O Globo - 29/6/2012
A ESCOLA SAMUEL DE POLÊMICAS
Simpático aos bolivarianos, diplomata fez carreira de altos cargos e controversos
radicalismos
Eliane Oliveira
BRASÍLIA. Não é a primeira vez que o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães radicaliza e
toma atitudes polêmicas. Há dez anos, outro de seus rompantes lhe atraiu os holofotes.
Foi exonerado do cargo de diretor do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais
do Itamaraty porque falou, em uma palestra para militares, contra a criação da Área de
Livre Comércio das Américas (Alca), uma das bandeiras do governo da época,
presidido pelo tucano Fernando Henrique Cardoso.
Os críticos afirmam que o diplomata é antiamericano, contrário à globalização e ao livre
mercado e admirador de líderes bolivarianos, como os presidentes da Venezuela (Hugo
Chávez), da Bolívia (Evo Morales) e do Equador (Rafael Correa). Pinheiro Guimarães
chegou a ser citado diversas vezes pelo venezuelano. Em geral, Chávez tinha em
mãos, nos discursos de reunião de cúpula do Mercosul, além da Constituição de seu
país, algum livro do embaixador, a quem chamava de amigo.
As declarações contra a Alca agradaram ao então candidato à Presidência da
República Luiz Inácio Lula da Silva, que, ao nomear Celso Amorim para o Ministério das
Relações Exteriores em 2003, convidou Pinheiro Guimarães para secretário-geral do
Itamaraty. Ele e Amorim são consogros e foram colegas na Embrafilme, na década de
1970. Para se ter ideia do prestígio de Pinheiro Guimarães, como ele não era
embaixador de 1 classe como o cargo de secretário-geral pedia, Lula pôs fim à
exigência.
Para evitar se tornar, de novo, "refém de suas opiniões" - como diz um graduado
embaixador brasileiro - o diplomata optou pelo silêncio ao assumir o segundo posto
mais importante do Itamaraty. Parou de dar entrevistas, virou low profile , mas continuou
agindo nos bastidores.
A vida foi mais difícil no Itamaraty, principalmente para os jovens diplomatas, quando
Pinheiro Guimarães, hoje com 73 anos, ocupou a função de secretário-geral. Ele
estabeleceu como precondição para a remoção e a promoção dos funcionários a leitura
de uma série de publicações, incluindo alguns de seus quase 20 livros, no que ficou
conhecido como "escolinha do professor Samuel". Sua influência na diplomacia era
evidente desde o início da carreira de mais de 50 anos. Em 2005, conseguiu excluir a
prova de inglês dos exames eliminatórios para o ingresso no Rio Branco.
Para os Estados Unidos, um dos principais defensores da Alca, as coisas também não
foram fáceis. Lula enterrou as negociações para a criação da zona de livre comércio no
hemisfério e se aproximou de países tidos como antiamericanos.
Em 2010, o diplomata foi nomeado ministro de Assuntos Estratégicos, no lugar do
também polêmico Mangabeira Unger. Com o fim do governo Lula, Pinheiro Guimarães
se tornou, em janeiro de 2011, alto representante do Mercosul, cargo que deixou ontem.
Nascido no Rio, mestre em Economia pela Boston University e apaixonado por literatura
e temas ligados à integração latino-americana, o embaixador é, apesar das polêmicas,
admirado dentro e fora do país.
Pessoas que o conhecem há mais tempo contam que, no fim da década de 1980 e
início da de 1990, Pinheiro Guimarães, no comando do departamento econômico do
Itamaraty, elaborou um manual para orientar os funcionários sobre como falar ao
telefone. Costumava usar ampulheta para medir o tempo nas audiências e papel
carbono em bilhetes para subordinados.
PINHEIRO GUIMARÃES RENUNCIA AO MERCOSUL
Brasileiro alega falta de apoio político e surpreende bloco ao deixar cargo em
pleno debate sobre crise do Paraguai
Janaína Figueiredo
Enviada especial
MENDOZA, Argentina . O brasileiro Samuel Pinheiro Guimarães surpreendeu ontem a
diplomacia regional ao anunciar de forma abrupta, logo no início da cúpula do Mercosul
em Mendoza, sua renúncia como alto representante-geral do bloco. Ele negou as
versões que apontavam como motivo divergências sobre a situação do Paraguai,
questão que centra os debates na cidade argentina, e atribuiu sua saída à falta de
"apoio e condições políticas para exercer o cargo".
- Cheguei a Mendoza com a decisão já tomada. E ela nada tem a ver com a crise em
relação ao Paraguai - disse o diplomata ao GLOBO.
Ex-ministro de Assuntos Estratégicos da Presidência e ex-secretário-geral do Itamaraty,
Pinheiro Guimarães ocupava desde janeiro de 2011 o cargo, criado um mês antes para
estabelecer uma espécie de porta-voz e representante máximo do Mercosul. Ele
cumpria funções de articulação política, formulação de propostas e representação das
posições comuns dos Estados-membros.
O anúncio da renúncia foi feito durante a reunião de chanceleres do bloco. Após um
pequeno discurso, em que alegou falta de apoio às iniciativas que defende, Pinheiro
Guimarães limitou-se a entregar um relatório aos colegas sobre o que considera serem
as prioridades do Mercosul. Ele negou divergências dentro do Itamaraty, como também
especulava-se, e com o chanceler Antonio Patriota, que contribuiu para alimentar os
rumores ao se recusar a falar sobre o caso em entrevista coletiva.
- Realmente nos surpreendeu. Ele tinha todo nosso apoio - disse o chanceler uruguaio,
Luis Leonardo Almagro.
BLOCO CHEGA A CONSENSO SOBRE SUSPENSÃO PARAGUAIA
Apanhados de surpresa, os diplomatas do Mercosul ainda não deram qualquer pista
sobre a substituição de Pinheiro Guimarães. Ontem, os chanceleres chegaram a um
consenso sobre a punição ao Paraguai pelo impeachment de Fernando Lugo. A
decisão, a ser formalizada hoje pelos presidentes de Brasil, Argentina e Uruguai, foi de
não aplicar sanções econômicas, mas manter o país suspenso do Mercosul até abril de
2013, mês das eleições presidenciais.
- Existe um consenso no Mercosul pela não aplicação de sanções econômicas ao
Paraguai. O que seria anunciado amanhã (hoje) vai um pouco além do que foi
comunicado no domingo passado, já que a suspensão era por uma semana e seria
prorrogada - disse Patriota ao GLOBO.
Em aberto, fica a definição da situação jurídica do Paraguai - suspenso, mas não
excluído - em relação ao bloco. O status incide em questões delicadas, como as
relações comerciais entre os Estados-membros e a adesão plena da Venezuela. A
situação inédita será estudada mais a fundo pelos chanceleres. Segundo fontes
brasileiras, a intenção do Mercosul é de alguma forma dar um troco político ao
Congresso paraguaio, o único que não ratificou a adesão plena do país de Hugo
Chávez ao bloco.
Enquanto seu destino era discutido em Mendoza, em Assunção o governo paraguaio já
começava a se articular para buscar alternativas às punições. Uma delas, manifestada
ontem pelo ministro da Fazenda, Manuel Ferreira, seria mudar a taxação de
mercadorias provenientes dos países vizinhos.
- Se o Mercosul resolver nos bloquear, haverá uma consequência favorável para o
Estado, porque o orçamento geral tem um déficit e, com as sanções, teremos de impor
tarifas às importações de Argentina, Brasil e Uruguai, que nos dariam maior receita -
disse Ferreira. - Qualquer bloqueio não terá efeitos traumáticos. Cerca de 60% das
nossas importações vêm da China.
Agravando a tensão, o presidente do Parlasul, o paraguaio Ignacio Mendoza, denunciou
ter sido barrado ontem na reunião. E o novo governo paraguaio acusou a Venezuela de
ter instigado uma sublevação das Forças Armadas durante o impeachment de Lugo. A
denúncia - feita pela ministra da Defesa María Liz García e reforçada pelo presidente
Federico Franco - é de que o chanceler venezuelano, Nicolás Maduro, tentou convencer
os militares a apoiarem o ex-bispo e se oporem a sua destituição.
- Dizem estar preocupados com a ruptura institucional no país, mas, no fundo, o barulho
internacional (contra Franco) é para que consigam meter a Venezuela pela janela no
Mercosul - disse o senador liberal paraguaio Miguel Abdón Saguier.
Para hoje, são esperados discursos mais enérgicos com a chegada de presidentes
como a argentina Cristina Kirchner e o equatoriano Rafael Correa - Mendoza também
recebe a cúpula da Unasul. Ontem, antes de embarcar, Correa deu mostras do tom que
adotará:
- Independentemente do que o Mercosul ou a Unasul definam, o Equador já decidiu:
não reconheceremos um governo ilegítimo. Chega de apologia. |