A mala carregada de roupas usadas caía na esteira do portão de desembarque. Os olhos atentos prestavam atenção nas demais bagagens que trazia comigo. Ao avistar a mala amarela e pesada, tive a certeza de estar fazendo a coisa certa. Trazer no meio de meus pertences pessoais e presentes para parentes, uma mala repleta de ítens usados para doar à pessoas necessitadas, era uma idéia que me ocorrera em viagens anteriores que tinha feito ao Brasil.
Ao chegar na seção da alfândega, o fiscal - vendo aquela mala enorme - quis rapidamente certificar-se do seu conteúdo, certo de que a mesma estaria repleta de produtos importados e caros. Qual foi sua surpresa ao constatar que ali só havia roupas e alguns brinquedos usados para crianças.
-É estranho que você viajando com uma criança, traga consigo tanta roupa e brinquedos! Somente o conteúdo desta mala dá para vestir várias crianças. E não chequei ainda as outras -, disse o fiscal desconfiado.
-Tudo o que está dentro desta mala pretendo doar às pessoas necessitadas. São peças de roupas usadas e brinquedos usados que ganhei de algumas pessoas americanas-, respondi sem querer entrar em muitos detalhes ( a vontade de acabar com aquele monótona rotina era maior do que a vontade de dar explicações).
-Mas como você ganhou tanta coisa assim? Não sabia que nos EUA ganhava-se coisa alguma. O que eu sempre ouço é que lá trabalha-se muito para conseguir as coisas-, insistiu o fiscal na conversa, e pôs-se a abrir as demais bagagens.
-Realmente trabalha-se muito na América do Norte, mas existem americanos que doam o que para eles não se tem mais valor. Outros simplismente jogam fora. Acho uma atitude normal em todo o mundo, inclusive aqui no Brasil.
-Ah! Aí é que você se engana. Aqui ninguém dá nada. Ou eles guardam para os futuros filhos que pretendem ter ou vendem por um preço mais barato! - exclamou o fiscal.
Simplesmente preocupei-me em tenta fechar a pesada mala e ignorei os olhares curiosos do fiscal e de outros viajantes que estavam esperando sua vez para a alfândega, sem poder deixar de ouvir o comentário de uma senhora que estava na fila:
-Imagine vir dos Estados Unidos e trazer uma mala enorme desta cheia de itens para doar aos pobres. Eu nunca faria isto, trouxe coisas importadas para vender e presentes à família. Já chega o trabalho que dá carregar as bagagens pessoais!-, disse a madame com ares de superioridade.
Fiz de conta que o comentário não era direcionado à minha pessoa. Cada qual tem o direito de pensar aquilo que quiser. E, se essa era a opinião daquela senhora, que assim pensasse...
Não posso deixar de citar que, ao sair do aeroporto, ainda no táxi, ja comecei a ver os menores abandonados pedindo esmolas e maltrapilhos. A memória da senhora bem vestida de nariz empinado veio à minha mente na mesma hora.
Tive a certeza de que todos os transtornos de carregar comigo uma bagagem pesada não era nada comparado a miséria e a falta de carinho que aquelas crianças sofrem no seu dia-a-dia. Se um pouco que eu fizesse servisse para amenizar o sofrimento da infância daqueles seres humanos carentes, com frio e com fome, por que não fazê-lo?
Ao chegar na cidadezinha do interior, meu destino final, após ver meus entes queridos e socializar-me com a vizinhança, dirigi-me aos pequenos sítios e lugarejos onde a pobreza era mais evidente. Em cada casebre que chegava, era recebida como se fosse um anjo caído do céu. As mães, com olhos lacrimejados de alegria agradeciam com seu jeito simples pelas peças de roupa e brinquedos que eu doava...
Para muitas crianças, aquele era o primeiro brinquedo que possuíam ou a primeira camisa de frio. O brilho e a alegria que emanavam dos rostos daquelas crianças faziam com que dentro de mim uma luz tornasse-se ainda mais forte. A sensação de estar fazendo algo de bom e humano, pagava todos os transtornos de estar ali naquela tarde quente de verão, deixando de lado os passeios e descanso das férias para visitar os pequenos casebres situados em lugares quase que inacessíveis...
A partir daquele dia, toda vez que eu vou ao Brasil à passeio, levo comigo uma mala cheia de esperanças...
Esperança de que um dia as pessoas se concientizem e vejam que o que para nós já perdeu seu valor, pode fazer brotar um sorriso nas faces tristonhas...
Esperança que um dia unidos, nós que estamos aqui nesta País, possamos doar às crianças carentes do Brasil um pouco do poder aquisitivo que aqui obtemos...
Se cada um fizer a sua parte, de pouco em pouco conseguiremos acabar um pouco com o estado de miséria que muitos deles vivem, tendo a certeza de que sua doação trará um pouco mais de luz ao seu íntimo, com a generosidade e carinho que sua ação será recebida pelas crianças que tanto necessitam... Pensem nisso!
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* Publicado no Brazilian Times (Boston/USA-03.99)
* Publicado no Brazilian Paper (Miami/USA -10.00)
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