Forçaram-me, certa vez, a realizar uma comunicação durante sessão mediúnica no centro espírita.
Tinha eu requisitado ajuda dos seres mais poderosos, crente de que iriam alçar-me ao paraíso, como nas histórias que conhecia em que os anjos descem para buscar as almas dos cristãos.
Naqueles tempos, passava de um lado para outro da escuridão, atropelado e atropelando, clamando por vingança e por justiça, como se tais coisas fossem compatíveis perante o Senhor.
O convite, assim entendi a verdadeira ordem recebida, se deu de forma convencional, aparecendo um grupo de sujeitos vestidos um pouco melhor que eu, que andava andrajoso, sem rodeios:
- Ouvimos as suas preces e estamos prontos a ajudá-lo. Venha conosco.
- Esperem aí! Para onde vão me levar?
- Para um lugar em que será instruído a respeito de algumas providências necessárias para que você alcance atingir o seu maior objetivo, ou seja, livrar-se dessa situação penosa.
Eu mal havia entendido aquele palavrório, mas, como de tudo desconfia o condenado à s galés após ouvir o douto pronunciamento que o sentenciou, quis saber mais:
- Se estão pensando...
- Nós sabemos o que se passa com você. Na realidade, vamos conduzi-lo a um centro espírita onde você irá receber as referidas instruções.
- Por que vocês não falam agora do que se trata?
- Você sabe o que se passa dentro de um centro espírita?
- Já fui a muitos. Lá o povo se diverte, bebe, canta e dança...
- Não é dos terreiros que estamos tratando. É do sagrado ambiente de reuniões entre vivos e mortos, sob o amparo de mentores de bom calibre moral.
- E os orixás não são assim?
- Você viu algum?
- Eu vi muito pai e mãe de santo conversando com entes de grande poder e força, tanto que a minha turma nem podia chegar perto.
- Viu algum?
- Não vi.
- Sabe por quê?
- Porque eles não se mostraram.
- Por que eles não se mostraram?
A pergunta estava muito além de minha capacidade de raciocínio. Saí pela tangente:
- Era da conta deles, decerto.
- Perfeitamente, como será da conta dos nossos bons amigos da espiritualidade superior mostrar-se, para nos darem tranquilidade, paz, sossego, que é o que lhe tem faltado.
Percebi que desejavam atrair-me com boas palavras e retraí-me:
- Pois ainda acho que vocês poderiam atender-me aqui mesmo, se é que me entendem.
- Como queira. Vamos montar a nossa pequena assembléia neste lugar...
- Vocês vão ser chamuscados pelo fogo dos perversos que atacam os pobres inocentes.
- Você se considera inocente?
- Claro que sim, principalmente porque ficaram me devendo satisfações e dinheiro...
- Você não ficou devendo nada a ninguém?
- Fiquei, mas foi muito menos.
- Diga apenas um dos seus débitos.
- Deixei de pagar a conta do telefone...
- Estou falando em relação à s pessoas e não à s instituições.
- Levei algum dinheiro de meu irmão, mas, como ele era da família, não se aborreceu comigo.
- Que certeza você tem disso?
- Ele nunca me cobrou nada.
- Você nunca machucou ninguém?
- Agredi um sujeito que me atacou na rua.
- Estou perguntando se magoou moralmente.
- Só minha mulher, mas isso não conta...
- ...porque ela nunca deu queixa na polícia?...
- Não deu mesmo. Até me agradeceu muito a vida que dei a ela quando morri.
- Você está sabendo que morreu?
- Não sou tão ignorante assim.
- E não se arrependeu de nada até agora?
- Estou arrependendo-me de lhe dar trela...
- Deseja parar?
- Sim.
- E voltar a correr desesperado por aí?
- Não. Quero continuar conversando sobre outras coisas.
- Não está mais disposto a revelar sua condição infeliz?
- O que está me deixando cansado são tantas perguntas.
- Então, vou lhe afirmar algumas coisas. Primeiro, você está devendo uma grande soma a muitas pessoas...
- Não é verdade.
- Está devendo satisfações e desculpas, por ter ofendido aos familiares e amigos, muitos que você traiu...
- Se vocês sabem de tudo isso, por que me atormentam com perguntas?
- As perguntas se acabaram. Chegou a vez de conversarmos a respeito das atitudes honestas e virtuosas. Você, como sabemos, é bem capaz de repetir todas as virtudes e dizer de cor as leis de Deus, segundo sua fé católica. Mas isso tudo se passa no seu coração e na sua cabeça da mesma forma que deseja que os anjos venham levá-lo à presença de Deus.
- Não tinha pensado em ficar na frente dele.
- É porque você ficaria envergonhado. Está na hora de descobrir a melhor maneira de crescer espiritualmente.
- E de sair da escuridão e das perseguições?
- Perfeitamente.
- Que devo fazer?
- Acompanhe o grupo de amigos que foram buscá-lo.
- Você quer dizer: que vieram buscar-me...
- Foram buscá-lo e o trouxeram até aqui, no centro, onde você conversou comigo, um simples trabalhador espírita.
- Quer dizer que eu vim parar aqui sem perceber?
- Acho que sim, pois você está presente.
Naquele momento percebi que podiam transportar-me sem minha anuência e protestei:
- Não é justo desrespeitar a minha vontade.
- Sua vontade de ficar na escuridão ou sua vontade de ser resgatado das mãos dos perversos?
A alternativa sentenciou-me ao silêncio e à s lágrimas. Haviam quebrado a minha crista. Estava pronto para receber o carinho dos socorristas. Atinei que fora sempre um beócio ou capadócio, que eram as melhores palavras que utilizava contra os meus algozes. E deslizei para o seio do grupo que me amparou e me transportou para estadia em hospital de deficientes espirituais...