Usina de Letras
Usina de Letras
134 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62181 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22532)

Discursos (3238)

Ensaios - (10351)

Erótico (13567)

Frases (50584)

Humor (20028)

Infantil (5425)

Infanto Juvenil (4757)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140792)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6184)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->RELATOS DO INVEROSSÍMIL - PARTE I -- 02/12/2002 - 12:24 (Wellington Macêdo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Fato inusitado nos fora dado a obervar quando por ocasião do encontro entre dois cães.
Entávamos sentados num banco da praça em conjeturas nossas que somente a nós diziam respeito, quando tivemos oportunidade de presenciar, na qualidade de testemunha ocular e auditiva, parte da conversa entabulada entre dois cães. Não que os cães tenham por hábito revelar suas vidas a quem quer que seja, isso não. Geralmente eles são introspectivos e sobretudo reservados no que respeita as suas intimidades. Mas no caso em apreço, dir-se-ia que os animais, talvez levando em consideração a convivência diária naquela praça, a conversa se revestia de tanta sinceridade que não nos fora possível enconder a emoção.
Diferentemente dos humanos, em nenhum momento nos apercebemos do menor resqício de falsidade; de hipocrisia mesmo, tão arraigadas entre nós. Tudo a que se referiam; todas as informações reveladas naquela conversa se revestiam da maior sinceridade, coisa de fazer inveja a nós pobres criaturas humanas.
Um dos cães era uma figura por demais conhecida naquelas redondezas; não tinha dono nem tampouco casa para morar. Vivia a perambular pelas ruas, dormindo ao relento e se alimentando das sobras de algumas pessoas generosas que se apiedavam da sua situação. Apesar da frugalidade, vivia de certo modo bem alimentado, mesmo diante da sua condição de cão sem dono.
Ah! o outro cão como era diferente. Tratado com todo o esmero e bem alimentado, morava num belo apartamento de um prédio luxuoso defronte daquela praça. Todas as tardes, quando o tempo permitia, vinha a passeio na companhia da sua dona, tendo uma belíssima coleira ao redor do pescoço mantendo-o sempre ao lado dela. Era o cão rico.
Certa ocasião, aproveitando-se da distração da sua dona em conversa com uma vizinha, o cão rico se aproxima do cão pobre e, de imediato, quebra o silêncio, iniciando animada confabulação. Ressalte-se, de antemão, que ambos apesar de que jamais houvessem conversado, já se conheciam de vista há algum tempo. Cumprimentaram-se cerimoniosamente, haja vista a dona do cão rico não permitir uma aproximação mais estreita que porventura viesse comprometer a sua reputação.
Assim, o cão rico demonstrando grande alegria pela oportunidade que se fizera presente e, no extravassamento de marcada curiosidade, pergunta ao cão pobre onde ele morava.
----- Ah meu caro amigo ----- responde-lhe o cão pobre. Moro por aquí mesmo; minha casa não tem paredes nem teto; vivo não rua como voce já pode perceber, perambulando pelo bairro. Mas o que gosto mesmo é de permanecer nesta praça onde todos já me conhecem. Durmo e acordo por aquí.
----- E quando chove onde é que voce se abriga ? ----- pergunta-lhe o cão rico.
----- à noite quando chove ----- responde-lhe o cão pobre ----- procuro ficar encolhido debaixo daquele caramanchão ao abrigo da chuva. Ao contrário, quando não chove, nas noites de verão, fico a contemplar a lua e as estrelas que bordam de ouro o azul do céu. Aí, então, fico pensando na vida; agradecendo a Deus tanta coisa boa; meu abrigo, meu alimento, minha saúde; dando graças, enfim, pela vida que Ele me dera.
----- Mas você sendo um cão sem dono, como faz para obter com o que se alimentar ? ----- novamente pergunta-lhe o cão rico.
----- Ora; apesar do egoísmo de tantas pessoas ainda existem outras que me trazem algo para que possa me alimentar. Alí mesmo naquele prédio mora uma menina que todos os dias me trás um depósito com almoço deveras suculento. Acredito tratar-se do que sobra da sua mesa: arroz, feijão, carne. Comida saborosa de fazer inveja a qualquer um. Por outro lado, quando a minha amiguinha está viajando, procuro algo nos depósitos de lixo que são postos por aí afora.
----- E banho, onde é que você toma ?
----- Quando chove ----- responde-lhe o cão pobre. Banho de chuva é o maior barato. Corro pra lá; corro pra cá com a água da chuva caindo sobre mim,retirando toda a sujeira acumulada. Não vê você como as crianças exultam de alegria sob a chuva ! assim também acontece comigo. Depois me deito sob o sol e em pouco tempo estou completamente enxuto.
----- É; mas banho de chuva poderá fazer-lhe adoecer. É o que sempre escuto lá em casa. E quando isso acontece, quem se encarrega de tratá-lo ?
----- Adoecer ! responde-lhe o cão pobre. Onde já se viu cão pobre adoecer. Vivo em contato direto com a natureza; gozo de excelente saúde. O meu próprio modo de vida deu-me as defesas indispensáveis para o enfrentamento das adversidades. Não tenho preocupação com o amanhã; não reclamo de nada. Ambições, nem pensar, uma vez que tenho tudo do que preciso. Sou um cão pobre mas sobremaneira feliz.
----- E quanto à sua família ? ----- pergunda o cão rico. Apesar de nos conhecermos de vista não sei o seu nome nem algo a respeito da sua família.
----- Me chamam de Piaba. Acredito que em decorrência do fato de que quando ainda pequeno eu era muito magro. Não tenho sobrenome nem conheço parente algum. Não sei nem mesmo quem são meus pais, pois logo após o meu nascimento fui abandonado.
Nessa altura da conversa uma fina garôa começou a cair. Imediatamente o cão rico foi levado para casa e a conversa bruscamente interrompida.
Passados alguns dias os dois cães voltam a se encontrar na mesma situação, restabelecendo-se a conversa. Desta feita por iniciativa do cão pobre, perguntando, então:
----- E você, onde é que mora ?
----- Moro alí em frante, naquele prédio suntuoso, num apartamento que mais parece uma mansão. É tão grande o luxo da família da minha dona que mais se assemelha a um palácio. Só que vivo entre quatro paredes sem ver o mundo lá fora. Como gostaria de contemplar o céu numa noite enluarada. Contar as estrelas que brilham no azul celeste. Mas lá dentro, mormente o conforto que desfruto, vivo triste e enclausurado.
----- Mas lá na sua casa você tem abrigo e tudo o mais que necessita, nada lhe faltando, não é verdade ?
-----Realmente, é verdade ----- responde-lhe o cão rico. Apesar de todas as conveniências não me sinto um cão feliz. Veja você que até para sair um pouco, somente na companhia da minha dona e, mesmo assim, refém dessa coleira. Lá em casa os dias são de uma monotonia à toda prova. As pessoas que lá residem passam todo o tempo se queixando da vida sem valorizar o muisto que possuem. Parece que quanto mais têm, mais desejam. Não tenho dúvida quanto a infelicidade deles. Vivem constantemente angustiados com medo de perder o que possuem; medo de serem assaltados pelos meliantes nas ruas; receio de que seus filhos sejam sequestrados diante de uma situação por eles mesmos criada em razão da triste concentração de renda nas mãos de tão poucos em detrimento da maioria miserável. Pobre gente rica. Por mim, tenho tudo do bem e do melhor que um cão poderia desejar. Durmo numa cama com colchão bem macio no quarto da minha dona, com ar refrigerado, livre do calor. Minha comida, apesar de farta, consiste numa ração balanceada que dizem ser rica em proteínas, vitaminas e sais minerais. São umas bolinhas duras e sempre com o mesmo sabor, sem variar. Às vezes, sinto o cheiro da comida que vem lá da cozinha; carne assada, galinha que me deixam com água na boca. Porém não permitem que me sirva desses alimentos, nem mesmo um ossinho para me distrair, com a falsa argumentação de que me fariam mal; mo meu pelo cairia. Somente Deus é testemunha da tristeza que me invade.
----- Mas se você adoecer tem quem lhe cuide, não é mesmo ? ----- pergunta-lhe o cão pobre.
----- Sim. De tempos em tempos me levam ao médico veterinário. Lá, além de banho e tosa, o doutor me aplica umas vacinas que dizem me imunizar contra uma série de doenças, inclusive a raiva. Nesse ponto, sou muito bem cuidado.
----- E seus pais, moram com você ?
-----Não, responde-lhe o cão rico. Meus pais eram campeões da raça, daí eu ter sangue puro. Logo após o meu nascimento minha dona me adquiriu por uma boa soma de dinheiro quando eu ainda era lactente. Daí, nunca mais tive notícias dos meus pais nem dos meus irmãos, uma vez que cada um de nós foi para um lugar diferente. Sinto-me, na verdade, órfão de pai e mãe.
-----Oh meu amigo, como pode um cão que nada lhe falta de material se sentir tão infeliz ? ----- assevera o cão pobre.
-----Falta-me, tenha certeza, o bem mais precioso que Deus concedeu às suas criaturas: a liberdade. O direito de ir e vir; o uso do seu livre arbítrio.
----- Realmente ----- retruca-lhe o cão pobre. Eu, da minha parte, não tenho casa para morar, vivo na rua; durmo ao relento tendo o céu estrelado por cobertor. Muitas vezes tenho que procurar algo para saciar a minha fome, quando não dependo da boa vontade daquela minha amiguinha. Mesmo assim, apesar de tudo, não trocaria a minha vida pela sua. Sou grato a Deus pela minha extrema felicidade. Posso ver a lua e as estrelas nas noites cálidas de verão; tomar banho de chuva; ir e vir livremente sob as minhas expensas sem coleira a prender-me o pescoço; sem ainda que haja alguém para dizer-me o que posso e o que não. Sou um cão pobre mas livre. Não trocaria por nada nesse mundo a liberdade que Deus me deu. Infelizmente os humanos pensam que somos seus objetos; que não temos sentimentos. Do mesmo modo que nos entristecemos quando maltratados, quando nos privam da nossa liberdade; também nos alegramos quando nos afagam; quando nos dirigem uma palavra de carinho; quando dividem conosco um pouco de alimento; quando nos permitem exercitar a nossa liberdade. Daí, costumarem referir que nós somos dotados de uma fidelidade canina.
De repente, a dona do cão rico se levanta, ordenando-lhe para que não se aproximasse daquele cão vadio; daquele cão vira-lata.. Que evitasse qualquer contato para não correr o risco de contrair doenças nem mesmo ser infestado por pulgas.
Em obediência às órdens da sua dona, o cão rico despede-se do seu amigo e, sem esconder a sua tristeza não é capaz de impedir que duas lágrimas rolem dos seus olhos.
Ao perceber a profunda mágoa que se apoderara do cão rico, o cão pobre conjetura de si para consigo:
Haverá de chegar o dia no qual os humanos serão como nós caninos; deixarãode julgar os demais pela aparência e passarão a julgá-los pelo que são na realidade. Não perderemos por esperar.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui