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cronicas-->4. O ARROJO -- 13/09/2002 - 08:06 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Revelei-me a mim mesmo quando tive o ensejo de guarnecer minha personalidade com o hábito da morigeração, da cautela, do bom aviso.

Antes, metia-me em problemas por "dá cá aquela palha", esquentado e tolo, julgando de modo imediato e temeroso a quanta postura me era exigida perante os acontecimentos mais corriqueiros.

Não avaliava direito a responsabilidade de cada um e assumia, empenhando-me para isso, o total desafogo das questões, buscando soluções rápidas e definitivas.

Isso mudou quando me vi envolvido numa tragédia doméstica, havendo um filho meu recebido fatal choque elétrico, vindo a falecer.

De quem era a culpa? Quem havia facilitado aquele contato? Tais eram as perguntas que me assaltaram a mente e logo me puseram afogueado e temeroso de enfrentar as crises que viriam como consequência do sentimento de culpa, do remorso, tendo em vista as acusações que me assaltaram desde o primeiro instante.

Deixei-me conduzir para o centro espírita como teria ido a qualquer culto religioso. Tudo que vinha fazendo tinha o dom do automatismo, zumbi que me sentia, morto para as alegrias do mundo, vivo apenas para o arrependimento.

Note-se que não houve ninguém que levantasse qualquer suspeita de haver o pai contribuído para a morte do filho. Tudo se desenrolava no meu íntimo, tendo as pessoas ficado impressionadas com a tristeza que me abatera e me prostrara.

No começo, ia às palestras e às sessões de estudo por mera cortesia ao querido mano, que me incitava a coragem para vencer a dor. Aos poucos, porém, a suspeita de que pudesse receber palavras de conforto do espírito que soube evoluído e não infantil daquele que partira, pós-me atento às lições de Kardec que se repetiam nas aulas.

Muitas palavras foram tornando-se especiais, havendo uma em particular que me ofereceu o primeiro trago de resignação à sorte: "cada qual colhe o que plantou".

Meu primeiro raciocínio foi bastante periférico e nada conclusivo:

- Quer dizer que meu espírito está endividado?
Primeiro pus as causas do sofrimento em vidas anteriores. Comecei achando que aquela criatura que me dera tanta satisfação constaria entre a minha prole por débitos meus e que sofreu a desdita da súbita partida para me castigar.

- Não é verdade que estou magoado, sentido, abismado?...

Por sorte, logo em seguida, pus tento em outra expressão saudável: "Deus é pai de misericórdia e jamais desampara um filho seu".

Está claro que me passou um frio pela espinha, porque logo me lembrei de que desamparara eu meu filho. Mas, de imediato, rejeitei aquela impressão dolorosa e atribuí ao Criador o sentido do perdão absoluto das faltas, imaginando que Jesus era o filho querido que fora enviado para perecer na cruz.

- Deus, que é puro amor, não enviaria seu filho para a morte, sem que houvesse um objetivo sagrado, qual seja o da salvação da humanidade pela divulgação do evangelho.

O pensamento, versado em comprovação muito capenga da vontade divina, manteve-me ocupado durante bastante tempo, até que, um dia, sentindo-me infeliz, perguntei:

- Senhor, se o evangelho se promulgou durante a vida do Cristo, por que haveria necessidade de sofrer morte ignominiosa, perante a humanidade? Seria para que esta se atribuísse o mesmo sentimento de culpa que me consome as entranhas?

Veio-me, então, à lembrança a terceira condição para meu restabelecimento: "fora da caridade, não existe salvação".

Se não deixei claro ainda que me sentia perdido, era exatamente essa a idéia que me alimentava a desesperança.

O sentido da caridade unido à salvação me clareou a mente, porque me pareceu absolutamente certo que ninguém pode ser condenado pela eternidade. Meditei a respeito de até quando teria de sofrer com a desdita da tragédia familiar e cheguei à conclusão de que, se levasse a ferro e fogo o pensamento negativo, não descansaria em vida nem após a morte.

Somente nesse dia é que passei a considerar o meu procedimento arrojado de antigamente como a causa mais correta para o sofrimento. Era o impulso de querer saber tudo, de querer estabelecer as normas e regras, de querer resolver todos os dramas através da simplificação das respostas, transformando a complexidade da vida na mera questão aritmética do "dois mais dois igual a quatro".

Abandonei a intuição das vidas anteriores, do carma trazido do etéreo, da angústia natural dos imperfeitos, e passei a considerar a possibilidade do acaso, do encadeamento de causas fortuitas para o desenlace dos fatos que não contêm a participação da consciência e do livre-arbítrio.

Jesus morreu sabendo que iria ser crucificado, porque estava ciente de que ofendera os príncipes e sacerdotes. Não quis fugir e adentrou em Jerusalém, respeitando a profecia.

Meu filho, pobrezinho, não tinha noção de que aqueles fios carregavam energia suficiente para carbonizá-lo.

Se Jesus era inocente e puro, puro e inocente também era meu filho. Jesus foi vítima da sanha dos homens; meu filho, de um conjunto de fatores costurados dentro de civilização que visa ao bem-estar material.

O resultado dessas reflexões me foi muitíssimo proveitoso, porque passei a trabalhar em prol dos necessitados, dando-lhes de mim, com esforço e dedicação, porque não podia tirar dos membros de minha família. Por sorte, obtive a compreensão de todos.

Somente deste outro lado da vida, no entanto, é que compreendi que fora a transformação que me dera a aprovação dos companheiros, porque já não lhes causavam mal-estar a minha arrogància, a minha firme deliberação, os meus arrojados e destemidos pontos de vista.

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