Qual é a felicidade possível?
Por Dr. José Ricardo Camargo Xavier
A felicidade é um dos bens mais ansiados pelo ser humano.
Mas não pode ser comprada nem no mercado, nem na Bolsa, nem nos bancos.
Apesar disso, ao redor dela se criou toda uma indústria que vem sob o nome de `auto-ajuda`.
Com `cacos` de ciência e de psicologia se procura oferecer uma fórmula infalível para alcançar a vida que você sempre sonhou.
Confrontada, entretanto, com o curso irrefragável das coisas, ela se mostra insustentável e falaciosa.
Curiosamente, a maioria dos que buscam a felicidade intui que não pode encontrá-la na ciência pura ou nalgum centro tecnológico.
Vai a um pai ou mãe de santo ou a um centro espírita ou freqüenta um grupo carismático, consulta um guru, lê o horóscopo ou estuda o I-Ching da felicidade.
Tem consciência de que a produção da felicidade não está na razão analítica e calculatória, mas na razão sensível e na inteligência emocional e cordial.
Isso porque a felicidade deve vir de dentro, do coração e da sensibilidade...
Para dizer logo, sem outras mediações, não se pode ir direto à felicidade.
Quem o faz, é quase sempre infeliz.
A felicidade resulta de algo anterior: da essência do ser humano e de um sentido de justa medida em tudo.
A essência do ser humano reside na capacidade de relações...
Ele é um nó de relações, uma espécie de rizoma, cujas raízes apontam para todas as direções. Só se realiza quando ativa continuamente sua panrelacionalidade com o universo, a natureza, a sociedade, as pessoas, o seu próprio coração e Deus.
Essa relação com o diferente lhe permite a troca, o enriquecimento e a transformação. Deste jogo de relações, nasce a felicidade ou a infelicidade na proporção da qualidade destes relacionamentos. Fora da relação não há felicidade possível.
Mas isso não basta.
Importa viver um sentido profundo de justa medida no quadro da concreta condição humana.
Esta é feita de realizações e de frustrações, de violência e de carinho, de monotonia do cotidiano e de emergências surpreendentes, de saúde, de doença e, por fim, de morte.
Ser feliz é encontrar a justa medida em relação a estas polarizações.
Dai nasce um `equilíbrio criativo`: sem ser pessimista demais porque vê as sombras, nem otimista demais porque percebe as luzes.
Ser concretamente realista, assumindo criativamente a incompletude da vida humana, tentando, dia a dia, escrever direito por linhas tortas.
A felicidade depende desta atitude, especialmente quando nos confrontamos com os limites incontornáveis, como, por exemplo, as frustrações e a morte.
De nada adianta ser revoltado ou resignado mais tudo muda se formos criativos: fazer dos limites fontes de energia e de crescimento.
É o que chamamos de resiliência: a arte de tirar vantagens das dificuldades e dos fracassos.
Aqui tem seu lugar um sentido espiritual da vida, sem o qual a felicidade não se sustenta a médio e em longo prazo.
Então aparece que a morte não é inimiga da vida, mas um salto rumo a outra ordem mais alta.
Se nos sentimos na palma das mãos de Deus, serenamos. Morrer é mergulhar na Fonte...
Desta forma, como diz Pedro Demo, um pensador que no Brasil melhor estudou a Dialética da Felicidade:
"Se não dá para trazer o céu para terra, pelo menos podemos aproximar o céu da terra".
Eis a singela e possível felicidade que podemos conquistar como filhos e filhas de Adão e Eva `decaídos`...
José Ricardo
novembro de 2006
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