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Artigos-->UM FLAUTISTA CHAMADO STANISLAV HARUBÝ -- 07/08/2012 - 10:27 (LUIZ CARLOS LESSA VINHOLES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


UM FLAUTISTA CHAMADO STANISLAV HRUBÝ



 



L. C. Vinholes



 



No final de 2011, a transmissão de uma série de quatro programas sobre a Checoslováquia, por um dos canais de televisão mostrando a beleza das suas cidades e o progresso do país depois do colapso de regime comunista no Leste europeu, fizeram-me recordar momentos de tristeza e apreensão que vivi tomando conhecimento do quanto sofria e o quanto era oprimido um amigo com o qual meu relacionamento limitava-se à esporádica troca de correspondência.



 



No final de 1977, logo após mudar do Japão para o Canadá, recebi exemplar do International Who´s Who in Music, publicado na Inglaterra, com milhares de verbetes sobre compositores, intérpretes e regentes de todos os tempos e de todos os quadrantes do globo.



 



Instintivamente, procurei verificar se meu nome figurava daquela publicação e se ali estavam também os compositores brasileiros mais conhecidos - Villa-Lobos, Guarnieri, Mignone, Koellreutter, Gilberto Mendes, etc. -, o que se confirmava a cada página que folheava.



 



No meu verbete, além de informações referentes à minha formação, inclusive a passagem pelo Departamento de Música do Palácio Imperial de Tóquio e a participação em eventos internacionais patrocinados pela Unesco e Aica_edn1" name="_ednref1" title="">[i], é citada também minha relação com a poesia concreta e o fato de ser autor de um livro sobre acústica, em parceria com Brasil Eugênio da Rocha Brito e Antônio Galvão Novaes.



 



Por curiosidade, interessou-me verificar quantos seriam os compositores flautistas com seus nomes naquela publicação. Pacientemente, fui checando página por página e anotando nomes e endereços em uma lista que, ao alcançar os últimos verbetes, tinha mais de quinze, dentre os quais: Lorna Lewis, James J. Pellerite, Carol M. Miller, Jean Simpson, Christine M. e Stanislav Hrubý.



 



Preparei carta-circular de dois parágrafos_edn2" name="_ednref2" title="">[ii]enviando para todos exemplar da peça de minha autoria para flauta solo intitulada Existencialismo (1958), obra dodecafônica composta para coreografia homônima da creative-dancer estadunidense Mary Mackinney e publicada em Tóquio pela Editora Shin Nippaku (1960). Incluí cópia dos dados biográficos do catálogo de minhas obras_edn3" name="_ednref3" title="">[iii], publicado pela Universidade de Brasília de parceria com o Departamento Cultural do Itamaraty e a Seção Brasileira da Sociedade Internacional de Música Contemporânea (SIMC), bem como de três programas de recitais no Brasil e no exterior dos quais figurava Existencialismo.



 



Dentre as cartas de retorno, acusando recebimento de minha missiva e do material enviado, uma teve significado especial, pois deu início a uma troca de correspondência que marcou minha relação com meu interlocutor. Veio de Praga, capital da Checoslováquia, do flautista Stanislav Hrubý, datada de janeiro de 1978 onde ele esclarece que embora tendo capacidade para tocar até mesmo composições mais difíceis não podia tocar em público, por ser apenas um flautista de orquestra e que, para desenvolver a atividade como solista, ainda não tinha credenciamento_edn4" name="_ednref4" title="">[iv].



 



Em junho de 1978, respondendo minha missiva de maio daquele ano, Stanislav fez confidência que me deixou extremamente chocado, apesar de não ignorar o regime vigente no seu país_edn5" name="_ednref5" title="">[v], onde os chefes controlavam até mesmo a vida particular dos seus nacionais. Escreveu que “infelizmente, já não devo corresponder-me com estrangeiros sem conhecimento dos nossos superiores”, mas, manifestando esperança, mostrou acreditar que “talvez esta medida seja temporária”. Concluiu pedindo ser desculpado e afirmava: “não devo escrever pelo momento”._edn6" name="_ednref6" title="">[vi]O silêncio que eu prezava tanto como importante elemento estrutural em música, foi desta vez uma tortura indescritível.



 



Nossa troca de correspondência nos anos subsequentes limitou-se a alguns cartões postais apenas para alimentar o desejo comum de não cancelar nosso contato. Foi assim que fiquei sabendo que, em maio de 1979, ele, como membro da Orquestra Sinfônica Checa, havia participado de turnê em alguns países europeus, inclusive a Áustria. O colorido cartão de Viena mostra o monumento a Mozart no Parque Público, os das estátuas a Johann Strauss e Robert Schubert no Parque do Estado e as vistas das cúpulas da catedral de Santo Estevão e da Ópera Nacional sobressaindo-se aos telhados do casario de Viena. No outro lado do cartão apenas breve saudação “My hearty greetings from the concert-tour”._edn7" name="_ednref7" title="">[vii]



 



Em setembro de 1980, voltei a contatar Stanislav enviando-lhe recorte do diário “The Citizen” de 6 de setembro daquele ano, noticiando os principais eventos musicais da temporada 1980-1981 do Centro Nacional das Artes de Ottawa, inclusive os concertos da Orquestra Filarmônica de Praga, previstos para 14 e 15 de março de 1981. Manifestei minha esperança de que ele fosse a Ottawa e que nós pudéssemos nos conhecer. Na mesma correspondência, contei ter assistido em 4 de janeiro daquele ano a inauguração da exposição de fotografias “Checoslováquia hoje”, patrocinada pela embaixada tcheca. Da exposição, destacando monumentos e prédios, constavam três fotos da referida orquestra no palco do teatro de Praga, mas pelos ângulos que foram tiradas, não era possível ver os flautistas, cobertos por magníficas colunas. O que não registrei nesta carta foi que, na inauguração da mostra como representante do embaixador Geraldo de Carvalho Silos e como encarregado do Setor Cultural da Embaixada, tive oportunidade de cumprimentar ao embaixador Stefan Murin e com ele comentar minha relação com um músico do seu país, sem dar o nome e muito menos precisar informações. Depois fiquei sabendo que meu amigo não viria ao Canadá pois integrava a Orquestra de Câmara da capital tcheca



 



Para minha surpresa em 5 de maio de 1986 recebi carta, de 22 de abril do mesmo ano, de um só parágrafo, na qual, desculpando-se pela demora em responder a que recebera,  informou que havia pedido e conseguido permissão para escrever-me._edn8" name="_ednref8" title="">[viii]E continuou dando detalhes sobre a difícil situação de vida: “Tenho cada vez menos tempo para música. Nos últimos anos já não componho mais. Na orquestra estou ocupado com ensaios, concertos, gravações e turnês. Em casa pratico a flauta, mas na maior parte do tempo ocupo-me com compras, fazer a comida, lavar roupa, consertos_edn9" name="_ednref9" title="">[ix], ir atrás de necessidades extras e de diferentes trabalhos de manutenção. Estou feliz com sua consideração, mas creio ser desnecessário perder seu tempo comigo. Pelo fato de não falar inglês não consigo contar para você minha situação”. A carta termina de maneira cordial - “I wish you much creative success. Kindest regards” -, seguida da assinatura com tinta azul e em movimento acentuadamente ascendente, característica positiva, diriam os grafólogos, que manteve na correspondência dos vinte anos dos nossos contatos.



 



Em 4 de abril de 1995, valendo-me da portadora Priscila Barroso colega de Itamaraty servindo na embaixada em Praga, enviei para Harubý não só carta_edn10" name="_ednref10" title="">[x]e pequenas lembranças,_edn11" name="_ednref11" title="">[xi]mas também cópia de dois artigos_edn12" name="_ednref12" title="">[xii]que publiquei em Brasília sobre a apresentação em março do mesmo ano da Orquestra de Câmara de Praga, criada para o Festival de Primavera de Praga de 1952, tendo como regente e violoncelista Christian Benda, natural de Salvador, Bahia, filho de Luzia Benda, professora de música e personalidade soteropolitana cativante, e Sebastian Benda, pianista de renome, suíço nascido na França, professor e diretor da Escola Livre de Música da Pró-Arte em São Paulo, dos Seminários de Música da Universidade Federal da Bahia, do Departamento de Música da Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. 



 



Em 18 de junho de 1995 recebo a carta de 5 do mesmo mês, referindo-se àquela que recebera das mãos de Priscila. Mais extensa e detalhada - com cinco parágrafos -, esta carta mostra a situação de desesperança e desespero vivida por um artista na República Tcheca país que, embora com independência obtida em 1993 com a separação amigável da Esclováquia, era dominada por regime de opressão: “Há anos devia conhecer pelo menos parcialmente as línguas das nações nas quais seguidamente temos turnês. A pequena remuneração e a má saúde obrigam-me a cuidar de mim mesmo, o que não consigo. Além disto, esqueci as habilidades e conhecimentos musicais, poéticos, artísticos e linguísticos. Procuro não pensar sobre música, poesia e arte - do amor, da arte, da justiça -, mas não consigo. Por motivo da insuficiência de dinheiro e tempo não posso fazer o que gostaria. Socialmente nunca pertenci à primeira classe. Um apartamento, no qual pudesse praticar e tocar instrumentos musicais, era inalcançável para mim. Infelizmente não sei qual será sua crítica, mas abri mão de minha posição aos ex-colegas da Orquestra de Câmara de Praga. Sua carta me alegrou muito e sinto não poder escrever algo mais prazeroso para você”._edn13" name="_ednref13" title="">[xiii]



 



Em 1997, quando trabalhava em Milão para criar o Instituto Brasil-Itália, telefonei para Stanislav. Nosso diálogo – primeiro e último -, foi efêmero, o suficiente para ele confirmar que há anos estava aposentado, completamente sem recursos, com a saúde seriamente abalada e sem ânimo para viver. Confesso que, pela distância e nenhuma convivência não permitindo um diálogo mais fácil e franco, tive enorme dificuldade em tentar convencer meu interlocutor de não desistir e lutar com esperança e determinação.



 



Praga, conhecida como a Pérola do Oriente, é um museu a céu aberto com mais de meio milênio de história, com monumentos arquitetônicos nos estilos romanesco, barroco e gótico, ali se destacando a Catedral de Nossa Senhora de Týn com suas magníficas torres; a igreja de São Nicolau; o Castelo com a Catedral de São Vito;  o relógio medieval Radnice; e tantos mais. Quem subir os 186 degraus do Portão de Pólvora, com construção iniciada em meados do século XV, alcançará a plataforma a 44 metros do chão de onde poderá observar as curvas do Rio Vltava e suas belas pontes, mas vendo tanta beleza ninguém imaginará que, à sombra disto tudo, um artista sem liberdade sofreu sem concretizar seus sonhos e suas aspirações.



 



Sempre que recordo os episódios descritos, concluo que se com minha correspondência com os compositores flautistas que encontrei nos verbetes do International Who´s Who in Music esperava por algo que compensasse minhas despretensiosas intenções o fato de, por duas décadas, ter mantido contato com Stanislav Hrubý e dele, apesar das difíceis e inaceitáveis condições em que vivia, receber as atenções que me foram dadas, faz sentir-me plena e profundamente gratificado. Esta é a razão deste artigo.



 





 




_ednref1" name="_edn1" title="">[i]Associação Internacional de Críticos de Arte com sede em Paris, da qual foi presidente o escritor e crítico Mário Pedrosa.





_ednref2" name="_edn2" title="">[ii]Ottawa, Winter 1977.  / Dear Friend, / ours names are in the last edition of the International Who´s Who in Music. / As a gift, I am sending herewith a copy of my work for flute solo, hoping that you will enjoy it. / With my best wishes.





_ednref3" name="_edn3" title="">[iii]Em português, inglês e alemão, publicado em outubro de 1976.





_ednref4" name="_edn4" title="">[iv]“I can interpret much more exacting compositions too, but not publicly. I am only an orchestral player. For activity of soloist I have not already a disposals”.





_ednref5" name="_edn5" title="">[v]Em 1968, as forces do Pacto de Varsóvia intervieram na Tchecoslováquia mantendo-a fechada por vinte anos.





_ednref6" name="_edn6" title="">[vi]“Unfortunately, I must not already be in correspondence with foreigners without cognizance of our offices. May by it is the measure temporary. Excuse me that I shall not write for the present”.





_ednref7" name="_edn7" title="">[vii]“Amigáveis saudações, da turnê de concertos”.





_ednref8" name="_edn8" title="">[viii]“Up to your agreement I request for permission and so you with delay I write back”.





_ednref9" name="_edn9" title="">[ix]Indicando que fazia bicos, certamente para suplementar seus parcos recursos.





_ednref10" name="_edn10" title="">[x]Today I have something to say to you: I was fortunate attending the Concert of the Praga Chamber Orchestra, at the Theater Claudio Santoro, the Brasília National Theater. It was fantastic. Christian Benda, the cellist and conductor, was born in Northeast Brazil, son of a friend of mine, Sebastian  Benda married to Luzia a Brazilian music teacher from Salvador, State of Bahia. Sebastian, Luzia and I worked together in many occasions at the Free School of Music in São Paulo, at the International Music Summer Courses in Teresópolis and at the International Seminars in Salvador. After the Concert, I talked with the second flutist of the Orchestra and I ask news about you. He knew very little, but he gently told me that you live in Praga, confirming what I knew from yourself. Herewith enclosed I am sending you, as my modest gift, the program of the above-mentioned Concert. I wrote two articles for the newspapers in Brasília about the Orchestra and the Concert. It is in Portuguese but I am sending you copies of it, wandering if you will have some way to know what I wrote.





_ednref11" name="_edn11" title="">[xi]Maços de cigarro e barras de chocolate, atendendo manifesta preferência.





_ednref12" name="_edn12" title="">[xii]A Orquestra de Câmara de Praga, publicado no Jornal de Brasília (01.04.1995) e Orquestra de Câmara satisfaz expectativas, publicado no Correio Braziliense (03.04.1995). 





_ednref13" name="_edn13" title="">[xiii]“Before years I had to know at least partly languages of those nations, in their countries we had often concert-tours. The small revenue and the bad health force to me the self- help works, which I cannot. For ever more I forget musical, poetic, artistic and linguistic abilities and knowledges. I endeavour think not of the music, the poetry, the art - of the beauty, of the love, of the fairness -, but fail not me it. By reason of the scantiness of money I did not pertain to a first category. An apartment, in which I could practice and play the musical instruments, he was unattainable for me. Unfortunately I know not the contents your criticisms, but I was hand over them both to former colleagues in Prague Chamber Orchestra. Your letter very pleased me and I am sorry that I cannot write anything more joyful to you”.



 



 



 



 




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