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cronicas-->Esther A prostituta -- 12/09/2002 - 12:59 (Marco Antonio Athayde de Britto Cunha) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Era uma mulher bonita, - era isso que falavam - bonita demais pra ser prostituta. Se bem que nos tempos de hoje... a questão de qualidade total. E ainda mais depois do Vinícius (beleza é fundamental, lembram-se?)... a concorrência também, cada vez mais acirrada, tinha que ser bonita mesmo. Mesmo que siliconada, o que não era seu caso, eu o sabia. Mas tinha quem fosse.
O rosto de boneca. Corpo perfeito. Os olhos pareciam pérolas fitando o infinito. Vestia-se, sempre, provocantemente bela. Era, de fato, sedutora. Vivia disso. E vivia bem. Carro importado, academia, personal trainer... Falava três, talvez quatro idiomas.
Fizera muitas viagens. Fora acompanhante de altos executivos. Fora até amante de um grande político, não lembro mais o nome.
Cursava faculdade de psicologia, e pensava:
- É o meu forte.
Mantinha pais, bancava escola de irmãos... dizia:
- Me formo, faço Phd, e largo esta vida.
- Depois caso, caso com você (olhando-se no espelho).
Sonhava alto: teria um spa, faria uma turnê por ano. Voltaria a lugares por onde passara rapidamente: Madri, Coimbra, Gênova, Veneza. Ah, Veneza! Voltaria lá só pra cuspir no rosto do maitre que a desdenhara. O atrevimento dele iria lhe custar caro, ah se ia.
Costumava gozar da minha cara, tirava sarro... uma risada cristalina.
- Tá ganhando quanto, o quê? Tudo isso, ah vai... Falava isto olhando-se no espelho.
Frequentava centro espírita, visitava orfanatos, ia a festas em abrigos de velhos. Fazia isto com a mesma alegria com que ia à praia.
A praia. Seu habitat natural, seu lar, seu escritório. O lugar para se mostrar, mostrar-se em seus biquínis. Os seus biquínis: tinha inúmeros, de todas as cores, de vários modelos, de muitos tamanhos, nenhum deles, que fosse grande o bastante para cobrir sua nudez disputada.
Gostava de exibir-se. Sabia-se desejada e aquilo a aprazia. Vaidosa, sem ser egocêntrica, brilhava por onde passasse.
Mas o brilho desfez-se. Esther principiou-se a perder forças. Afastou-se do glamour, distanciou-se das festas. Despediu-se dos "Versolato".
Esther desapareceu... quem a conhecia da noite, sentenciou:
- Sumiu, esfumou-se!
O fato é que sumiu. E ela bem que tentou manter-se.Manter-se viva, fique bem claro. Mas sabe como é: "... ama-se e ama-se...".
O caso foi o seguinte, e isto devo esclarecer-lhes: - Esther foi, e seria sempre, uma dama da noite. Uma "garota de programa". Mas não uma como tantas que por aí estão. E, apesar de parecer-se com outras tantas que por aí estão, não seria nenhuma destas também. Esther, a mulher que se amava, tanto quanto amava o homem que existia nela. Ou melhor, amava-se tanto pelo homem como pela mulher que era. Pois se ainda não sabem, saberão...
Esther nasceu na adolescência, entre seus quinze e dezesseis anos. Antes disto pouco se lembra...o rosto triste da mãe, a tosse seca e intermitente do pai, o choro de fome de suas irmãs. Corpo franzino, esquálido. Olhos tristes e melancólicos.
Fora "adotada" por um respeitável senhor, frequentador da igreja do bairro que se impressionara com aquela figurinha mirrada.
O homem, sujeito de boas posses, viúvo e sem filhos, jurou cuidar daquela criança como se filho seu fosse. Daria escola e educação social, o que garantiria seu futuro profissional. Para isto, contou com a intervenção do vigário da paróquia que há muito o dizia conhecer.
Os pais, sem esforço relutaram, ao que a apresentação de uma ajuda de custo pouco demorou em convencer-lhes do que seria melhor para aquela criança.
A verdade é que Esther nasceu meses após mudar-se para um casarão imenso o qual era habitado por ela, seu bem-feitor, meia dúzia de serviçais e um bando de fantasmas que rondavam por entre os quartos nas horas tardias da noite, enchendo-as de vozes, gritos e sussurros lànguidos. Tinha-os descoberto ouvindo seus passos pelos corredores, pelo bater das portas dos cómodos...
À tarde, após o farto almoço, depois de sua chegada do colégio, e antes da vinda de sua professora particular, quando toda a criadagem recolhia-se nos seus afazeres, ela, a Esther que ainda não havia-se tornado, perambulava entre tantos aposentos. Havia um em especial que atraía-lhe enormemente. Este estava sempre fechado, e só quem o adentrava era seu protetor e mais ninguém.
Um dia, depois de uma noite particularmente agitada, onde os fantasmas demoraram tanto a irem-se que tornou-se até possível enxergar seus espectros sumindo na neblina da manhã, a porta do misterioso quarto fora esquecida encostada. Por curiosidade, seu interior foi invadido com avidez e, o que lá estava, causou surpresa. Paredes e teto espelhados, uma cama imensa marcando o centro do aposento, lustres, luzes e, portas, muitas portas, de vários armários. De dentro daquelas portas saltaram vestidos, sapatos, sapatilhas, espartilhos, perucas, enfim...
A admiração foi tanta que não apercebeu-se da entrada do senhor, veio dar-se conta ao ouvir o fechar da porta. Ficou sem saber o que dizer. Se não havia proibição, também não havia permissão para estar ali. Ficou na expectativa. Os olhos que o fitavam nada diziam e com alívio é que foi convidado a sentar-se.O que ocorreu a partir dali foi uma conversa que, se não lhe trouxe admoestação, fez-lhe vir, com o tempo, a transformar-se na mulher que foi. Digo foi, no passado, pois que, estamos no tempo em que Esther desaparece, some.
Antes de sumir, vale acrescentar que, após a primeira visita ao quarto misterioso, os fantasmas deixaram de ser o que eram para mostrarem-se como meninos alegres, arrebatados e fantasiosos. Como num palco de teatro, assumiam papéis de cortesãs, colombinas e outras figuras mais... Seu padrinho, sempre no papel do herói, ria-se e despia-se do mito de homem sóbrio e circunspecto que o acompanhava por força das suas funções no trabalho e na igreja. Começava ali, uma nova vida, um modo diferente de vivenciá-la.
Ocorre que a morte um dia chega para todos nós e, não havendo exceção, veio a falecer seu provedor. Não imaginara, até então, que nada lhe seria deixado como herança. O "bondoso" senhor, acreditando-se imortal. Ou, pelo menos, crendo ser a morte uma realidade distante, nada preparou, nada fez, e então todo o pouco que tinha destinou-se para quem mais temia, os cofres públicos, visto que herdeiro legal não havia para reclamar...
Assim nasceu Esther. Ou melhor, estreou em vida pública.
Após o falecimento do pobre homem, não tendo nem mesmo para onde ir, sem pretender retornar à casa dos pais, aceitou convite de um daqueles amigos. E foi nas ruas que assumiu-se como mulher. Era Esther pela noite, era eu pelo dia. À noite brilhava, fazia-se amada, desejada. Pelo dia eu estudava e mais tarde vim a trabalhar. Até o emprego escolhi em função dela, tornei-me caixeiro viajante. Trabalhando assim poderia levá-la onde quer que fosse. E ela nos provinha.
Mais uma vez, a vida se mostra. Numa das muitas viagens, vim a conhecer uma pessoa por quem, eu, o homem, vim a me apaixonar. Esta também correspondeu à paixão e aí Esther principiou-se a morrer.
- Bom, a verdade é que Esther morreu. Eu o sabia. A minha adorada morreu deixando-me saudades, trazendo-me felicidade.
Constato o fato enquanto olho as chamas consumirem montes de recortes de jornal. Páginas do jet-set onde guardava as últimas lembranças da minha outra metade.
As chamas extinguem-se. Fica no espaço os risos, de esposa e filha, que ecoam do quarto do bebê.
Tenho uma única dúvida:
Não sei quem a matou. Se fui eu. Ou se ela mesma se suicidou em nome do amor que tinha por mim...
Esther morreu. Se não de fato, mas de direito. Sobraram as cinzas. Ponto final.
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