Virgínia não sentia medo de todas as pessoas. Só de algumas.
Naquele dia chegara ao escritório na hora certa, sorrira para todos indistintamente, como sempre fazia e sentira-se segura. Como sempre, sentara-se atrás de uma pilha de papéis e, só então, notara o novo funcionário. Um homem comum, magro, claro, olhos castanhos.
Virgínia sentiu imediatamente o medo que determinadas pessoas lhe despertavam. Tinha medo daquele homem comum.
Seus cabelos lisos e claros lembravam campos de trigo, cheiro de pão, fornos quentes, guerra, fome...
Tinha o fulano olhos profundos, castanhos, misteriosos.; lembravam lagos, neblina, escuridão, frio...
Seus lábios finos, úmidos, pareciam conter fontes de água doce, que poderiam secar de repente e faziam lembrar desertos áridos e muita, muita sede...
Corpo ágil e atlético, pernas comuns, coxas apertadas na calça jeans desbotada, fizeram-na mexer-se inquieta na cadeira. Não sabia bem por que a visão daquele corpo a fazia pensar em gritos de desespero, talvez estupros dentro da noite, arrepios de pavor...
Cruzou as pernas. Arrepiou-se.
Talvez alertado pela inspeção da colega, o novo funcionário olhou-a de frente e sorriu. Sorriso comum. Foi o quanto bastou para que Virgínia começasse a suar muito, lembrando-se de selvagens e elegantes animais no cio.
Dentes comuns marcavam sua pele clara e intocada com fictícias mordidas.
O suor escorria pegajoso entre seus seios, inundando seu umbigo.
O medo tomou grandes proporções.
O comum rapaz levantou-se de seu lugar e aproximou-se devagar da mesa de Virgínia, sorriso nos lábios.
Ela entrou em pânico. Fechou os olhos. Seu coração começou a bater descompassado, de pavor. Apertou uma perna contra a outra. Os dedos dos seus pés formigavam. Começou a ficar tonta e achou que fosse desmaiar. Não desmaiou. Estremeceu. Ficou entorpecida, mole, suada, cansada.
O funcionário parou perto de sua mesa, olhou-a preocupado, perguntando se ela estava se sentindo mal. Virgínia apenas sorriu um sorriso idiota e balançou a cabeça negativamente.
Ela estava maravilhosamente bem, como sempre ficava quando sentia medo de alguém.
Mas, infelizmente, ela não sentia medo de todas as pessoas. Só de algumas.
|