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cronicas-->"O SONHO, O DIA E A NOITE DE JOÃO COMBRAY" A Noite -- 13/09/2002 - 15:54 (Wilson Gordon Parker) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
"O SONHO, O DIA E A NOITE DE JOÃO COMBRAY"

Terceiro capítulo : A noite

Acordou as oito e pouco da noite. Uma friagem carioca salpicava o ar. Nuvens cinzas balançavam no horizonte. A metade de uma lua brilhava no meio de algumas estrelas.
O mordomo Henrique preparava o seu jantar, que seria uma salada mista, sanduíche de bacon com queijo e uma cerveja.
Fumava e pensava, embalado por um gostoso som.
Sua mãe havia saído para jogar bridge. Pensava no que iria fazer aquela noite. Podia contar nos dedos o número de amigos que tinha: uns dois ou três. Mais nada. Não queria procura-los, pois ficaria completamente deslocado no ambiente. Ele se sentiria mal, e eles também.
Durante os anos em que fora viciado só transava com a patota do vício, que era completamente marginalizada do resto do mundo. Formavam um grupo fechado. Ao deixar o vício, perdera o elo de ligação que tinha com eles.
Mulheres não faltavam.
"Será que terei que passar o resto de minha vida só conversando e andando com mulheres?", pensou.
Começou a rir. Era uma idéia estranhamente estúpida.
Talvez o seu médico estivesse certo ao dizer que ele precisava se "reajustar na sociedade". No entanto, ele detestava estas frases pré-fabricadas. O sentido estava certo, mas o modo pelo qual era dito não descia pelos ouvidos de Combray, pois o fazia parecer um impotente, um débio mental.
- Essas grandes frases torram o meu saco, exclamou Combray.
- Disse alguma coisa João, falou Henrique.
- Não. Estava pensando alto.
- O jantar já está na mesa.
Depois da refeição saiu, sem ter um destino certo. Passou pelo bar que ficava na Rua Gustavo Sampaio, tomou um cafezinho e comprou cigarro. Todos conversavam alegremente sobre "alguma coisa". Pareciam descontraídos, sem problemas. O carro estava parado no calçadão da Atlàntica. Foi caminhando lentamente até o mesmo. Colocou o pé num hidratante e ficou olhando para a praia. Antes de entrar no carro, resolveu sentar num bar. Pediu um Chopp e um conhaque. Uma garota do exercito da salvação ofereceu-lhe um jornal. "Dê quanto quiser", disse ela. Ele deu qualquer coisa. Ficou olhando indiferente o que ali estava escrito. Levantou-se, foi a balcão e pediu o telefone. Discou o número de uma conhecida e esta atendeu. Combray ouviu a sua voz. Ficou indeciso e desligou. "Para que chatear os outros", pensou. Voltou para a mesa. Depois de meditar algum tempo, pediu outro conhaque e pousou o olhar nas ondas calmas do mar. Pouquíssimas pessoas circulavam por aquela parte. O ligeiro vento espantara todo mundo. O bar em que se encontrava estava vazio. Conversou durante um certo tempo com um dos garçons que sempre lhe servia. Era um bom "papo". Depois de tomar mais uns quatro conhaques, pediu a conta.
Entrou no carro, ligou o toca fita e ficou pensando, olhando para o céu. Burilando o infinito indevassável, estrelas congeladas e iluminadas se arrastavam pela realidade negra do céu. Eram pontos errantes e solitários, neutros, cheios de vida, repletos de morte. Possuíam a beleza sofisticada das coisas intocáveis. Um vento áspero e úmido agitava o galho árido, completamente seco, morto, insensível.
Tremulava um resto de natureza.
Combray começou a lembrar de seu pai, que deveria estar em algum lugar da Europa, da sociedade que o cercava, de seus "ex-amigos" viciados, das pessoas que apenas conhecia por notícias na imprensa e muitas outras coisas mais. Pensava. Eram autómatos, intragáveis e sistemáticos, que rastejavam dentro de uma sociedade insuportável. Falsidade e hipocrisia escondiam a viscosidade interior. Sentiam medo. A regra do jogo os apavorava. Só roubavam quando jogavam sozinhos. Nada. Eram restos.
"É nesta viscosidade que eu tenho que me grudar, pois só assim obterei o diploma de" "Reajustado Social".
"Que curso difícil", pensou João.
No entanto, se havia vida, exigia-se uma necessidade: existir.
"Mas será isto obrigatório?" pensou.
Após longo tempo, Combray exclamou :
"Mas o que eu quero é possuir o destino da minha existência, nem que seja para nada fazer com ele."
Uma nuvem cinzenta, sem destino, perdida na escuridão, carregava a agonia dos inocentes. Mais adiante deveria desaparecer. "Eles também". Tudo em vão. João queria ser um objeto liberto, não dependente: mas não solitário. Só pretendia existir aqui. A morte significaria simplesmente um fim. Nada mais que isso.
Os honestos do mundo estavam tristes. Na face dos que acreditavam, surgiam vários pontos de interrogação. Guerra e morte. Miséria e fome. Continuava o silêncio supremo. Aquela nuvem cinzenta desapareceu, mas lá vinha outra. Guerra e morte. Miséria e fome. Crescia o receio. Muitas nuvens cinzentas ainda vagariam pela noite povoada de estrelas.
Não adiantava. Tudo em vão. Sem razão.
Estranha alegria. Estranhos ajustados sociais.
Escuridão. Murmuravam as ondas. Um vento cortante rasgava a lentidão do vazio. Ressoavam passos solitários.
Subitamente, o ranger de pneus, provocados por uma violenta freiada, explodiu na noite silenciosa, acompanhada por um baque surdo.
"Alguém foi atropelado", gritou João, abrindo violentamente a porta do carro. Correu em direção ao local. Janelas se abriram. Luzes foram acesas. Cortinas foram puxadas. Os poucos que estavam pelas imediações também correram.
Combray foi o primeiro a chegar. Um corpo estirado na avenida. Uma garota, aparentando uns quinze anos, parecia estar agonizando. Duas muletas, e mais o corpo de uma mulher de cabelos grisalhos, também estavam jogados no asfalto. Era aleijada.
Combray ajoelhou-se e segurou cuidadosamente a sua cabeça. Ainda vivia. Vagarosamente olhou para o céu e depois para João. O sangue começava a escorrer de sua boca. Lançou um olhar inocente para ele e balbuciou:
"Meu Deus !"
Quando Combray ia dizer alguma coisa... ela morreu.
Sua mãe também estava morta. Lá vinha outra nuvem cinzenta.
Combray sentiu náuseas. Largou aquele corpo inerte e correu para o carro. Não conseguia reter o vómito. Sua camisa banhada de sangue.
Desespero, solidão e morte.
Arrancou violentamente com o carro e, pelo trajeto sem destino, ia gritando:
"Porque ela morreu? Porque? Por quem? Por mim? Por esta humanidade estúpida e falsa?".
Cruzou as praias de Ipanema e Leblon numa velocidade assustadora.
"Seus sujos, porcos, filhos da puta, viados, vermes imundos, covardes".
Entrou pela Av. Niemeyer fazendo curvas alucinantes, completamente fora de si. Subitamente, algo apareceu na sua frente.
Era o vulto que ele vira descendo a escada no sonho que tivera.
ERA A SUA MÃE !
Para não atropela-la, ele tenta desviar para o lado, e por fim, perdendo a direção, vai violentamente contra a murada.
As ondas, lá embaixo, batiam desesperadamente contra as pedras.
João, ainda consciente, sentiu que o carro estava caindo no precipício.
Distinguia, perfeitamente, aquelas pedras pontiagudas, que apontavam diretamente para ele. Lembrou-se dos seus pesadelos e daquelas rochas horríveis, que ele nunca atingia.
Mas naquele momento, ele tinha certeza absoluta de que tudo o que estava acontecendo era real.
Afinal, conseguira identificar o vulto que participava de todos os seus tormentos pela madrugada adentro.
Estava satisfeito. Deu uma estrondosa gargalhada e gritou:
"Descobri a minha verdade e possuí o meu destino".
O carro espatifou-se nas pedras pontiagudas.
Uma enorme fogueira iluminou a escuridão, clareando as nuvens cinzentas que passavam, ofuscando o brilho das estrelas.
A noite estava linda.

FIM

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