Ela surgiu de algum lugar. Da porta para ser mais exato. Antes da porta passou pelo pátio. E antes andou de carro. Um carro qualquer, desses que levam pessoas.
Indiferente. Diferente. Diferente por não fazer nada que chamasse a atenção.
Apenas um nariz gripado, um lenço e uma aparente dor de cabeça, fruto de um ataque de vírus. Parecia irritada também. Sinusite devia ser uma das causas.
Além disso usava um vestidão solto, estilo Hari Crishna. Um brinco na orelha esquerda, pois devia ter perdido o da direita. E um anel desses estranhos, cheios de pedras místicas. Um montão delas.
E também sentou na frente da televisão. Para evitar papo furado. Realmente não tinha nada para atrair ninguém. Mas espirrou sobre um infeliz. Um banho de vírus molhados e verdinhos.
Pediu desculpas e deixou a sala. Ao sair tropeçou na funcionária bonitona, de cabelos amarelos tingidos. Um tropeção de leve.
Deixou cair o material escolar. Tinha um livro do Paulo Coelho, indicativo de sua capacidade intelectual.
Ajudei a juntar a tralha do Paulo. Indiquei que limpasse o tatuzão que teimava em sair do nariz. Agradeceu a dica.
Ficou vermelha e se mandou. Para algum lugar, depois do corredor.
Tinha um pescoço bonito, meio branco, fino. Cabeça de formiga, daquelas pequenas, delicadas.
Sumiu durante umas semanas. Coisas da gripe talvez. Eu também sumi.
Encontrei-a de novo, mas na farmácia. Comprava leite em pó para a filhotinha, menina de seis meses. Sorriu discretamente e explicou que não tinha muita prolactina para fornecer, então apelava para o recurso industrial.
A filhotinha era muito bonita, rechonchuda. Usava uma daquelas fitinhas, amarela, para espantar inveja. Sorri com a superstição da moça.
A criança se espantou com minha presença e desatou a chorar. Helena, a criança, era também filha de Helena, a jovem.
Segurei o embrulho para facilitar a compra do leite. Depois acompanhei as duas até o carro. Mamãe nova, solteira. Não quis saber do gerador, que foi embora.
Fiquei com vontade de ser pai daquela criança. Mas deixei que fossem embora sem nada dizer.
