Ao folhear velho escrínio do passado,
Coisas rotas, antigas, sem valor,
Encontrei um retrato descorado
Do meu primeiro e mais sincero amor.
Amarrotado, esquálido, velhinho,
Pelos anos que então já existira,
Eu o guardei com o máximo carinho
- Tangendo as cordas mágicas da lira.
Vibrai, ó cordas, e tornai presente
Todo um passado que me faz saudoso.;
À sombra dele viverei contente,
Cantando as glórias desse amor ditoso.
A recordar, revejo a mocidade,
Os àureos tempos que sonhei na vida,
As ilusões daquela tenra idade,
A estrada azul de rosa florescida...
Vejo a menina que eu amei outrora,
Toda de branco, pura, sedutora,
De rosto luminoso como aurora,
De fita verde à cabeleira loura.
Sinto, depois, ecoar em meu ouvido
As juras do odílio encantador:
- "A minha vida és tu,meu querido,
és meu amor, meu verdadeiro amor"...
Vejo-a agora, a correr pelas campinas,
Atrás das borboletas multicores.;
E após, em meio a um grupo de meninas,
Ouvido histórias de infantis amores.
Ora a escuto a dizer meus versos velhos,
Ora a contemplo a decorar os novos,
Como se lesse trechos de evangelhos,
Ou velhas lendas de remotos povos.
Vejo-a, logo em seguida, diferente,
Lívida a face, ou verdes olhos baços...
Minha alma se transforma de repente,
Meu coração se parte em mil pedaços.
Morta, tão branca, inanimada e fria,
As níveas mãos cruzadas sobre o peito...
As velas choram de melancolia,
Gotas de luz sobre o funéreo leito.
Olho o retrato, rememoro a cena
Mais dolorosa a que assisti um dia.;
O último instante do expirar de Andresa...
- Reminiscências de fotografia... |