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Ensaios-->Daquimós e os filósofos -- 29/09/2005 - 18:21 (Marissom Ricardo Roso) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
De que, cada doutrina filosófica esteja na dependência da vida de seu autor, é premissa básica, para compreendermos sua obra, estamos sobejamente convencidos; conforme descrevemos em artigo anterior sobre Freud, permitindo estabelecer assim, uma relação de causa e efeito. Depois de séculos de introspecção, veio a filosofia encontrar atrás do pensamento o desejo, atrás do intelecto o instinto. Com Schopenhauer o coração revelou os seus segredos e os nossos desejos explicaram os nossos pensamentos e as nossas ações. Desta vez, saía-se do abstrato, do metafísico, do geral, passando-se para o particular, o individual.

Esse filósofo, filho de um comerciante, cresceu num ambiente de negócios e finanças, mas abandonou cedo essa carreira que lhe deixou marcas: “ rudeza de maneiras, espírito realístico, conhecimento dos homens e do mundo”. Assim, soube viver de suas rendas o o seu estilo foi claro, preciso, compreensível. O pai parece haver cometido suicídio e a mãe, que se tornou romancista, expulsou-o de casa e nunca mais se viram, passando um quarto de século afastados um do outro. Alem disso, sofreu decepções de amor, tornou-se sombrio e desconfiado, cheio de terrores e manias. Não podia ouvir barulho, que tomou como teste de capacidade mental, capacidade inversa à de ouvir ruídos. É de admirar que se tenha tornado pessimista, falado tão mal das mulheres, vivido solitário e sem amigo? “Não diga nada a um amigo do que não possa confiar a um inimigo”, recomendou ele, e viveu como um ermitão, fugindo da sociedade. Via a procriação como o maior dos males e tinha repulsa pela mulher, pelo casamento, pêlos filhos, pela sociedade. Viveu seus últimos trinta anos dentro de quartos de pensão, tendo um cão como única companhia. Apesar de tudo, é prodigiosa a sua perspicácia psicológica, que deu nova forma à filosofia: “ consciência é a mera superfície de nosso espírito, do qual, como a terra, só conhecemos a crosta”. “Não queremos uma coisa porque tenhamos razões para isso; descobrimos razões para isso porque queremos a coisa; chegamos até a elaborar teologias e filosofias para vestir os nossos desejos”. Mostra que, fazendo contas, cometemos mais erros a nosso favor do que contra nós e que o mais estúpido dos indivíduos pode ser mais perspicaz tratando dos seus interesses. Acha que a lógica é inútil e que para convencer é preciso servir ou contentar interesses, desejos, vontades. Tudo isso está certo e hoje bem demonstrado pela psicanálise. Schopenhauer abriu os olhos dos psicólogos para a sutil profundidade e a força onipresente do instinto. “O intelectualismo—a concepção do homem como um animal pensante, que procura adaptar meios aos fins racionalmente escolhidos—adoeceu com Rousseau, foi para a cama com Kant e morreu nas mãos de Schopenhauer”.

É possível que Schopenhauer, se tivesse vivido uma vida mais humana e mais feliz, soubesse penetrar e compreender melhor as razões do seu pessimismo. Ele próprio, já adiantado em anos, coberto de glória, passou quase de pessimista a otimista. Freqüentemente, tocava flauta depois do jantar e alegrava-se de não ser mais agitado pelos ardores da juventude. Lia com avidez tudo que escreviam sobre sua pessoa e pedia que lhe enviassem as notícias com porte a pagar. Wagner mandou-lhe um exemplar de uma de suas óperas e de toda parte acorria gente para conhecê-lo e, ao fazer sessenta anos, recebeu congratulações vidas de quase todos os países do mundo. Um dia, doze anos mais tarde, foi encontrado morto pela dona da casa à mesa, depois do jantar.

O que houve, sem dúvida, com esse grande filósofo, é que ele próprio não se deu conta de que “o mundo não é nem a favor nem contra nós; mas sim matéria prima nas nossas para com ela fazermos o céu ou o inferno”. Como disse Carlyle, “é desassisado vituperar o sol porque não nos ascende o cigarro, mas talvez, se formos hábeis, até isso nos fará ele, sendo também capaz de transformar este vasto cosmo neutro numa agradável moradia, se o ajudarmos com um pouco do nosso próprio sol”. Foi essa a grande tragédia psicológica de Schopenhauer, que via “por toda parte lutas, mas, por trás das lutas, não percebia o socorro pronto e amigo dos vizinhos, a alegria folgazã das crianças e dos jovens, as danças das raparigas, o sacrifício voluntário dos pais e dos amantes, a paciente generosidade do solo e o renascer da primavera”. “Foi ótimo, porém, que forçasse a filosofia a encarar a dura realidade do mal e abrisse os olhos do homem à necessidade de aliviá-lo. Tornou-se mais difícil, desde esse dia, permanecerem os filósofos na atmosfera do irreal, a recrearem-se com metafísicas; os pensadores passaram a compreender que pensamento sem ação é doença”.

Daquimós. Primavera de 2005.
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