Usina de Letras
Usina de Letras
142 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62214 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10450)

Cronicas (22535)

Discursos (3238)

Ensaios - (10357)

Erótico (13569)

Frases (50608)

Humor (20029)

Infantil (5429)

Infanto Juvenil (4764)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140799)

Redação (3303)

Roteiro de Filme ou Novela (1063)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6187)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Ensaios-->A PALAVRA E O PENSAMENTO -- 12/03/2003 - 10:01 (José Virgolino de Alencar) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

O grande romancista francês Stendhal colocou na boca de um personagem esta sentença irretocável: “O homem criou a palavra para esconder seu pensamento”. Assim, no século XIX, quando Stendhal escreveu suas obras, já havia desencanto e descrédito pela palavra, aliás não propriamente por ela, mas pelo uso que dela se fazia. Em nossos dias torna-se cada vez menos fácil crer-se na sinceridade dos homens, quando eles falam ou escrevem.
Há um fingimento no homem de difícil , mas não impossível, percepção, exigindo uma sutil análise do que ele diz. Não é o fingimento de que falou Fernando Pessoa, quando afirmou que “O poeta é fingidor/Finge tão completamente/Que chega a fingir que é dor/A dor que deveras sente”. Na realidade, há uma crua insinceridade na palavra dos homens, fazendo com que, por trás da mentira que ele conta, vejamos uma verdade, ou sintamos uma mentira quando ele diz falar a verdade.
Ocorre, exatamente, uma inversão de valores. Quando o homem afirma que algo está errado, principalmente em se tratando de valores morais, e toca a condenar o procedimento alheio, podem correr atrás que o flagrarão dando gostosas dentadas na maçã. Não chegaremos ao extremo conceito de Millor Fernandes, dizendo que “é fácil identificar os canalhas, pois eles estão sempre propondo grandes soluções morais”. Não exageremos, pois afinal ainda existe muita gente boa neste conturbado mundo, onde a harmonia social se segura perigosamente por um fio, mas resiste heroicamente ao assédio do mal. Esse mal é provocado por uma porção considerável, de maquiavélicos que usam a palavra para esconder seu pensamento.
As jogadas semânticas entraram em voga de maneira avassaladora, nos levando a entender como metáfora tudo o que nos estão dizendo. A força da palavra, a erudição bacharelesca e a retórica literária, que outrora empolgaram os auditórios, são usadas mais para persuadir os incautos a aceitarem o inaceitável. Achando que passar gato por lebre é uma coisa fácil e comum, o homem começou a usar a palavra para passar elefante onde não cabe uma formiga, confiando no fato de que pimenta nos olhos alheios não arde ou na bíblica possibilidade do camelo passar no fundo de uma agulha.
Com muita propriedade, um pensador não identificado sentenciou: “As palavras que não encerram um significado devem ser impiedosamente banidas; as palavras que encerram significados falsos devem ser rigorosamente corrigidas; as palavras que encerram significado ambíguo devem ser cabalmente esclarecidas; as palavras que parecem representar fatos, mas na realidade representam imaginações, devem ser desmascaradas”. Tais sentenças, na mesma linha de pensamento do escritor francês, certamente foram ditadas pelo ceticismo revolta contra o mau uso das palavras. Sem dúvida, as frases acima são duras, encerram um conselho forte.
Se formos banir as palavras que não encerram significado ou cujo significado ou sentido não é o expresso literalmente, vai ser uma mudez total. Admite-se, contudo, que os significados falsos devam ser rigorosamente corrigidos, tanto quanto os significados ambíguos devam ser esclarecidos, exatamente para que as palavras não escondam o pensamento, mas reflita-o. Assim, também, as palavras que representem imaginações e não fatos concretos devem ser desmascaradas. É realmente muito difícil convencer os homens a não deixarem seu pensamento em back-ground quanto às palavras que dizem.
Até parece que a escamoteação do sentido real das palavras é fruto da inteligência, é um luxo dos sábios. Os analfabetos deturpam mais a grafia do que o sentido, porque seu vocabulário é corriqueiro, batido, cujo sentido não deixa dúvidas. O silogismo é criação de filósofos, ou seja, é a consagração científica do desvirtuamento das palavras. O silogismo é o raciocínio perfeito, que pode encerrar uma falsidade. Os diálogos de Platão, de onde saiu a dialética, nada mais são do que o convencimento através de um jogo de palavras. Deve ter sido daí que os matreiros extraíram a absurda sentença de que não interessa o fato, mas a versão.
O fato só é material no momento de sua ocorrência. Depois passa a ser abstração, enquanto toma forma concreta a versão que circulará, alimentando as discussões, adquirindo a cada etapa novas formas, tornando obscuras a verdade do fato. Nesse contexto, as versões vão se acumulando, num efeito cascata ou crescendo como bola de neve, de modo que o resultado final impossibilita totalmente a descoberta da verdade.
Disse Olavo Bilac que “a palavra pesada abafa uma idéia leve”. Parafraseando o poeta, diremos que a palavra leve suaviza uma idéia pesada. Com uma palavra suave, muitas vezes o homem atenua o sentido de maldade intrínseco em suas intenções. É o uso abusivo do eufemismo, empregado para evitar resultado desagradável que as verdadeiras palavras produzem. Por exemplo, quando dizemos que fulano faltou com a verdade, na realidade queremos dizer que fulano é mentiroso.
Segundo Aurélio Buarque, “palavra” vem, etimologicamente, do termo grego “parabole”, que originalmente significa “parábola”. Quer dizer: a palavra é uma parábola e como tal deve ser a expressão de uma idéia que não está explícita nas linhas, mas implícita nas entrelinhas. Evidentemente, não foi essa a intenção do Criador, quando instalou o homem sobre a terra, à sua imagem e semelhança, dotado de inteligência e racionalidade. A inteligência fez com que o homem se libertasse do Criador, desse um retoque adicional em si mesmo e adquirisse qualidades de caráter não previstas no projeto original.
O resultado é uma desmesurada senvergonhice, uma devastadora insinceridade, tendo na palavra a arma principal na busca de objetivos inconfessáveis, na satisfação de caprichos e ambições pessoais em nada recomendáveis e na consecução de planos diabólicos. Daí surgem os usuários da palavra parábola, da metáfora, do eufemismo, hipérbole, litote, etc., em textos de pouca ou nenhuma qualidade literária. Mas isso pouco importa. Muitos são os exemplos de grandes pensadores que tornaram mais erudita, mais sofisticada, a esperteza no uso da palavra.
Em resumo, parece que, em matéria de pensar, muita coisa vai mal. Se a palavra continuar escondendo o pensamento, não haverá salvação, é o apocalípse. Mas resta a esperança de que vale a pena trabalhar sério com a palavra. Concordemos com Drumond, quando diz nestes versos: “Lutar com palavras/ é a luta mais vã/entanto lutamos/mal rompe a manhã.”
Não é preciso dizer mais nada!
* Professor - Adjunto da UFPB.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui