirão. Fiquei olhando a estrada, a serra azulava no horizonte, e foram surgindo na tela da mente, devagarinho, os mutirões, as vozes álacres das fiadeiras, os preparativos para os pagodes, as cantorias dos homens no roçado. Eram meses de preparação, latas e latas de doces, de almôndegas, de carne de porco na gordura. Tudo era previamente preparado, na maior alegria. Quando chegava o dia do mutirão, os homens pegavam firme no roçado. As foices brandiam, tinindo, nos mata-pastos. Os mais moleques iam deixando pelos eitos as moitas de maribondos para os distraídos que, quando batiam a foice, os marimbondos flechavam na cara, e saiam correndo pela pastagem. Aquilo era uma festa, para a peãozada! Outras vezes, o dono da fazenda, para forçar o rendimento do trabalho, colocava no final, na última moita , uma garrafa de pinga, e gritava para a moçada:
— Quem chegar primeiro, bebe a branquinha primeiro!
A negrada metia o braço no roçado. aquilo era uma competição sadia, de homens livres. À noite vinha a recompensa, comida farta e um animado pagode. A sanfona roncava até o clarear do dia. Às vezes, viravam tragédias, como aquela da fazenda Jenipapo. Por outro lado, os mutirões deixaram saudade de uma época de fartura. O meu pai realizou vários, naquela baixada que se estendia até o rio Uru, palco de tantas recordações. Também tinham a traição, que era uma forma de ajudar na bateção de pasto. Lembro-me de uma que ocorreu na fazenda; foi altas horas da noite. Acordamos assustados com a pé-de-bode roncando na janela e o foguete espocando pelo ar; dentro de casa foi um alvoroço, pois tinha que dar um café feito na hora, para os improvisados convidados da madrugada, e logo ao romper do dia, era a bateção de pasto e à noite, o pagode. Foi um corre-corre pela fazenda, uns sapecando o capado gordo, outros matando vaca; era preciso urgência para atender aquela improvisação.
Por conseguinte, somando-se essas modalidades de trabalho e divertimento nas fazendas de antanho, vinha também a colocação do judas. Certa vez tentaram essa brincadeira. Mas um peão, lá na fazenda, segredou ao meu pai:
— Seu Moura, o pessoal estão planejando colocar um judas aí na porta da casa, no sábado de aleluia. Eu sei que o senhor, nesse dia dia, vai levar a boiada pro Retiro; e essas coisas atrapalham o serviço.
O meu pai não respondeu nada, mas emitiu uma risada pesadona, olhando para o meu tio Toquinho, que naquela ocasião passava férias na fazenda. Os dois combinaram um plano para desmoralizar os caça-pagodes. Os dois ficaram acordados, aguardando a turma, à espreita de tocaia. Quando foi lá pelas onze horas, surgiu na baixada uma luz bruxuleante de uma lamparina, que vinha caminhando, lentamente, pela estrada que dava acesso para a curralama da fazenda. À medida que se aproximava, mais aumentava o facho de luz, aumentando gradativamente, até que alcançaram a primeira cancela. Logo entraram silenciosamente pela curralama, abrindo as cancelas com todo o cuidado, para não fazer barulho. Lá dentro da casa o meu tio e o meu pai ouviam a fungueira da turma, carregando o judas, pois o danado era graúdo, feito sob encomenda. Passaram pela curralama e o depositaram na porta da cozinha. Aquilo era uma estratégia: se as mulheres abrissem a porta ao amanhecer, o judas cairia em cima delas, e o berro era feio! Assim que se retiraram e desapareceram na noite, o meu pai e o meu tio o jogaram em uma grota, no fundo da casa. No outro dia, meu pai levantou-se bem cedo, ao romper do dia, pois sabia que o pessoal daquela armação não tardaria. Para cobrar o baile de Sábado de aleluia. Logo foram chegando, o meu pai os recebeu muito bem. Mandou servir um cafezinho, feito na hora, estava dardejando de quente. O pessoal, meio desconfiado, olhava pelo chão e não via o tal do judas. O meu pai não tocava no assunto. Ali tinha coisa na moita! Ora se tinha! Desajeitados, foram despedindo, com uma frustração danada no rosto. O meu tio Toquinho, lá dentro da casa, caia na gaitada!
E assim, as lembranças iam-se aflorando, crescendo dentro de mim, naquela manhã de céu claro. Via-me mergulhado no passado distante, onde os homens se respeitavam e faziam respeitar-se no campo da honra e da moral. Aquelas poderosas imagens traziam-me os festivos leilões que se realizavam nos festejos de Nossa Senhor Aparecida, no coreto da igreja. Ali se reuniam os fazendeiros da terra, e o leiloeiro eufórico gritava as prendas. Eram os deliciosos frangos assados, que repicados pela garganta do leiloeiro , a mando de algum fazendeiro brincalhão, dava o recado:
— Esse é pro seu Luiz Cândido!
Outras vezes:
— Agora é para o senhor Moura!
Aí a coisa ficava animada. Os lances subiam vertiginosamente, e o anunciado tinha que arrematar, de qualquer forma. Era a moral em jogo. Com isso ganhava a paróquia, pois os lucros eram revertidos para a construção da igreja. Assim a brincadeira rolava, iam chamando os homens importante da terra: Olavo Costa Campo, Jorge Gama, senhor Oscar Borges, e tantos outros.
Pode-se afirmar que naquele passado distante, os homens eram felizes. E hoje, neste mundão de corrupção e desonestidade, fica a pergunta: o homem é feliz? De tudo isto, só fica na alma a saudade, e o nosso preito de gratidão a estes homens de almas de bronze, que nos deixaram o exemplo da dignidade e da honradez, pois todos partiram para o Oriente Eterno, deixando-nos órfão entre a decadência moral de nosso tempo.






IV - FAMILIA MOURA ALENCAR


















DADOS BIOGRÁFICOS DO ESCRTOR MOURA LIMA







JORGE LIMA DE MOURA (MOURA LIMA), de Itaberaí, Goiás, 02.12.1950, escreveu, entre outros, “VEREDÃO-CONTOS REGIONAIS E FOLCLORICOS” (1999), com prefácio de Eduardo Campos, “POEMAS ERRANTES” (1972), “SARGENTÃO DO BECO” (1972), “O CAMINHO DAS TROPAS”, “SOLIDÕES DO ARAGUAIA”, “SERRA DOS PILÕES-JAGUNÇOS E TROPEIROS” (Primeiro ROMANCE do Estado do Tocantins-1995), este, com prefácio de Eli Brasiliense, e notas de orelha de Francisco de Brito e posfácio de Messias Tavares. A 3ª edição de SERRA DOS PILÕES, revista, ilustrada e ampliada, teve prefácio de Clóvis Moura (USP) e notas de orelha de Assis Brasil.
Publicou também “MUCUNÃ-CONTOS E LENDAS DO SERTÃO” (2000), com prefácio de Adrião Neto e notas de orelha de José Mendonça Teles. Publicou também “NEGRO D`AGUA-MITOS E LENDAS DO TOCANTINS” (2002), com prefácio de Aluysio Mendonça Sampaio e notas de orelha de Mário Ribeiro Martins.
Editou também “CHÃO DAS CARABINAS-CORONÉIS, PEÕES E BOIADAS” (Romance, 2002), com prefácio de William Palha Dias e notas de orelha de Oton Lustosa. Esta obra foi inspirada no terrível massacre dos BARBOSAS, ocorrido na Vila do Peixe, antigo Norte de Goiás, em 1936, e, só agora resgatado pelo escritor Moura Lima para a literatura brasileira.
Filho de Guiomar Rodrigues de Moura (Porangatu) e Conceição Lima de Moura (Igarapava). Neto de Pedro de Moura Alencar (Teresina) e Doralice Rodrigues Prateado (Patos de Minas), lado paterno e materno de Antonio Alves de Lima e Carolina Lazara de Souza (ambos de Igarapava, SP).
Nasceu na Fazenda Capim-Puba, hoje Heitoraí. Após os estudos primários em sua terra natal, estudou também em Uruana, Trindade e Itaberaí. Terminou o curso clássico em Goiânia. Começou o curso de Direito, na Faculdade de Anápolis, em 1980, sendo aluno do autor destas notas, mas só concluiu o curso na Faculdade de Direito de Gurupi, Estado do Tocantins, em 1989.
Casou-se com Alvininha Queiroz de Moura, com quem tem os filhos Leonardo Queiroz de Moura e Rodrigo Jorge Queiroz de Moura.
Advogado militante. Pós-Graduado em Língua Portuguesa. Curso de Especialização em Processo Civil. Agrimensor e Técnico em Agropecuária. Funcionário do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), onde foi Presidente da Comissão Permanente de Licitação de Terras Devolutas da União, no Norte de Goiás, hoje Tocantins e onde também se aposentou.
Escritor, Poeta, Ensaísta. Pesquisador, Advogado, Agrimensor. Pensador, Ativista, Produtor Cultural. Literato, Cronista, Contista. Administrador, Educador, Ficcionista. Conferencista, Orador, Memorialista. Romancista, Folclorista, Intelectual.
Consignado nos livros, Retrato da Academia Tocantinense de Letras, ESTUDOS LITERÁRIOS DE AUTORES GOIANOS e ESCRITORES DE GOIÁS, de Mário Ribeiro Martins. Presente na ESTANTE DO ESCRITOR GOIANO, do Serviço Social do Comércio e em diferentes antologias de poesia e prosa, dentre outros, “DICIONÁRIO BIOBIBLIOGRÁFICO DE ESCRITORES BRASILEIROS CONTEMPORÂNEOS”DICIONÁRIO BIOBIBLIOGRÁFICO DE ESCRITORES PIAUIENSENSES, ambos de Adrião Neto e “DICIONÁRIO TOCANTINENSE DE TERMOS E EXPRESSÕES AFINS”, de Liberato Póvoa.
Membro fundador da Academia de Letras do Estado do Tocantins, de que foi Vice-Presidente. Sócio do Instituto Histórico e Geográfico Tocantinense, além de outras entidades sociais, culturais e de classe, entre as quais, Ordem dos Advogados do Brasil e União Brasileira de Escritores, além de Conselho de Cultura do Tocantins.
Por serviços prestados à cultura brasileira, recebeu, no Auditório da Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro, o título de “PERSONALIDADE CULTURAL”, premiação oriunda da União Brasileira de Escritores do Rio. É estudado no DICIONÁRIO BIOBIBLIOGRÁFICO DE GOIÁS, de Mário Ribeiro Martins, bem como do DICIONÁRIO DE FOLCLORISTAS BRASILEIROS, do pernambucano Mário Souto Maior. Encontra-se na ESTANTE DO ESCRITOR TOCANTINENSE, da Biblioteca Pública do Espaço Cultural de Palmas.
Na Academia Tocantinense de Letras é fundador da Cadeira 15, cujo Patrono é Antonio José de Oliveira. Para esta Cadeira, não foi eleito, mas convidado, tendo tomado posse no dia 02.03.1991, em Porto Nacional, no Colégio Sagrado Coração de Jesus. Diz Moura Lima, em correspondência ao autor destas notas, que para esta Cadeira não foi eleito, mas convidado para a fundação da ATL, pela historiadora Ana Braga, organizadora da reunião preliminar de fundação, conforme telegrama em seu arquivo.
Seu livro de contos “VEREDÃO-CONTOS REGIONAIS E FOLCLÓRICOS”, recebeu no ano 2000, o PRÊMIO MALBA TAHAN, pelo primeiro lugar, entre obras publicadas, no CONCURSO BRASIL 500 ANOS, concedido pela União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro e pela Academia Carioca de Letras.
Biografado no DICIONÁRIO BIOBIBLIOGRÁFICO DO TOCANTINS, de Mário Ribeiro Martins, MASTER, Rio de Janeiro, 2001. É estudioso da Arte Real e recebeu o Grau Máximo da Maçonaria Brasileira, ou seja, o Grau 33, outorgado pelo Supremo Conselho do Brasil, do Grande Oriente do Brasil.
Título de PERSONALIDADE DO SÉCULO, da Academia de Sete Cidades, em Teresina, Piauí. . Recebeu também, o título de - “Cidadão Piauiense” - outorgado pela Assembléia Legislativa do Estado do Piauí, por força do Decreto Legislativo nº.188, de 17/12/2004, numa justa homenagem à sua produção literária tocantinense. Foi homenageado pela UBE-PI, EM 2005, com a Comenda do Mérito “DA COSTA E SILVA”. A Fundação Nordestina de Cordel – FUNCOR – também lhe outorgou, em 2005, o diploma de mérito cultural “Firmino Amaral”, em homenagem a sua produção literária regional e folclórica. Recebeu, no ano 2001, com o livro “Mucunã-Contos e Lendas do Sertão”, o Prêmio Nacional Joaquim Norberto, da UBE, Rio. E em 2004, com o livro “NEGRO D`ÁGUA-MITOS E LENDAS DO TOCANTINS” recebeu também o Prêmio Nacional de Folclore GETÚLIO DE ARAÚJO, da UBE, Rio, no Centro Cultural da Academia Brasileira de Letras.
É um colaborador constante de jornais e revistas, onde tem publicado vários artigos, ensaios e crítica literária, pelo Brasil afora. Foi editor de cultural do Jornal Folha da Cidade, de Gurupi-TO. Atualmente, 2005, é editor de cultura da Revista Público, também de Gurupi –T0.
A sua obra é estudada no livro(ensaio)”MOURA LIMA: DO ROMANCE AO CONTO-TRAVESSIA FECUNDA PELOS SERTÕES DE GOIÁS E TOCANTINS”, edição 2002, do crítico Francisco Miguel de Moura, da Academia Piauiense de Letras.
Ultimamente (2003), sua obra foi exaustivamente estudada por MOEMA DE CASTRO E SILVA OLIVAL, Professora Emérita da Universidade Federal de Goiás, Doutora em Letras Clássicas e Vernáculas pela Universidade de São Paulo, Crítica Literária. A Professora Moema é Titular da Academia Goiana de Letras, onde ocupa a Cadeira 04, de seu pai, Professor Colemar Natal e Silva, um dos fundadores da instituição, em 29.04.1939, tendo como Patrono da Cadeira, Antônio Félix de Bulhões Jardim. Membro da Academia Brasileira de Filologia.
O trabalho (ensaio) de Moema foi produzido com o título: “MOURA LIMA-A VOZ PONTUAL DA ALMA TOCANTINENSE-ESTUDO-CRÍTICO, HISTÓRICO-BIOGRÁFICO”.
O romancista JORGE LIMA DE MOURA (literariamente Moura Lima) nasceu na fazenda Capim-Puba, localizada nas proximidades de um vilarejo denominado Capelinha (hoje Heitoraí), distrito de Itaberaí, situado às margens do rio Uru, extremando com a cidade de Goiás e os sertões do Vale do São Patrício, no Estado de Goiás.

Nessa fazenda e nos arredores do povoado passou a infância e a adolescência, juntamente com seu pai, Guiomar Rodrigues de Moura, natural do Norte de Goiás, antigo Descoberto, hoje Porangatu, e de sua mãe, Conceição Lima de Moura, nascida em Igarapava, São Paulo, tendo sempre presente à avó, Doralice Rodrigues Prateado, e a imagem do avô paterno, Pedro de Moura Alencar, de Chapada do Corisco, Teresina-Piauí.
E, nas palavras do próprio escritor: “Meu avô paterno cruzou esse chão bruto do Nortão de Goiás, hoje Tocantins, provindo do Piauí, nos idos de 1915, no lombo de burro, seguindo pelos trilheiros machucados pelos cascos das tropas e das boiadas, ao tilintar das esporas no arco de ferro, dos cincerros e do estalar da taca, e foi bater com os costados em Descoberto (Porangatu), nas margens do rio do Ouro, onde situou a sua fazenda de gado”.
“Posteriormente, acompanhou o meu bisavô, Coronel José Rodrigues Prateado, de muda para Amaro Leite (Mara Rosa). E ali, nos chapadões e descampados das vertentes do rio Macaco, veio a falecer a 1º de julho de 1923”.
Moura Lima retrata, com orgulho, a sua infância bem vivida, na fazenda Capim-Puba, de seu pai, afirmando: “Nasci na era dos carros de boi, e ali na labuta do dia-a-dia, por aqueles rincões, fui candeeiro de meu pai, por caminhos esbrugados e baixadões”.
Moura Lima com essa bagagem genética tocantinense, tornou-se um dos maiores nomes da literatura regional do Estado, pois com seu romance “Serra dos Pilões Jagunços e Tropeiros”, recebeu os aplausos dos meios intelectuais de Goiás e de grandes nomes da literatura brasileira.
“Serra dos Pilões Jagunços e Tropeiros” foi enviado pela Universidade do Tocantins para Central Connecticut State University (Biblioteca Central de Connecticut U.S.A.), que solicitara ao Governo do Tocantins obras de divulgação sobre o Estado, como também foi para o Japão.
Moura Lima é autor do primeiro romance do Estado do Tocantins “Serra dos Pilões, Jagunços e Tropeiros”. Pesquisador incansável possui um acervo respeitável do que ocorreu nos últimos cem anos, nesta região (Tocantins).
Mergulha sempre na poeira dos arquivos, para resgatar os nossos costumes e tradições. E tem uma particularidade interessante: não é escritor regionalista de gabinete, mas, sim, de campo, pois já andou em toda nossa base territorial e conhece bem nossa fauna, flora e o linguajar do nosso sertanejo, eis que foi Funcionário do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), inclusive como Executor de Projetos.
Sentiu de perto o cheiro da terra, dos ribeirões e das nossas matas ciliares. Aí está o segredo da seriedade da criação literária de Moura Lima, que soma aos seus estudos lingüísticos e de semântica o falar vigoroso de nosso sertanejo ao conhecimento, in loco, da nossa realidade histórico-social e antropológica.
É necessário salientar que Moura Lima detém uma relevante folha de serviços prestados ao Tocantins, como servidor do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrário-INCRA, onde foi Executor do Projeto Fundiário de Gurupi, Chefe da Administração e Presidente da Comissão Permanente de Licitação de Terras Devolutas da União, no Estado de Goiás, atuando especialmente na então Região Norte de Goiás, hoje base territorial do Estado do Tocantins.
Pertence à Academia Piauiense de Letras, como membro correspondente. Possui vários artigos publicados em jornais e revistas.
É verbete do DICIONÁRIO BIOBIBLIOGRÁFICO REGIONAL DO BRASIL, de Mário Ribeiro Martins, via INTERNET, dentro de ENSAIO, no site www.usinadeletras.com.br
(Transcrito do Dicionário Biobibliográfico Regional Brasileiro, de Mário Martins).





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