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Contos-->A Festa ou O Ano Novo -- 13/12/2002 - 11:26 (Eloá França) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A casa ficava à beira do lago. Era dia de festa de ano novo, passava-se do ano 2002 para o ano 2003, e as luzes estavam todas acesas. Champanhe para todos. Tocava-se música para todos os gostos, todas as épocas. Muitos dançavam. As roupas, em geral brancas ou amarelas, as das mulheres, os homens mais sóbrios, de cinza ou azulado.

Num certo momento a luz acabou, e, quando se esperava que a festa fosse definhar, aconteceu um momento mais interessante, as pessoas falavam mais, se escutavam, se viam. As luzes da lua e das estrelas iluminavam. A maioria já embriagada, alguns felizes e outros tristes.

Podia-se ver um homem sentado em uma cadeira, com a cabeça mergulhada na mesa, largado. Num outro canto várias mulheres juntas, seus rostos extremamente maquiados, entediavam-se umas às outras. De um outro lado o dono da casa olhando tudo com um ar arrogante, soberbo. Sua mulher, ao contrário, era elegante e simples. Às margens do lago, um pouco escondido, onde havia mais árvores e estava escuro, um marido perguntou à mulher:
- Eu estou morto?
E a mulher disse:
- Como?
- Eu estou morto?
Ela se virou e saiu. Completou antes de sair:
- Estou cansada desse delírio. Não me venha com esta onda mórbida. Não tenho nenhuma chance. Todas as vezes que começo a me divertir, você passa os limites.

Viam-se também outros casais, uns três ou quatro, que não paravam de se beijar, os corpos colados. Na pista de dança uma mulher beirando os 50 anos cantava alegremente músicas tristes. Podia-se ver também uma loura, os olhos muito azuis, procurando todo o tempo o seu marido, não conseguia encontrá-lo em parte alguma. Na beira da piscina quatro amigas conversavam animadamente, riam e observavam todos os que passavam. O humor delas fazia barulho. Alguns passavam correndo para não serem objeto dos comentários, fugindo delas, daquelas mulheres inteligentes.

Um jovem olhava uma jovem há várias horas. Ela era linda. Possuia um ar confuso e feliz. Parecia que nada ia acontecer entre os dois. Mas, num certo momento, quando a jovem, por um deslise, esqueceu-se dele, ele se aproximou, trocaram três ou quatro frases e começaram a se beijar.

Dois homens falavam animadamente. Suas vozes eram altas e claras. Falavam sobre política. Os dois eram contra o endividamento, as privatizações desenfreadas, a terceirização dos serviços básicos, os contratos de gestão em áreas de interesse social, a diminuição dos instrumentos de controle do poder público, a flexibilização das leis. Por fim, achavam que esta conversa de terceiro milênio, nova economia, era apenas uma nova maneira de oprimir e de perpetuar as desigualdades.

Mais adiante, alguns jovens também falavam sobre política. Falavam sobre a ALCA. Uns acreditavam que ela traria vantagens para o país, outros diziam que a situação no México após a NAFTA havia piorado, a vida da população em geral. A pobreza que antes atingia 49% da população, agora atingia 75%. Os que eram contra diziam que iam participar de manifestações, abaixos-assinados e tudo o que pudesse ser feito para impedir a concretização da ALCA. Um outro, mais rápido e elétrico, dizia que esta coisa de liberação de fronteiras era uma lorota daquelas, porque não se falava em liberação de fronteiras para a circulação da mão de obra e das pessoas, então não existia de fato esta liberação, era só liberação do que impedisse o lucro desenfreado, a transferência de riqueza. Era preciso aumentar a renda dos mais pobres e produzir mais alimentos, saúde, educação, preservação ambiental e cultura. A escolha dos produtos prioritários a serem produzidos pelo mercado em geral não podia continuar a ser definida pela classe média e alta norte-americana.

Outros falavam sobre futebol. Relatavam entre si detalhes de jogadas recentes e depois passaram a falar sobre os jogadores, para que time iriam e quais seriam os salários. Um deles foi falar com uma moça que chegava junto com os pais. Estendeu-lhe a mão. Ela também estendeu a sua, mas olhou de lado, não olhou nos olhos nem no rosto dele. Não reparou em nada.

Quatro casais conversavam sobre literatura. Um rapaz, alto e branco, declamava um trecho de Shakespeare, uma fala de Hamlet, repetidas vezes, depois perguntava para os outros o que eles achavam que significava aquela fala de Hamlet. Os que o escutavam não conseguiam dizer nada e perguntavam "Como é mesmo a fala?". Inúmeras vezes.

A mulher, que há pouco discutira com o marido perto das árvores, depois de andar um pouco por todos os lados, viu o marido conversando freneticamente com um garçon, chegou perto, mas ele a olhou com tanto ódio, que preferiu se afastar. Depois encontrou as amigas perto da piscina e se juntou a elas.

A meia-noite se aproximava. Todos foram convidados para irem até a beira do lago. Quando faltavam apenas 5 minutos para a virada do ano, começaram a soltar fogos. Eles eram maravilhosos, deslumbrantes, coloridos, formavam chuvas no céu, derramavam-se em direção ao lago, à terra e às pessoas, e desapareciam. Todos ficaram felizes. Contemplavam.

O jantar foi colocado. Havia peru, lombo, farofa, arroz com passas, tutu de feijão e salpicão. Todos se serviram. Alguns mais, outros menos. Nesse momento, em que ninguém mais esperava que fosse possível, muitos nem se lembravam que não havia luz, muitas velas haviam sido acesas, viram com surpresa todas as lâmpadas se acenderem ao mesmo tempo. No entanto, foi preciso esperar que os músicos terminassem de jantar para que a música recomeçasse.

O som voltou em um tom mais alto do que antes. Todas as conversas em cantos e em pequenos grupos foram interrompidas. A maioria dançou animadamente até amanhecer. As mulheres, todos os tipos presentes, dançavam como se fizessem parte de um único grupo, sem diferenças. Os homens também.

Alguns homens não dançavam. Um deles chamou o amigo para ir até o estacionamento ver o seu carro. Era um modelo novo, uma novidade do mercado, tinha vários acessórios até então desconhecidos para o outro. Ele voltou verdadeiramente admirado. Pensou que se não tivesse uma mulher que gastava tanto, o salário dela e o dele, já poderia ter um carro parecido com aquele. Ficou calado o resto da noite.

Os mais jovens foram sumindo. Muitos tinham outros programas.

O salto de uma das moças quebrou. Ela tirou o sapato e continuou a dançar. Muitas fizeram o mesmo. Os saltos eram altos, machucavam os pés. Ficaram mais à vontade. Fazia muito frio. Pouca coisa mais aconteceu. Muita dança. Muita animação. Pararam de tocar às 7 horas da manhã. Um bêbado subiu no palco, pegou o microfone e cantou uma canção romântica, profunda e psicológica. Alguns gostaram, acharam divertido.

A maioria ia caminhando em direção ao estacionamento. Despediam-se. Uma mulher gritou: "viva o Brasil, viva a educação, viva o social."

A mulher que tinha discutido com o marido no começo da festa, quando a luz acabou, escutou, e foi pegar a bolsa para ir embora. Quando estava dentro do carro, escutou a voz dele. Ele dizia: "me espera, não vá sem mim, não vá sem mim." Ela esperou, ele entrou no carro e, em seguida, estava dormindo. Ela se sentiu aliviada. Foi difícil acordá-lo quando chegaram, para que ele fosse andando até em casa.

No dia seguinte, ele não se lembrava de nada, de absolutamente nada.
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