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Cronicas-->CONFISSÕES DE UM ENVELHECENTE -- 13/09/2002 - 23:43 (Gabriel Salgado) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
CONFISSÕES DE UM ENVELHECENTE

Ele acordara inspirado naquela manhã de primavera, e resolveu escrever um texto rendendo homenagem às suas musas inspiradoras. Depois do café quente com torradas, acomodou-se diante do computador e começou bater nas teclas freneticamente:

Minhas ADORADAS mulheres, as femininas e também as masculinas, já que cada uma é uma, única e especial, na sua particular individualidade e no modo de ser, e que leva indiscriminadamente minha devotada atenção. Eu desejo, neste espaço privilegiado de vosso deleite, na minha coluna especialmente dedicada ao vosso prazer, expor algumas das minhas mais recentes confissões, como CONFISSÕES DE UM ENVELHECENTE (título genialmente sugerido por meu filho adolescente para meu próximo livro) já que sofro, como ele, as dificuldades de adaptação nesta zona transitória da estepe onde o Lobo já sente a fome decorrente da solidão e da incapacidade de caçar sozinho, tal como o filho que na juventude, se divide entre os anseios e impulsos adultos e a deliciosa liberdade inconsequente da infància.

Pois aqui vão algumas das reflexões que o Lobo envelhecente faz, tal como acontece enquanto ele assiste a borbulhante e florida saída de um tradicional colégio da zona nobre da cidade e vendo as gatinhas salientes que fofocam no portão, em vez de paquerar as meninas, fica observando as mães das ditas que as vêm buscar, chegando à conclusão que quando isso ocorre é a prova irrefutável de ter chegado à meia idade.

Pois, é, um envelhecente tem muitas dificuldades de adaptação ao nosso mundo turbinado e volátil deste novo século.

Ele vai ao churrasco dos amigos no sábado e se sente ridículo com as bermudas enormes até nos joelhos, com bolsos dignos de um soldado. O tênis mais parece uma nave Interprise, prateado e cibernético.
Tem uma sola com tantos amortecedores e fluxos de ar, que chega dificultar o equilíbrio. A camiseta justa e de manga cavada, que expõe os bíceps meio frouxos do físico ex-atlético, já iniciando o declínio, apesar das horas matinais correndo no parque ou em torno da lagoa, das constantes sessões de step na academia, sem falar na guerra permanente contra um pneu que insiste em se manter como estepe na barriga do infeliz, resistindo às duzentas flexões abdominais no ABShaper que ele completa religiosamente todo dia.

O cabelo, ou o que restou dele entre entradas e saídas das frontes lisas, já está completamente pintado de branco, ou branqueou total, deixando um sinal impossível de dissimular, que meio século de frustrações travaram ali ferrenhas batalhas contra o punhado escasso de alegrias e realizações.

A sorte é que as varizes ainda diminutas, não se tornaram uns caroços grossos e roxos, que às vezes saltam sob a pele dos velhos. Mas os joelhos já começam a ficar menos roliços e bem mais angulosos, as canelas mais finas, as coxas menos troncudas e massudas.

Na parte superior das mãos, veias salientes indicam que uma certa pressão arterial meio elevada já marca sua presença na pulsação de um coração que se divide entre bombear o sangue necessário para a máquina não parar e ficar de "firula", encantado com as lindas imagens das gatas exibidas nas capas de revista, demonstrando que a volubilidade dele permanece intacta desde os tempos de adolescente.

A coleção de números da revista Play Boy ou da Rustler já faz uma pilha que superlota duas estantes no escritório. Ele é do tempo em que a Rose di Primo exibia tangas mínimas de crochê no Píer, e tirava suspiros do Daniel Filho, dele e dos amigos que bebiam no bar Garota de Ipanema.

Sim, isso não mudou muito, ele continua suspirando por todas as garotas da capa dos últimos 40 anos.

Mas sofre um baque quando ele entra no elevador com espelhos na cabine e vê que a imagem ali refletida parece mais com a do pai dele, do que a que ele conserva de si mesmo na memória.

Aí, a coisa "pega" pois é mesmo inevitável que uma gatinha entre no elevador e o chame de "TIO".

Quanto a isso, nada a fazer. Mas é importante confessar nestas confissões, que o envelhecente ainda sabe como nunca, ser elegante e cortês com uma mulher, que sabe exatamente o que dizer e fazer para que ela, independentemente se tem 16, 26, 36 ou 46 anos, fique se sentindo muito mais feliz naquele dia.

Isso é uma grande vantagem em relação ao que ele desconhecia quando era adolescente. A diferença é que hoje ele diz tudo o que sabe, e mesmo ficando toda satisfeita, se a gata é nova pensa: "Esse tio não se enxerga". Se a mulher passa dos 26, pensa: "O coroa está crente que está abafando".

Se já tem mais de 36, aí, fica complicado, porque certamente ela vai pensar: "Laranja madura na beira da estrada, ta bichada ou tem marimbondo no pé".

Claro que o Lobo é ainda um coroa muito conservado e interessante, mas ele sabe o que já existiu antes, por isso sua frustração.

Moral da estória, na verdade, o envelhecente, tal como o adolescente, estão numa faixa pantanosa onde as mais novas não querem e as mais velhas não confiam. A diferença é que o adolescente ainda pode ter esperanças no futuro.

Mas nem tudo é espinho nessa via complexa da "envelhecência". Realmente, quando o Lobo consegue ter a chance de provar sua experiência, pode mostrar como é mais fácil para ele, encontrar o Ponto G do que onde está o Wally.

Ele sabe por total necessidade de preservação da capacidade de continuar no jogo, que não pode marcar vários gols no primeiro tempo, e que no ringue do sexo, mais vale uma cacetada bem dada do que um monte de jabs apressados.

Aprendeu que um jantar recheado de requinte e boas iguarias, num bom restaurante, ou na casa dela, à luz de velas, prolongando ao máximo a inevitável e desejável hora da intimidade, pode criar um suspense que faz o azeite da salada ficar bem mais espesso e saboroso para a noite. E sabe, depois de muitos erros e alguns casamentos desfeitos que, no fundo, o importante não é ser, nem ter exclusividade de nada, mas ter sempre reservado um lugar muito especial nos corações de várias delas, até para que não tenha a surpresa de acordar sem lugar onde se abrigar no dia que o coração da outra resolver mudar de endereço.

Também sabe que não pode se dar ao luxo de escolher tanto, como fazia com 16 anos, e aprendeu a descobrir coisas lindas e muito encantadoras em quase todas as almas femininas, e mais ainda nos corpos, pois o valor do tesouro, neste caso, é determinado pela capacidade de alquimista que ele tenha, de transformar em ouro qualquer pedra filosofal que lhe apareça pela frente. Assim, usando de todas as suas sensações, seus membros, suas idéias, sua experiência, o Lobo fica assim, latente e potencialmente muito disponível, cheio de amor pra dar e com um apetite muito maior que sua verdadeira capacidade de devorar.

Para terminar, ele deu uma deliciosa baforada no cachimbo Andes de escrever:

Pois é, queridas amigas, aproveitem, e logo, pois esta fase maravilhosa da envelhecência, tal como a adolescência, não dura muito. Só que o que vem depois é apenas o prenúncio do fim.
Gabriel Salgado.
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